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---|---|---|---|
YjKzu4YBgYBz1XKvEjL9 | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<br>
<font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: </font><br>
<font> </font><br>
<font> </font><br>
<font>I – No Tribunal Judicial da Comarca de Valongo, Companhia de Seguros BB, S.A., em acção com processo ordinário, intentada contra AA, pediu que, com a procedência da acção, seja o Réu condenado a pagar à Autora a quantia de € 36.608,26, acrescida de juros vincendos contados desde a citação até total e efectivo pagamento.</font><br>
<br>
<font> Para fundamentar a sua pretensão, alega, em síntese, que ocorreu um acidente de viação no dia 06.09.2004, em Campo, Valongo, em que foram intervenientes o veículo ligeiro de matrícula 00-00-RH, segurado na Autora, conduzido pelo Réu, seu proprietário, e o ciclomotor de matrícula 2-PRD-00-00, tripulado por CC, seu proprietário, e que o segurado conduzia a uma taxa de alcoolémia de 0,98 g/l, atribuindo a culpa do acidente a este e invocando que o acidente só ocorreu devido a grande quantidade de álcool ingerida pelo Réu.</font><br>
<font> Pretende ser reembolsada dos montantes liquidados na sequência do acidente em causa.</font><br>
<br>
<font> Na sua contestação, o Réu, além de impugnar parte da factualidade alegada na petição e de deduzir um pedido reconvencional, veio arguir a excepção de litispendência, sustentando que a Autora, com os presentes autos, propunha causa idêntica a outra já proposta quanto aos sujeitos, causa de pedir e objecto da acção, sendo em tudo idêntica à acção proposta em 21.09.2005, que corre termos no 3º Juízo do mesmo Tribunal.</font><br>
<font> </font><br>
<font>Em resposta a tal excepção, a Autora veio esclarecer que, por manifesto lapso dos seus serviços, havia sido proposta, em 21.09.2005, acção judicial contra o ora Réu, tendo aí desistido do pedido formulado, pelo que deve improceder a excepção invocada.</font><br>
<font> </font><br>
<font>A fls. 122 e seguintes, no seguimento de despacho proferido nesse sentido, foi junta certidão da petição inicial referente ao outro processo, registado com o n.º 4700/05.0TBVLG, e da sentença aí proferida, com nota de trânsito em julgado.</font><br>
<br>
<font> Foi proferido despacho saneador, onde se decidiu:</font><br>
<font> “- Julgar </font><b><u><font>procedente a invocada excepção dilatória de caso julgado</font></u></b><font> e, consequentemente, </font><b><u><font>absolver o Réu AA da instância</font></u></b><font>, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 493º/1 e 2 e 494º/i), ambos do Código de Processo Civil.</font><br>
<font> - Nos termos do disposto no art. 274º/6 do mesmo diploma legal, julgar não poder conhecer do pedido reconvencional deduzido pelo Réu AA contra a Autora Companhia de Seguros BB SA, por o mesmo depender do pedido formulado pela Autora”.</font><br>
<br>
<font> Após recurso da Autora, foi, no Tribunal da Relação do Porto, proferido acórdão, segundo o qual, dando-se provimento ao agravo, se decidiu revogar a decisão recorrida, “que deverá ser substituída por outra na qual se proceda à elaboração da base instrutória, se outra razão não obstar ao seu prosseguimento”.</font><br>
<br>
<font> Inconformado com tal decisão, dela veio o Réu interpor o presente recurso de agravo, o qual foi admitido.</font><br>
<br>
<font> O agravante apresentou alegações e respectivas conclusões, pedindo a revogação do acórdão proferido.</font><br>
<br>
<font> Contra-alegou a agravada, defendendo a manutenção do acórdão impugnado.</font><br>
<br>
<font> Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.</font><br>
<br>
<font> II – No acórdão recorrido, foi tida como provada a seguinte factualidade:</font><br>
<font>1. A Autora Companhia de Seguros BB intentou a presente acção com processo ordinário contra o Réu AA, articulando nos termos que se encontram enunciados supra I-A).</font><br>
<font> 2. Na acção proposta e que correu termos no 3º Juízo do Tribunal Judicial de Valongo, a aqui Autora, igualmente aí Autora, intenta acção contra o aqui Réu, pedindo a condenação deste no pagamento da quantia de € 11.147,66, invocando, como causa de pedir, um embate ocorrido no dia 6 de Setembro de 2004, entre os veículos 00-00-RH, segurado na Autora pelo contrato de seguro titulado pela apólice nº 06000000, e o ciclomotor de matrícula 2 PRD-00-00, embate esse ocorrido na EN n.º 15, ao Km 11, na comarca de Valongo.</font><br>
<font> Descreve a dinâmica do embate em causa imputando igualmente a responsabilidade na produção do mesmo ao condutor do veículo seguro na Autora, uma vez que este conduziria com uma taxa de álcool no sangue determinada em 0,98 g/l, mais descrevendo que o condutor do ciclomotor foi confrontado com a manobra levada a cabo pelo Réu, que ocupou a via da esquerda para aceder à Avenida ....</font><br>
<font> A título de danos, elenca, a saber: despesas suportadas com o internamento, consultas, exames e demais tratamentos médicos e medicamentosos a que o condutor do ciclomotor foi sujeito em virtude do embate, indemnização ao condutor do mesmo por abonos, despesas de tratamento, entre outros danos suportados pelo mesmo, e danos relativos à reparação do ciclomotor.</font><br>
<font> 3. Conforme resulta da certidão junta, a Autora desistiu do pedido aí formulado, desistência essa que foi homologada por sentença proferida em 22.03.2006, e transitada em julgado em 03.04.2006.</font><br>
<font> </font><br>
<font> III – 1. No acórdão recorrido, depois de se fazerem determinadas considerações sobre os preceitos legais relativos à excepção dilatória do caso julgado e a atinentes ensinamentos da doutrina, e para se concluir pela revogação da decisão impugnada, escreveu-se:</font><br>
<font> “Na verdade, não podemos afirmar com rigor que </font><b><font>há identidade de pedido</font></b><font> (quando numa e noutra casa se pretende obter o mesmo efeito jurídico) e que há </font><b><font>identidade de causa de pedir</font></b><font> (quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico).</font><br>
<font> Quanto ao </font><b><font>pedido</font></b><font> temos que na acção proposta e que correu termos no </font><b><font>3º Juízo deste Tribunal</font></b><font>, a aqui autora, igualmente aí autora, pedia a condenação do Réu no pagamento da quantia de </font><b><font>€ 11.147,66.</font></b><br>
<font> </font><b><font>Nesta acção a Autora pede a condenação do Réu no pagamento da quantia de € 36.608,26.</font></b><br>
<b><font> </font></b><font>O pedido formulado numa e noutra acção não é idêntico, não se vislumbrando com rigor a </font><b><font>identidade do pedido.</font></b><br>
<font> </font><b><font>Mas também a causa de pedir é diferente.</font></b><br>
<b><font> </font></b><font>Na verdade, estamos perante um </font><b><font>acidente de viação em que a causa de pedir é complexa </font></b><font>fazendo parte dessa causa de pedir não só o evento, o acidente em si, a culpa/risco, mas também a vertente dos prejuízos peticionados (a origem destes prejuízos e seu montante).</font><br>
<font> Deste modo, </font><b><font>“não há identidade da causa de pedir (e consequentemente do pedido) entre duas acções sobre o mesmo acidente, mas em que os prejuízos alegados (e pedidos) não coincidem”, </font></b><font>Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 13-5-04, in Proc 948/04 – 2ª Sec.</font><br>
<font> Podemos assim afirmar que “constituindo os danos uma vertente integradora da causa de pedir nesta espécie de acções, se não houver coincidência, (...) entre os prejuízos alegados e peticionados numa e noutra acção, falha a referida tríplice identidade, pressuposto legalmente exigido para a procedência da excepção dilatória do caso julgado”, Ac. citado.</font><br>
<font> </font><b><font>Deste modo entendemos que não se verifica a excepção de caso julgado, pois na presente acção nem o pedido é idêntico nem a causa e pedir é a mesma.</font></b><br>
<b><font> Não se verificam</font></b><font> os requisitos do caso julgado uma vez que as questões colocadas em ambas as decisões são diversas pelo que não se pode falar em repetição da causa e, consequentemente, entendemos que não se verifica a </font><b><font>excepção dilatória do caso julgado.</font></b><br>
<font> Os fundamentos e as razões da excepção do caso julgado não se verificam. Não se verifica o perigo de haver duas decisões diferentes para a mesma questão, de os tribunais decidirem de modo diverso para a mesma situação.</font><br>
<font> A decisão proferida no processo que correu termos no </font><b><font>3º Juízo deste Tribunal não abordou todas as questões que se colocam nestes autos </font></b><font>não se verificando a tríplice identidade – </font><b><font>identidade de sujeitos, identidade de pedido e identidade de causa de pedir </font></b><font>– pressuposto legalmente exigido para a procedência da excepção dilatória do caso julgado”.</font><br>
<br>
<font> 2. Concluindo em sentido contrário, escreveu a Senhora Juíza da 1ª instância:</font><br>
<font>“O que se pode retirar do cotejo das duas acções?</font><br>
<font> Inquestionavelmente, desde logo, que as partes são as mesmas, assumindo inclusivamente as mesmas posições processuais de Autora e Réu em ambas as acções.</font><br>
<font> Por outro lado, é também incontornável que a causa de pedir se decalca numa e noutra acção (...).</font><br>
<font> De facto, é pacífico que nas acções emergentes de acidente de viação, a causa de pedir é complexa, reconduzida ao acidente, aos prejuízos e culpa ou risco. </font><br>
<font> No caso em apreço, haverá que concluir que o acidente em causa é o mesmo nas duas acções, a alegação da culpa é igualmente em tudo idêntica, sendo que o pedido formulado em ambos é igualmente idêntico na medida em que em ambas as acções se pede a condenação do Réu no pagamento de uma determinada quantia a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais alegadamente sofridos.</font><br>
<font> Diverge, é certo, o valor do pedido formulado, sendo substancialmente superior o valor pedido nestes autos, sendo que tal sucede uma vez que nesta acção são peticionados e alegados danos que não o foram na acção que correu termos no 3º Juízo deste Tribunal.</font><br>
<font> Todavia, é igualmente inquestionável que o suporte desses danos, ou seja, a conduta que na alegação da Autora os produziu, é exactamente a mesma.</font><br>
<font> A questão a decidir radica, assim, em saber, prima facie, se estamos ou não perante uma repetição da causa, por verificação da tríplice identidade a que alude o art. 498º nº 1 do CPC.</font><br>
<font> Cremos que a resposta não pode deixar de ser afirmativa.</font><br>
<font> De facto, e centrando-nos agora na identidade do pedido (já que quanto aos demais elementos dúvidas não surgem acerca do seu absoluto decalcamento em ambas as acções), chamemos à colação o Douto Aresto do Tribunal do Supremo Tribunal de Justiça de 02-11-2006, disponível em </font><u><font>www.dgsi.pt</font></u><font>, com o n.º de documento STJ20061102030272, no qual se refere que “Para haver identidade de pedido, como pressuposto de litispendência, tem sim que ser o mesmo o direito subjectivo cujo reconhecimento ou protecção se pede, independentemente da sua expressão quantitativa, não sendo, consequentemente, necessária, à luz do disposto no art. 498º, n.ºs. 1 e 3, rigorosa identidade formal entre os pedidos, antes se mostrando suficiente o recordado por Calvão da Silva in Estudos de Direito Civil e Processo Civil, 1996, pág. 24, com pertinência à colação chamado na decisão apelada, isto é, que sejam coincidentes o objectivo fundamental de que dependa o êxito de cada uma das acções”.</font><br>
<font> E esse é, sem qualquer margem para dúvida, o mesmo em ambas as acções em apreço - a condenação do Réu no pagamento de uma determinada quantia em dinheiro a título de danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos em virtude do mesmo embate, com a mesma causa de pedir.</font><br>
<font> O único factor que estabelece a linha de fronteira relevante entre ambas as acções é, sem dúvida, a expressão numérica de tal pedido, reportada à atribuição diferente de valores de danos alegados.</font><br>
<font> Apenas, cremos, formalmente poderia colher o argumento de que inexiste repetição de causas, ficcionando agora que bastaria ao autor que desistisse do pedido numa acção intentar outra em que peticionasse a mais a indemnização - mesmo que sem expressão numérica relevante - afastando, assim, os efeitos decorrentes da desistência do pedido que havia formulado, criando à contraparte a aparência e expectativa de que não lhe exigira tal indemnização.</font><br>
<font> (...).</font><br>
<font> Pois que a desistência do pedido, ao invés da desistência da instância, não produz efeitos apenas e tão só no estrito âmbito daquele processo, mas antes ultrapassa-o, extravasa-o, acompanha-o.</font><br>
<font> Na verdade, o art. 295º/1 do CPC é claro ao prescrever que a desistência do pedido extingue o direito que se pretendia fazer valer, pelo que os efeitos preclusivos do caso julgado material impedem ao Autor que faça emergir novamente um pedido indemnizatório, atribuindo-lhe um diferente valor ou mesma uma diferente construção jurídica”.</font><br>
<font> </font><br>
<font>3. Segundo o nº 1 do artigo 497º do Código de Processo Civil (CPC), “As excepções da litispendência e do caso julgado pressupõem a repetição de uma causa; se a causa se repete estando a anterior ainda em curso, há lugar à litispendência; se a repetição se verifica depois de a primeira causa ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário, há lugar à excepção do caso julgado”.</font><br>
<font>“Tanto a excepção da litispendência como a do caso julgado têm por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior” – nº 2 do mesmo artigo.</font><br>
<br>
<font>Por sua vez, o artigo 498º estabelece o seguinte:</font><br>
<font>“1. Repete-se a causa quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir.</font><br>
<font>2. Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica.</font><br>
<font>3. Há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico.</font><br>
<font>4. Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas suas acções procede do mesmo facto jurídico. Nas acções reais a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito real; nas acções constitutivas e de anulação é o facto concreto ou a nulidade específica que se invoca para obter o efeito pretendido”.</font><br>
<br>
<font>A litispendência e o caso julgado são excepções dilatórias do conhecimento oficioso do tribunal, obstando a que o tribunal conheça do mérito da causa e dando lugar à absolvição da instância – artigos 493º, nº 2, 494º, i), e 495º do citado diploma.</font><br>
<br>
<font>Na acção proposta em 21.09.2005, a Companhia de Seguros Fidelidade-Mundial, S.A., pediu a condenação de AA a pagar-lhe a quantia de € 11.147,66, acrescida de juros, alegando ter suportado tal quantia global devido aos pagamentos que fez ao lesado no acidente de viação em causa por “diversos danos patrimoniais e físicos”, os quais discriminou da seguinte forma:</font><br>
<font>“1 – Pagamento de € 8.188,76 concernente a despesas suportadas com o internamento, consultas, exames e demais tratamentos médicos e medicamentosos, a que o condutor do ciclomotor se teve que submeter em virtude do acidente ocorrido (Cfr. docs. nºs 3 a 17).</font><br>
<font>2 – Indemnização ao condutor do ciclomotor pela quantia de € 2.371,9 relativa a abonos, despesas de tratamento, entre outros danos suportados pelo mesmo (Cfr. docs. nºs 18 a 21), e, finalmente,</font><br>
<font>3 – A quantia de € 587,00 relativa aos custos de reparação do ciclomotor (Cfr. doc. nº 22)”.</font><br>
<br>
<font>4. Na presente acção, intentada em 06.01.2006, a mesma demandante pediu a condenação do mesmo demandado a pagar-lhe a quantia de € 36.608,26, acrescida de juros, alegando que, por força do acidente verificado, “no cumprimento das suas obrigações contratuais”, liquidou os seguintes valores:</font><br>
<font>“597,00 € referente à reparação do ciclomotor 2-PRD, em consequência do acidente supra descrito, cfr. documento nº 3 que a diante se junta e aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos;</font><br>
<font>115,70 € referente a despesas de tratamentos médicos efectuados pelo condutor do ciclomotor 2-PRD, em consequência do acidente, cfr. documento nº 4 que a diante se junta e aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos;</font><br>
<font>7.639,36 € referente a tratamentos hospitalares recebidos pelo condutor do 2-PRD, em consequência do acidente supra descrito cfr. documentos nºs 5 a 15 que a diante se juntam e aqui se dão por integralmente reproduzidos para os devidos e legais efeitos;</font><br>
<font>2.256,20 € referente abonos que a A. teve de suportar para com o condutor do ciclomotor, em consequência do acidente supra descrito cfr. documentos nºs 16 a 18 que a diante se juntam e aqui se dão por integralmente reproduzidos para os devidos e legais efeitos;</font><br>
<font>26.000,00 € referente à indemnização liquidada ao condutor do ciclomotor compreendendo danos patrimoniais e danos morais, em consequência do acidente supra descrito, cfr. documento nº 19 que a diante se junta e aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos”. </font><br>
<br>
<font>5. A desistência constitui uma causa de extinção da instância – cfr. artigo 287º, d), do CPC.</font><br>
<br>
<font>Refere o nº 1 do artigo 293º do mesmo diploma que “O autor pode, em qualquer altura, desistir de todo o pedido ou de parte dele, como o réu pode confessar todo ou parte do pedido”.</font><br>
<br>
<font>“A desistência do pedido extingue o direito que se pretendia fazer valer” – artigo 295º, nº 1 –, sendo que “A desistência do pedido é livre, mas não prejudica a reconvenção, a não ser que o pedido reconvencional seja dependente do formulado pelo autor” – artigo 296º, nº 2.</font><br>
<br>
<font>Postos estes princípios legais, diremos que a desistência do pedido traduz um acto positivo da parte que afecta o direito de quem a produz na justa medida em que implica a solução do litígio.</font><br>
<br>
<font>Juntamente com a confissão e a transacção (cfr. artigo 293º), a desistência é uma forma de composição da lide: o conflito de interesses, traduzido na lide ou relação substancial em litígio, fica resolvido e arrumado mediante qualquer desses actos.</font><br>
<br>
<font>Estas três figuras assemelham-se à sentença de mérito quanto à sua função, diferindo dela quanto à estrutura.</font><br>
<font>Se todos são actos de composição da lide, a verdade é que o modo e o critério de composição são completamente diferentes.</font><br>
<font>Ali, a composição é obra das partes, enquanto que na sentença de mérito é obra do juiz.</font><br>
<font>No primeiro caso, as partes compõem ou resolvem a lide segundo a sua vontade, sem terem de se preocuparem com o regime jurídico aplicável; no segundo caso, o juiz compõe a lide em conformidade com as determinações do direito objectivo.</font><br>
<br>
<font>No caso do presente recurso – o alcance da desistência do pedido na primeira acção intentada –, podemos dizer que se trata de um caso de composição voluntária da parte, que, dessa forma, põe termo ao litígio (cfr. Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. I, págs. 366 e 367 e 462 a 466).</font><br>
<br>
<font>Segundo Miguel Teixeira de Sousa (Estudos sobre o Novo Processo Civil, págs. 205 e 206), a desistência do pedido é o negócio unilateral através do qual o autor reconhece a falta de fundamento do pedido formulado.</font><br>
<font>Com efeito, a desistência do pedido representa o reconhecimento pelo autor de que a situação jurídica alegada não existe ou se extinguiu, arrastando consigo a extinção da situação jurídica que pretendia tutelar (artigo 295º, nº 1), ou constitui a situação que o autor negava.</font><br>
<font>A mesma pode ser total ou parcial (artigo 293º, nº 1).</font><br>
<br>
<font>É sintomático que a desistência releva no caso concreto aqui em causa, porquanto, apesar da mesma, a Autora intentou, com base na mesma causa de pedir (o direito de regresso que alegadamente lhe assiste por força do pagamento que obrigatoriamente teve de fazer relativamente aos danos causados pelo seu segurado) outra acção, onde fundamentou o mesmo pedido, o pedido de pagamento que já formulara na acção em que expressou a sua desistência.</font><br>
<br>
<font>Perante o mesmo Réu, a Autora já tinha deduzido um pedido igual com base na mesma causa de pedir, desistindo, porém, do mesmo, ou seja, reconhecendo – bem ou mal, não interessa – que o mesmo não tinha qualquer cabimento.</font><br>
<br>
<font>Significa isto que, com tal desistência, precludiu o direito que a Autora pretendia fazer valer sobre o Réu.</font><br>
<br>
<font>Assim, transitada em julgado a decisão que julgou válida a desistência, nada mais há a fazer do que respeitar a força jurídica da mesma: a composição do litígio ficou definitivamente resolvida.</font><br>
<br>
<font>E isto porque, como bem acentua Lebre de Freitas, a homologação da desistência do pedido (ao contrário do que acontece com a absolvição) constitui caso julgado material (Introdução ao Processo Civil – Conceito e Princípios Gerais, pág. 125). </font><br>
<br>
<font>Ora, o que constitui verdadeiramente a causa de pedir nas duas acções é o que integra o direito de regresso da seguradora que satisfez a indemnização contra o condutor que alegadamente agiu sob a influência do álcool, direito previsto no artigo 19º, c), do Decreto-Lei nº 522/85, de 31 de Dezembro (agora, artigo 27º, nº 1, c), do Decreto-Lei nº 291/2007, de 21 de Agosto).</font><br>
<br>
<font>Logo, e ao contrário do que se refere no acórdão recorrido, há identidade de causa de pedir, independentemente de, na segunda acção, a Autora invocar o pagamento ao lesado de mais danos para além dos danos enunciados na petição inicial da primeira acção.</font><br>
<br>
<font>Se assim é – e ainda ao contrário da posição da Relação –, também teremos de concluir que existe a identidade de pedido, independentemente do valor do montante peticionado, pois que o real pedido é o reembolso a que a Autora alegadamente tem direito.</font><br>
<br>
<font>Sendo assim, e como, no tocante à ocorrência da identidade dos sujeitos, a mesma é patente, temos de reconhecer que estamos perante uma situação de caso julgado, pelo que o acórdão recorrido não poderá manter-se.</font><br>
<br>
<font>Aliás, a análise dos documentos juntos pela Autora, aquando da propositura da presente acção, permite-nos inferir que todos os pagamentos efectuados ao lesado se verificaram antes de ser intentada a primeira acção.</font><br>
<br>
<font>6. Decorre, pois, do exposto que colhem as conclusões do recorrente, tendentes ao provimento do recurso interposto pelo Réu.</font><br>
<br>
<font>IV – Nos termos expostos, acorda-se em conceder provimento ao agravo e, em consequência, revogando-se a decisão recorrida, decide-se fazer subsistir a decisão proferida no despacho saneador proferido na 1ª instância.</font><br>
<br>
<font>Custas, aqui e nas instâncias, a cargo da Autora, ora recorrida.</font><br>
<br>
<br>
<font> Lisboa, 14 de Julho de 2009</font><br>
<br>
<br>
<font> </font><br>
<font> Moreira Camilo (relator)</font><br>
<font> Urbano Dias</font><br>
<font> Paulo Sá</font><br>
<br>
</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
ZDK9u4YBgYBz1XKvYDot | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<br>
<font> 1. - Por apenso à execução para pagamento de quantia certa, fundada em letra de câmbio, que lhes moveu “AA Portugal – Combustíveis, S.A.”, deduziram os Demandados “BB L.da”, CC, DD e EE embargos de executado, visando a extinção total da execução.</font><br>
<font>Para tanto, invocaram, além da ilegitimidade da Embargada, por ter endossado a letra a um banco, que esta se aproveitou do facto de a letra ter ido acidentalmente parar às suas mãos, em circunstâncias desconhecidas, para a abusiva e fraudulentamente a preencher, sendo certo que não foi emitida no âmbito de qualquer relação comercial entre as Partes, nem houve qualquer acordo nesse sentido.</font><br>
<font>Sustentou a Exequente-embargada que sacou a letra sobre a ”BB”, que a aceitou e foi avalizada pelos demais Executados, para garantir fornecimentos de combustível à “FF, Lda.”, após acordo nesse sentido dos intervenientes, fornecimentos que foram efectuados, sendo o Embargante CC sócio-gerente comum das referidas sociedades comerciais.</font><br>
<br>
<font>Após vicissitudes, que passaram pela anulação do primeiro julgamento efectuado, foi proferida sentença em que se julgaram os embargos totalmente improcedentes, decisão que a Relação confirmou.</font><br>
<br>
<font>Os Embargantes interpuseram recurso de revista pedindo a revogação do acórdão e a procedência dos embargos, ou, caso assim se não entenda, a declaração de nulidade daquele e ainda a repetição do julgamento por a sentença padecer de nulidade e erro de julgamento. </font><br>
<font>Para tanto, alinham as seguintes conclusões:</font><br>
<font>1 ° O acordão recorrido padece de nulidade nos termos do art. 668° e 715°, ambos do C.P.C .. </font><br>
<font>2° Pois, estando o âmbito do recurso limitado pelas conclusões, o Tribunal da Relação não se pronunciou sobre as questões constantes em tais conclusões. </font><br>
<font>3° Nomeadamente, sobre as contradições existentes entre os factos dados como provados nos pontos 3, 8, 9, 10 da III - Fundamentação de Facto. </font><br>
<font>4° Pois, foram dados como provados factos inconciliáveis entre si, na medida em que a mesma letra não pode ter sido na mesma data sacada, aceite, e entregue à GG, Lda, a à ora exequente. </font><br>
<font>5° Não se pronunciado o Tribunal da Relação, sobre as conclusões vertidas sob os artigos 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19. </font><br>
<font>6° Por outro lado, o Tribunal a quo cometeu erro de julgamento. </font><br>
<font>7° Violando, o acórdão proferido o Art. 10° da L ULL. </font><br>
<font>8° Tanto mais que no ponto 6° e 7° da "III - Fundamentação de Facto da Sentença", foi dado como provado que a letra dada à execução, encontrava-se em branco, no local destinado ao sacador, valor e data de pagamento. </font><br>
<font>9° Resultando, ainda, da prova pericial que a letra dada a execução foi rasurada no que toca ao local de pagamento/domiciliação, Banco. Preenchida com outra máquina de escrever, no local destinado ao "Vencimento" . </font><br>
<font>10° Ora tendo sido dado como provado que tal letra foi avalizada com o objectivo de ser entregue à GG, Lda, de modo a garantir o pagamento de fornecimentos feitos por aquela à BB, Lda (factos provados nos pontos 3, 4, 5, 8). </font><br>
<font>11 ° Não ficou provado que os avalistas de tal letra tenham dado o seu consentimento para que fosse dado um novo uso a tal letra. </font><br>
<font>12° Bem como, que entre os avalistas e o sacador. Ou sequer entre a sacada e o sacador, tenha existido qualquer pacto de preenchimento expresso ou tácito da letra, bem como para rasurar parte dos dizeres nela apostas. </font><br>
<font>13° Ora, encontrando-se tal letra em branco, no local destinado ao sacador, valor e data de pagamento. </font><br>
<font>14° Era necessário, provar-se a existência de pacto de preenchimento (mesmo tácito) para que tal letra fosse preenchida e inclusive rasurada (emendada).</font><br>
<font>15° Pelo que, ao julgarem-se os embargos improcedentes, violou-se o art. 10° da LULL. </font><br>
<font>A Conferência não reconheceu a comissão da arguida nulidade do acórdão.</font><br>
<font>2. - Para apreciar, em função das conclusões do recurso, se ocorre vício formal do acórdão, nomeadamente na modalidade de omissão de pronúncia, e se concorrem os pressupostos de preenchimento abusivo da letra, carecendo de força executiva.</font><br>
<font>3. - Vem assente o seguinte quadro factual:</font><br>
<br>
<font>1 – As sociedades FF, Lda., e BB Lda., encontram-se registadas na Conservatória do Registo Comercial da Sertã, sob os números, respectivamente, 58/600803 e 551/960618, figurando como sócios-gerentes da primeira os Embargantes EE e CC e da segunda este último e também Embargante, sua mulher, DD. </font><br>
<font>2 – A letra não se reporta a qualquer fornecimento de combustíveis feitos pela embargada à BB, Lda..</font><br>
<font>3 – Em 08/07/1996, a BB, Lda., aceitou e enviou uma letra para garantia dos valores em dívida para com a empresa GG, Lda..</font><br>
<font>4 – A letra encontrava-se preenchida com o nome e morada do sacado, aceites e avais.</font><br>
<font>5 – Tal letra foi devolvida pela empresa GG, Lda., à BB, Lda..</font><br>
<font>6 – A embargada apenas manteve relações comerciais com a FF, Lda..</font><br>
<font>7 – A embargada começou por exigir à FF, Lda., a prestação de uma garantia bancária para garantir os fornecimentos.</font><br>
<font>8 – Tendo a BB, Lda., proposto que fosse sacada uma letra para esse efeito.</font><br>
<font>9 – Tendo assim acordado que a letra fosse sacada pela embargada e aceite pela BB, Lda., com o aval dos demais executados.</font><br>
<font>10 – Razão que determinou que a letra tenha sido sacada em 07/08/96 e os fornecimentos se tenham iniciado em 02/10/96.</font><br>
<font>11 – A BB, Lda., tomou conhecimento das facturas dos fornecimentos feitos pela exequente à FF, Lda..</font><br>
<font>12 – A exequente interpelou o sócio-gerente da BB, Lda., para proceder ao pagamento da letra.</font><br>
<br>
<font> 4. - Mérito do recurso.</font><br>
<br>
<font> 4. 1. - Embora os Recorrentes coloquem em termos de apreciação subsidiária as arguidas nulidades do acórdão e da sentença, a apreciação destas, como pressupostos de validade das decisões de natureza formal, ou seja, como vícios formais que determinam a nulidade das peças processuais, precede necessariamente a das questões de fundo.</font><br>
<br>
<font> Consequentemente, e até por imperativo legal – arts. 660º, 668º e 731º-1 e 2 CPC -, a pronúncia recairá em primeiro lugar sobre as suscitadas questões de forma.</font><br>
<br>
<font> 4. 2. - Nulidades</font><br>
<br>
<font> 4. 2. 1. - Os Recorrentes imputam ao acórdão recorrido o vício de omissão de pronúncia a pretexto de ter silenciado decisão sobre a questão da existência de contradições entre os factos dos pontos 3, 8, 9 e 10 da matéria de facto e sobre o conteúdo das conclusões 1 a 19 do recurso de apelação, ou seja, de todas as conclusões, tal como se apresentam a fechar a alegação respectiva (fls. 719 e v.).</font><br>
<br>
<font> Como das referidas conclusões resulta, os ali Apelantes arguíram a “nulidade da sentença pois, as respostas aos quesitos 2º e 5º a 8º deveriam ser alteradas para provadas”, devendo ainda ser alterada a resposta ao quesito 14º, e dadas como não provadas as respostas aos quesitos 13º, 15º e 16º, havendo ainda contradição entre as respostas aos quesitos 4º e 14º, por um lado, e 12º e 13º, por outro. Depois, em termos substantivos, invocaram a violação do art. 10º da LULL, por não estar provado pacto de preenchimento entre sacador e sacada e seus avalistas, bem como a existência de negócio subjacente.</font><br>
<font>Como é sabido, nulidade arguida tem lugar quando o julgador deixe de apreciar alguma questão que devesse apreciar, estabelecendo a al. d) do n.º 1 do art. 668º a sanção para a violação do preceituado no art. 660º- 2, 1ª parte do CPC, que impõe ao juiz a apreciação de todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.</font><br>
<font> A expressão legal “questões” abrange as causas de pedir e excepções invocadas e respectivos pedidos, bem como eventuais excepções de conhecimento oficioso, de modo que, para tomar posição sobre um pedido, tem de se apurar se concorre a respectiva causa de pedir.</font><br>
<font> Coisa diversa de “questões” são os argumentos ou linhas de fundamentação utilizados pelas partes nas suas alegações (cfr. LEBRE DE FREITAS, “</font><i><font>CPC</font></i><font>,</font><i><font> Anotado</font></i><font>”, 2º, 646 e 670).</font><br>
<br>
<font> Ora, o conteúdo das conclusões da apelação, não vai além do pedido de alteração das respostas aos referidos pontos de facto, fosse por nesse sentido dever ser valorada a prova, fosse por via de harmonização entre factos alegadamente contraditórios (uma questão), da arguição de nulidade da sentença (outra questão) e da existência de relação subjacente e excepção do preenchimento abusivo (terceira e quarta questões).</font><br>
<font>O mais constante das conclusões formuladas não passa de um leque de argumentos ou razões aduzidas no sentido de demonstrar que as respostas deveriam ser alteradas, a sentença anulada e, finalmente, a decisão de mérito modificada.</font><br>
<font> </font><br>
<font> Percorrendo, agora, o acórdão impugnado facilmente se constata que a todas e cada uma das questões colocadas foi dada resposta.</font><br>
<font> Assim, depois de enunciar os temas, nos pontos 14. a 24. do douto aresto, trata-se da matéria relativa à alteração da matéria de facto à luz das prova, designadamente documental, e das invocadas contradições, seguindo-se, a apreciação da vinculação dos Embargantes (relação subjacente e preenchimento abusivo) e a questão da nulidade da sentença, não reconhecida (pontos 28 a 30.) </font><br>
<br>
<font> Totalmente desprovida de fundamento, assim, a arguição da nulidade.</font><br>
<br>
<font> 4. 2. 2. - Sobre a reposta questão da nulidade da sentença, dir-se-á que o que agora está em apreciação e sob censura recursiva é o acórdão da Relação e não a decisão da 1ª Instância.</font><br>
<font> Esta, afectada ou não de vícios formais, que, de resto, o acórdão ora recorrido não reconheceu, está, de qualquer modo, coberta e substituída por este, que conheceu do mérito da causa – art. 715º-1 CPC.</font><br>
<br>
<font> Consequentemente, se vícios houve na sentença, ou foram supridos pela decisão que sobre aquela exerceu a apreciação e censura objecto do recurso de apelação ou o acórdão repetiu vícios.</font><br>
<font>Em qualquer caso, os primeiros (da sentença), apreciados ou não, encontram-se sanados, podendo invocar-se neste recurso apenas os que forem imputáveis e imputados à decisão do Tribunal ora recorrido.</font><br>
<br>
<font> Desprovida de qualquer efeito útil e sem fundamento legal, assim, a pretendida censura sobre a sentença.</font><br>
<br>
<font> 4. 3. - Preenchimento abusivo.</font><br>
<br>
<font> 4. 3. 1. - “Esquecidos” de que o Supremo apenas conhece, em princípio de matéria de direito, cabendo às Instâncias fixar a factualidade relevante – arts. 722º-2 e 729º CPC - , os Recorrentes aludem, a propósito da violação do art. 10º da LULL, a rasuras na letra, verificadas na prova pericial, para as quais não existiu qualquer autorização ou pacto.</font><br>
<br>
<font> Ora, apesar de se tratar de matéria nunca antes alegada – não referida na petição de embargos, nem no despacho de condensação, nem na sentença, nem, finalmente, no recurso de apelação -, logo de matéria que, pela sua novidade, escapa em regra ao objecto do recurso enquanto acto processual destinado a reapreciar anterior decisão, na medida da respectiva impugnação, e não a proferir pronúncia sobre matérias novas, salvo quando de conhecimento oficioso (art. 676º-1 CPC), certo é também que se estaria perante matéria de facto cuja consideração, dependendo de valoração sujeita à regra da livre apreciação, logo reserva da exclusiva competência das Instâncias, estaria vedada a este Tribunal – arts. 722º-2 e 591º CPC e 389º C. Civil.</font><br>
<br>
<font> 4. 3. 2. - Os Recorrentes sustentam não ter havido pacto de preenchimento, pois que está demonstrado que a letra foi avalizada para ser entregue a “GG, Lda” para garantir fornecimentos feitos à “BB” sem que se tivesse provado que os avalistas tivessem autorizado novo uso à letra ou que tivesse havido pacto de preenchimento entre sacada e sacador, em branco, tal como o valor e data de vencimento. </font><br>
<br>
<font> Esquecem, por outro lado, que, como também vem provado, a letra, aceite e avalizada pelos Embargantes, foi devolvida à aceitante “BB” pela “GG” tendo, entretanto, sido acordado entre a Embargante “BB” e a Embargada a entrega a esta de uma letra aceite por aquela com o aval dos demais Executados, para garantia de fornecimentos à “FF” (factos 5 a 10).</font><br>
<font> A letra terá, assim, sido emitida com o nome do sacador, valor e vencimento em branco, mas com aceite e aval dos Embargantes, em ambos os casos como letra-caução, primeiro para utilização pela sociedade “GG”, que terá sido sua portadora e a devolveu à Aceitante “BB” e, num segundo momento, pela Exequente “AA” que ficou sua portadora que fez fornecimentos à “FF”, com conhecimento das respectivas facturas pela “BB”. </font><br>
<font> </font><br>
<font> Perante este circunstancialismo de facto consideraram as Instâncias a existência de uma relação subjacente entre as Partes – a garantia de pagamento de fornecimentos e o favor – e de um pacto de preenchimento, pois que a letra se destinava a ser preenchida pelo valor dos fornecimentos não pagos, impondo-se tal acordo aos avalistas.</font><br>
<br>
<font> Não se diverge dessa posição.</font><br>
<br>
<font> 4. 3. 3. - Com efeito, art. 10º da LULL prevê a admissibilidade da letra em branco, mas estabelece que se tiver sido completada contrariamente aos acordos realizados, a inobservância desses acordos pode ser motivo de oposição ao portador quando este tenha “adquirido a letra de má fé ou, adquirindo-a tenha cometido uma falta grave”.</font><br>
<font> Por sua vez, relativamente aos documentos assinados em branco, em geral, admite-se no art. 378º C. Civil a ilisão do respectivo valor probatório, “mostrando-se que nele se inseriram declarações divergentes do ajustado com o signatário ou que o documento lhe foi subtraído”.</font><br>
<font> Não se exige qualquer forma especial para o acordo ou pacto de preenchimento, vigorando o regime regra da consensualidade acolhido no art. 219º C. Civil.</font><br>
<font> Finalmente, a extensão e conteúdo da obrigação do avalista afere-se pelos do avalizado, pois que aquele é responsável “da mesma maneira” que este - art. 32º LULL.</font><br>
<br>
<font> Do conjunto normativo convocado resulta claramente que o subscritor do título cambiário, ao emiti-lo, atribui ao portador a quem o entrega o direito de o preencher de harmonia com o convencionado a tal respeito.</font><br>
<font> Mais resulta que a violação do pacto de preenchimento, configurando uma falsidade material do título, retira-lhe, na medida do que for desrespeitado, a eficácia probatória, impendendo sobre quem a invoca – no caso os Embargantes- a prova desse facto impeditivo (ilisão do valor probatório – art. 378º cit.) – art. 342º-2 C. Civil (cfr. LEBRE DE FREITAS, “</font><i><font>A Falsidade no Direito Probatório</font></i><font>”, 132/133; Ac, STJ, 01/10/98, </font><i><font>BMJ</font></i><font> 480º-482).</font><br>
<font> E pode mais extrair-se que a responsabilidade cartular do avalista não é diferente da do aceitante, mas a mesma, sendo solidária a sua obrigação, donde que o avalista só possa socorrer-se da excepção do abuso de preenchimento se (em conjunto com o sacador e o obrigado avalizado) tiver sido parte no acordo cuja violação invoca, o que também é inerente ao concurso do pressuposto de oponibilidade só ser admissível no âmbito das relações imediatas entre os subscritores cambiários (art. 17º LULL).</font><br>
<font> 4. 3. 4. - Ora, não só, como dito, vem demonstrado que a entrega da letra à Exequente foi precedida de um acordo entre a Embargante Sociedade comercial, visando garantir àquela o preço de fornecimentos de combustíveis à Sociedade “FF” (com gerência e sócios comuns), como – e tanto bastaria para a improcedência dos embargos – como os Embargantes não demonstraram, como era seu ónus, a versão de posse ilegítima da letra pela Exequente e preenchimento fraudulento do título que verteram à petição de embargos.</font><br>
<font> </font><br>
<font>Mantiveram-se, por isso, intocados, na sua plenitude, o valor probatório da letra e a eficácia como título executivo.</font><br>
<br>
<font> 5. - Decisão.</font><br>
<br>
<font> Em conformidade com o exposto, acorda-se em:</font><br>
<font> - Negar a revista;</font><br>
<font> - Confirmar o acórdão impugnado; e, </font><br>
<font> - Condenar os Recorrentes nas custas.</font><br>
<br>
<br>
<font> Lisboa, 13 Dezembro 2007 </font><br>
<br>
<font> Alves Velho (relator)</font><br>
<font> Moreira Camilo</font><br>
<font> Urbano Dias</font><br>
<font> </font></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
ujIovIYBgYBz1XKvM6vt | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br>
Royal Insurance Public Limited Company interpôs recurso do despacho de indeferimento da reclamação que apresentou no<br>
Registo Nacional de Pessoas Colectivas, por ter sido emitido certificado de admissibilidade de uma sociedade com o objecto social de exercicio de seguros e com a denominação<br>
Real Companhia de Seguros, S.A..<br>
No entender da recorrente, o uso desta denominação e ilegal nos termos do artigo 28 do Codigo Comercial e constitui violação expressa do disposto no Decreto 425/83, de 6 de<br>
Dezembro e no n. 5 do artigo 10 do Codigo das Sociedades Comerciais.<br>
E pediu que, em provimento do recurso, se determinasse a alteração da denominação Real Companhia de Seguros, S.A., declarando-se a perda do direito a tal denominação.<br>
Ordenado o cumprimento do disposto no artigo 52 n. 1 do<br>
Decreto 425/83, foi expedida carta registada apenas para o Excelentissimo Director Geral do Registo Nacional de Pessoas Colectivas que apresentou a sua resposta, pronunciando-se pela manutenção do seu despacho e terminando assim (folhas<br>
132):<br>
"Requere-se ainda, caso V. Exª o entenda por conveniente uma vez que e parte interessada no presente litigio, a citação da Sociedade Real Companhia de Seguros S.A., na sua sede, sita no Porto, Rua da Cedofeita, 524-1º".<br>
O Excelentissimo Juiz, sem fazer a minima referencia a tal requerimento, e, tambem, sem se pronunciar sobre a validade e a regularidade do processo, julgou o recurso improcedente.<br>
Apelou a Royal, pretendendo a revogação de tal decisão. E o Excelentissimo Director do Registo Nacional de Pessoas Colectivas, dando por reproduzida a resposta que apresentara na primeira instancia, salientou que, nos autos, havia um conflito de interesses de que eram titulares a recorrente e a Real Companhia de Seguros S.A., que eram as "partes" no processo, e, porque a ultima não fora citada, estava a ser violado o principio do contraditorio.<br>
Uma vez que tanto o Decreto 425/83, como o Decreto 32/85, de<br>
28 de Janeiro, não aludiam expressamente a citação da parte contraria, tal lacuna deveria resolver-se nos termos do<br>
Decreto 42/89, de 3 de Fevereiro, que, prevendo a hipotese, manda intervir no recurso os terceiros afectados pela decisão, e fazendo, ainda, apelo ao disposto no artigo 3 do<br>
Codigo de Processo Civil.<br>
O Excelentissimo Magistrado do Ministerio Publico junto do<br>
Tribunal da Relação, alem de se pronunciar pela improcedencia do recurso, consignou afigurar-se-lhe duvidosa a necessidade da citação da Real Companhia de Seguros S.A., pois, apesar de interessada em que o acto do registo lhe seja favoravel, tem nisso interesse indirecto ou reflexo.<br>
O Tribunal da Relação decidiu: que o artigo 52 do Decreto 425/83 implicitamente refere a não audição de terceiro interessado; e, sendo aplicavel ao caso em apreciação o Decreto 425/83, e não o Decreto 42/89, que torna obrigatoria essa audição, esta alteração legislativa apontava no sentido de que o principio geral do contraditorio do artigo 3 do Codigo de<br>
Processo Civil não chegava para impor a audição do terceiro interessado; no tocante ao merito da causa revogou a sentença, determinando a alteração da denominação Real Companhia de<br>
Seguros S.A. quanto ao elemento "Real", com perda desta sociedade a esse nome comercial.<br>
No recurso de revista que interpôs, pedindo a revogação do acordão, O Excelentissimo Director Geral do Registo Nacional de Pessoas Colectivas concluiu deste modo as suas alegações: as denominações em conflito Real - Companhia de Seguros,<br>
S.A. e Royal Insurance PLC são grafica e foneticamente distintas, quer quando consideradas na sua globalidade quer nos diversos elementos que as compõem, individualmente considerados; o facto de o termo Real corresponder a tradução literal da palavra inglesa Royal, usada na denominação preexistente, não e, de per si, determinante da confundibilidade ou insusceptibilidade de confusão entre as duas denominações; como e evidente, so ha possibilidade de confusão entre expressões com sentido identico escritas em idiomas diferentes, se entre elas houver, tambem, semelhanças graficas ou foneticas, o que não acontece no caso em apreço; não obstante as denominações em referencia identificarem sociedades que se movimentam num campo concorrencial comum, as diferenças que apresentam entre si tornam inviavel que uma pessoa de diligencia media seja induzida em erro ou confusão quanto a identidade de cada uma delas, confundindo-as e confundindo-se; e, sendo assim, não e correcto afirmar-se que a sua coexistencia constitui violação do principio da novidade ou da exclusividade da firma; pelo que cai por terra a invocação dos artigos 212 do Codigo da Propriedade Industrial e 10 bis, n. 1, da Convenção de<br>
União de Paris, uma vez que não pode aqui falar-se da possibilidade de concorrencia derivada da susceptibilidade de confusão entre as pessoas juridicas em questão;<br>
A omissão da citação da Real Companhia de Seguros S.A., como parte directamente interessada na decisão do pleito, constitui uma violação do principio fundamental do contraditorio; com efeito, so em casos excepcionais se podem tomar providencias contra determinada pessoa sem que esta seja previamente ouvida - artigo 3 n. 2 do Codigo de Processo<br>
Civil. Mas tais casos excepcionais têm de estar expressamente referidos na lei; o facto de o Decreto 425/83 não aludir expressamente a citação da parte contraria não pode constituir um desses casos excepcionais, antes surgindo como uma lacuna; e, a falta de preceito preciso sobre esta materia, deveria fazer-se apelo as regras que ditam o principio do contraditorio, citando-se a Real Companhia de Seguros, S.A., como titular de um dos interesses em conflito, ao abrigo da segunda parte do n. 1 do artigo 228 do Codigo de Processo<br>
Civil.<br>
Contraminutando, a recorrida pronuncia-se pelo improvimento do recurso, sendo certo que, nas suas alegações, não faz qualquer referencia ao facto de a Real Companhia de Seguros,<br>
S.A., não ter sido citada para intervir nos autos.<br>
O Excelentissimo Magistrado do Ministerio Publico junto deste Supremo Tribunal e de parecer que a revista deve ser concedida, afirmando ser total a sua concordância com o alegado por aquele Excelentissimo Director Geral.<br>
Ha que decidir, em primeiro lugar, se existe a invocada nulidade da falta de citação da Real Companhia de Seguros,<br>
S.A..<br>
Conforme se referiu, logo na resposta que apresentou na primeira instancia, o Excelentissimo Director Geral do<br>
Registo Nacional de Pessoas Colectivas requereu a citação daquela sociedade por ser parte interessada no litigio.<br>
Sobre este requerimento não recaiu qualquer decisâo e a sentença, conforme tambem se referiu, nada declarou sobre os pressupostos de validade e de regularidade do processo.<br>
Por sua vez o acordão recorrido, que concluiu pela desnecessidade da citação da dita Companhia de Seguros, vem impugnado, mesmo nesse ponto, por aquele Excelentissimo<br>
Director Geral.<br>
Nada impede, assim, que se conheça da existencia da referida nulidade.<br>
Como se mencionou, foi emitido certificado de admissibilidade da sociedade Real Companhia de Seguros,<br>
S.A..<br>
Sentindo-se lesada com a existencia da Seguradora com tal denominação, cujo uso considera ilegal, a Royal Insurance<br>
P.L.C., ao ter disso conhecimento, reclamou do despacho que a admitiu.<br>
Indeferida a reclamação, interpôs o respectivo recurso contencioso, entrado na Secretaria Geral Comum de Lisboa em<br>
20 de Janeiro de 1989.<br>
Nesse recurso pediu a revogação do despacho que admitiu a denominação Real Companhia de Seguros, S.A., devendo, em consequencia, determinar-se a sua alteração e declarando-se a perda do direito da dita sociedade a mesma denominação.<br>
Mostra-se evidente que, em tal caso, a Real Companhia de<br>
Seguros, S.A., e directa e imediatamente interessada no recurso, por ser logo afectada pela decisão, que lhe respeita.<br>
Partes, neste caso, são as Companhias de Seguros Royal e<br>
Real.<br>
O Excelentissimo Director Geral do Registo Nacional de<br>
Pessoas Colectivas não se pode considerar parte, pois apenas lhe cabe, no exercicio da sua competencia, dizer da admissibilidade ou não da denominação que determinada sociedade pretende.<br>
E de salientar, tambem, que o artigo 54 n. 1 do Decreto<br>
425/83 - artigo que veio a ser revogado pelo Decreto 32/85 - dispunha que, da sentença, poderiam as partes apelar para o<br>
Tribunal da Relação de Lisboa. E, como se disse, a posição daquele Excelentissimo Director Geral não se confunde, em rigor, com a posição de "parte".<br>
Alude-se, porem, ao facto de o artigo 52 n. 1 do Decreto<br>
425/83 apenas determinar o envio de copia ao referido<br>
Director Geral, não mencionando qualquer terceiro interessado.<br>
Mas para alem de poder haver casos de inadmissibilidade da denominação que não brigam com sociedades ja constituidas - infringindo, por hipotese, o disposto nos artigos 8, 10 e 11 do apontado Decreto 425/83 - cabendo ai, apenas, ao Director<br>
Geral do Registo Nacional de Pessoas Colectivas sustentar o seu despacho, constata-se que o mencionado Decreto 425/83 não regulamentou de forma exaustiva o processamento do recurso contencioso, havendo, assim, que recorrer a lei geral.<br>
Demais, tendo-se em conta que o tribunal não pode resolver o conflito de interesses que uma acção pressupõe sem que a outra parte seja devidamente chamada para deduzir oposição.<br>
E so nos casos excepcionais previstos na lei se podem tomar providencias contra determinada pessoa sem que esta seja ouvida - como tudo consta dos ns. 1 e 2 do artigo 3 do<br>
Codigo de Processo Civil.<br>
Ora em parte alguma dos Decretos 425/83 e 32/85 se diz que e dispensada a audição da parte contraria.<br>
Pelo que se impunha a citação, para os termos do recurso, da<br>
Real Companhia de Seguros, S.A..<br>
Alias não se ve como, a proceder o recurso da Royal, a decisão poderia ser imposta a Real, condenada a alterar a sua denominação social sem que que lhe tivesse sido dada oportunidade de defesa.<br>
De notar que, em casos de recurso do despacho de indeferimento liminar da petição inicial, o despacho que o admita deve ordenar a citação do reu, tanto para os termos do recurso como para os da causa - artigo 475 n. 3 do Codigo de Processo Civil - sempre em ordem a assegurar o principio do contraditorio.<br>
Acrescenta-se, ainda, que o Decreto 425/83 foi expressamente revogado pelo artigo 88, alinea d), do Decreto 42/89, de 3 de Fevereiro, que ja se encontrava em vigor quando, em 14 de<br>
Março de 1989, foi junta, na primeira instancia, a resposta na qual se requeria fosse citada, para intervir nos autos, a<br>
Real Companhia de Seguros, S.A..<br>
E e de salientar, em reforço do que se disse, que, de harmonia com o disposto nos artigos 70 n. 2 e 75 n. 1 do<br>
Decreto 42/89, os recursos devem ser interpostos, tambem, contra os interessados a quem tenha sido favoravel o despacho recorrido, os quais são citados para contestar.<br>
Verifica-se, deste modo, a nulidade da falta de citação de<br>
Real Companhia de Seguros, S.A. - artigos 194, alinea a) e<br>
195 n. 1, alinea a), do Codigo de Processo Civil - ver, no sentido apontado, o acordão da Relação de Lisboa, de 27 de<br>
Outubro de 1988, na Colectânea, ano XIII, tomo IV, pagina<br>
136.<br>
A nulidade não se encontra suprida, dado que a referida Seguradora não interveio no processo; e a sua arguição fez-se em tempo - artigo 204 n. 2 do Codigo de Processo<br>
Civil. Trata-se, mesmo, de nulidade de conhecimento oficioso, nos termos dos artigos 202 e 206 n. 1 do mesmo<br>
Codigo.<br>
Termos em que, em provimento do recurso no tocante a invocação da indicada nulidade, se declaram nulos todos os actos processuais desde a sentença de folhas 135 inclusive, devendo ser proferido despacho e ordenar a citação da Real Companhia de Seguros, S.A., para deduzir, querendo, contestação.<br>
Custas pelo vencido a final.<br>
Lisboa, 29 de Outubro de 1991.<br>
Cesar Marques,<br>
Beça Pereira,<br>
Miguel Montenegro.</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
vDIKvIYBgYBz1XKvAX56 | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br>
REGIS - Manufacturas de Plásticos Lda., veio apresentar-se<br>
à falência, perante o Tribunal Judicial de Loures.<br>
Para o efeito, declarou ter sido constituida por escritura pública; historiou os sucessivos aumentos de capital, substituição de sócios, alterações do pacto social; referiu ter havido deliberação sobre a sua dissolução e liquidação de que foi lavrada a competente escritura, e que por fim, decorrido o prazo fixado para a liquidação, deliberara em assembleia geral apresentar-se à falência sob consideração da impossibilidade ou dificuldade de liquidar o activo em termos de solver o passivo.<br>
O Mmo. Juiz, em despacho imediato, indeferiu liminarmente a petição pois que, estando a sociedade já dissolvida e em liquidação por deliberação dos sócios, não podia requerer novamente a sua dissolução e liquidação devida a outra causa, ou seja, a falência. Esta segunda liquidação teria objecto legalmente impossível, sendo evidente que a pretensão não poderia proceder, face ao artigo 474 n. 1 alínea c) do Código de Processo Civil.<br>
A requerente, não se conformou e interpôs recurso de agravo, tendo sido citados os credores para os termos do recurso e da acção, chamamento a que acorreram vários justificando os seus créditos, e dois deles opondo-se ao pedido.<br>
A Relação manteve o decidido com o mesmo fundamento, isto é, que tendo a sociedade sido dissolvida e entrado imediatamente em liquidação, não podia decretar-se nova dissolução e determinar-se nova liquidação.<br>
Segundo agravo foi interposto pela requerente, agora para este Tribunal, a pedir a revogação deste acórdão e o prosseguimento dos autos, para o que formulou as seguintes conclusões:<br>
I) Não é exacto que o objecto da petição seja legalmente impossível e que a pretensão da Autora ora agravante, não possa proceder. Com efeito,<br>
II) Não está em causa uma "nova dissolução" deliberada pela sociedade que, por deliberação social, foi dissolvida.<br>
III) O processo de falência é, fundamentalmente, um processo de liquidação do património do devedor como garantia comum dos credores, e não, necessariamente, um processo de dissolução que pode ter sido objecto de deliberação anterior à apresentação à falência.<br>
IV) Igualmente, não está em causa uma "nova liquidação" mas a liquidação dos bens do activo da sociedade que ainda não foram liquidados e o pagamento do passivo.<br>
V) A liquidação através do processo de falência tornou-se necessária por virtude de não ter sido possível concluir a liquidação extrajudicial em tempo útil e em termos de garantir o pagamento da totalidade dos créditos.<br>
Designadamente,<br>
VI) A circunstância de não ser possível obter, em tempo útil, a liquidação do restante activo em termos de poder cumprir as obrigações perante os credores, o próprio risco de o valor da liquidação ser insuficiente para pagar a totalidade do passivo, o facto de existirem já diversas acções pendentes nos tribunais propostas pelos credores, impunham à ora agravante a obrigação de se apresentar à falência, em conformidade com o disposto no artigo 6, com referência à alínea a) do n. 1 do artigo 8, do Decreto-Lei 132/93 de 23 de Abril.<br>
VII) Ao indeferir a petição inicial, o acórdão recorrido violou, expressamente, tais disposições legais.<br>
VIII) Igualmente, o acórdão recorrido, com a sua decisão, frustrou o princípio de que o património do devedor é a garantia comum dos credores e, bem assim, interpretou e aplicou erradamente o alcance e objectivos do próprio processo de falência, com o qual se pretende dar cumprimento a esse princípio.<br>
Não houve contra-alegações e o Ministério Público, apôs o seu visto.<br>
Cumpre conhecer e decidir.<br>
A matéria em que há-de assentar a decisão e que foi retirada pelas instâncias do articulado da petição inicial (e documentos juntos) consubstancia-se no seguinte:<br>
Em assembleia geral de 25 de Outubro de 1993, conforme acta n. 27, foi deliberado dissolver a sociedade e proceder à liquidação do activo para pagamento do passivo, cessando desde logo todas as actividades da empresa.<br>
Essa deliberação fixou o prazo de dez meses para a liquidação (que foi inicialmente de doze meses) e nomeou três liquidatários.<br>
Em execução de deliberação foi lavrada a escritura de dissolução da sociedade no Cartório Notarial de Loures em 26 de Outubro de 1993.<br>
Nessa escritura de dissolução foi a sociedade declarada em liquidação, fixando-se o prazo de dez meses para as respectivas operações de liquidação e nomeando-se os liquidatários.<br>
As contas da anterior gerência foram encerradas com referência a 31 de Outubro de 1993 e aprovadas pela assembleia geral de 2 de Novembro do mesmo ano, de forma a permitirem a reabertura da contabilidade relativa à actividade da comissão liquidatária.<br>
Decorrido o prazo de liquidação, realizou-se a assembleia geral de 27 de Setembro de 1994.<br>
Nesta foram aprovadas e ratificadas as contas encerradas em 31 de Dezembro de 1993 (relativas ao período de<br>
1 de Novembro a 31 de Dezembro), aprovadas as contas encerradas em 30 de Agosto de 1994, foi deliberado prorrogar o prazo limite da liquidação até 15 de Novembro de 1994, a fim de permitir a conclusão de operações de liquidação que se encontravam pendentes e a realização das diligências necessárias para apresentação da sociedade à falência. Foi ainda deliberado que a sociedade se apresentasse à falência sob consideração de que, não tendo sido possível proceder, até então à venda do imóvel pertencente à sociedade, não seria legítimo prolongar esta situação relativamente aos credores, entre os quais se contam os próprios trabalhadores.<br>
Em consequência, independentemente de se saber se o activo a liquidar (fundamentalmente o imóvel onde se encontravam as instalações da requerente) permitirá o pagamento total do passivo, verificar-se-ia a situação prevista na alínea a) do n. 1 do artigo 8 do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência, Decreto-Lei 132/93 de 23 de Abril), fundamento de declaração de falência, cuja declaração pedia.<br>
A questão a decidir resume-se em saber se uma sociedade comercial que por acordo dos sócios se dissolveu e entrou em liquidação, pode posteriormente, antes do termo dessa liquidação, vir apresentar-se à falência.<br>
No caso concreto importa, ainda, não esquecer, que a rejeição ocorreu por ocasião do despacho liminar.<br>
De harmonia com o artigo 141 n. 1 do Código das Sociedades Comerciais (a que pertencerão as demais disposições legais sem indicação de fonte) a sociedade dissolve-se entre outros casos, por deliberação dos sócios e pela declaração de falência da sociedade.<br>
A dissolução da sociedade marca o momento em que se reconheceu que ela esgotou a sua função mas não traduz desde logo a sua extinção pois torna-se necessário ainda proceder à cobrança dos créditos, pagamentos das dívidas e partilha dos bens sociais sobrantes.<br>
Por esta razão, a extinção das sociedades é um processo complexo, pois não se trata exclusivamente de extinguir as relações contratuais entre os sócios, mas atender a uma rede de vínculos jurídicos com terceiros, que merecem ser protegidos Raúl Ventura,<br>
Dissolução e Liquidação de Sociedades, 1987, páginas<br>
12 e 13).<br>
Expõe o mesmo autor, que a dissolução é uma modificação da relação jurídica constituida pelo contrato de sociedade, consistente em ela entrar na fase de liquidação e que modificação não é extinção. A sociedade, como relação e como pessoa colectiva, não se extingue quando se dissolve. Outros factos jurídicos devem produzir-se para que a extinção se verifique e o carácter específico daquela modificação indica-se sinteticamente dizendo que a sociedade entrou na fase da liquidação. Debruça-se depois, o autor que se vem citando, detidamente, sobre a sociedade em liquidação concluindo que ela não se transforma em comunhão de bens ou de interesses, não passa a sociedade fictícia nem é sociedade especial, nova; goza de personalidade colectiva e esta personalidade é a mesma de que gozava a sociedade antes de ser dissolvida (Ibidem, páginas 16,17 e 238 e seguintes).<br>
Por fim, a páginas 383 e 384 da mesma obra esclarece que contrariamente ao que sucede na falência, a liquidação de sociedade dissolvida não comporta nenhum processo colectivo ou concursal de pagamento aos credores, nem estes gozam de direito algum de oposição ao pagamento a outros, que possa conduzir a um rateio de pagamentos. E ao falar, a seguir, da conduta do liquidatário, acrescenta "Ainda dentro dos termos gerais cabem as cautelas que o liquidatário deve ter quanto<br>
à eventualidade de uma situação conducente à falência da sociedade; ele deve comportar-se perante essa eventualidade, como se comportaria um administrador da sociedade, se tal situação tivesse surgido na fase activa, apenas com a diferença de a dissolução tornar estável essa situção, enquanto anteriormente seria possível esperar uma recuperação pela continuação dos negócios sociais".<br>
Já o anterior Código Comercial, ao regular o regime das sociedades em liquidação (aplicável às sociedades por quotas nos termos do artigo 62 da Lei de 11 de Abril de 1901) dispunha no seu artigo 144 parágrafo<br>
2. que a liquidação não libera os sócios, nem impede a abertura da falência.<br>
Admitiam que pudesse ser requerida a falência de uma sociedade em liquidação, Cunha Gonçalves, Comentário ao Código Comercial Português, 1914, I, página 312;<br>
Azevedo Souto, Lei das Sociedades por Quotas Anotada,<br>
1955, página 161; Raúl Ventura, Sociedades Comerciais:<br>
Dissolução e Liquidação, 1960, II, página 269 e 332;<br>
A. Pereira de Almeida, La Société a Responsabilité Limitée en Droit Portugais et sa Réforme, página 374.<br>
A prova, alías, de que uma sociedade em liquidação não está extinta, e continua sujeito de direitos e obrigações, resulta do artigo 146 n. 2, o qual dispõe expressamente que a sociedade em liquidação mantém a personalidade jurídica e - acrescenta de modo decisivo para o nosso tema - salvo quando outra coisa resulte das disposições subsequentes ou da modalidade da liquidação, continuam a ser-lhe aplicáveis, com as necessárias adaptações, as disposições que regem as sociedades não dissolvidas.<br>
A ser assim, parece nada obstar, fora daqueles estrictos condicionalismos, que ela possa ser declarada falida, caso se venha a reconhecer, entretanto, que se encontre em estado de insolvência, ou seja, que se encontre, por carência de meios próprios, impossibilitada de cumprir pontualmente as suas obrigações, não fazendo sentido a sua recuperação financeira (artigos 1 e 3).<br>
E compreende-se, pois que a dissolução por deliberação dos sócios, tem em vista primacialmente o interesse deles, sem prejuízo dos direitos de terceiros, tendo por objectivo a cessação da actividade e partilha dos bens, podendo o activo ser de valor muito superior ao passivo, enquanto que a declaração de falência implica um estado de impossibilidade da sociedade solver os seus compromissos, a averiguar num processo especial em que, devido a essa circunstância, é dada particular atenção aos interesses dos credores.<br>
É de considerar ainda que, por força do artigo 6 do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência aprovado pelo Decreto-Lei 132/93 de 23 de Abril, a empresa, logo que falte ao cumprimento de uma das suas obrigações nas circunstâncias da alínea a) do n. 1 do artigo 8, deve requerer a sua declaração de falência se não optar por providência de recuperação adequada. E a alínea a) citada, aponta como facto revelador de situação de insolvência, a falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento, revele a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações - o que bem pode vir a ocorrer numa sociedade que se encontre em liquidação.<br>
Não se encontra, assim, fundamento, para que se entenda e muito menos a título liminar, que a pretensão da autora seja, por aquele motivo, manifestamente inviável.<br>
Nestes termos, revoga-se o acórdão recorrido bem como a decisão que ele confirmou, para que seja proferido novo despacho que ordene o prosseguimento dos autos, com os efeitos do artigo 475 ns. 2 e 4, se outros obstáculos não se suscitarem.<br>
Custas por quem as dever a final, adiantando-as a recorrente.<br>
Lisboa, 2 de Julho de 1996.<br>
Ramiro Vidigal.<br>
Cardona Ferreira.<br>
Oliveira Branquinho.</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
HjIAvIYBgYBz1XKvDnKU | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br>
Na Comarca de Leiria, A propôs contra B e mulher C, D, E, F e G,Limitada, a presente acção com processo ordinário, na qual pediu que os réus fossem solidariamente condenados a pagar-lhes a quantia de<br>
16640796 escudos e 20 centavos (13640679 escudos e 20 centavos por danos patrimoniais e 3000000 escudos por danos não patrimoniais) acrescida de juros legais desde a citação até integral pagamento, mas, não se entendendo assim, pediu que os réus fossem solidariamente condenados a pagar-lhe, reembolsando o autor, a quantia de 9032282 escudos (4528679 escudos pelo total dos pagamentos que o autor fez ao Banco Pinto & Sotto Mayor, 1358603 escudos pelos juros à taxa de 15 por cento desde 1 de Junho de 1990, 3145000 escudos referentes à letra endossada pelos réus ao Banco Nacional Ultramarino, correspondentes a juros e demais despesas) acrescidas dos juros legais desde a data da citação até integral pagamento.<br>
Para tanto articulou ter aceitado seis ou sete letras de favor, sacadas pela ré G, Limitada, da qual são sócios os autores réus e porque os réus ao não pagarem, não cumprindo a convenção de favor, teve o autor de as pagar, do que lhe resultaram danos patrimoniais e não patrimoniais que descrevem, mas, não se entendendo assim, sempre os réus teriam enriquecido injustificadamente à custa do empobrecimento dos autores.<br>
Na sua contestação os réus, depois de dizerem que o réu F não é sócio da ré G, Limitada e que a ré E nunca exerceu na ré Sociedade quaisquer funções de gerência ou outras e ainda que os primeiros quatro réus são partes ilegítimas, acrescentaram que as letras não são de favor e antes representam o pagamento de dívidas do pai do autor ao primeiro réu, seu irmão, bem como de dívidas assumidas pelo próprio autor e declararam ignorar se o autor teve algum prejuízo material ou moral, tendo terminado por pedir que os quatro primeiros réus fossem julgados partes ilegítimas e que a acção fosse julgada improcedente.<br>
Na resposta, o autor defendeu a legitimidade de todos os réus e negou a existência de quaisquer dívidas para com os réus e terminou concluindo como na petição e pela improcedência das excepções deduzidas.<br>
No saneador, além do mais tabelar, decidiu-se que as partes eram legítimas e que se não verificaram excepções ou questões prévias a obstar à apreciação do mérito da causa. Foram organizados a especificação e o questionário, do qual o autor reclamou e com êxito.<br>
Prosseguiu o processo a tramitação legal, até que, feito o julgamento, foi proferida sentença, a qual, julgando a acção parcialmente procedente, condenou a ré G, Limitada a pagar ao autor a quantia de<br>
4328679 escudos, acrescida de juros a contar da citação (1 de Julho de 1992) e absolveu esta ré do restante pedido bem como os demais réus de todo o pedido.<br>
Desta sentença apelou o autor e a Relação, dando parcial provimento ao recurso, condenou a ré G, Limitada a apagar ao autor, além da quantia e juros constantes da sentença de 1. instância, a quantia de 600000 escudos de indemnização por danos não patrimoniais.<br>
Deste acórdão interpôs o autor recurso de revista e, na sua alegação, concluiu assim:<br>
I - tal como o recorrente configura a acção, não, se trata de "saber quem foram os favorecidos" mas de saber quem foram as pessoas que pediram ao recorrente para assinar as letras em branco e quem foram as pessoas que, contratualmente se obrigaram a preenchê-las e descontá-las e a efectuar o seu pagamento;<br>
II - atenta a factualidade provada, as "pessoas que pediram ao Autor para fazer o aceite dos títulos com vista ao seu desconto..." são, todas elas, familiares do recorrente, pois que foram seus tios e primos que apresentaram a proposta negocial, aliás aceite pelo recorrente;<br>
III - tal como resulta da factualidade dada como provada, na sua petição inicial, o recorrente retrata os elementos essenciais da relação obrigacional, a) identifica os sujeitos que se obrigaram ao preenchimento e pagamento das letras (os seus tios e primos), b) descreve o objecto do acordo celebrado (as letras que o recorrente assinou em branco, no lugar do aceite), c) relata os factos e até indica as causas que motivaram o favor prestado (por parte dos réus a necessidade de obterem numerário para "adquirirem uma fábrica em Pombal para se dedicarem, por conta própria, à produção ... de rações e alimentos compostos para animais"; por parte do recorrente, a existência da relação familiar próxima que a todos une);<br>
IV - tal como fundamenta a sua pretensão no articulado inicial, ao recorrente seria indiferente quem figurasse nas letras como sacador, endossante ou proponente dos descontos efectuados, pois que, conforme o acordado, sempre seriam os seus tios e primos a efectuar o preenchimento e pagamento daqueles títulos;<br>
V - foram os tios e primos do recorrente que não cumpriram a prestação a que se haviam obrigado: a) preencheram as letras com os quantitativos que acharam por convenientes, apresentaram-nas a desconto através da sociedade de que todos eram sócios, mas não cuidaram de efectuar o seu pagamento ou de impedir que terceiros viessem a exiguir do recorrente;<br>
VI - com a presente acção, o recorrente não trata de exigir as obrigações decorrentes da "assinatura de favor" aposta nas letras que lhe foram apresentadas em branco, mas de exigir a reparação dos danos, patrimoniais e não patrimoniais, causados pelo incumprimento de um contrato em que foram intervenientes todos os réus e não só a ré sacadora, pelo que o que está em causa não são as letras que a recorrente apresentou com o articulado inicial pois que, além do mais, aqueles títulos já haviam esgotado toda a sua literalidade e abstracção;<br>
VII - com o seu articulado inicial, o recorrente apresentou as duas letras que haviam sido executadas pelo Banco Pinto & Sotto Mayor, única e simplesmente para prova e quantificação dos danos patrimoniais e não patrimoniais que sofreu, os quais quantifica com bastante pormenor e que relaciona, em termos de causalidade, com as letras que assinou em branco;<br>
VIII - basta ler a petição inicial para se verificar que, nesta acção, a causa de pedir não é a assinatura que, pelo recorrente, foi aposta nos títulos mas antes o incumprimento do acordado sobre as letras;<br>
IX - subsidiariamente, acresce que o recorrente alega o enriquecimento sem causa dos seus familiares, na exacta medida do seu empobrecimento;<br>
X - não foram, pois, as letras que fundamentaram a pretensão do recorrente mas antes o incumprimento, por parte dos réus, daquilo que havia sido acordado;<br>
XI - a decisão recorrida fez uma incorrecta interpretação e aplicação dos artigos 473 e seguintes e 798 e seguintes do Código Civil, pelo que deve ser dado provimento à revista, revogando-se, nesta parte, o acórdão recorrido e condenando-se todos os réus a pagarem, solidariamente, ao recorrente os quantitativos já fixados.<br>
Não houve contra-alegação.<br>
Colhidos os vistos legais, cabe decidir.<br>
Vêm provados factos seguintes:<br>
1 - a sociedade G, Limitada encontra-se matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Leiria sob o n.... e tem como sócios os 1.,<br>
2., 3. e 4. réus (B e mulher C, D e E), sociedade esta que, há mais de 15 anos, se dedica ao agenciamento de vendas de alimentos compostos para animais e outros produtos, recebendo em contrapartida as respectivas Comissões;<br>
2 - o autor apôs a sua assinatura no lugar do aceite em seis letras, preenchidas com saque da ré G,Limitada, e que foram por esta endossadas e acabaram por ser descontadas nas agências de Leiria do Banco Pinto & Sotto Mayor e do Banco Nacional Ultramarino;<br>
3 - em 1988, o autor foi objecto de quatro protestos por falta de pagamento no valor de 6275 contos, e, em 1989, de mais dois no valor de 3425 contos, incidentes que foram registados na sua ficha de funcionário;<br>
4 - a ré G,Limitada enviou ao autor a carta junta a folha 15, onde afirma que os aceites que específica foram entregues pelo autor para resolver problemas de tesouraria dela (Sociedade), sendo lançados na conta corrente do autor, como credor da empresa;<br>
5 - o autor foi executado pelo Banco Pinto & Sotto Mayor, tendo o autor pago a quantia de 4528679 escudos, assim discriminada:<br>
- letra vencida a 8 de Janeiro de 1989 de 1775000 escudos,<br>
- letra vencida a 30 de Abril de 1989 de 1650000 escudos,<br>
- despesas de protesto no valor de 753 escudos,<br>
- juros de mora no valor de 926313 escudos,<br>
- imposto de selo no valor de 83368 escudos,<br>
- valor descontado no vencimento 93245 escudos, certo sendo que os réus não pagaram estas letras;<br>
6 - o autor é sobrinho dos 1. e 2. réus e primo dos 3. e 4. réus;<br>
7 - o Banco Nacional Ultramarino enviou ao autor a carta de folha 30, datada de 7 de Outubro de 1988, onde solicitava o pagamento da letra n. 5128348 no valor de 1575000 escudos, vencida em 19 de Junho de 1988, protestada e com saque da ré G, Limitada e com aceite do autor, letra esta que os réus não pagaram;<br>
8 - em finais de 1987, os 1., 2., 3. e 4. réus manifestaram intenção de adquirirem uma fábrica em Pombal para se dedicarem, por conta própria, à produção, distribuição e comercialização de rações e alimentos compostos para animais;<br>
9 - os réus pediram ao autor para lhes assinar umas letras em branco, as quais, tendo em conta as restrições ao crédito então vigentes, eles próprios preencheriam e descontariam junto de alguns bens na cidade de Leiria;<br>
10 - tais letras seriam pagas pela ré G,Limitada nos respectivos<br>
vencimentos, a qual asseguraria até integral pagamento as amortizações e despesas, no caso de necessidade de reformas;<br>
11 - o autor acedeu ao pedido, aceitando em branco as letras referidas acima nos ns. 2 e 3;<br>
12 - as letras foram preenchidas de acordo com os valores que a ré G,Limitada necessitava;<br>
13 - o autor vendeu a casa de morada de família que, com sua esposa e filha, possuía na Flamenga, Loures;<br>
14 - após o referido supra no n. 3, o autor pediu aos quartos primeiros réus que fizessem qualquer coisa para que a sua ficha no Banco pudesse ficar limpa e os réus então enviaram ao autor a carta acima referida no n. 4;<br>
15 - o autor é funcionário bancário, técnico do grau<br>
III e recebe pelo grau 12, a que correspondem remunerações e abono no valor de 294951 escudos e 90 centavos mensais;<br>
16 - qualquer funcionário do Banco em que o autor trabalha, no activo, pode beneficiar de crédito nas condições referidas no documento junto a folhas 32 e<br>
34;<br>
17 - a taxa de juro relativa aos empréstimos concedidos ao abrigo da ordem de serviço constante do documento de folhas 33 e 34 era, à data da entrada da petição inicial, de 6,5 por cento;<br>
18 - o incidente supra referido no n. 5 bem como as penhoras, nomeadamente no seu vencimento, foram registadas na sua ficha de funcionário;<br>
19 - os protestos, a execução das penhoras da sua viatura, vencimento, casa e recheio abalaram o autor;<br>
20 - o autor aceitou uma letra a 1575000 escudos vencida a 19 de Junho de 1988 sobre o Banco Nacional Ultramarino;<br>
21 - os contactos existentes entre o autor e a ré G,Limitada foram feitos através do sócio gerente B;<br>
22 - a ré G, Limitada atravessa dificuldades económicas e financeiras;<br>
23 - a ré E, na carta junta a folha 112, afirma que as letras em apreço eram de favor.<br>
Mau grado as referências feitas na petição inicial à convenção de favor, às letras de favor e ao aceite de favor (estas referências teriam interesse sobretudo na hipótese de um portador das letras vir exigir o seu pagamento ao aceitante de favor, o autor, o que não é o caso), parece-nos indiscutível que a causa de pedir na presente acção não é a relação jurídica cambiária mas sim a relação jurídica subjacente ou causal.<br>
Com efeito, segundo o disposto no n. 4 do artigo 498 do Código de Processo Civil, a causa de pedir é o acto ou facto jurídico concreto donde o autor pretende derivar o seu direito, ou seja, nas acções de condenação, o acto ou facto jurídico concreto donde deriva o direito de crédito do autor e, consequentemente, a obrigação do réu devedor (Alberto dos Reis, Código de Processo Civil, Anotado, Volume III, 123).<br>
Ora, no caso sub-judice, como resulta principalmente dos artigos 2, 10, 11, 12, 15, 16, 19, 22 e 23 da petição inicial, a causa de pedir não é o aceite de favor, do autor, das letras em causa, mas sim o pedido feito pelos quatro primeiros réus, todos sócios da quinta ré, ao autor, para que este assinasse letras de favor e em branco, a preencher por aqueles, letras essas que seriam pagas no vencimento, ou as amortizações e despesas no caso de eventuais reformas, pelos quatro réus pessoalmente ou através da quinta ré, pedido este que o autor aceitou, após o que tais letras acabaram por ser descontadas em dois Bancos de Leiria mas aconteceu que os réus não cumpriram o que havia sido acordado com o autor.<br>
A causa de pedir é, pois, a relação jurídica fundamental e tanto assim é que o autor não apresentou todas as letras que assinou mas apenas duas delas e estas apenas para provar a quantificação dos danos. E é ainda de referir que os articulados subsequentes bem como a especificação e o questionário apontam inequivocamente no mesmo sentido.<br>
Nesta ordem de ideias, a Relação não tinha necessidade de enveredar pelos considerandos relativos às letras de favor, que considerou, mas mal, a causa de pedir, e, a este respeito, tem razão o recorrente ao insurgir-se contra o acórdão recorrido por este considerar a causa de pedir a relação cambiária.<br>
Pois bem, como já consta dos factos incluídos nos ns. 9, 10, 11 e 12, supra, vem provado o seguinte: os réus pediram ao autor para lhes assinar umas letras em branco, as quais, tendo em conta as restrições ao crédito então vigentes, eles próprios preencheriam, como, de facto, preencheram de acordo com os valores que a ré G,Limitada necessitava, e descontariam junto de alguns bancos na cidade de Leiria, letras essas que seriam pagas pela ré G, Limitada nos respectivos vencimentos, a qual asseguraria até integral pagamento as amortizações e despesas, no caso de necessidade de reforma, e o autor acedeu ao pedido, aceitando em branco as seis letras referidas nos ns. 2 e 3 acima.<br>
Como se vê, os quatro primeiros réus (B e mulher e D e mulher) não se obrigaram a pagar as letras nos respectivos vencimentos nem as amortizações e despesas, em caso de reformas e só a quinta ré (a G,<br>
Limitada) é que assumiu estas obrigações, muito embora aqueles tivessem pedido ao autor para assinar as ditas letras, nas mencionadas condições, as quais eles próprios preencheriam, como, de facto preencheram, de acordo com os valores que a ré G, Limitada, necessitava, e descontariam junto de alguns bancos de Leiria.<br>
Ora, segundo o princípio da liberdade contratual estabelecido no artigo 405 n. 1 do Código Civil, as partes têm a liberdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos e de incluir neles as cláusulas que lhes aprouver, e, nos termos do artigo 798 do mesmo Código, o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor, mas, neste caso, os quatro primeiros réus não assumiram a obrigação de pagar as letras ao autor nem as suas amortizações e despesas, em caso de reformas, pelo que, claro é, não faltaram ao cumprimento de qualquer obrigação que os tornasse responsáveis pelo prejuízo causado ao credor, o autor.<br>
Não obstante, a questão merece ser encarada por outro prisma, de resto focado pelo recorrente.<br>
O artigo 473 n. 1 do Código Civil estabelece:<br>
Aquele que, sem causa justificativa, enriquece à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo que injustamente se locupletou.<br>
Versa este texto sobre o enriquecimento sem causa, como fonte da obrigação de restituir, que tem a sua razão de ser nos casos em que, embora o direito considere legal a produção de certos efeitos, estes representam um enriquecimento injusto de alguém à custa alheia (cfr.<br>
Vaz Serra, B.M.J. 81, 37).<br>
Tal enriquecimento sem causa pressupõe a verificação cumulativa de três requisitos, a saber: a) o enriquecimento de alguém por aumento do activo ou diminuição do passivo; b) sem causa justificativa, isto é, sem existir uma relação ou um facto que, à luz do direito, da ordenação jurídica dos bens ou dos princípios aceites pelo ordenamento jurídico, legitime tal enriquecimento; c) à custa de quem requer a restituição, de modo que aquele enriquecimento esteja correlacionado com o empobrecimento (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume 1, 4. edição, páginas 454 e seguintes; Antunes Varela, Direito das Obrigações,<br>
Volume I, 7. edição, páginas 467 e seguintes; Galvão Teles, Direito das Obrigações, 6. edição, páginas 182 e seguintes; Almeida Costa, Direito das Obrigações, 5. edição, páginas 392 e seguintes; acórdão do Supremo<br>
Tribunal de Justiça de 14 de Maio de 1996, C.J. do Sup., 1996, Tomo II, 70).<br>
Por outro lado, nos termos do artigo 474 do Código Civil, a acção baseada nas regras do enriquecimento sem causa tem natureza subsidiária, ou seja, esta acção só é admitida quando a lei não faculte ao empobrecido outro meio de reagir contra o enriquecimento para desfazer a deslocação patrimonial (cfr. autores acima citados nos locais mencionados) e isto não só quando a via do direito comum se lhe fechou em consequência de um obstáculo legal, mas também quando a acção de direito comum é inoperante por virtude de um obstáculo de facto, maxime a insolvência do devedor (Pereira Coelho, Rev. de Direito e Estudos Sociais XVII, ns. 2,<br>
3, 4, página 354).<br>
Pois bem, no caso sub-judice, o autor, aceitante da letra, que não era realmente devedor da sacadora, a ré G, Limitada, teve de pagar as letras dos Bancos, a quem a sacadora as endossou, para não trair a confiança dos Bancos nesses títulos de crédito, mas de tal resultou para a sacadora um injusto enriquecimento à custa do aceitante, pelo que este tem o direito a ser reembolsado.<br>
Mas tal enriquecimento não foi só da ré G,Limitada mas também dos seus sócios.<br>
Com efeito, sendo embora certo que as sociedades gozam de <br>
personalidade jurídica (artigo 5 do Código das Sociedades Comerciais) e constituem um ser jurídico diferente da colectividade dos sócios, tendo autonomia patrimonial, já que são elas próprias os titulares dos direitos e obrigações nela encabeçadas, e não os sócios, também é exacto que os sócios têm uma parte, uma quota ou participação social, direito este complexo e que se traduz em vários sub-direitos de vária ordem, como o direito de quinhoar nos lucros anuais periódicos ou de exercício da sociedade (cfr. artigos 21 n. 1 alínea a), 22 n. 1 e 217 n. 1 do Código das Sociedades Comerciais) como nos lucros finais ou de liquidação, isto é, o direito a uma parte do activo líquido apurado aquando da liquidação da sociedade (cfr. artigos 156 e 159 do Código das Sociedades Comerciais) (Ferrer Correia, Sociedades Comerciais, edição de 1954, página<br>
61).<br>
Sendo assim, está-se a ver que, em sede económica, do empobrecimento do autor, que resultou do pagamento das letras aos Bancos, nasceu o enriquecimento da ré G, Limitada, logo de imediato, e automaticamente, o enriquecimento dos seus sócios, se bem que escalonado no tempo.<br>
Pode, pois, dizer-se que este modo de encarar a questão se harmoniza com a corrente segundo a qual é necessário que o enriquecimento tenha sido obtido imediatamente à custa do empobrecimento que se arroga o direito à restituição ou seja, é preciso que a vantagem, por um lado, e a perda, por outro, tenham sido originadas pelo mesmo facto ou circunstância, muito embora se trate de requisito não expressamente formulado no artigo 473 e, quando muito, dedutível do artigo 481 do Código Civil (Pires de Lima e Antunes Varela, obra citada, página 457; Antunes Varela, obra citada, páginas 481 e seguintes; Almeida Costa, obra citada, páginas 379 e seguintes; Pereira Coelho, loc. cit.).<br>
Mas a solução não será diferente, mesmo a entender-se que houve uma deslocação patrimonial indirecta, através de um património intermédio, o da ré G, Limitada.<br>
É que, mesmo adoptando-se, em princípio, a tese que exige o carácter imediato de enriquecimento, ela é de rejeitar e deve admitir-se uma atribuição patrimonial indirecta, com a intervenção de um património intermédio, sempre que a exigência da deslocação patrimonial directa se mostre excessiva, susceptível de ferir a justiça material, o comum sentimento de justiça (Almeida Costa, obra citada, páginas 397 e seguintes;<br>
Antunes Varela, obra citada, páginas 481 e seguintes; Vaz Serra, B.M.J. 82, página 248; acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Novembro de 1981, B.M.J. 311, página 353, e de 15 de Novembro de 1995, B.M.J.<br>
451, página 387).<br>
Ora, no presente caso, afigura-se-nos que chocaria o sentimento ético-jurídico do homem comum libertar os sócios da ré da obrigação de restituir ao autor aquilo com que, sem causa justificativa, a ré enriqueceu, só por ter sido esta quem, firmou e imediatamente, enriqueceu, só depois tendo enriquecido, escalonadamente no tempo, os sócios dela, através dos sub-direitos inerentes às suas quotas sociais, tanto mais que a ré G, Limitada atravessa dificuldades económicas e financeiras (as penhoras registadas a folha 56 são sinal da encobrabilidade do crédito do autor) e que foram os próprios sócios que pediram ao autor para lhes assinar as letras em branco, que eles próprios preencheriam e descontariam.<br>
Nesta ordem de ideias, tanto a ré G,Limitada com todos os seus sócios (o demandado F não é sócio da ré) têm de ser condenados na quantia de 4328679 escudos, acrescida de juros de mora a contar da citação (condenação da 1. instância) e ainda mais na quantia de 600000 escudos<br>
(condenação da 2. instância) porque uma e outros enriqueceram à custa do empobrecimento do autor.<br>
A responsabilidade dos sócios é subsidiária da responsabilidade da ré sociedade, a qual responde em primeira linha (artigo 997 n. 2 do Código Civil); e os sócios respondem pessoal e solidariamente pelas dívidas em causa (artigos 997 n. 1 e 513 do Código Civil e 100 do Código Comercial), gozando embora do direito de requerer contra cada um dos condenados solidários (artigo 524 do Código Civil), devendo a sua comparticipação no pagamento dessas dívidas ser proporcional ao valor das suas quotas sociais (Antunes Varela, obra citada, páginas 762, 763, 777, 778; Almeida Costa, obra citada, páginas 539, 540, 548, 549; Pires de Lima e Antunes Varela, obra citada, páginas 529, 532, 533, 538, e volume II, 4. edição, 309).<br>
Por tudo o exposto, concedendo em parte a revista, condenam na indemnização em que o acórdão recorrido condenou a ré sociedade G, Limitada, em primeira linha, esta ré sociedade e, subsidiariamente, todos os réus, à excepção do réu F, estes solidariamente e na proporção das suas quotas sociais, com direito de regresso do que pagar contra os outros.<br>
Custas pelo recorrente e pelos recorridos, na proporção de 1/5 para aquele e de 4/5 para estes.<br>
Lisboa, 27 de Janeiro de 1998.<br>
Fernando Fabião,<br>
César Marques,<br>
Martins da Costa,<br>
Machado Soares,<br>
Pais de Sousa.</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
JTIIvIYBgYBz1XKvyX3U | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça:<br>
I - A e B intentaram a presente acção de processo comum, na forma ordinária, contra C e mulher D, pedindo a condenação dos réus a reconhecerem que as autoras são comproprietárias do prédio urbano sito na Rua ..., em Laveiras, a restituirem-lhes parte desse prédio, ocupada sem qualquer título, e a pagarem-lhes indemnização a liquidar em execução de sentença, com fundamento em nulidade do contrato de arrendamento dessa parte do prédio por falta de legal representação das autoras nesse contrato.<br>
Houve contestação.<br>
As autoras requereram a intervenção principal de E, F e G, como os restantes comproprietários do prédio, o que foi admitido, tendo os intervenientes declarado que faziam seus o articulado apresentado pelas autoras.<br>
No despacho saneador, julgou-se a acção improcedente, com absolvição dos réus do pedido.<br>
Em recurso de apelação, essa sentença veio a ser confirmada pelo acórdão de fls. 154 e seguintes.<br>
Neste recurso de revista, as autoras e os intervenientes pretendem a revogação daquele acórdão e a procedência da acção, formulando, em resumo, as seguintes conclusões:<br>
- as autoras eram menores, na data da celebração do contrato de arrendamento;<br>
- não foram representadas nesse contrato por sua mãe, que não invocou essa qualidade, mas por um terceiro, que invocou a qualidade de curador;<br>
- nunca deram o seu assentimento a esse contrato, que não foi celebrado por todos os comproprietários;<br>
- pelo n. 2 do artigo 1024 do C.CIV., o arrendamento de prédio indiviso só se considera válido quando os restantes comproprietários manifestarem o seu assentimento;<br>
- ainda que o contrato tivesse sido celebrado pela representante das autoras, seria necessária autorização do tribunal, nos termos das alíneas a) e b) do artigo 1889 do citado Código;<br>
- os réus sabiam as qualidades em que os intervenientes no contrato o faziam e que as autoras eram então menores;<br>
- não pode ser assim alegado o princípio da impossibilidade contra facto próprio.<br>
Os réus, por sua vez, sustentam ser de negar provimento ao recurso.<br>
II - Factos dados como provados:<br>
As autoras e os intervenientes são comproprietários do prédio urbano sito na Rua ... em Laveiras, constituído por ... garagem, com área coberta de 86,70 m2 e logradouro de 389,30 m2, inscrito na matriz urbana da freguesia de Paço de Arcos sob o artigo 800 e descrito na Conservatória sob o n. 518.<br>
As autoras são dele comproprietárias na proporção de 13/72 para cada uma.<br>
Parte do prédio (4/16) foi objecto de partilha, no inventário por óbito de H,<br>
I e J, que correu termos no 3. Juízo da Comarca de Oeiras sob o n. 5/81.<br>
As autoras A e B nasceram em 11 de Julho de 1974 e 10 de Julho de 1974, respectivamente, e são filhas de H e de G.<br>
Em 1 de Novembro de 1981, foi celebrado entre E, F, G e L (este, na qualidade de curador das menores A e B), como senhorios, e C, como inquilino, o contrato de arrendamento de três salas assoalhadas, uma cozinha, uma casa de banho e uma despensa, situadas no r/ch do referido prédio.<br>
Esse contrato de arrendamento foi celebrado para habitação do inquilino, pelo prazo de seis meses, renovável por iguais períodos, e a mãe das autoras interveio nele "na qualidade de herdeira de seu marido..." (doc. de fls. 27 e 28).<br>
III - Quanto ao mérito do recurso:<br>
A presente acção de reivindicação baseia-se em ilícita ocupação de parte do prédio, pelos réus, por motivo de nulidade do respectivo contrato de arrendamento, em consequência de as autoras, então menores, não terem nele sido representadas pela mãe, sua representante legal, mas por um curador.<br>
Na data do contrato, as autoras não eram ainda comproprietários do prédio e antes herdeiras de herança indivisa, em que se incluía o direito a 4/6 dele, estando então pendente o correspondente inventário obrigatório, no qual esse direito veio a ser adjudicado às autoras e a F, na proporção de um quarto para cada uma das primeiras e de metade para a última (doc. de fls. 16 e seguintes).<br>
A questão controvertida respeita à interpretação e aplicação do disposto no artigo 1024 n. 2 do C.CIV., segundo o qual "o arrendamento de prédio indiviso feito pelo consorte ou consortes administradores só se considera válido quando os restantes comproprietários manifestem, antes ou depois do contrato, o seu assentimento...", disposição que se deve ter como aplicável à comunhão hereditária, como se decidiu nas instâncias e não vem posto em causa.<br>
Desconhece-se a razão da intervenção, no contrato de arrendamento, do L, "na qualidade de curador das menores...", sendo certo que estas tinham, como representante legal, sua mãe, a interveniente G (artigo 1877 e seguintes do C.CIV.), e apenas se poderá adiantar que a tal facto não terá sido porventura estranha a circunstância de estar então pendente o processo de inventário, no qual as autoras teriam de ser representadas por curador, em virtude de a mãe concorrer à partilha (artigo 1331 n. 1 do C.P.C., na redacção em vigor nessa data).<br>
De qualquer modo, seria irrelevante a intervenção no contrato desse curador, por falta de legitimidade para vinculação das autoras, e a questão que importa aqui apreciar é a de saber se a mãe delas, como sua representante legal, deu ou não "assentimento" a esse contrato.<br>
Tal assentimento, com o significado normal de concordância ou adesão, não estava sujeito a qualquer forma especial, uma vez que só quando "a lei exigir escritura pública para a celebração do arrendamento, deve o assentimento ser prestado por igual forma" (parte final do n. 2 do citado artigo 1204), e não era esse o caso (artigo 1029 do C.CIV.).<br>
A correspondente declaração de vontade podia ainda ser expressa ou tácita, verificando-se a segunda "quando se deduz de factos que, com toda a probabilidade, a revelam" (artigo 217 n. 1 do citado Código), ou seja, quando "um acto ou uma exteriorização verbal que, embora não exprima imediatamente uma determinada vontade de efeitos jurídicos, permite mediatamente uma conclusão sobre uma vontade negocial aí manifestada" (Vaz Serra, na Rev. Leg.<br>
J., artigo 110, p.377), pelo que basta que "um certo sentido negocial ..., objectivamente, de fora, numa consideração de coerência ..., possa ser deduzido do comportamento do declarante" (Mota Pinto, na Teoria Geral ..., p.425).<br>
Ora, a mãe das autoras subscreveu o contrato de arrendamento, como senhoria, "na qualidade de herdeira de seu marido, o qual era proprietário de 1/6 do imóvel ...", e manifestou assim, de modo expresso, a vontade de celebração desse contrato, aceitando ainda a intervenção nele do L, "na qualidade de curador das menores ...".<br>
Daqui resulta que ela quis a cedência do prédio aos réus, como arrendatários, e essa declaração tem como necessária ou logicamente implícita a vontade de também as menores, suas filhas, ficarem vinculadas pelo contrato, sob pena de flagrante violação do princípio geral da boa fé, por ser inadmissível ou contraditória a vontade de celebração do contrato apenas na qualidade expressamente invocada.<br>
De resto, não haveria mesmo necessidade de invocação da qualidade de representante legal das filhas, uma vez que tal qualidade resulta da própria lei.<br>
Assim, porque a mãe das autoras deu o seu "assentimento" ao contrato, não só como senhoria mas ainda, pelo menos de modo tácito ou implícito, na qualidade de representante legal das filhas menores, está excluída a nulidade por elas alegada.<br>
Por outro lado, a questão da necessidade de autorização do tribunal para a celebração do arrendamento, em representação das filhas menores, reconduz-se, em rigor, a questão nova, por não ter sido suscitada ao longo do processo, pelo que se deve ter como excluída do objecto do recurso.<br>
Apesar disso, sempre se nota que tal autorização só é exigida para a locação de bens "por prazo superior a seis anos" (alínea m) do artigo 1889 n. 1 do C.CIV.) e, no caso presente, o arrendamento foi celebrado "pelo prazo de seis meses", embora renovável por iguais períodos, nos termos legais.<br>
O prazo previsto naquele preceito é apenas o prazo inicial do contrato, independentemente das suas prorrogações, e essa disposição legal será "muito discutível, de jure condendo", uma vez que, não podendo o senhorio denunciar o contrato para o fim do prazo estabelecido, o prédio "fica tão agravado, praticamente, como o arrendado por mais de 6 anos" (Pereira Coelho, no Arrendamento, lições de 1984, p. 97), mas é essa a solução actualmente consagrada na lei.<br>
Em conclusão:<br>
A subscrição de contrato de arrendamento de prédio indiviso por um dos comproprietários, como senhorio, que é também o representante legal de outro comproprietário, seu filho menor, implica o assentimento dele em nome desse filho, apesar de não ser invocada a qualidade de representante legal e de o filho ter sido indevidamente representado no contrato por um curador (artigo 1024 n. 2 e 217 n. 1 do C.CIV.).<br>
A necessidade de autorização do tribunal para a celebração de arrendamento de prédio pertencente a menor apenas é exigida quando o prazo inicial do contrato for superior a 6 anos, independentemente das suas prorrogações (artigo 1889 n. 1 alínea m) do citado Código).<br>
Pelo exposto:<br>
Nega-se a revista.<br>
Custas pelos recorrentes.<br>
Lisboa, 22 de Outubro de 1996.<br>
Martins da Costa.<br>
Pais de Sousa.<br>
Machado Soares.</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
HDIYvIYBgYBz1XKvMpI0 | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br>
<br>
Na Comarca do Seixal,<br>
A, casado, operário, residente em França, propôs contra B e mulher C, residentes em Amora, Seixal, a presente acção ordinária na qual pediu:<br>
a) a anulação do contrato-promessa de compra e venda de imóvel, celebrado em 1 de Setembro de 1982, entre o autor e o réu marido (folha 12);<br>
b) a condenação do réu na restituição ao autor da quantia de 900000 escudos, a título de repetição do indevido;<br>
c) a condenação do réu ao pagamento ao autor da quantia de 207000 escudos, a título de juros de mora entre 6 de Janeiro de 1984 e 6 de Janeiro de 1985, e dos juros vincendos até total reembolso, os quais serão liquidados em execução de sentença; para tanto o autor alegou que, como promitente-comprador, firmou o dito negócio - aliás o autor nunca assinou tal contrato - no pressuposto de que a construção existente no terreno objecto do contrato era susceptível de ser licenciada pela Câmara Municipal, licenciamento este que o réu ficou de conseguir, o que não fez, pelo que ele, autor, em 17 de Janeiro de 1984, requereu a notificação judicial avulsa do réu para resolução do Contrato em causa, de tal modo que se verifica o erro sobre os motivos e, dada a resolução do contrato, há um enriquecimento sem causa.<br>
Na sua contestação, os réus confirmaram alguns factos, negaram outros e declararam apenas ainda outros, mas, de qualquer modo, dizem, não ocorreu qualquer erro, terminando por pedir a improcedência da acção.<br>
Prosseguiu o processo a tramitação usual, com elaboração do saneador e da especificação e do questionário, tendo esta, mediante reclamação, sido aditada, tendo-se também provido a exame da letra, até que, feito o julgamento, foi proferida sentença que julgue a acção improcedente.<br>
Desta sentença recorreu o autor, mas a Relação negou provimento ao recurso.<br>
Voltou o autor a recorrer deste acórdão da Relação e, na sua alegação, concluiu assim:<br>
I - provou-se que o recorrente iria pagar o preço do negócio referido nos autos obtendo por um empréstimo bancário os meios financeiros adequados a esse fim;<br>
II - para tanto necessário se tornava que a construção existente no terreno em causa fosse licenciada, como é facto público, notório e da experiência da vida;<br>
III - quando o réu assegurasse ao autor que poderia ir habitar a casa situada no terreno e se ofereceu para apresentar o processo de legalização, o autor convenceu-se que a casa era legalizável e consequentemente firmou o negócio, mas este convencimento era erróneo, incidia sobre o objecto do negócio e foi determinante para a formulação da vontade dele, autor;<br>
IV - Se o autor soubesse que não teria o empréstimo porque a casa jamais seria legalizável, não teria concluído o negócio;<br>
V - o réu, ao aceitar a cláusula do recurso a um financiamento e ao oferecer-se para tratar da legalização da casa, sabia ou não devia ignorar que tal legalização era essencial para o autor e que estando ele em erro, tal erro era essencial para a determinação da sua vontade;<br>
VI - ao julgar de modo diverso, a Relação fez errada aplicação do direito, maxime dos artigos 251 e 247 do Código Civil;<br>
VII - ao não dar provimento ao recurso, a Relação considerou como matéria de facto o que é um conceito de direito: a "essencialidade" e denegou justiça ao autor que, confiando, entregou o seu dinheiro e que procura reaver.<br>
VIII - deve a acção ser julgada procedente.<br>
<br>
Na sua contra-alegação, os recorridos concluíram:<br>
I' - não houve qualquer erro entre a vontade real e a vontade declarada do recorrente, que tivesse atingido os motivos determinantes de sua vontade;<br>
II' - o recorrente nunca falou ou expressou ao recorrido qualquer necessidade de financiamento para a compra do terreno;<br>
III'- bem sabia o recorrido que a construção implantada no terreno era de fraquíssima qualidade, clandestina e por via ilegal, mas ele quis o negócio nestes precários termos porque só lhe interessava o terreno;<br>
IV'- deve negar-se provimento do recurso.<br>
Colhidos os vistos depois, cabe decidir.<br>
Vêem provados os factos seguintes:<br>
1 - no ano de 1982, o autor chegou ao conhecimento do réu marido através de - um tal D, familiar do autor, e entabulou negociações com aquele réu a fim de proceder à compra de um lote de terreno, o qual era referenciado como lote n. 21 e se encontrava dentro da "Urbanização" da Quinta da Padeirinha, em Foros da Amora, na área da Comarca do Seixal, incluindo as benfeitorias existentes;<br>
2 - o contrato promessa titulado pelo documento de folhas 12 e 12/8, que se dá como reproduzido, foi assinado pelo autor e pelo réu, continha uma cláusula segundo a qual a escritura pública de compra e venda seria celebrada em 90 dias após a data do celebrado contrato e, como dele consta, o autor entregou ao réu a quantia de 900000 escudos, como prova de sinal, sendo o restante - o que falta para o preço 2250000 escudos - pago no acto da escritura, através de um empréstimo adquirido no Banco;<br>
3 - o autor, antes de assinar o contrato-promessa, visitou o terreno com familiares a construção e só passado um período de cerca de um mês ou um mês e meio é que foi celebrado o contrato-promessa, certo sendo que sempre foi dito pelo réu ao autor e ainda na primeira fase do negócio, ou seja, na fase da ponderação da sua celebração, que poderia habitar a casa, que era habitável, com o seu agregado familiar, sendo-lhe, inclusivé, fornecidas água e luz pelos serviços competentes sem qualquer problema;<br>
4 - o autor deu indicação ao seu procurador para celebrar o contrato-promessa de compra e venda e, após ponderação do negócio supra referido no n. 1, o autor deu indicação ao D para proceder à compra do referido lote;<br>
5 - entretanto o autor retirou-se para França e, um ano decorrido sobre a data do projecto de folhas 6 e seguintes (documento n. 1), ou seja, 3 de Novembro de 1982, convenceu-se que o réu não conseguia cumprir a sua parte no contrato-promessa e, então, procurou o réu e propôs-lhe a devolução do dinheiro e a rescisão do contrato, certo sendo este projecto foi assinado pelo réu, não é o de uma nova construção mas o projecto da construção já existente no terreno prometido vender e que o réu se ofereceu para o entregar na Câmara Municipal e que não foi aprovado;<br>
6 - em 4 de Abril de 1984, o réu enviou ao autor a carta junta a folha 25 do processo, na qual aquele diz que em virtude de este ter caído em incumprimento contratual perdeu o sinal, nos termos do artigo 442 do Código Civil;<br>
7 - em 17 de Janeiro de 1984, o autor requereu a notificação judicial avulsa do réu, conforme o documento de folhas 13, 13 verso e 14 (documento n. 3), que agiu só como reproduzido, e o réu foi notificado nos termos dessa notificação judicial avulsa, consoante certidão de folha 15, notificação esta em que o autor declarava resolvido o contrato e pedia a devolução dos 900000 escudos nas 48 horas subsequentes à notificação e ainda juros de mora.<br>
O objecto do presente recurso cifra-se em saber se o autor foi vítima de erro sobre as qualidades do objecto do negócio cujo regime consta do artigo 251 do Código Civil, já que é manifesto não se tratar do erro previsto no artigo 252 do mesmo Código, visto que, além de as partes não terem reconhecido por acordo a essencialidade do motivo (n. 1), o erro não pode recair ou referir-se ao objecto do negócio (n. 1) (Horster, A Parte Geral do Código Civil Português, 579; Galvão da Silva, C. J. 1993, tomo 2, 14 e 15; Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, edição de 1973, 575; Costa Mendes, Teoria Geral do Direito Civil, volume II, 103 e 235).<br>
<br>
O artigo 251 do Código Civil dispõe:<br>
O erro que atinja os motivos determinantes da vontade, quando se refira à pessoa do declaratário ou ao objecto do negócio, torna este anulável nos termos do artigo 247.<br>
Por sua vez, este artigo 247 preceitua:<br>
Quando, em virtude de erro, a vontade declarada não corresponda à vontade real do autor, a declaração negocial é anulável, desde que o declaratário conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade, para o declarante, do elemento sobre que incidiu o erro.<br>
Dos textos legais transcritos decorre que a relevância do erro sobre o objecto do negócio ou as suas qualidades pressupõe:<br>
a) que a vontade declarada esteja viciada por erro sobre o objecto do negócio ou as suas qualidades e por isso seja divergente da vontade que o declarante teria tido sem tal erro (vontade conjectural ou hipotética);<br>
b) que, para o declarante, seja essencial o elemento sobre que recaiu o seu erro, isto é, decisivo para o declarante, por tal forma que ele não teria celebrado o negócio se se tivesse apercebido do erro;<br>
c) que o declaratário conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade referida na anterior alínea (Horster, obra citada, 562 e seguintes; Mota Pinto, obra citada, 577 e seguintes, Castro Mendes, obra citada, 79 e seguintes; Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, volume I, quarta edição, notas dos artigos 247 e 251).<br>
<br>
Atento o disposto n. 1 do artigo 342 do Código Civil cabia ao autor provar os factos integrantes dos pressupostos e requisitos do erro que invocou.<br>
Vejamos se o conseguiu.<br>
Pois bem, da resposta restrita do quesito 1, em que se não deu como provada a sua parte final (desde que a construção fosse susceptível de ser licenciada pela Câmara Municipal do Seixal) e das respostas negativas aos quesitos 2, 4, 6, 7, 17 e 18 decorre, sem sombra de dúvida, que o autor não logrou fazer a prova dos mencionados pressupostos e requisitos de relevância do erro sobre o objecto do negócio ou as suas qualidades, pois se não provaram os factos integrantes de que a vontade declarada do autor tivesse sido viciada por erro e por isso tivesse divergido da sua vontade conjectural, caso não houvesse erro; logicamente, prejudicada fica a apreciação da essencialidade, para o autor, do elemento sobre que o erro recaiu bem como a apreciação da questão de saber se o réu conheceu ou não devia ignorar a dita essencialidade; de qualquer modo, mesmo que a tivesse provado a vontade do autor tinha sido viciada por erro sobre o objecto do negócio ou as suas qualidades (na hipótese trata-se da regularização, legalização ou licenciamento camarário da construção existente no lote de terreno ou de uma nova construção a implantar nele), a verdade é que também se não teria de provar que tivesse sido essencial, para o declarante, o elemento, em que o seu erro teria recaído como não se teria provado que a contraparte, o réu promitente - vendedor, tivesse conhecido ou não devesse ter ignorado tal essencialidade.<br>
Mas o recorrente, a favor da existência do erro sobre o objecto do negócio e as suas qualidades, contrapõe: vem provado que a restante parte do preço estabelecido no contrato-promessa (2150000 escudos - 900000 escudos) seria paga no acto da escritura através de um empréstimo adquirido ao Banco, que o réu se ofereceu para entregar um projecto na Câmara Municipal, que sempre foi dito pelo réu ao autor, e ainda na primeira fase do negócio, ou seja, na fase de ponderação da sua celebração, que poderia habitar a casa com o seu agregado familiar, casa essa que era habitável, sendo-lhe inclusive fornecida água e luz pelos serviços competentes sem qualquer problema (estes os factos que, na realidade, se provaram, se bem que o recorrente, nas conclusões da sua alegação, os não refira com a mesma exactidão);<br>
e destes factos pretende o autor-recorrente que deve ser extraída a conclusão de que se provaram os factos integrantes dos referidos pressupostos e requisitos do erro sobre o objecto do negócio e as suas qualidades, mau grado as mencionadas respostas negativas dos quesitos que abrangem os factos directamente relacionados com tais pressupostos e requisitos.<br>
Mas acontece que a Relação não extraiu de tais factos semelhante conclusão ou ilação. E bem andou, pois que uma tal ilação não era legítima, porque não representaria o desenvolvimento lógico dos factos dados como provados e até os contrariaria, na medida em que se não compaginaria com as respostas negativas aos quesitos 2, 4, 6, 7, 17 e 18 nem com a resposta restritiva ao quesito 1 (quesitos estes com os factos expressa e abertamente dirigidos à prova dos pressupostos e requisitos do erro em causa) nem, por outro lado, com os factos dados como provados nas respostas dadas aos quesitos 16 e 19 e no documento de folha 12 (o que o réu prometeu receber foi uma parcela do terreno, incluindo as benfeitorias existentes dentro do Plano de Urbanização na Quinta da Padeirinha, lote 21) e com os factos dados como provados nas respostas aos quesitos 22 e 23 (o projecto de folhas 6 e seguintes não é o de uma construção, ele não é mais do que o projecto de construção já existente no terreno prometido vender). O que acaba de dizer-se sobre a possibilidade de a Relação extrair ilações dos factos provados e sobre a sua legitimidade é jurisprudência corrente do Supremo Tribunal de Justiça como o é a orientação segundo a qual este tribunal, como tribunal de revista, não pode exercer censura sobre a matéria de facto apurada pelas instâncias, salvo nos casos expressos dos artigos 729 n. 2, 728 n. 2 e 712 do Código de Processo Civil, tanto mais que, no presente caso, a Relação não extraiu qualquer ilação e, assim fazendo, aqui acertadamente (v., por todos, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 31 de Outubro de 1990, 27 de Outubro de 1990, 5 de Dezembro de 1990, respectivamente, Boletim do Ministério da Justiça 400, 591, 401, 529, 402, 500). <br>
Por tudo o exposto, nega-se a revista.<br>
Custas pelo recorrente.<br>
Lisboa, 19 de Abril de 1994.<br>
Fernando Baião;<br>
César Marques;<br>
Martins da Costa.<br>
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4jIqvIYBgYBz1XKvEK6b | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam, em conferencia, no Supremo Tribunal de Justiça:<br>
I - Sagos - Sociedade Agro Pecuaria de S. Domingos da Serra,<br>
Lda propos esta acção de preferencia contra os reus A, B e mulher C,<br>
D e mulher E, e contra F e G e mulher H, alegando que, por contrato escrito de 30 de Dezembro de 1975, a Autora tomou de arrendamento aos primeiros reus o predio rustico "Vale do Zorro", inscrito na matriz cadastral rustica sob o n. 2 - DD, da freguesia de S. Domingos da Serra, concelho de Santiago do Cacem, pela renda anual de 15000 escudos, e que, por escritura de 12 de Outubro de 1981, os donos venderam esse predio aos reus G e F pelo preço declarado de 4500000 escudos (doc. de folhas 23-26), sem que a Autora, titular do direito de preferencia como arrendataria, fosse comunicado o projecto da venda e suas clausulas, violando-se o disposto no artigo 29 da Lei 76/77 na redacção da Lei 76/79, de 3 de Dezembro, e os artigos 416 e 1410 do Codigo Civil, pelo que pede sejam os reus adquirentes condenados a reconhecer o direito de preferencia da Autora, ocupando o lugar dos compradores.<br>
Faleceram, na pendencia da acção, os reus A e B, os quais ficaram representados pelos seus sucessores habilitados, os reus D e C, mulher do reu B (folhas 34 e verso do apenso).<br>
Contestaram os reus adquirentes (folhas 31) alegando que a Autora apenas tomou de arrendamento uma parte do predio em causa, concluindo pela improcedencia da acção.<br>
Contestaram tambem os reus alienantes, alegando que do arrendamento a Autora ficaram excluidos bens e utilidades que caracterizam o predio como rustico e tornam o arrendamento rural, pelo que não e esta a realidade da situação, não gozando a Autora do direito de preferencia. Alegou tambem que a Autora renunciou ao direito de preferencia, tendo terminado o contrato no fim do termo, e que a Autora age com abuso de direito (folhas 46) concluindo tambem pela improcedencia da acção.<br>
Replicou a Autora, ampliando o pedido e a causa de pedir, e alegando que teve conhecimento de que o preço real da venda foi so de 3000000 escudos.<br>
Treplicaram os reus adquirentes (folhas 60) e os alienantes (folhas 62).<br>
O saneador - sentença julgou os reus alienantes parte ilegitima (folhas 74 v.) e indeferiu a alteração do pedido (folhas 75 v.), julgando a acção procedente condenando os reus adquirentes a reconhecer o direito de preferencia da Autora na compra do predio em causa (folhas 78 v.).<br>
Dela apelaram os reus adquirentes, condenados, com alegações a folhas 90, e com alegações tambem dos reus D e mulher e re C, da banda dos alienantes (folhas 94), concluindo este pela sua legitimidade na acção, e o acordão da Relação de Evora decidiu não tomar conhecimento do recurso interposto pelos reus adquirentes nem da alegação oferecida pelos reus alienantes (folhas 107 a 114).<br>
Do acordão da Relação agravaram os reus adquirentes F e G e mulher, recurso a que aderiram os restantes demandados (folhas 116 e<br>
117 e 118). Este Supremo, por seu douto acordão de folhas 168 a 172, revogou o acordão recorrido da Relação a fim de esta tomar conhecimento de ambos os recursos.<br>
Baixando os autos a Relação, decidiu esta negar provimento aos recursos, confirmando a sentença recorrida (folhas<br>
185 a 195).<br>
Desse outro acordão trazem esta revista os reus F e Gl e mulher, delimitando as suas alegações com conclusões seguintes, assim sintetizadas:<br>
1, 2,3, 4, 5). A acção de preferencia na venda do predio rustico arrendado deve ser proposta contra alienantes e adquirentes. Aqueles tem conhecimento de factos relevantes para a decisão. Os adquirentes são afectados pela decisão, com prejuizo moral e tambem economico. Tem, pois, os reus alienantes interesse em contradizer.<br>
6,7,8) Os alienantes sujeitaram a apreciação do tribunal factos do seu conhecimento, relevantes para a decisão de merito. Não conhecendo de questões de facto e de direito postas pelos alienantes, o acordão recorrido ignorou-as.<br>
9,10,11) Tais questões são relevantes, prejudicam adquirentes e alienantes, pelo que o acordão recorrido esta ferido de nulidade.<br>
12) A procuração ao mandatario da Autora esta tacitamente revogada.<br>
13) A Autora exerce ilegitimamente de direito que sabe não lhe pertencer, para satisfazer interesses pessoais de um dos socios.<br>
14) Violou o acordão recorrido o disposto nos artigos 334, 416, 1410 do Codigo Civil, artigos 1, 17 e 29 da Lei 76/77, e artigos 26, 28, 288, n. 1, alinea d), 493, n. 2, 494, n. 1, b) 668 n. 1, alinea d), 680 e 683, todos estes do Codigo de Processo Civil, devendo os reus alienantes considerar-se parte legitima e baixar os autos para apuramento da materia de facto pelo tribunal de circulo de Santiago do Cacem.<br>
Contra-alegou a Autora sustentando que não deve conhecer-se deste recurso, que não ha litisconsorcio necessario passivo, e pugnando pela confirmação do julgado.<br>
Apos despacho de folhas 233, sobre o requerido pelos recorrentes a folhas 206, não impugnado, foram colhidos os vistos legais. Cumpre, pois, decidir.<br>
II - São os seguintes os factos dados como assentes:<br>
A Autora, por contrato escrito celebrado em 30 de Dezembro de 1975, tomou de arrendamento a A, B, C, D e E o predio rustico "Vale do Zorro", pela renda anual de 15000 escudos, nos termos e condições do contrato junto a folhas 4 - 6 que se da como reproduzido.<br>
Por escritura de 12 de Outubro de 1981 do cartorio notarial de Santiago de Cacem, os donos venderam aos reus F e G o referido predio pelo preço de 4500 contos, conforme escritura de folhas 23 a 26 que se da aqui como reproduzida.<br>
Os donos do predio não comunicaram a autora o projecto de venda e clausulas do respectivo contrato.<br>
III - Nos termos do artigo 29, ns. 1 e 2 da Lei 76/77, o arrendatario rural tem o direito de preferencia na compra do predio, objecto de arrendamento, sendo-lhe aplicaveis os arts. 416 a 418 e 1410 estes do Codigo Civil.<br>
O artigo 416 do Codigo Civil estabelece que o "obrigado deve comunicar ao titular do direito o projecto de venda e as clausulas do respectivo contrato".<br>
A autora demandou nesta acção os reus, tanto alienantes como os adquirentes. Quer na sentença (folhas 74 v.), quer no acordão da Relação de Evora, ora recorrido (folhas 194 e v. e 195), julgaram-se os reus alienantes parte ilegitima e absolvidos da instancia.<br>
Defendem os recorrentes, nas conclusões das suas alegações, que nas acções de preferencia os reus alienantes são parte legitima, tendo o acordão recorrido violado designadamente os artigos 29 da Lei 76/77 e 416 e 1410 do Codigo Civil.<br>
Trata-se, assim, de decidir esta controversa e martirizada questão de direito em que o ora relator perfilhou sempre a tese do litisconsorcio necessario passivo, desde a sua sentença na comarca de Portalegre, de 29 de Junho de 1970, publicada no seu livro "Doação Verbal de Moveis e Jurisprudencia Diversa",<br>
Liv. Almad., 1970, paginas 73 a 78, passando pelo Acordão da Relação de Coimbra, de 14 de Maio de 1985, que relatou e vem publicado na Colectanea Jurisprudencia,<br>
Ano X, tomo III, paginas 72 a 75, com muitos lapsos tipograficos que vão aqui corrigidos.<br>
IV - Legitimidade passiva nas acções de preferencia:<br>
A- No sentido de que, nas acções para o exercicio do direito de preferencia, so o comprador tem legitimidade passiva, mas logo acrescentando que o alienante devera ser chamado a acção se esta lhe causar prejuizo, e a doutrina e jurisprudencia, como, por exemplo, a seguinte:<br>
Pinto Loureiro - Manual dos Direitos de Preferencia, volume II - 302.<br>
Revista dos Tribunais - Anotação, Ano 59, paginas 191 e 192.<br>
Revista de Legislação e Jurisprudencia, Ano 79, paginas 221.<br>
Acordão do Supremo Tribunal de Justiça, de 18 de Dezembro de 1970, no Boletim do Ministerio da Justiça n. 202 - 208.<br>
Acordão do Supremo Tribunal de Justiça, de 20 de Maio de 1975, no Boletim n. 247 paginas 155.<br>
Acordão do Supremo Tribunal de Justiça, de 1 de Fevereiro de 1979, no Boletim n. 284, pagina 146.<br>
Acordão do Supremo Tribunal de Justiça, de 7 de Junho de 1979, no Boletim n. 288, pagina 307.<br>
Acordão do Supremo Tribunal de Justiça, de 26 de Novembro de 1980, no Boletim n. 301, pagina 433.<br>
B- no sentido de que devem ser demandados, sob pena de ilegitimidade, tanto o adquirente como o alienante, por via do litisconcorcio necessario passivo, destacam-se, entre outros.<br>
B1-Na doutrina:<br>
Cunha Gonçalves - Tratado de Direito Civil, Volume VIII, pagina 497.<br>
Luis P. Coelho - B. M. J. n. 103, pagina 136.<br>
Antunes Varela - Exercicio do Direito de Preferencia na Rev. Leg. Jur., Ano 100 pag. 241.<br>
Prof A. Varela - anotação na Rev. Leg. Jur, Ano 100, pagina 381 - 384.<br>
A. Varela - anotação na Rev. Leg. Jur., Ano 105, paginas 8 a 16.<br>
Profs. Pires de Lima A. Varela - Codigo Civil Anotado, Volume III, 2 ed. paginas 378 - 379.<br>
Prof. A. Varela - Das Obrigações em Geral, vol. I, 5 ed. paginas 331 a 333.<br>
B2-Na jurisprudencia, entre outros:<br>
Acordão do Supremo Tribunal de Justiça, de 11 de Janeiro de 1938, na Colecção Oficial, Ano 37, paginas<br>
7 - 8. Sentença do ora relator Vassanta Tamba, de 29 de Junho de 1970, na comarca de Portalegre, publicada no seu livro "Doação Verbal de Moveis e Jurisprudencia Diversa" - Liv. Almad., 1970, paginas 73 a 78.<br>
Acordão da Relação de Coimbra, de 28 de Julho de 1972, no Boletim 220 - 212.<br>
Ac. da Rel. de Coimbra, de 19 de Maio de 1976, no Boletim 259, paginas 268 - 269 e, na integra, na Colect. Jur., Ano I, paginas 281.<br>
Acordão da Relação de Coimbra, de 3 de Junho de 1977, na Colectanea Jurisprudencia, Ano II, pagina 795.<br>
Acordão da Relação de Coimbra, de 27 de Janeiro de 1978, no Boletim 275, pagina 278.<br>
Acordão da Relação de Coimbra, de 17 de Fevereiro de 1978, no Boletim n. 276, pagina 326.<br>
Acordão da Relação de Coimbra, de 10 de Janeiro de 1979, no Boletim n. 284, pagina 288.<br>
Acordão da Relação de Coimbra, de 14 de Maio de 1985, relatado por quem relata o presente neste Supremo, sumariado no Boletim n. 347, pagina 464, e, na integra, na Colectanea Jurisprudencia, Ano X, tomo III, paginas 72 a 75, que aqui se segue de perto, corrigindo-o nos lapsos tipograficos de revisão e impressão.<br>
V - A resenha não exaustiva, que antecede em IV, dos adeptos de uma e de outra das correntes, na doutrina e na jurisprudencia, quer na vigencia do Codigo Civil de 1867, quer apos alterações significativas no Codigo Civil de 1966, permite-nos concluir que mantemos ainda hoje a tese do litisconsorcio necessario passivo nas acções de preferencia, como o fizemos quer na referida sentença de Portalegre, de 29 de Junho de 1970, quer no Acordão da Relação de Coimbra, de 14 de Maio de 1985, na Colectanea Jurisprudencia, Ano X, tomo III, pgs. 72 a 75.<br>
Sacudindo eventual "preguiça mental", podemos e devemos avançar mais reflexões que seguem:<br>
Notavel ao tempo em que foi proferido, e o ja citado Acordão do Supremo Tribunal de Justiça, de 11 de Janeiro de 1938, com o seguinte sumario (seguido do texto) na Colecção Oficial dos Acordãos Doutrinais, Ano 37, pagina 7: "Na acção de preferencia com o fundamento no paragrafo 1 do artigo 2309 do Codigo Civil [de Seabra] e parte legitima o vendedor, pois que a ele competia oferecer a oposição ao dono do predio encravado...".<br>
E escreve-se no texto final desse Acordão do Supremo Tribunal de Justiça: "Ora, como e ao proprietario alienante que incumbe o dever da oferta por meio da respectiva notificação, e evidente que tem de ser sempre chamada a acção de preferencia para, em contrariedade, impugnar a arguição da falta, ou o fundamento juridico do direito invocado pelo autor... e, consequentemente, subtrair-se a responsabilidade que dessa procedencia lhe pode resultar" - loc. cit., Ano 37, pagina 8.<br>
Infelizmente, os varios Acordãos do Supremo Tribunal de Justiça que tem erguido uma "muralha" contra essa solução, apenas se tem socorrido de argumentos menores, como os que seguem.<br>
VI - Legitimidade - Questão de Direito Adjectivo:<br>
Infelizmente, este Supremo Tribunal de Justiça, nos seus doutos arestos, tem deixado aquela questão de direito<br>
(da legitimidade passiva do alienante) no, cada vez mais alargado, circulo de casuismo arrepiante.<br>
Como paradigmatico, veja-se o Acordão do Supremo Tribunal de Justiça, de 18 de Dezembro de 1970, no Boletim Ministerio Justiça n. 202, pagina 208, em que se contradiz quando sustenta que não e necessaria a intervenção do alienante, porque ao preferente "essa oferta foi feita pelo reu" embora não pelos vendedores.<br>
No sumario desse Acordão diz-se que os vendedores so devem intervir como reus quando tenham interesse directo em contradizer o pedido de preferencia, por essa procedencia lhes causar prejuizo.<br>
Mas, então, pergunta-se: a questão da legitimidade põe-se na fase da introdução do feito em juizo, ou apos a sentença da 1 instancia?<br>
Passemos para o Acordão do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de Junho de 1979 (no Boletim n. 288, pagina 307), onde se proclama que o "problema da legitimidade das partes não e questão de direito substantivo que deva ser resolvido no Codigo Civil, mas uma questão de direito adjectivo que tem sua sede propria no Codigo Processo Civil". Isto porque a locução "citação dos reus", introduzida na parte final do n. 1 do artigo 1410 do Codigo Civil, significativamente face aos trabalhos preparatorios do Codigo Civil de 1966 por forma a abranger alienantes e adquirentes, não tem esse sentido, pois e neutra aquela locução, não envolvendo que a acção tenha de ser proposta tambem contra o alienante (Acordão do Supremo, de 7 de Junho de 1979, atras citado, a paginas 312 do Boletim n. 288).<br>
Sobre este falso problema, escreveu o ora relator na Rev. de Dir. e de Est. Soc., Ano XVII, pagina 242, nota (8) o seguinte: "note-se porem que não e forçosamente de indole processual uma norma que se contem (e so por isso) num diploma de natureza adjectiva... Por outro lado, não falta quem veja na legislação processual não um puro instrumento passivo das soluções ditadas pelo direito substantivo, mas sim, em varios aspectos, um verdadeiro complemento activo da lei substantiva".<br>
Assim tambem, nas relações entre o direito civil e o processo civil, o Professor A. Varela no Boletim Fac. de Direito de Coimbra, volume XXXV, pagina 46.<br>
Podera acrescentar-se: e vice-versa, entre o direito civil e o processual civil.<br>
A Locução "Citação dos Reus":<br>
Foi o artigo 1410, n. 1, do Codigo Civil de 1966, que introduziu (como se referiu ja), entre outras, esta alteração ao longinquamente correspondente artigo 1566, paragrafo 1, do Codigo Civil de Seabra.<br>
A locução "citação dos reus" (em plural o lado passivo da relação juridica controvertida, na acção de preferencia) introduzida nesse artigo 1410, n. 1, do Codigo Civil de 1966, tem significado relevante, e não e "neutra", ao contrario do sustentado no atras citado Acordão do Supremo de 7 de Junho de 1979.<br>
O que ha e que conjugar o aditamento daquela expressão "citação dos reus" com os antecedentes da questão da legitimidade passiva nas acções de preferencia face as duas teses que se formaram na doutrina e na jurisprudencia e os trabalhos preparatorios - conforme Prof. Pinto Coelho no Boletim do Ministerio da Justiça n. 103, pagina 195 - 196.<br>
Ao escrever-se "reus", no contexto apontado, esta-se forçosamente a apontar para o alienante e o adquirente.<br>
Constitui explicação demasiado comodista, para justificar uma opinião pre-concebida, afirmar-se que, ao usar a palavra "reus", o legislador deve ter figurado o caso de o adquirente ser "casado". Se o legislador se referiu a "reus" foi porque quis consagrar a orientação do respectivo auto-projecto, e que tinha em vista accionar sempre o alienante e o adquirente. Esta a feliz sintese do Acordão da Relação de Coimbra, de 19 de Maio de 1976, no Boletim n. 259, paginas 268-269.<br>
Note-se que o Ante projecto do Codigo Processo Civil, edição do Ministerio da Justiça, 1988, contem no seu artigo 79 o seguinte: "As acções de preferencia a que se refere o artigo 1410 do Codigo Civil devem ser, simultaneamente, propostas contra o alienante e o adquirente, sob pena de ilegitimidade". Esperemos que saia, antes, um Assento.<br>
VII - O Autor da Violação Legal:<br>
Acresce - e isto e seriamente decisivo - que ao dono do predio onerado com preferencia e que compete, legalmente, a obrigação de oferecer preferencia aos titulares do respectivo direito de preferencia. E, ele, o alienante quem conhece os preferentes, sabe se lhes comunicou os elementos essenciais para o exercicio do direito de preferencia (artigo 416, n. 1, do Codigo Civil). E o alienante que dispõe dos necessarios elementos probatorios para os opor ao preferente na acção de preferencia que este venha a mover.<br>
Mais: e o alienante que, praticando facto contrario a lei, por omissão do dever de oferecer a preferencia, vem a colocar-se do lado passivo na acção de preferencia, configurada como relação juridica controvertida.<br>
Tratando-se de acção de simples apreciação, mas em reflexões que valeu tambem para a presente de condenação, escreveu o nosso saudoso Mestre, Prof. Manuel de Andrade - Noções Elementares de Processo Civil, edição de 1956, paginas 83 - 84, o seguinte: "O reu deve ser o sujeito da obrigação correspondente ao direito negado ao autor... se, todavia, o facto causador da incerteza da relação material foi praticado por outra pessoa,<br>
"tambem a esta competira a legitimação passiva.<br>
Mas aquela outra parte... tem de ser demandada conjuntamente...".<br>
Numa perspectiva que se tem como exactissima, e, em primeira linha, o alienante quem tem de ser demandado.<br>
Porque e ele o autor do facto ilicito de que deriva o exercicio da acção de preferencia. Se o adquirente deve tambem ser demandado, e porque, quando se exerce a acção, o comprador por via de regra tem ja o imovel na sua esfera patrimonial, atraves da escritura publica e ate com inscrição a seu favor no registo predial. Essa a razão porque o adquirente tem que ser tambem "convencido judicialmente" da infracção praticada pelo alienante.<br>
Alias, tambem o Professor A. dos Reis, no Bol. Fac. Dir. de Coimbra, Ano IX, paginas 113, escreveu que o reu e parte legitima se for pessoa que tenha praticado o facto reputado contrario ao direito do autor.<br>
A solução do litisconsorcio necessario passivo, demandando-se tanto o alienante como o adquirente nas acções de preferencia, e a unica que toma na devida conta a mais correcta ponderação dos interesses em causa e os preciosos ensinamentos da evolução legislativa, desde o artigo 1566 paragrafo 1 do Codigo Civil de Seabra ate a redacção actual do artigo 1410 n. 1, do Codigo Civil de 1966.<br>
Uma tal solução e, salvo o respeito pela tese contraria, a que revela maior sensibilidade e mais aguda intuição para estas coisas do Direito. E nunca sera demais recorda-lo uma vez mais: foi a perfilhada pelo vetusto e veneravel Acordão deste Supremo Tribunal de Justiça, no atras citado aresto de 11 de Janeiro de 1938, publicado na Colectanea Oficial dos Acordãos Doutrinais, Ano 37, paginas 7 - 8. Isso mesmo escreveu o ora relator no Acordão da Relação de Coimbra, de 14 de Maio de 1985, publicado na Colectanea Jurisprudencia,<br>
Ano X, tomo III, pagina 74, atras citado, como o havia ja escrito na sentença da comarca de Portalegre, de 29 de Junho de 1970, no seu livro Doação... e Jurisprudencia Diversa, Liv. Almad., 1970, a paginas 76 -<br>
- 77, e não ha razões para não o reiterar, pois esse aspecto de "autor de violação legal" (para o alienante ser demandado na acção de preferencia) nem sempre teve o destaque merecido nas anotações aos Acordãos deste Supremo, designadamente na Rev. de Leg. e Jurisprudencia.<br>
VIII - Conclusão:<br>
Face a todo o exposto, conclui-se que e este um caso de litisconsorcio necessario passivo, em que ha que demandar tanto os alienantes como os adquirentes.<br>
O acordão recorrido violou designadamente o disposto nos artigos 416 n. 1 e 1410 n. 1 do Codigo Civil ex vi artigo 29, n. 2 da Lei 76/77, na redacção da Lei 76/79, normas invocadas pelos recorrentes no n. 14 das suas conclusões, pelo que procede a revista.<br>
Termos em que decide-se neste Supremo o seguinte:<br>
Decisão: a) Conceder a revista, revogando-se o acordão recorrido que confirmou o saneador-sentença da 1 instancia b) Declarar "parte legitima" os reus alienantes, em litisconsorcio necessario passivo com os reus adquirentes, ora recorrentes, pelo que c) Terão os autos que baixar a 1 instancia para se proferir novo saneador julgando legitimos os reus alienantes, prosseguindo a acção especificando-se os factos assentes e, sendo caso disso, quesitando os controvertidos e relevantes para a decisão final, incluindo os alegados pelos reus alienantes d) condenar nas custas desta revista a Autora, ora recorrida, que decaiu totalmente quando pugnou pela confirmação do acordão recorrido. Custas nas instancias na proporção da 1/2 pela Autora e 1/2 pelos reus alienantes, contestantes a folhas 46.<br>
Lisboa, 14 de Maio de 1991.<br>
Vassanta Tamba;<br>
Meneres Pimentel;<br>
Brochado Brandão.</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
WDL3u4YBgYBz1XKvdGVO | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br>
<br>
1. A intentou acção declarativa, com processo ordinário, em 7 de Abril de 1994, contra B e mulher, C, alegando, em síntese, ser proprietário de uma fracção de prédio urbano que identificou, a qual foi objecto de contrato-promessa de compra e venda celebrado com os Réus, em 2 de Março de 1998, e que estes ocupam, contrato que, posteriormente, veio a ser revogado por acordo das partes.<br>
Terminou, pedindo, que, declarando-se revogado esse contrato-promessa, fossem os Réus condenados a restituírem-lhe essa sua fracção e a pagarem-lhe uma indemnização, a liquidar em execução de sentença, pela ilícita ocupação que dela vem fazendo.<br>
2. Os Réus contestaram, dizendo, no essencial, que "inexiste" acordo revogatório, porquanto a sua eficácia ficou subordinada ao pagamento pelo Autor da quantia de 6500000 escudos, em duas prestações iguais, sendo certo que ele só uma pagou.<br>
3. Elaborado o despacho saneador e organizada a peça condensadora, foi efectuado julgamento e proferida sentença, em 17 de Janeiro de 1997, a decretar a improcedência da acção, sob o pretexto de que o contrato-promessa não podia considerar-se "resolvido".<br>
4. Inconformado, o Autor apelou.<br>
Sem êxito, contudo, pois a Relação de Lisboa, por Acórdão de 23 de Março de 1999, julgou a apelação improcedente por entender que o contrato-promessa ainda subsistia, por não se ter operado a revogação do mesmo.<br>
5. Ainda irresignado, o Autor recorreu de revista a pugnar pela procedência da acção, com fundamento na violação, pelo Acórdão recorrido, dos artigos 406, 808, 270, 804 e 805 do Código Civil, tendo culminado a sua alegação com estas sintetizadas conclusões:<br>
I - As partes no contrato-promessa podem revogá-lo por mútuo acordo, tendo o acórdão revogatório, em princípio, efeitos "ex nunc", por atribuição das próprias partes.<br>
II - Também é aceite a "chamada revogação real", em que a "vontade das partes se materializa em actos inequivocamente da destruição dos efeitos do negócio revogado".<br>
III - "Na sequência do acordo revogatório, os R.R. praticaram os actos consignados no artigo 35 da contestação", o que "configura a consumação desse mesmo acordo". <br>
IV - "O acordo revogatório não está sujeito à disciplina dos negócios condicionais", pelo que não basta a mera verificação do não pagamento da 2. prestação "para dar sem efeito a revogação" do "acordo revogatório".<br>
6. Em contra-alegações, os Réus bateram-se pela confirmação do julgado.<br>
<br>
Foram colhidos os vistos.<br>
7. Eis a matéria fáctica a valorar:<br>
a) O Autor é dono da fracção autónoma designada pelas letras BB do prédio urbano (lote 70), sito na Quinta das Palmeiras, Oeiras, inscrito na matriz urbana sob o artigo 380, fracção, essa que foi objecto do contrato-promessa de compra e venda firmado com o Réu, em 2 de Março de 1988, mediante doc. de folha 8.<br>
b) Em 25 de Agosto de 1989, o Autor, por carta registada com A/R, fotocopiada a folha 9, notificou o Réu para comparecer, em 14 de Setembro de 1998, no 1. Cartório Notarial de Lisboa, para celebração da escritura, mas o Réu, após o envio da carta ao Autor, fotocopiada a folha 13, a solicitar a marcação de outra data, não compareceu, como se vê de folha 12.<br>
c) Durante o ano de 1990, o Autor e Réus negociaram com vista a pôr termo ao contrato-promessa, mediante o pagamento pelo Autor aos Réus da quantia de 6500000 escudos, em duas prestações de 3250000 escudos cada, tendo o Autor enviado ao Réu a carta fotocopiada a folha 63.<br>
d) A entrega da fracção pelo Réu ao Autor ficou subordinada à verificação do pagamento dessa importância de 6500000 escudos.<br>
e) Em 14 de Setembro de 1990, os Réus receberam do Autor a quantia de 3250000 escudos titulada pelo cheque fotocopiado a folha 14, que foi acompanhado de carta de folha 20.<br>
f) A 2. prestação de 3250000 escudos, que deveria ser paga até 15 de Dezembro de 1990, contra a entrega do andar, nunca foi paga.<br>
g) Em carta dirigida ao Réu, o Autor fez-lhe notar a necessidade da entrega do andar em 15 de Dezembro de 1990 (doc. de folha 20).<br>
h) Em 15 de Janeiro de 1991 o Réu enviou a carta ao Autor, dando-lhe mais 3 dias para pagar os 3250 contos.<br>
i) Em Abril de 1991, o Réu propôs ao Autor a resolução do diferendo mediante o recebimento de 7500 contos.<br>
8. O contrato deve ser pontualmente cumprido e só pode modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei (artigo 406 n. 1 do Código Civil).<br>
As relações contratuais podem extinguir-se, por conseguinte, por acordo das partes, como sucede com a figura do distrate, mútuo consenso ou contrarius consensus, pelo qual os contraentes revogam o seu contrato.<br>
Com efeito, dentre os factos extintivos que atingem directamente a relação contratual, tendo por alvo imediato os efeitos que decorrem do acto negocial, conta-se a revogação.<br>
Está assente no acordo dos contraentes posterior à celebração do contrário, "com sinal oposto ao primitivo" e consiste numa destruição voluntária da relação contratual pelos próprios autores do contrato".<br>
Embora a revogação vise restabelecer a situação pré-existente e tenha, as mais das vezes, eficácia retroactiva, resultante quer da estipulação das partes, quer da sua própria finalidade, a verdade é que as partes "podem querer somente que o contrato revogado deixe de produzir efeitos para futuro" (cfr. Vaz Serra, Rev. de Leg. e de Jurisp., Ano 112, página 30; Mota Pinto, "Teoria Geral do Direito Civil", 3. edição, página 621; e Antunes Varela, "Das Obrigações em Geral", volume II, 7. edição, páginas 279/280).<br>
9. No caso vertente, é incontroverso que o Autor e o Réu quiseram extinguir o contrato-promessa de compra e venda que haviam outorgado.<br>
Coisa que, diga-se, ninguém discute.<br>
As declarações de ambas as partes, devidamente conjugadas e emergentes, designadamente, dos documentos de folhas 14, 20 e 63, envolvem, a despeito do uso de inadequada terminologia, a celebração de contrato abolitivo ou extintivo.<br>
Posteriormente, à outorga do contrato-promessa, o Autor, como promitente-vendedor, e o Réu, como promitente-comprador, manifestaram, pois, inequivocamente, o propósito de porem fim a esse contrato.<br>
Mas não quiseram uma revogação pura e simples.<br>
Como iremos ver.<br>
10. Qualquer acordo revogatório pode conter "cláusulas compensatórias" ou "outras cláusulas acessórias", como resulta, aliás, do artigo 62 do RAU, ao regular a revogação do contrato de arrendamento.<br>
Ora, na situação ajuizada, as partes visaram pôr termo ao contrato-promessa mediante o pagamento pelo Autor aos Réus da quantia de 6500000 escudos, em duas prestações iguais, tendo a entrega da fracção pelo Réu ao Autor ficado subordinada à verificação do pagamento total daquele quantitativo.<br>
Simplesmente, o Autor, apesar de ter pago a primeira prestação de 3250000 escudos, jamais pagou a segunda, de idêntico montante (cfr. alíneas c), d), e) e f) do n. 7).<br>
Isto significa que a eficácia da revogação ficou sujeita à verificação do apontado pressuposto ou cláusula compensatória.<br>
A eficácia do acordo revogatório do contrato-promessa ficou a depender, portanto, da produção desse "evento condicionante" - o pagamento da importância de 6500000 escudos -, a qual, por sua vez, dependia da vontade do Autor (cfr. Baptista Machado, "A Cláusula do Razoável", in "Obra Dispersa", volume I, páginas 476/477, 482 e 497/498).<br>
Logo, por falta de pagamento integral do quantitativo em questão por parte do Autor, sendo ineficaz o acordo revogatório, continua em vigor o contrato-promessa de compra e venda.<br>
11. Em consequência, nega-se a revista, condenando-se o Autor nas custas.<br>
<br>
Lisboa 18 de Novembro de 1999<br>
Silva Paixão,<br>
Silva Graça,<br>
Francisco Lourenço.<br>
<br>
1. Juízo do Tribunal Judicial de Oeiras - P. 326/94.<br>
Tribunal da Relação de Lisboa - P. 4311/97 - 1. Secção. </font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
-TISvIYBgYBz1XKvl4rh | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br>
<br>
1 - No 9. Juízo Criminal da Comarca de Lisboa, A e B accionaram Somundi - Sociedade Turística do Algarve, Limitada, atinente a obter a sua condenação no pagamento de indemnização de 2250000 escudos, por danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescido de juros à taxa legal, pelos prejuízos emergentes de contrato de compra e venda de parcela de terreno não cumprido por culpa da Ré.<br>
A Ré, devidamente citada, contestou por excepção e por impugnação.<br>
A excepção foi julgada improcedente, no saneador.<br>
Por sentença folhas 138 a 140 a acção foi julgada improcedente.<br>
Em apelação o Acórdão da Relação de Lisboa folhas 170 a 176 revogando, parcialmente, a sentença, condenou a Ré a pagar aos Autores.<br>
a) A indemnização de 1000000 escudos por danos não patrimoniais, acrescidos de juros vincendos à taxa legal de 15 porcento.<br>
b) A indemnização por danos patrimoniais, que vier a apurar-se em execução de sentença.<br>
Daí a presente revista.<br>
2 - A Ré recorrente nas suas alegações conclui:<br>
a) Os Autores não provaram os factos constitutivos do seu direito.<br>
b) Nomeadamente não provaram a delimitação temporal de situação lesiva.<br>
c) Desde 1984 até 1991 mantiveram-se inertes.<br>
d) Sendo que a inércia de direitos quando geradora de expectativas constitui abuso de direito - artigo 334 do Código Civil.<br>
e) A fixação dos danos não patrimoniais em 1000000 escudos sendo os padrões de equidade praticados.<br>
Pelo que deve o douto Acórdão recorrido ser revogado estabelecendo-se a sentença da 1. instância.<br>
Os Autores não contra-alegaram.<br>
3 - Corridos os vistos, cumpre decidir.<br>
4 - Está provado pela Relação:<br>
a) Por contrato-promessa celebrado em 1 de Junho de 1982, a Ré prometeu vender aos Autores, e estes prometeram comprar, uma parte de terreno no empreendimento turístico denominado "Vale da Telha", sito em Aljezur, Algarve, descrita na Conservatória do Registo Predial de Lagos sob o n. 3/33, folhas 180/verso do B8 e inscrita na respectiva matriz predial sob o n. 4346- Alínea A) da especificação.<br>
b) A aludida parcela tem o n. 15 do sector BL e área aproximada de 660 metros quadrados - Alínea B) da especificação.<br>
c) Por escritura pública celebrada no 22. Cartório Notarial de Lisboa, e em cumprimento do estipulado no contrato promessa, os Autores adquiriram, pelo preço de 561000 escudos a aludida parcela de terreno - Alínea C) da especificação.<br>
d) A Ré reafirma, quando de celebração da escritura em 8 de Março de 1984 que as "infraestruturas inerentes ao mesmo empreendimento seriam de integral responsabilidade da Ré" - resposta ao quesito 1.<br>
e) Ficou acordado que cabia à Ré a efectivação da rede de esgotos, luz e água, a abertura de acesso e demais infraestreturas inerentes ao empreendimento - resposta ao quesito 2.<br>
f) Os Autores haviam adquirido aquela parcela no intuito de ali poderem desfrutar de habitação durante os seus períodos de férias - resposta ao quesito 4.<br>
g) A realização por parte da Ré das alegadas infraestruturas constituiu para os Autores pressuposto determinante da compra e venda do terreno - resposta ao quesito 5.<br>
h) Os Autores deixaram de utilizar a habitação edificada na parcela de terreno que adquiriram à Ré, por falta de água, luz, electricidade e estrada de acesso - resposta ao quesito 3.<br>
i) Durante os períodos de férias, os Autores utilizaram, juntamente com as suas famílias, os serviços de unidades hoteleiras existentes na região - resposta ao quesito 6.<br>
j) Utilização que tem acarretado prejuízo - resposta ao quesito 7.<br>
l) Os Autores sentem preocupação e angústia por causa da inexistência das infraestruturas - resposta ao quesito 9.<br>
m) Pela mesma razão sentem os Autores também incómodo e desgosto - resposta ao quesito 10.<br>
n) O valor comercial da parcela adquirida pelos Autores diminuiu por inexistência das alegadas infraestruturas - resposta ao quesito 8.<br>
o) O plano de moradias previa a instalação, por parte dos proprietários das mesmas, de fossas assépticas individuais, apenas em zonas onde existiam furos artesianos - resposta ao quesito 11.<br>
p) O empreendimento possui fornecimento de água, e luz em cerca de 90 porcento do empreendimento, salvo nos sectores (1 ou 2 lotes) onde as vendas se encontram atrasadas - resposta ao quesito 12.<br>
q) O empreendimento possui, também, uma rede mínima de vias de circulação, 10 porcento das quais não estão ainda alcatroadas - resposta ao quesito 13.<br>
r) E 90 porcento dos restantes compradores ali têm vivido - resposta ao quesito 14.<br>
5 - Na sentença da 1. instância concluiu-se, página 140 "vale isto dizer que a parcela adquirida pelos Autores possui água e luz".<br>
Só que a Relação, atentas as respostas dadas aos quesitos 3, 6, 7, 8, 9 e 10, considerando tal entendimento inaceitável, concluiu, a fls. 173/verso e 174 "inequivocamente que a parcela de terreno dos autores e na qual estes edificaram uma moradia não possui as infraestruturas atrás referidas e cuja afectivação era da responsabilidade da Ré".<br>
Assente, como está, definitivamente esta matéria, impõe-se concluir que os Autores provaram os factos constitutivos do seu direito, ao contrário da conclusão primeira da recorrente.<br>
6 - Se dúvidas não há quanto aos danos patrimoniais, problemas já se levantam quanto aos danos não patrimoniais.<br>
A começar pela sua ressarcibilidade em sede de responsabilidade contratual - sobre os autores estrangeiros que mais recentemente se tem debruçado sobre o tema: Dr. Sinde Monteiro, Responsabilidade por Conselhos, Página 192, nota 46.<br>
A tese negativa subscrita pelo Professor A. Varela - Obrigações, volume I, 4. edição Página 531 e volume II, 3. edição, Página 103 e pelos Professor P. Lima e A. Varela, Anotado, I, Página 501, anotação 8, ao artigo 496, assenta nos seguintes argumentos:<br>
a) O artigo 760 do projecto do Professor Vaz Serra, que continha redacção idêntica ao actual artigo 496 n. 1, foi suprimido na revisão ministerial.<br>
b) Daí que à imagem do artigo 253 do Código Civil Alemão "Por causa de um dano não patrimonial, só pode exigir-se indemnização em dinheiro nos casos determinados por lei" e do artigo 2859 do Código Civil Italiano "o dano não patrimonial deve ser ressarcido apenas nos casos determinados por lei", tal deverá ser a melhor posição.<br>
c) Tudo para proteger a liberdade de comércio jurídico, que vê o incumprimento assim prévia e eficazmente fixado.<br>
Esta tese tem o contra de assentar no elemento histórico de interpretação - trabalhos preparatórios, na sequência de Saviguy, mas hoje - artigo 9 n. 1 do Código Civil - de reduzissima importância.<br>
A reversibilidade deste argumento assenta no facto de na revisão ministerial, ao suprimir-se o artigo do projecto, querer tão somente reportar-se para a doutrina ou jurisprudência a indicação de solução, se é que ela não estivesse já contida noutras disposições.<br>
Por outro lado há que convir que na própria Alemanha vários autores hoje propõem a sua ressarcibilidade, no âmbito da reforma do B.G.B. (Dr. Calvão da Silva, Responsabilidade civil do Produtor, Página 688, nota 2).<br>
Taxatividade que veria a sua rigidez atenuada para os casos em que houvesse "perda de alegria de viver" - Larenz - Direito Obg., volume I, Página 194 e volume II, Página 639 e 642.<br>
Mas muito principalmente segurança e certeza não são hoje os valores supremos do direito.<br>
A segurança será recebida pelo direito naquilo que se considerar justo e que sirva de garantia dos fins a uma sociedade em mutação.<br>
O direito só deve proporcionar, pois, a segurança no justo.<br>
Daí que a tese afirmativa tenha sufragado a grande maioria da doutrina nacional; P. Coelho, Obg. Página 158; Galvão Teles, obg. Página 383 e 384, A. Costa, Obg. Página 396; Vaz Serra, Rev. Leg. Jur. ano 108, Página 222, Calvão da Silva, obra citada e Sinde Monteiro, obra citada.<br>
No que é acompanhada pela jurisprudência, através da aplicação analógica da regra inserta no artigo 496 n. 1 - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de Janeiro de 1981, Boletim 313 Página 212 ou sequer sem justificar - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Junho de 1974, Boletim 238, Página 204.<br>
O próprio Acórdão recorrido navega nestas águas, ondulação que o recorrente aceita pacificamente por não levantar qualquer problema.<br>
Dir-se-à, no entanto, que se nos afigura incorrecta a utilização do argumento por analogia pela simples razão de que existem disposições próprias: artigos 798 e 804 n. 1, onde se declara que o devedor é responsável pelos prejuízos ou danos causados, sem qualquer limitação, pelo que os não patrimoniais têm aí a sua protecção legal.<br>
Aquém de tudo isto a tradição impera: o direito romano consagrava a reparação do dano moral frente a uma inexecução do contrato e as Ordenações mandavam expressamente atender ao valor da afeição.<br>
Por isso, em face do estatuído no artigo 2833 do Código Civil de 1967, com excepção de Manuel de Andrade, a nossa doutrina ensinava pela pela voz de Professor Gomes da Silva, o dever de prestar o dever de indemnizar "significa aquela disposição da lei que o simples desgosto que acompanha na generalidade dos casos, qualquer violação do direito não é suficiente para constituir dano moral; se, todavia, a ofensa a um direito adquirido for cometida em circunstâncias de tal gravidade, que a própria personalidade moral seja atingida, está preenchida a condição exigida pelo código e existe, portanto, dano moral.".<br>
É sabido que o actual Código Civil, na esteira do Alemão, preferiu a expressão dano não patrimonial, corrente também em Itália, por ser mais rigorosa e abrangente, pois para além dos danos morais (expressão da literatura francesa e código napoleónico que influenciou o nosso Código Civil de 1967) propriamente ditos - ofensa de bens ou valores de ordem moral - abraça também os danos estéticos e sofrimentos físicos.<br>
Para além de tudo isto, é hoje princípio geral de direito comunitário a ressarcibilidade do dano não patrimonial em sede obrigacional.<br>
7 - Só que, há que ponderar.<br>
Se por um lado a violação ilícita de um direito de personalidade - artigo 70 do Código Civil - gere sempre responsabilidade extracontratual, este dever genérico de "neminem laedere" é absorvido se tal ofensa ocorrer em execução de um contrato: aqui há violação de deveres acessórios ligados à finalidade do contrato que tocam na protecção e cuidado da outra parte.<br>
É, pois, indiscutível a sua ressarcibilidade.<br>
Por outro lado o incumprimento do contrato, por si só, não justifica a ressarcibilidade do dano não patrimonial.<br>
A sua reparação justificar-se-à "quando a especial natureza de prestação o exija, ou quando as circunstâncias que acompanham a violação do contrato contribuam decisivamente para uma grave lesão de bens ou valores não patrimoniais" - Dr. Pinto Monteiro - Cláusulas Limitativas ... Páginas 88 e 89, em nota n. 164.<br>
Na conformação do conteúdo contratual há uma complementação recíproca da lei e da vontade das partes - Larenz I, Página 80.<br>
Há que atentar no jogo recíproco de vários princípios ordenadores para surpreender o fundamento objectivo do negócio jurídico.<br>
Vimos que o da segurança do tráfico era endeusado para recusar a ressarcibilidade do dano não patrimonial em sede contratual.<br>
Corrigimo-lo impondo a sua recepção pelo direito, como proporcionando a segurança no justo.<br>
Na hierarquia axicológica, princípios de autodeterminação, de equivalência das prestações e da força ética da fidelidade ao contrato, são-lhe superiores.<br>
Ou, no dizer do Professor A. Varela - Obg. I Página 231 - autonomia privada, confiança e justiça comutativa.<br>
É este quadro que estará sempre presente na análise de cada situação concreta a ser submetida a julgamento.<br>
Quadro que se projecta no n. 1 do artigo 496: "na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito".<br>
Paralelamente o artigo 49 do Código de Obrigações Suíço "...... à titre de réparation morale lorsque celle-ci est justifiée par la gravité particuliére des préjudice suli et de la faut".<br>
Não terão, assim, grande eco as hesitações formuladas pelo Professor Rui Alarcão, Obg. Página 210 e pelo Dr. Ribeiro Faria, volume I, 1987, Página 493.<br>
É que "tendo em conta a tendência crescente para a unificação das duas espécies de responsabilidade, não descortinamos razões ponderosas para não considerar a ressarcibilidade do dano não patrimonial um princípio geral aplicável também à responsabilidade contratual" - Calvão da Silva, obra citada, Página 688, nota 2.<br>
Avança hoje a ideia de que a responsabilidade civil constitui um todo: em Portugal; Pedro Albuquerque - ROA, 49, de 1989, Páginas 793 a 837; Menezes Cordeiro obg. volume II, 1986, Páginas 275 e 276; Em Espanha; Beltrán de Heredia y Onis, Incumplimiento de las obligacions, Madrid, 1990, Página 22; Em Itália: Franzoni: colpa e responsabilitá del delitore, Padua, 1988, Páginas 404 a 409; em França: André Tuna: la responsabilité civile, 2. ed., Paris, 1989, Páginas 41 e seguintes.<br>
Ela até é uma realidade jurídica: Código Civil de Seabra, aprovado em 1967, artigo 118, onde se verifica a regulamentação das duas responsabilidades, apresentando no capítulo seguinte regimes particulares.<br>
8 - Aqui chegados voltemos aos factos.<br>
Os Autores compraram uma parcela de terreno em empreendimento turístico, para construírem casa para habitação.<br>
E construíram-na.<br>
A Ré vendedora comprometeu-se a criar as infraestruturas necessárias e indispensáveis à habitabilidade: água, luz, electricidade e estradas de acesso.<br>
A inexistência destas infraestruturas, impossibilitando a utilização da casa para habitação, causou aos Autores: preocupação, angustia, incómodo e desgosto.<br>
A natureza de prestação não contende, efectivamente, essencialmente com valores de ordem não patrimonial.<br>
Mas a provada inexistência daquelas infraestruturas da responsabilidade total da Ré é pura e simplesmente determinante de os Autores não conseguirem utilizar a casa para fins habitacionais.<br>
É inconcebível a situação que a Ré lhes criou: toda ela em manifesta violação dos princípios atrás focados.<br>
Tudo contribui decisivamente para a grave lesão dos valores não patrimoniais provados.<br>
Há, pois, que ressarcir os Autores.<br>
9 - A igual conclusão chegaríamos se seguíssemos outro caminho: frente à matéria fáctica provada verifica-se que houve violação do princípio da pontualidade.<br>
Houve desconformidade entre o "ser" e o "dever ser", entre a prestação devida e a que foi realizada.<br>
Estamos perante um incumprimento inexacto ou imperfeito, ou "mau cumprimento" na terminologia alemã, ou ainda "má prestação" - Larenz.<br>
Dela resultaram danos extra rem: danos pessoais sofridos pelos Autores credores, que são indemnizáveis.<br>
A prevalência das regras de responsabilidade contratual em detrimento das da delitual assentes em três pressupostos:<br>
a) O contrato estabelece, entre as partes, mútuos deveres de protecção, mais intensos do que em relação a terceiros.<br>
b) O princípio da autonomia implica que as partes afastaram as regras da responsabilidade extracontratual.<br>
c) O credor tem interesse em não recorrer às regras da responsabilidade aquiliana, dado que a responsabilidade contratual impõe um regime mais gravoso para o lesante-devedor.<br>
Não nos interessa aqui esta luta de prevalência - ver Dr. Pedro Romano Martinez, Cumprimento defeituoso, 1994, Páginas 271 a 288 - crítica e contra crítica.<br>
Parece-nos que a responsabilidade contratual só abrange os danos que se encontram no âmbito do sinalagma: "não abrange os danos extra sem, na medida em que eles estão para além do interesse no cumprimento" - P. Martiny, obra citada, Página 288.<br>
Seria uma solução pautada pela subsunção às regras de responsabilidade extracontratual ou contratual, conforme a prevalência a seguir, mas com as mesmas consequências das atrás focadas, como se começou por dizer.<br>
10 - A Relação fixou a indemnização em 1000000 escudos, equitativamente.<br>
Nada há a censurar dentro dos critérios traçados pelo artigo 494.<br>
11 - Dado que os Autores ficaram inertes de 1984 a 1991, na versão da recorrente, pretende agora ela ver nessa inércia desenhar-se a figura do abuso de direito.<br>
A palavra "direito" nesta figura tem de ser entendida em sentido muito amplo, abrangendo toda e qualquer prerrogativa jurídica subjectiva, os "poderes", as "faculdades" e as "liberdades".<br>
Direito subjectivo seria qualquer coisa que pertence ou "cabe" de direito ao indivíduo, que lhe permita participação nos bens da vida, em conformidade com a ordem jurídica.<br>
Interesse e direito subjectivo não são conceitos idênticos.<br>
O interesse constitui o "móbil" do direito subjectivo, mas não faz parte dele; não diz respeito à sua estrutura, apenas se refere à sua função: é uma função do direito subjectivo proteger o interesse.<br>
Aproximando-nos de Castanheira Neves e de Orlando de Carvalho, diremos que o problema do abuso de direito reside em saber se o uso do direito subjectivo obedece ou não aos limites do poder de autodeterminação, sendo, pois, um problema deste poder e não em si do direito subjectivo.<br>
Trata-se de um comportamento aparentemente lícito que viola ou não cumpre a intenção normativa, que materialmente fundamenta e constitui o direito invocado.<br>
O poder de autodeterminação existe apenas para se prosseguirem interesses e não para se sugarem interesses, tanto próprios, como alheios.<br>
Assim será abusivo o comportamento que se diz exercício de um direito quando - não constituindo tal exercício, mesmo em abstracto, uma vantagem objectiva - se revela resultar dele, em concreto, uma desvantagem para terceiro.<br>
Poderíamos, pois, dizer, seguindo Coutinho de Abreu, que há abuso de direito quando um comportamento, aparentando ser exercício de um direito, se traduz na não realização dos interesses pessoais de que esse direito é instrumento e na negação de interesses sensíveis de outrém.<br>
Ora os Autores exerceram o seu direito, que lhes assiste, na altura que entenderam, sem ofensa de valores protegidos.<br>
É, pois, impensável, aqui, a figura do abuso de direito.<br>
12 - Termos em que, negando provimento ao recurso, se confirma o douto Acórdão recorrido.<br>
Custas pelo recorrente, tomando em consideração o apoio judiciário.<br>
Lisboa 21 de Março de 1995.<br>
Torres Paulo,<br>
Ramiro Vidigal,<br>
Cardona Ferreira.</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
JzIVvIYBgYBz1XKvCo2Q | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br>
<br>
Agro Real, Sociedade Agro-Pecuárias S.A., veio propor a presente acção, com processo ordinário, contra CACM - Cooperativa Agrícola dos Criadores de Minhocas CRL, alegando em síntese que esta cooperativa, de que é cooperadora, tem faltado a vários compromissos, mormente os assumidos perante ela, pelo contrato constante do documento de folhas 15 e seguintes, o que lhe acarretou prejuízos que ascendem em 4853460 escudos, pelo que pede que a Ré seja condenada a pagar-lhe tal importância, acrescida de juros à taxa de 15 porcento, desde a citação.<br>
Na contestação a Ré apõe, que nas condições actuais do mercado não tem possibilidade de nele colocar todo o húmus fornecido pelos seus associados e, daí a razão por que não podem levantar o da Autora.<br>
Após o julgamento foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, tendo-se condenado a Ré a pagar à Autora a quantia de 1426835 escudos, acrescida de juros à taxa de 15 porcento, desde a citação e até efectivo e integral pagamento.<br>
A Ré apelou para a Relação do Porto, mas sem êxito, pois o acórdão aí proferido confirmou a sentença impugnada.<br>
Inconformada, a Ré recorre então para este Supremo Tribunal, tendo concluído as respectivas alegações do seguinte modo:<br>
1- Nos contratos de compra e venda mercantil a prazo celebrado entre comerciantes domiciliados no continente, deve no acto da entrega real, presumida ou simbólica, da mercadoria, passar-se factura ou conta que será acompanhada de um extracto, sendo certo que tal não é aplicável quando o respectivo preço seja representado por letras.<br>
2- Não se mostram, nem juntas aos autos, nem tão pouco invocadas, pelas recorridas quaisquer facturas correspondentes aos contratos de compra e venda celebrados entre aquela e a recorrente e em cujo pagamento dos preços esta última foi condenada.<br>
3- Assim, e porque tais documentos são elementos indispensáveis a qualquer procedimento judicial destinado a tornar efectivo os direitos do vendedor (artigo 3 do Decreto n. 19490) não poderia a recorrente ter sido condenada a pagar o referido preço, sem a junção aos autos de tais documentos.<br>
4- Tais títulos constituem verdadeiro pressuposto processual, sendo condição do exercício do direito de acção pelo vendedor e a sua ausência integra uma excepção dilatória inominada.<br>
5- O Acórdão sob recurso ao confirmar a sentença proferida na 1. Instância, em tal particular, referido, violou as disposições legais referidas em 1 e 3 destas conclusões.<br>
6- Assim, deve o acórdão recorrido ser revogado e absolvida a Ré do pedido contra ela formulado, na parte em que a condenou no pagamento do preço do húmus produzido pela recorrida.<br>
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.<br>
Os factos considerados como provados pelas instâncias são os seguintes:<br>
a) A Autora, titular de 100 títulos de capital de 500 escudos cada, no total de 50000 escudos, é cooperadora da Ré, cujo objecto é, designadamente, "promover a colocação nos mercados de consumo dos produtos, provenientes das explorações de minhocultura dos seus membros, de modo a obter a sua máxima valorização e rendimento económico".<br>
b) A Autora está em dia com as suas obrigações estatutárias e outras.<br>
c) Nos termos das disposições estatutárias, a Autora assumiu o compromisso de produzir húmus com os vermes (minhocas) que adquiriu à Verhumus Limitada e de fornecê-lo todo, e só, à Ré.<br>
d) A Autora, a Ré e a Verhumus Limitada outorgaram o contrato, constante a folhas 15 e seguintes.<br>
e) Pouco tempo após a sua constituição, a Assembleia Geral da Ré aprovou o preço/litro do húmus constante desse contrato (22 escudos por litro), não mais alterado.<br>
f) A Ré tem "stoks" de produto armazenado.<br>
g) Não informada de qualquer deliberação da A.G. da cooperativa Ré sobre a recusa de aquisição de húmus produzido, nem de eventual interesse na redução da quantidade que esta pretendia adquirir, a Autora criou e ensacou 900 sacos, de 50 litros cada um, de húmus, com a tonelagem de 27 toneladas, que mantém em armazém à espera que a Ré o levante.<br>
h) A Autora Ré assumiu o compromisso de adquirir cada saco a 1125 escudos.<br>
i) A Ré não levantou o húmus produzido pela Autora.<br>
j) A cooperativa Ré já foi por dezenas de vezes chamada a atenção para proceder ao levantamento do húmus, o qual, assim parado, não serve a ninguém; nem a eventual consumidor, nem à cooperativa que o distribui, nem à Autora de cujo valor não aufere os respectivos juros.<br>
l) A Autora mantém o húmus armazenado: 200 metros quadrados do armazém ocupado com os sacos.<br>
m) Esse espaço tem o valor locativo de 40000 escudos.<br>
n) A Autora tem húmus em terreno preparado para esse efeito, o qual, com aptidão para tanto, não pode ser usado para produção agrícola e cerealífera, em consequência do que sofreu um prejuízo de 200000 escudos.<br>
o) A Autora forneceu húmus à Ré no montante de 714335 escudos.<br>
p) Tendo esta pago, por um fornecimento, 500000 escudos, deixou de pagar 214335 escudos.<br>
Dispõe o artigo 3 do Decreto n. 19490 de 21 de Março de 1931 que "O extracto passado na conformidade do presente decreto ou instrumento de protesto nos termos do artigo 11 é a base indispensável de qualquer procedimento judicial destinado a tornar efectivos os direitos do vendedor...".<br>
Antes de entrarmos na análise deste preceito, interessa sublinhar que só uma das situações fácticas apuradas é que pode ser equacionada no âmbito por ele definido, referimo-nos à descrita nas precedentes alíneas o) e p).<br>
Quanto ao não levantamento, por parte da Ré, de 900 sacos de húmus produzido pela Autora, é óbvio que tal comissão nunca poderia cair sob a alçada do comando transcrito, precisamente porque não chegou a haver entrega real, fosse de que espécie fosse, do produto, e sem ela, como resulta do artigo 1 do mesmo diploma, não existe factura, nem logicamente, o respectivo extracto.<br>
Só, portanto, relativamente à matéria das alíneas o) e p) se pode suscitar a questão decorrente de não ter sido apresentado, quanto a ela, extracto de factura. Pergunta-se: quais as consequências desta atitude?<br>
Trata-se duma problemática muito debatida, na doutrina e na jurisprudência.<br>
Não vemos, porém, necessidade - como se verá - de nos embrenharmos nos meandros da discussão travada a este respeito.<br>
Poderemos, segundo parece, navegar por águas mais tranquilas.<br>
Vejamos:<br>
O Decreto n. 19490, ao impor a necessidade de emissão de factura e extracto, fê-lo, como se explica ao respectivo relatório, por motivos de interesse público, destinado à salvaguarda de interesses nacionais (cf. Professor Alberto dos Reis, in Bol. Fac. Dir. de Coimbra, XV, páginas 198 e seguintes), consideradas actuais e prementes, nessa altura (1931): "necessidade... de ser facilitada a mobilização dos produtos das transacções", debilitar "as práticas defeituosas e condenáveis de concorrência"; pôr cobro "a um largo sector da vida económica como que falseado"; ser o novo título de crédito adequado a oferecer "às actividades bancárias maior número de garantias" etc.<br>
Procurava-se, assim, justificar a medida drástica adoptada com a periclitante e caótica situação económica, financeira, comercial, do início da década de 30 e da incerteza que, a esse nível, então grassava no país.<br>
Hoje a situação é completamente diferente, não só por ser determinada por um conjunto de circunstâncias distintas, mas também por vigorarem instrumentos jurídicos que visaram remediar ou resolver, de outro modo, muitas das vicissitudes apontadas no Relatório do diploma focado.<br>
Continua, sim, a haver crise económica, financeira, comercial, etc, mas causada por outros factores, muito desconhecidos na década de 30, e ostentando outra fisionomia. Sobretudo, requerendo outro tratamento jurídico.<br>
"Assim" - escreve-se no Acórdão da Relação do Porto de 26 de Setembro de 1989 (Colectânea 1989, IV, páginas 207 e seguintes) de que foi relator o actual sr. Juiz Conselheiro, cfr. Martins da Costa- " tendo o citado Decreto, ao impor a obrigatoriedade do extracto de factura, considerado diversos condicionalismos comerciais e económicos então vigentes, e que já não subsistem , deixou de se justificar, nesse ponto, a sua aplicação".<br>
"Operou-se, pois" - acrescenta-se, a rematar - "a caducidade, quanto àquela obrigatoriedade, tal como se verificaria se o diploma tivesse previsto a sua vigência limitada ao período de subsistência das razões específicas que estiveram na base da sua promulgação (artigo 7 n. 1 do Código Civil).<br>
Mas o prejuízo do artigo 3 do Decreto n. 19490 ainda pode justificar-se, singrando por outra via:<br>
Como se sabe, aquele normativo determina que o extracto de factura é base indispensável de qualquer procedimento judicial destinado a tornar efectivos os direitos do vendedor...".<br>
É, todavia, o artigo 12 do mesmo diploma que especifica o "modus faciendi" de tal determinação.<br>
Diz este preceito que as acções fundadas em extractos - que são as referidas no artigo 3 - começam "por penhora como a acção executiva" e se não houver oposição, "seguir-se-ão, no mesmo processo os termos da execução posteriores à penhora".<br>
Portanto, o que o legislador pretendeu com este artigo 12 foi elevar à categoria de título executivo o extracto de factura, e, em sintonia com isto, regular o procedimento judicial referido no artigo 3 em termos prevalentemente executivos.<br>
Pois bem, a revogação do artigo 12 do Decreto n. 19490, pelo artigo 8 do Decreto-Lei n. 29637, que aprovou o Código de Processo Civil de 1939, (neste sentido: Professor Alberto dos Reis, Processo de Execução, I, página 178), por este ter incluído no elenco dos títulos executivos o extracto de factura, esvaziou de conteúdo o citado artigo 3 do Decreto de 1931, pois este dispositivo só alcança sentido útil, enquanto se completa, adjectivamente, com o artigo 12.<br>
Em suma: O Decreto n. 19490 visou proteger o vendedor - comerciante, facultando-lhe um meio mais rápido e eficaz de cobrar judicialmente as dívidas decorrentes do incumprimento do contrato de compra e venda comercial celebrado com outro comerciante. Esse meio consistia, fundamentalmente em, por um lado, dar força executiva ao extracto de factura, tornado obrigatório e, por outro, em proporcionar ao titular do extracto, para veicular e concretizar o seu direito, um processo de cariz predominantemente executório, moldado no artigo 615 do Código de Processo Civil de 1876 (cfr. Alberto dos Reis, L. ob. loc. cit.).<br>
Mas o artigo 12 do Decreto n. 19490, foi, como se disse, revogado pela lei preambular do Código de Processo Civil de 1939 e a revogação deste artigo arrastou a do artigo 3 do mesmo Decreto, por serem normas complementares, conforme se sublinhou.<br>
Mas, mesmo antes da revogação de tais preceitos, o vendedor que não possuísse extracto de factura não estava inibido de lançar mão de acção declarativa de condenação, com vista, obviamente, à obtenção do necessário título executivo (sentença condenatória).<br>
Claro que em tal caso, o vendedor não pretendia - nem podia - obter, nessa acção declarativa, o "pagamento efectivo"; ou, para usar a terminologia da lei, não pretendia, nem podia, "tornar efectivos" os seus direitos, como se diz no artigo do Decreto n. 19490, ao dar, desde logo, um cunho executivo ao procedimento judicial aí referido. Com a acção declarativa, o vendedor visa apenas fazer valer o seu direito ao pagamento do preço, obtando condenação nesse pagamento. Mas, o seu direito ao pagamento só se tornará "efectivo", na subsequente acção executiva.<br>
Temos, portanto, que, na vigência do artigo 3 e 12 do Decreto n. 19490, sempre o vendedor comerciante que não dispusesse de extracto de factura, poderia intentar acção declarativa com vista a obter a condenação do comprador comerciante no pagamento do preço, em caso de incumprimento, por parte deste, do respectivo contrato de compra e venda a prazo.<br>
Conforme defende Cunha Gonçalves, com a frase, inserta no artigo 3 do Decreto n. 19490, onde se refere ser o extracto de factura "base indispensável de qualquer procedimento judicial" não se quis significar que " no caso de não ser emitido tal extracto, pode o comprador locupletar-se com as coisas compradas. O legislador quis dizer, certamente, que o dito extracto tem de ser produzido em qualquer acção, que nele haja de ser baseada, como sucede com as letras, livranças e cheques: nenhuma acção pode fundar-se num destes títulos, sem que este seja junto com a petição inicial. De contrário, esse Decreto, publicado para a protecção do vendedor a prazo, seria um instrumento de espoliação e logro" (Tratado de Direito Civil, VIII, página 625).<br>
De resto, antes da publicação do Código de Processo Civil, era esta a orientação seguida, em geral, pelos Tribunais, ao considerarem que a falta de extracto de factura, apenas proibia o uso do processo de execução facultado pelo artigo 12 do Decreto n. 19490 (Acórdão da Relação de Coimbra de 16 de Outubro de 1935, de 6 de Novembro de 1935, de 16 de Dezembro de 1936; de 26 Maio de 1937, de 7 de Julho de 1937, de 13 de Abril de 1940, in Gazeta da Relação de Lisboa, 49, página 296; 49 página 347; 51 página 41; Rev. Just., 22 página 190; 23, pág 201; 25, página 157; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Dezembro de 1937, Rev. Leg. e Jur. 71, página 105; para uma informação, mais completa, quer no campo da doutrina, quer no da jurisprudência, relativamente ao período considerado, cfr. Baptista Lopes, Do Contrato de Compra e Venda, páginas 416, e seguintes; e Lopes Cardoso, Manual da Acção Executiva, 3 edição, página 55, nota 2).<br>
Também se tem sustentado que a falta de extracto de factura, que consubstanciaria, segundo uns, um pressuposto processual inominado, e segundo outros, uma formalidade ad substantiam, determinaria no primeiro caso, a absolvição da instância, e no outro, a nulidade (ou mesmo a inexistência) do respectivo contrato de compra e venda mercantil (cfr. entre outros: Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3 de Dezembro de 1954, BMJ. 46, página 481; da Relação de Lisboa de 14 de Junho de 1972, BMJ. 218, página 309, e da Relação de Évora de 28 de Janeiro de 1982, BMJ. 315, página 339; ainda: Sá Carneiro, Rev. Trib. 53, página 322; Barbosa de Magalhães, Gazeta Citada, 49, página 296, Rev. Leg. Jurisp. 71, página 220).<br>
Estas soluções são, porém, inconciliáveis com as posições que defendemos, até por terem como suporte referencial, o disposto no artigo 3 do Decreto 19490, enquanto considera o extracto "como base indispensável de qualquer procedimento judicial destinado a tornar efectivos os direitos do vendedor". Ora, já acima concluímos que este preceito está revogado ou, pelo menos, caduco.<br>
E esta conclusão prejudica, só por si, a viabilidade do recurso, sem necessidade de averiguarmos mais detalhadamente se, neste caso, o contrato celebrado, a que respeita a matéria das alíneas o) e p) - única, como oportunamente se disse, que interessa a problemática tratada - tem a natureza jurídica exigida pelo citado artigo 3 do Decreto n. 19490, e se os contraentes são ambos comerciantes, muito embora pudessem surgir dúvidas ou dificuldades na apreciação destes dois pontos (cfr. e quanto à natureza jurídica das cooperativas, na actualidade: Professor Oliveira Ascensão, Direito Comercial, Parte Geral, volume I, 1988, páginas 370 e seguintes; ainda Professor Pires Cardoso, Noções de Direito Comercial, página 189).<br>
Nestes termos, nega-se a revista, confirmando-se o Acórdão recorrido.<br>
Custas pela Ré.<br>
Lisboa, 14 de Dezembro de 1994.<br>
Machado Soares.<br>
Miguel Montenegro.<br>
Fernando Fabião.</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
KjIpvIYBgYBz1XKvna5v | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br>
A:<br>
1 - A Fabrica da Igreja Paroquial de Santa Eufemia de Chancelaria (adiante designada so por Fabrica) recorre de revista do acordão da Relação de Coimbra, que confirmou a sentença (folha 181 v.) do 2 Juizo do circulo judicial de Tomar (folha 137) que julgou improcedente esta acção com processo ordinario, que a ora recorrente intentou contra A e B, que foram absolvidos do pedido (folha 141 v.).<br>
A recorrente formulou estas conclusões na sua alegação (pagina 196): a - a existencia de uma faixa de terreno com cinco metros de largura e vinte de comprimento, que estabelece o acesso de uma estrada municipal a um predio atravessando outro, delimitado pelo muro da implantação de construções urbanas, e por um muro de suporte com 2,3 metros de altura, configura o conceito de passagem permanente. b - esta passagem configura-se constituida por destinação de pai de familia, se quer o predio dominante, quer o serviente foram antes pertença de um so proprietario, e se a data da sua separação tal passagem ja existia. c - deve considerar-se relativamente encravado um predio, que tem o valor de 750000 escudos, e que se encontra sobreelevado em relação a via publica em toda a sua extensão, numa altura de 2 a 3 metros anteparados por um muro de suporte, dado que as despesas de abertura de um acesso directo seriam manifestamente anti-economicos. d - a propria constituição de uma servidão por destinação de pai de familia confere, ao proprietario do predio serviente, o direito de preferencia, no caso de venda do predio dominante.<br>
Nestas bases, pediu a revisão do acordão recorrido, de forma a proceder o pedido inicial.<br>
Os recorridos alegaram no sentido da confirmação do acordão recorrido (folha 197).<br>
Mantem-se a inexistencia de questões, que obstaram ao conhecimento do recurso.<br>
B<br>
2 - A Relação de Coimbra considerou provado que (fls 179):<br>
I - por escritura publica outorgada em 16 de Dezembro de 1971, a autora adquiriu, a C e outros, uma faixa de terreno para construção urbana, com a area de 1890 metros quadrados, no sitio da Terra - freguesia de Chancelaria, a destacar da matriz rustica do artigo 129, que ficou a confrontar a Norte com C, a Sul e Poente com D, e do Weste com estrada municipal.<br>
II - Este lote, onde a autora tem construido diversas instalações sociais, foi destacado do predio rustico a que correspondia o artigo 129, o qual tem o seu acesso a estrada municipal, a nascente, por uma faixa de terreno com cerca de cinco metros de largura e vinte metros de comprimento.<br>
III - Essa faixa de terreno atravessa o lote adquirido pela autora, ao longo de todo o seu limite nascente ate a estrada.<br>
IV - O acesso a generalidade do predio era feito por uma estrada em subida, que vem dar a estrada no lote da autora, a qual foi informada, no acto de compra do lote, de que teria de suportar o direito de acesso ao resto do predio.<br>
V - Para permitir o exercicio desse direito de passagem, recuou ate as construções urbanas em relação ao limite com a estrada.<br>
VI - Ate a data, não se procedeu a demarcação entre o lote da autora e o predio do qual o mesmo foi destacado.<br>
VII - Ate fica sobreelevado em relação a estrada, num desnivel de dois a tres metros, anteparado por um muro de suporte.<br>
VIII - Parte do lote adquirido pela autora esta coberto pela Capela do lugar da Terra, e pelas diversas instalações sociais mandadas erigir por ela.<br>
IX - Por escritura de 1 de Junho de 1984, os reus adquiriram a E e outros, um predio misto, composto de terra de semeadura com oliveiras, figueiras, terra de mato com azinheiras e eucaliptos, barracão amplo e cisternas, sito no lugar da Terra, da freguesia de Chancelaria, concelho de Torres Novas, a confrontar do Norte com a autora, do Nascente com estrada municipal, do Sul com F, e do Poente com terreno baldio, inscrito na matriz sob os artigos 999 urbano e 129 rustico, pelo preço de 750000 escudos, que a autora depositou na Caixa Geral de Depositos, conforme quesito pagina 24.<br>
X - Em principios de Agosto de 1984, a autora mandou tapar o caminho de acesso com um muro de blocos de cimento, impedindo a passagem dos reus, muro que veio a ser destruido para os reus manterem a passagem livre.<br>
3 - A autora pretende ter direitos de preferencia quanto a venda do predio mencionado no precedente numero 2,<br>
IX, dado que a faixa de terreno referido no mesmo n. 2, I, da qual e proprietaria, esta onerada com servidão legal de passagem relativamente ao primeiro dos predios (e do n. 2, IX), do qual foi autonomizada quando a autora comprou aquela faixa de terreno, por escritura publica de 16 de Dezembro de 1971. Com efeito, e segundo a tese da autora, o predio que ai existia, antes da compra e venda da faixa de terreno aludida no n. 2, I, comunicava com a estrada que passa no local, por uma entrada em subida, existente na mesma faixa, com cinco metros de largura e vinte metros de comprimento; e essa servidão... assim constituida foi-o por destinação do pai de familia nos termos previstos no artigo 1549 do Codigo Civil..." (artigo 11 da petição inicial).<br>
Este preceito teve o seu antecessor directo no artigo 2274 do Codigo de 1867, na redacção que lhe foi dada, quando da grande reforma de 1930 pelo decreto n. 19126 de 16 de Dezembro, pelo que varios dos conceitos usados no artigo 1549 actual ja se encontrariam no artigo 2274 de 1867, e haviam sido trabalhados a sua sombra.<br>
Assim sucede com os sinais reveladores da serventia de que trata o artigo 1549, os quais devem ser "visiveis e permanentes", enquanto que no precedente artigo 2274 era exigido que fossem "aparentes e permanentes".<br>
Esta ultima caracteristica não e sinonimo da duração dos sinais para sempre, o que seria absurdo, por contrario a natureza das coisas; "... quer dizer constancia dos sinais ate agora, desde que foram feitas as obras que eles atestam. O preceito não cura de saber o que esses sinais darão ao futuro; quer saber o que tem permanentemente exprimido ate agora, em sua aparencia ...", como entendeu este Supremo Tribunal no seu acordão de 12 de Maio de 1959 (em "Boletim 87, pagina 409), anotado favoravelmente por Pires de Lima, em "Revista de Legislação", 92, paginas 350-351.<br>
Portanto, essa entrada em subida com cinco metros de largura e vinte metros de comprimento, formando um caminho de acesso ao predio sobre o qual incide a preferencia (n. 2 anterior, II e X) configura o conceito de sinal permanente, sem que por aqui possa concluir-se, desde ja, que ele revela uma servidão de passagem.<br>
Com esta ressalva, e aceitavel a conclusão A.<br>
4 - Na primitiva redacção do artigo 2274 do Codigo de 1867, estava prevista apenas a hipotese dos sinais aparentes e permanentes, postos em dois predios de um mesmo dono, a atestarem a servidão de um dos predios para com o outro, serem havidos como prova dela; e foi a reforma de 1930 que, alargando a previsão do artigo 2274, nela passou a incluir a hipotese de tanto acontecer em duas fracções de um so predio.<br>
Pires de Lima entendia que esse preceito do Codigo de Seabra, seguindo o direito frances, passou a regular duas servidões distintas: a servidão por destinação do antigo proprietario (pressupondo a separação dos dois predios ja nas mãos do "dominus" anterior), e a servidão por destinação do pai de familia (quando da divisão em fraccionamento de um so predio). "Noções Fundamentais",<br>
3 edição, II, pagina 116 e 117, e "Revista de Legislação", 92, pagina 350.<br>
Contudo, os dois conceitos ja haviam sido apresentados como sinonimos (resposta não assinada, em mesma "Revista" 91 pagina 232), como sucede perante o actual artigo 1549 (Pires de Lima - Antunes Varela, "Codigo Anotado, II, III, 2 edição, pagina 631), salvo sobre o ponto de vista historico (idem, pagina 632).<br>
Aqui interessa-nos apenas a previsão surgida inicialmente em 1930, e que passou para o actual artigo 1549: a dos sinais visiveis e permanentes, reveladores da serventia, se encontrarem numa ou em duas fracções de um so predio, quando ambas pertenciam ao mesmo "dominus", e haverem sido colocadas por este no intuito de revelarem as serventias de uma para outra das fracções.<br>
Esta servidão, por destinação de pai de familia, pressupõe (alem do mais) a existencia, no patrimonio de um mesmo antigo proprietario, de um predio que ja no tempo desse "dominus" tivesse (pelo menos) duas fracções, cada uma delas com caracteristicas necessariamente " a se", nas quais, ou numa delas, esse "pai de familia" tenha posto sinal ou sinais visiveis e permanentes para revelarem, e revelando, a serventia de uma das fracções para com a outra; o que geraria servidão predial quando mais tarde, cada uma dessas antigas fracções foi encabeçada em proprietario distinto, pelo desenrolar da vida.<br>
Insistimos, por agora, neste particular: para que possa entender-se que ha "... duas fracções de um so predio ...", para efeitos do artigo 1549, e necessario que elas sejam distinguiveis, por caracteristicas proprias, entre si. Como no exemplo de Cunha Gonçalves de : "... o proprietario desse predio rustico montara neste uma roda de agua que, de um lado, movia um moinho de cereais e, de outro, punha em movimento um lagar de azeite. Este predio foi dividido de modo que a roda de agua e o moinho ficaram numa parte e o lagar de azeite na outra parte; mas julgou-se bem que esta, por força do artigo 2274, tinha servidão na roda de agua e mais peças de engenho necessarias para mover o dito lagar, pois tal fora a destinação do pai de familia ..." ("Tratado", XI, pagina 660).<br>
Ora, o caso que vem ate nos, e marcadamente diverso: enquanto a faixa de terreno e o predio misto referidos respectivamente no anterior n. 2, I, e IX, estiveram unificados num mesmo predio, ao qual por comodidade aludiremos como originario, não se ve que houvesse nele fracções, cada uma delas com caracteristicas e função privativas; e de tal modo que a uma dessas fracções tivesse correspondido a faixa do n. 2, I, e a outra o "remanescente" do predio originario, constante do n. 2, IX, anterior.<br>
Nem sequer, sob o prisma do acesso, ha particularidades entre esssa faixa, vendida por escritura de 16 de Dezembro de 1971, e o predio remanescente, objecto da pretensão de preferencia (n. 2, IX), pois vem provado que o caminho (n. 2, X) com cinco metros de largura e vinte metros de comprimento (n. 2, II), que atravessa o lote adquirido pela autora ao longo de todo o seu limite nascente ate a estrada (n. 2, III), formando uma entrada em subida (n. 2 IV) dava acesso a generalidade do predio originario (n. 2, IV), da qual foi destacada a faixa (n. 2, I), ou lote (n. 2, VI), comprado pela autora.<br>
Assim, ate neste particular do acesso ao predio originario, não podemos afirmar que o anterior proprietario fizera construir o caminho, atraves da fracção A, que veio a corresponder a faixa de terreno ou lote comprado pela autora (n. 2, I, II, III, e VI), para ter acesso a fracção B do predio originario, correspondente ao predio remanescente, (n. 2, IX), objecto da preferencia, pois o acesso virado, e conseguido, foi para a generalidade do predio originario.<br>
O que afasta a previsão, visada pela autora, e constante do artigo 1549 do Codigo Civil (ver artigo 11 da petição inicial).<br>
Alias, que "pater familiae" foi esse, que fez construir o caminho aludido, e ao abrigo de cuja destinação" a autora se obriga?<br>
Procura-se nos pontos dados como provados pela Relação, e ate nos articulados da demandante, e nada se encontra; o que não faz sentido, se a pretensão da autora tivesse partido, como cumpria, de factos positivos, concretos, e especificados (Alberto dos Reis, "Codigo Anotado", III, paginas 208 - 209 - 212 - 215) para o direito constituido, em vez de ter sucedido o inverso, como parece.<br>
Daqui resulta não podermos entender que a faixa de terreno (n. 2, I) ou lote (n. 2, VI) comprado pela autora esteja onerado com servidão de passagem em favor do predio comprado pelos reus, e objecto da preferencia (n. 2, IX).<br>
Com o que rejeitamos a conclusão B da recorrente.<br>
5 - O predio objecto da preferencia confronta com estrada municipal a nascente (n. 2, IX), ficando dois a tres metros sobreelevado relativamente a ela, estando anteparado por um muro de suporte (n. 2, VII); ele foi comprado pelos reus por setecentos e cinquenta mil escudos, em 1 de Junho de 1984 (n. 2, IX).<br>
Daqui a recorrente extrai a conclusão e, segundo a qual as despesas de abertura de um acesso directo desse predio a estrada municipal, que o margina, seriam anti-economicas; isto e, esse predio estaria numa situação de encrave relativo, pois seria manifesta a desproporção entre o custo da ligação a via publica e o rendimento ou valor do predio (Almeida Costa,<br>
"Direito Civil", 1 edição, pagina 335; 2 edição pagina 449).<br>
Das confrontações do predio objecto da preferencia<br>
(n. 2, IX) resulta claramente que a unica comunicação existente entre ele e a via publica e pelo apontado caminho, que atravessa o lote adquirido pela autora, numa estrada em subida (n. 2, II, III, IV).<br>
Contudo, como o predio mencionado no n. 2, IX, confronta -<br>
- como se mencionou - com uma estrada municipal a nascente, tendo em relação a este um desnivel de dois a tres metros, protegido por um muro de suporte (n. 2, IX, e VII), e abstractamente possivel construir uma outra ligação entre ele e essa estrada, agora de caracter directo, vencendo o desnivel apontado. Ou seja, o predio em questão tem condições, em abstracto, para ficar com uma comunicação directa com a via publica, pois esta margina-o.<br>
Para a aplicação do artigo 1550, I, do Codigo Civil tudo vai de saber se a construção desse acesso directo acarretaria incomodo, ou despesa, incomportavel para quem fosse o proprietario do predio em referencia ( o do n. 2, IX, anterior). Se a resposta for afirmativa,<br>
"... A comunicação e materialmente possivel, mas economicamente impraticavel...", como notam Pires de Lima - Antunes Varela, "Codigo Anotado", III, 2 edição, pagina 637.<br>
Ora, não são os factos de o predio em questão ter sido vendido por 750000 escudos em 1 de Junho de 1984, de ele ficar sobreelevado relativamente a estrada municipal em dois - tres metros, e de estar protegido por um muro de suporte, que seria necessario remover no ponto de passagem do novo acesso, que nos permitem dar a resposta afirmativa, que a recorrente deseja.<br>
Tudo dependeria de uma multiplicidade de factores desconhecidos, como o valor real do predio em referencia quando do inicio da acção, o qual pode ser bem superior ao da compra pelo reu ; do rendimento desse imovel; do eventual aumento desses valor e rendimento com a passagem directa para a via publica; da possibilidade tecnica, e do custo da obra; de autorização da entidade que gere a estrada municipal, quanto a abertura de um novo acesso directo a esta, num local que eventualmente poderia ser desaconselhavel, por tornar a estrada mais perigosa etc.<br>
Ora, a respeito disto, a autora nada alegou, em violação flagrante do onus de alegação que lhe cabia (Vaz Serra, "Boletim", 110, pagina 112 a 113; Anselmo de Castro, "Direito Processual Civil Declaratorio, III, pagina 355); e nada ficou provado.<br>
Logo, fica rejeitada a sua conclusão C), e o predio objecto da preferencia não e absoluta (o que não esta em discussão) ou relativamente encravado, tal como nos surge.<br>
Com o que a pretensão da recorrente fique irremediavelmente desfavorecida, embora aceitemos a sua conclusão D), a qual e exacta se desprendida deste processo.<br>
6 - Razões porque, negando revista, confirmamos o acordão recorrido, com custas pela recorrente.<br>
Lisboa, 5 de Junho de 1991.<br>
Beça Pereira,<br>
Simões Ventura,<br>
Miguel Montenegro.</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
9jIpvIYBgYBz1XKvf61X | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br>
A intentou acção ordinaria contra B, pedindo a condenação desta a reconhecer a sua responsabilidade pela divida, para consigo, de 982099 escudos resultante da comunicabilidade da que foi contraida por seu marido, C, como administrador no proveito comum do casal e onera tambem num bem do casal.<br>
A Re contestou e seguiram-se os regulares termos.<br>
A sentença final julgou a acção procedente e condenou a Re "a reconhecer tambem da sua responsabilidade o pagamento ao Autor da divida, em montante a apurar no processo de prestação de contas n. 55/B do 3 Juizo,<br>
1 Secção deste Tribunal, contraida pelo seu marido C a favor daquele".<br>
Perante o insucesso da sua apelação, do acordão da Relação de Lisboa interpõe revista a Re, que alega com estas conclusões:<br>
1- O Recorrido e arrendatario habitacional do caso dos autos pagando de renda a quantia mensal de 800 escudos;<br>
2- O recorrido procedeu a obra, na mesma casa que, segundo alega, orçaram em 982099 escudos;<br>
3- Ao direito de o inquilino exigir obra, corresponde o dever de pagar uma renda proporcionalmente justa;<br>
4- O marido da recorrente esteve cerca de dez anos, por imperativo legal, impossibilitado de actualizar a renda;<br>
5- A desproporção entre a renda paga e o resultante das obras e tal que pode com segurança afirmar-se que o Recorrido abusa do seu direito;<br>
6- Tendo as obras sido efectuadas pelo Recorrido, o marido da Recorrente não contraiu qualquer divida e muito menos em proveito comum do casal;<br>
7- Por tudo devia a acção ter sido julgada improcedente e não provada e a Recorrente absolvida do pedido;<br>
8- Não decidindo assim, o Tribunal "a quo" violou, alem do mais, o disposto nos artigos 334, 1031 alinea b), 1036, n. 1, 1038, alinea a) e 1691, n. 1 alinea c), todos do Codigo Civil.<br>
Contra alegou o Autor e defendeu o julgado.<br>
Corridos os vistos, cumpre decidir.<br>
I - Factos provados:<br>
1- O Autor e arrendatario da vivenda Tavares na Rua de Cascais, Alcabideche.<br>
2- A Re e seu marido, C, casaram segundo o regime da comunhão geral de bens e adquiriram aquele predio, na constancia do matrimonio, a titulo oneroso.<br>
3- O dito C foi condenado no processo n. 55, do 3 Juizo, 1 Secção, a proceder as obras julgadas necessarias e indispensaveis de conservação daquele predio por forma a garantir o seu uso regular, conforme sentença de 7 de Maio de 1980 transitada em julgado, e junta a folhas 498, que aqui se da como reproduzida.<br>
4- Porque os proprietarios da referida vivenda Tavares mantiveram, ainda assim, a recusa obstinada de proceder a quaisquer obras foi movida a respectiva execução de prestação de facto que corre por apenso aquele processo n. 55/B.<br>
5- A ora Re deduziu entretanto embargos de terceiro a penhora ordenada por despacho de 14 de Dezembro de 1983 para garantir o pagamento da divida (de 982099 escudos), embargos que por decisão proferida em<br>
24 de Maio de 1985, transitada em julgado, foram considerados procedentes.<br>
6- O Autor paga uma renda mensal de 800 escudos.<br>
7- As obras atras referidas (3) foram realizadas, tendo o ora Autor, com o processo n. 55/B do 3 Juizo,<br>
1 Secção, dado contas das despesas que efectuou, as quais alega no montante de 982099 escudos e que ainda não foram judicialmente aprovadas.<br>
8- Estas obras impediram que o predio continuasse a degradar-se e a num futuro proximo cair, ficando assim impossibilitado de servir de habitação com o minimo de condições de segurança e salubridade.<br>
9- E aumentaram o valor do predio, e, atraves dele, o patrimonio da Re.<br>
10-No logradouro da moradia, se urbanizada, cabem quatro lotes para construção de outras tantas moradias semelhantes aquela.<br>
II - Tal apuramento factual e indiscutido no recurso que, no essencial, impugna o acordão recorrido por não ter o Autor o direito a proceder a obra, que, alega, ascenderam a 982099 escudos, no predio de que e arrendatario a pagar uma renda de 800 escudos por mes, e porque, tendo as obras sido efectuadas pelo Autor, o marido da Re não contraiu qualquer divida e muito menos em proveito comum do seu casal.<br>
1- Ora, trata-se de acção que visa o reconhecimento da comunicabilidade ao conjuge - ora Re - da divida por que esta responsabilisado judicialmente o outro conjuge - marido dela.<br>
A divida correspondente ao custo das obras, sem embargo do seu montante de 982099 escudos estar submetido a aprovação judicial pendente, provem da realização dessas obras facultada na lei - artigo<br>
936 do Codigo de Processo Civil - ao Autor na pendencia da execução por si movida para prestação<br>
(de facto) das mesmas obras em que fora condenado o marido da Re, por sentença transitada em julgado supra 3), 4) e 7).<br>
E divida propria do conjuge marido constituida pela sua condenação, como senhorio do predio arrendado ao tambem Autor, e, como tal, vertida na execução para prestação de facto referida.<br>
Dai a divida das obras não deixar de ser divida do proprio marido da Re e ficar a constituição dela fora de discussão na presente acção, legitimada contra a Re mulher so por visar responsabiliza-lo nessa mesma divida (de marido), cuja comunicabilidade (a mulher) diz a petição inicial que resulta, "não so do proveito comum auferido com a percepção dos rendimentos e com a valorização do bem, como ainda e na medida em que confere ao credor o direito de retenção sobre o predio, veio onerar por isso um bem comum - artigos 1691, n. 1, alinea c), e 1694, n. 1, do Codigo Civil".<br>
2- Assim, fica prejudicada a impugnação no recurso do direito do Autor a proceder a obra em causa, e de por terem sido efectivados por ele não contrair qualquer divida o marido da Re.<br>
E, subsiste no recurso apenas o questionado aproveitamento comum do casal em tal divida do marido.<br>
Segundo o artigo 1691, n. 1 - alinea c) do Codigo Civil, são da responsabilidade de ambos os conjuges as dividas contraidas na constancia do matrimonio pelo conjuge administrador, em proveito comum do casal e nos limites dos seus poderes da administração.<br>
Essa expressão "dividas contraidas... em proveito comum do casal e entendida correntemente na doutrina e na jurisprudencia com a significação de não ser necessario que as dividas advenha num beneficio efectivo para os conjuges, basta a simples expectativa ou possibilidade dele e que resulta da constituição da propria divida, ou seja, directamente desta, e não por via indirecta ou reflexa (dela).<br>
Ora, no caso concreto, a divida (correspondente ao custo das obras) foi contraida na constancia do casamento e o marido da Re era administrador do bem comum do casal que e a Vivenda Tavares, arrendada ao Autor - supra 1) e 2) -, nessa qualidade de administrador cabendo ao marido praticar os actos de administração ordinaria, por força do art 1678, n. 3, do Codigo Civil, entre os quais se integram "as obras julgadas necessarias e indispensaveis de conservação daquele predio por forma a garantir o seu uso regular - supra<br>
3) sendo certo que (com a sua realização pelo Autor -<br>
- exequente em substituição do marido da Re ao abrigo do citado artigo 936 do Codigo de Processo Civil -<br>
- supra 4) e 7) - "estas obras impediram que o predio continuasse a degradar-se e a num futuro proximo cair, ficando assim impossibilitado de servir de habitação com o minimo de condições de segurança e salubridade"<br>
- supra 8) -, bem como "aumentaram o valor do predio, e, atraves dele, o patrimonio da Re" - supra 9).<br>
Sendo que "constitui mera administração tudo quanto diga respeito a prover a conservação dos bens administrados e a promover a sua frutificação normal", como ensina Manuel Andrade, in "Teoria Geral da Relação Juridica"<br>
- II, pagina 58 e seguintes, na citação que for o acordão recorrido.<br>
Desse modo, e de manter o aresto na interpretação e aplicação que for do mencionado artigo 1691, n. 1 - alinea c), do Codigo Civil, donde resulta que a divida das obras em causa da responsabilidade do marido da<br>
Re se estende a esta por força deste preceito legal, responsabilizando nela ambos os conjuges.<br>
2.1- Como apontamos a final de II - 1 a acção punha, tambem, a questão de direito de retenção reportado ao artigo 1694, n. 1, do Codigo Civil.<br>
Contudo, a sentença rejeitou esta questão do direito da retenção (artigo 574, do Codigo Civil),"por não ocorrer num dos seus requisitos - obrigação do credor de entregar a coisa - nem a alegada divida onera a vivenda - bem comum do casal. Embora ela esteja relacionada com este bem comum, não tem a necessaria ligação com a percepção dos seus rendimentos (rendas) (Pereira Coelho, Sumarios 125)".<br>
Esta parte da sentença não foi impugnada no recurso interposto somente pela Re, que, alias, nem podia impugnar por ser parte favoravel a recorrente, e, como parte não recorrida, não pode ser prejudicada pela decisão do recurso nem pela anulação do processo (proibição da reformatio in pejus - artigo 684, n. 4, do Codigo de Processo Civil).<br>
Apesar disso, a Relação retomou a questão nela apoiando, tambem, o reconhecimento da comunicabilidade da divida a Re que fizera baseada no proveito comum do casal, prevista no artigo n. 1691, n. 1, do Codigo Civil.<br>
Dizendo, sucintamente, "... ate porque o Autor - como diz nas suas alegações - goza do direito de retenção da casa arrendada pelo credito das obras por si nelas levada a cabo, o que sucede por força do artigo 754 do Codigo Civil, a divida relativa ao custo dessas obras, incidindo sobre um bem comum do casal, e da "responsabilidade comum dos conjuges...", como decorre do artigo 1694, n. 1, desse Codigo".<br>
O que se revela desapercebido pela Re que, a tal respeito, nada alega na revista, onde a contra-alegação do Autor invoca tal reconhecimento no acordão recorrido do direito de retenção da casa arrendada pelo credito das obras que nela levou a cabo (artigo 754), tornando ainda comum a responsabilidade de ambos os conjuges (artigo 1694, n. 1, Codigo Civil).<br>
Não obstante, o dito efeito do julgado da sentença nessa parte irrecorrida - n. 4 do artigo 864 citado - importa caso julgado, no qual ficou definida - artigo 673 do Codigo de Processo Civil.<br>
Dai - bem ou mal decidida - e questão que esta vedado reapreciar pelo caso julgado da sentença, que e do nosso conhecimento oficioso - artigo 500 do Codigo de Processo Civil.<br>
III - Pelo que fica dito, embora por razões não inteiramente coincidentes, e de confirmar o acordão recorrido.<br>
Termos em que se nega a revista, com custas pela recorrente.<br>
Lisboa, 11 de Junho de 1991.<br>
Jorge Vasconcelos;<br>
Joaquim de Carvalho;<br>
Marques Cordeiro.</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
CzL9u4YBgYBz1XKvV24Y | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br>
I<br>
O Hospital de S. João do Porto instaurou nesta comarca execução ordinária contra a Companhia de Seguros A para pagamento da quantia de 2230585 escudos, proveniente de encargos com a assistência hospitalar prestada à menor B para tratamentos de lesões por esta sofridas num acidente de viação em que foi interveniente um veículo automóvel cujo proprietário havia transferido a sua responsabilidade para a executada.<br>
Juntou uma certidão de dívida passada pelo mesmo Hospital, a qual, nos termos do artigo 2 do Decreto-Lei 194/92, de 8 de Setembro, constitui título executivo.<br>
A executada opôs-se por embargos arguindo a nulidade de todo o processo por ineptidão da petição - falta de causa de pedir.<br>
À cautela alegou a embargante que a culpa do acidente é de atribuir, em exclusivo, à sinistrada que atravessou a estrada, em correria e sem qualquer cuidado, da esquerda para a direita, vinda da traseira de uma camioneta que se encontrava parada no lado esquerdo, a deixar passageiros.<br>
Contestou o exequente/embargado.<br>
No saneador foi a excepção invocada julgada improcedente, considerando-se a instância regular e organizando-se especificação e questionário.<br>
Após julgamento foi proferida sentença a julgar os embargos improcedentes.<br>
Apelou a embargante, tendo o Tribunal da Relação do Porto, por acórdão de 22 de Janeiro de 1998, confirmado a sentença recorrida.<br>
Inconformada, traz a embargante a presente revista, concluindo as suas alegações do seguinte modo:<br>
1. Os factos considerados provados em 1. instância são insuficientes para imputar ao condutor do veículo seguro na ora recorrente qualquer responsabilidade na produção do acidente.<br>
2. Sobre a dinâmica do acidente apenas ficou provado que houve um embate entre o veículo XB e a vítima.<br>
3. O direito foi incorrectamente aplicado aos factos.<br>
4. Era o embargado que tinha o ónus da prova no que se refere aos factos que poderiam imputar ao condutor do veículo seguro na ora recorrente a responsabilidade ou culpabilidade na produção do acidente.<br>
5. No entanto, o embargado não logrou provar o que quer que seja.<br>
6. Atento o exposto, devem os embargos da ora recorrente serem julgados procedentes com as legais consequências.<br>
7. Houve clara violação ao estipulado no artigo 659, ns. 2 e 3 do C.P.C. e 342, n. 1, do C.Civil.<br>
Termos em que, na procedência da revista, se pede a revogação do acórdão recorrido.<br>
Contra-alegando, o recorrido pugna pela manutenção do acórdão sob recurso.<br>
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.<br>
II<br>
A matéria de facto dada como provada pelas instâncias foi apenas a seguinte:<br>
- O acidente ocorreu em 11 de Outubro de 1992, cerca das 16 horas, na Rua da Sacra Família, no sentido Angival- -Póvoa (alínea A) da especificação).<br>
- O veículo da marca Bedford, matrícula XB, conduzido por C, seguia naquela artéria e naquele sentido (alínea B) da especificação).<br>
- O proprietário deste veículo transferiu a responsabilidade civil para a aqui embargante através da apólice n. 91040535 (alínea C) da especificação).<br>
- Houve um embate entre o veículo XB e a vítima (resposta ao quesito 6.).<br>
III<br>
1 - Na origem do presente recurso está uma execução cujo título executivo é uma certidão emanada do Hospital de S. João, no Porto, para pagamento da quantia de 2230585 escudos, proveniente de encargos hospitalares com a assistência prestada a uma menor vítima de atropelamento por um veículo automóvel cujo proprietário havia transferido a sua responsabilidade para a Seguradora executada e ora embargante.<br>
Trata-se de matéria que se situa no quadro normativo do Decreto-Lei 194/92, de 8 de Setembro, cujas prescrições fundamentais para a economia do presente acórdão serão brevemente analisadas.<br>
Os embargos foram julgados improcedentes na 1. instância, tendo a Relação do Porto confirmado a sentença.<br>
A matéria de facto encontra-se definitivamente fixada e apenas se provou, quanto ao acidente, o embate entre o veículo e a vítima. É, por isso, inegável que não se pode atribuir a responsabilidade do acidente a qualquer dos intervenientes.<br>
A questão que se coloca diz, assim, unicamente respeito ao ónus da prova.<br>
2 - Trata-se, aliás, de problemática que, com relevância e elevado interesse prático, constitui matéria de defesa da embargante.<br>
Com efeito, os presentes embargos de executado radicam no artigo 815 do CPC, cujo n. 1 dispõe o seguinte:<br>
"Se a execução não se basear em sentença, além dos fundamentos de oposição especificados no artigo 813, na parte em que sejam aplicáveis, podem alegar-se quaisquer outros que seria lícito deduzir como defesa no processo de declaração".<br>
Ou seja, são trazidas à ribalta regras pertinentes oriundas do processo declarativo, tanto mais quanto é certo que os embargos de executado são, mutatis mutandis, a contestação do processo executivo.<br>
2.1. - Se, em termos gerais, nenhuma dúvida existiria de que incumbe ao lesado a prova dos factos constitutivos do direito à indemnização, ou seja, os pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos, no caso destas execuções tendo por título certidões de dívidas hospitalares importa ter em atenção as seguintes especificidades:<br>
- O exequente e embargado não é o lesado mas sim o Hospital que lhe prestou assistência, sucedendo que, na prática raramente conhece as circunstâncias em que o acidente ocorreu, motivo por que, muitas vezes, nem sequer apresenta uma versão ao contestar os embargos.<br>
- A discussão acerca da responsabilidade é desencadeada através dos embargos de executado, colocando-se com acuidade a questão do ónus da prova que, por regra, cabe ao executado como forma de pôr em causa o próprio título executivo ou a relação subjacente.<br>
Deverá, no entanto, sublinhar-se que constitui uma ideia falsa a de que, nos embargos a uma execução, é sempre aos embargantes que compete alegar e provar a inexistência da causa da dívida.<br>
Ilustram a afirmação de que o ónus da prova nem sempre é do embargante, cabendo, então, ao executante/embargado, os acórdãos deste STJ de 29 de Setembro de 1993, processo n. 082316, de 25 de Junho de 1996, processo n. 156/96 e de 26 de Novembro de 1996, processo n. 549/96.<br>
Justifica-se, porém, antes de prosseguir, passar em revista alguns princípios que enformam o citado Decreto- -Lei 194/92, tendo presente a disciplina resultante de algumas das suas disposições nucleares na economia do caso sub judice.<br>
3 - Nos termos do artigo 1 do Decreto-Lei 194/92, o diploma em apreço "regula a cobrança de dívidas às instituições e serviços públicos integrados no Serviço Nacional de Saúde".<br>
Nos dizeres do respectivo relatório preambular, "o recurso, sempre moroso, à acção declarativa, como forma de obter a declaração de direitos quase sempre certos e indiscutíveis, funciona, muitas vezes, como obstáculo de vulto à efectiva cobrança dos créditos das unidades de saúde, quer em relação aos utentes (alínea e) do n. 2 da base XIV da Lei 48/90), quer em relação a terceiros responsáveis (base XXXIII, n. 2, alínea b)" - Sublinhado agora.<br>
Daí, acrescentava-se, "os insatisfatórios resultados conseguidos com o Decreto-Lei 147/83, de 5 de Abril. Daí, também, a solução consagrada no artigo 6 da Lei 1981, de 3 de Abril de 1940, que atribui força de título executivo às certidões de dívida pelo tratamento de doentes passadas pelos Hospitais Civis de Lisboa".<br>
Ou seja, pode dizer-se que, em conformidade com o disposto no artigo 46, alínea d), do C.P.C., o Decreto-Lei 194/92, de 8 de Setembro, atribui força executiva a certidões de dívidas a instituições e serviços integrados no Serviço Nacional de Saúde. Trata-se de um título executivo especial, de natureza administrativa.<br>
Não é em todos os casos, em qualquer circunstância e contra todos os terceiros que aquelas certidões de dívida estão dotadas de força executiva.<br>
É por isso que o n. 2 do artigo 2 define nos seguintes termos as condições de exequibilidade do título: a) A indentificação do assistido e dos terceiros legal ou contratualmente responsáveis, se os houver, nos termos do presente diploma; b) A menção precisa e individualizada dos serviços prestados; c) A indicação da quantia exequenda, calculada nos termos do presente diploma; d) A assinatura do presidente do órgão de administração da entidade credora ou de quem legitimamente o substitua; e) A autenticação do título de dívida com a aposição do selo branco em uso na instituição credora.<br>
Entre as condições de exequibilidade do título figura, pois, a referência aos "terceiros legal ou contratualmente responsáveis(...)".<br>
Ou seja, como se refere no Acórdão deste Supremo Tribunal - 2. Secção -, de 8 de Maio de 1997 (que julgou o agravo n. 310/97), "para que a certidão de dívida seja título exequível é indispensável que haja um ou mais terceiros responsáveis que se encontrem numa das situações previstas no Decreto-Lei sob interpretação".<br>
Após o que se acrescenta o seguinte: "Para que o terceiro possa ser executado, é necessário, antes de mais, que a sua responsabilidade seja determinada por uma norma de direito substantivo (a que poderia justificar a sua condenação a pagar na acção declarativa)".<br>
Entre as várias situações em que um terceiro poderá ser responsabilizado civilmente pelo pagamento dos serviços prestados a quem seja assistido por instituições e serviços públicos hospitalares, o legislador entendeu destacar algumas em que decidiu ser dispensável a acção declarativa de condenação por nela considerar como quase certa e indiscutível essa responsabilidade (cfr. o trecho oportunamente extractado do preâmbulo do diploma).<br>
Assim, não basta que o exequente alegue que a responsabilidade do terceiro executado lhe advém de uma determinada norma do direito substantivo (a que poderia justificar a sua condenação a pagar na acção declarativa).<br>
É preciso que a concreta situação se enquadre numa das previsões dos artigos 4 a 7 do Decreto-Lei 194/92, de 8 de Setembro, porque só em tal caso o legislador considera a eventualidade da responsabilidade do terceiro executado como algo de "quase sempre certo e indiscutível", de modo a dispensar, como algo puramente formal e inútil, a acção declarativa (1).<br>
As situações que não se enquadram nas previsões dos artigos 4 a 7 do diploma em apreço não permitem que se atribua força executiva contra terceiros (não assistidos, eles próprios) às certidões de dívida porque, no entender do legislador, não implicam em juízo "quase sempre certo e indiscutível" da responsabilidade dessas pessoas pelo pagamento da dívida, impondo-se, então, o recurso à acção declarativa.<br>
4 - Ao caso dos presentes autos interessa o artigo 4 do Decreto-Lei 194/92, que, sob a epígrafe "Dívidas resultantes de tratamentos a sinistrados por acidentes de viação", prescreve o seguinte:<br>
1 - Em caso de dívidas resultantes de assistência ou de tratamentos prestados a sinistrados em acidentes de viação, a execução corre solidariamente contra o transportador e a respectiva entidade seguradora, se seguro houver.<br>
2 - Se o sinistrado não circular em qualquer veículo, a execução corre contra a entidade seguradora do veículo ou dos veículos que tenham intervindo no sinistro, salvo se ocorrer qualquer dos causas de exclusão da responsabilidade a que se refere o artigo 505 do Código Civil.<br>
4.1. - Nas certidões de dívida a que se refere o n. 1 do artigo 2 do Decreto-Lei 194/92, que são títulos executivos, o emitente, que é uma entidade pública, certifica não apenas a existência de um crédito próprio como também a identidade daquele (ou daqueles) contra quem a execução deve correr. E isso sem que o executado haja assumido a responsabilidade pelo débito e sem que tenha havido qualquer decisão judicial prévia a definir (declarar) essa responsabilidade. Ou seja: tais certidões de dívida gozam legalmente de um grau de fé pública tal que dispensam a intervenção do juiz, previamente à instauração da execução, para declarar a existência da dívida e dizer quem é o responsável pelo seu pagamento.<br>
Mas, como se reconhece no acórdão do Tribunal Constitucional n. 760/95, Processo n. 644/95, de 20 de Dezembro de 1995, publicado no "Diário da República", n. 28, de 2 de Fevereiro de 1996, que ora se acompanha, esta actividade de certificação de um crédito por parte da entidade pública que dele é titular não representa, contudo, o exercício de poderes característicos da função judicial, pois que o hospital, ao emitir a certidão da dívida, não resolve ou compõe qualquer conflito que, acaso, oponha o credor (ou outrem) àquele que, no título, é indicado como devedor.<br>
Após o que o Tribunal Constitucional acrescenta o seguinte: "Na execução pode, de facto o executado lançar mão dos meios de defesa que podia ter usado na acção declarativa, se esta tivesse tido lugar. Ele pode opor-se<br>
à execução mediante embargos de executado. E, se o fizer, então sim, haverá lugar à resolução do conflito por um órgão independente e imparcial, de harmonia com normas ou critérios legais pré-existentes - e tudo com vista à realização do direito e da justiça".<br>
Ou seja, nesse caso, relega-se para os embargos de executado a verdadeira dirimação do conflito que, porventura, exista acerca da obrigação exequenda.<br>
Como se refere no citado aresto do TC, "é certo que instaurar execuções nas condições previstas nas normas aqui sub juditio significa (...) fazê-lo um pouco às cegas". "E isso pode ter como consequência um proliferar de embargos de executado nos quais a seguradora se limita (...) a alegar a inexistência de pressupostos da obrigação de indemnizar a cargo do seu segurado, lançando tal ónus para a entidade exequente, que, naturalmente, terá sérias dificuldades em o cumprir".<br>
Interessante desenvolvimento desta ideia, na jurisprudência do Tribunal Constitucional, veio a ter lugar através do acórdão n. 761/195, Processo n. 435/95, da mesma data, também publicado no referido número do D.R., onde se escreve o seguinte:<br>
"Aliás, nem sequer se vê com é que - deduzidos que venham a ser pelas seguradoras, em autos de execução instaurados com base nos preceitos em análise, cabidos embargos, nos quais se venha a alegar, verbi gratia, a inexistência da factualidade de onde decorra a responsabilidade civil extracontratual do segurado - se pode dizer que, nestes, as regras sobre o ónus da prova que impendem sobre os lesado e lesante (in casu a instituição ou serviço de saúde e o condutor e ou proprietário do veículo interveniente no acidente) se vão postar de jeito diferente relativamente a uma acção declarativa".<br>
4.2. - Também a jurisprudência dos tribunais superiores da jurisdição comum se tem orientado, como já se aludiu, pelos mesmos princípios.<br>
Assim, no sumário do acórdão da Relação do Porto de 10 de Outubro de 1995, publicado na CJ Ano XX, Tomo IV, página 215, pode ler-se o seguinte:<br>
I - Em embargos de executado, em que o título executivo é uma certidão de dívida relativa a prestação de assistência hospitalar, incumbe ao Hospital embargado a prova dos factos constitutivos do seu direito, os quais através daquele título apenas gozam de força probatória de mera aparência.<br>
II - Assim, tendo advindo, em acidente de viação, para os passageiros do veículo segurado as lesões determinantes da prestação da assistência hospitalar, a seguradora só é responsável se o seu segurado tiver agido com culpa na produção do acidente.<br>
III - Donde os embargos só poderem ser improcedentes se o Hospital embargado demonstrar os pressupostos da obrigação de indemnizar, entre eles, a culpabilidade do causador do acidente.<br>
4.3. - Foi também este o entendimento perfilhado por este Supremo Tribunal de Justiça no acórdão de 25 de Fevereiro de 1997, processo n. 53/97, 1. Secção. Aí se considera, quanto a execuções cujo título executivo é o dos presentes autos, que "o exequente-embargado tem o ónus de alegação e prova de factualidade demonstrativa da alegada responsabilidade do executado-embargante".<br>
Como aí se sustenta, a admissibilidade da conformidade constitucional relativamente ao título executivo previsto no Decreto-Lei 194/92 tem, como contrapartida, a possível discutibilidade em embargos de executado.<br>
Caso contrário, teríamos o Serviço Nacional de Saúde a fazer de Tribunal, definindo quem deve o quê e porquê.<br>
Justificando, pondera-se o seguinte no acórdão que ora se acompanha:<br>
"Decerto o SNS identifica o assistido e os terceiros legal ou contratualmente ditos responsáveis, porque não pode propor uma acção, mesmo executiva, sem definir os termos subjectivos e objectivos da instância, mas não lhe compete "julgar" e "condenar" quem quer que seja".<br>
Acresce que, segundo o princípio da substanciação, recebido pelo direito português, a causa de pedir é constituída por factos ainda que devam ter reflexo num título executivo. E, como a acção não versa sobre factos pessoais do embargante, este pode desconhecer a nuclear causalidade de que tenha resultado a certificada assistência (artigo 490, n. 3, do CPC).<br>
Posto o que se prossegue do seguinte modo no citado acórdão de 25 de Fevereiro de 1997: "Nesta linha de pensamento, a factualidade justificativa da assistência hospitalar constitui circunstancialismo causal do pedido exequendo e, assim, seguramente, ónus da alegação e prova do exequente-embargado, desaproveitando-lhe qualquer dúvida: artigos 467, n. 1, alínea c), 801 e 516 do CPC e artigo 342, n. 1, do C.Civil".<br>
O entendimento exposto merece continuar a ser sufragado.<br>
Corresponde, naturalmente, à posição da seguradora recorrente nos presentes autos.<br>
Já o tribunal recorrido seguiu orientação diversa, apoiando-se no disposto no n. 1 do artigo 503 e no artigo 505 do CC e no n. 2 do artigo 4 do Decreto-Lei 194/92. Ou seja, ignorando o que oportunamente se expôs a propósito do ónus da alegação e prova por parte do exequente/ /embargado, tomou como ponto de partida o princípio da responsabilidade de quem tem a direcção efectiva de um veículo (artigo 503), em articulação com o facto de tal responsabilidade apenas ser excluída quando o acidente for imputável ao próprio lesado ou a terceiro (artigo 505), bem como com a prescrição constante do disposto no artigo 4, n. 2, do DL 194/92.<br>
Dos referidos preceitos extraíu a conclusão de que era à seguradora que, para se livrar da execução, competia a prova acerca da imputabilidade do acidente à lesada, visto ser essa uma das causas susceptíveis de excluir a responsabilidade, constituindo, desse modo, matéria de excepção (artigos 342, n. 2, e 505, do CC e artigo 4, n. 2, do DL 194/92).<br>
Esta posição não merece, no entanto, ser confirmada, atentas as razões já expostas, para que ora se remete.<br>
Recorde-se que nada foi alegado pelo exequente a respeito das circunstâncias em que o acidente terá ocorrido, com vista à demonstração dos pressupostos da responsabilidade civil por parte do segurado da executada. Apenas se tendo provado, a propósito, que "houve um embate entre o veículo XB e a vítima".<br>
O entendimento perfilhado pelo acórdão recorrido ignora que, a montante da construção ali efectuada, se situa justamente a questão do ónus da alegação e da prova da factualidade justificativa da assistência hospitalar, a cargo do exequente/embargado, desaproveitando-lhe qualquer dúvida.<br>
Retomando-se, agora no plano da exemplificação, o acórdão deste STJ de 25 de Fevereiro de 1997, atente-se no absurdo que seria aparecer uma pessoa num hospital, dizer-se atropelada por um veículo conduzido pelo Sr. A, sem qualquer justificação, gastar uns milhares de contos em tratamentos e assistência, e ter de ser o Sr. A, mesmo sem nada saber do assunto, a ir investigar e relatar o resultado de tal investigação.<br>
Resta dizer, ainda na esteira da anterior decisão deste Supremo Tribunal, de 25 de Fevereiro de 1997, que tudo isto se compatibiliza com a regra do artigo 487, n. 1, do C.Civil: ou seja, no âmbito da responsabilidade civil extra-contratual, o lesado tem o ónus da prova da imputação do facto ao alegado lesante.<br>
Não o fazendo, compreende-se que tal quadro de definição de responsabilidade é gerador de controvérsia que só um julgamento em acção declarativa pode resolver.<br>
Resumindo, no caso de utilização de certidão de dívida ao Serviço Nacional de Saúde, como título executivo, nos termos do DL 194/92, havendo embargos de executado, o exequente/embargado tem o ónus de alegação e prova da factualidade demonstrativa da alegada responsabilidade do executado-embargante.<br>
Nestes termos, julgam-se procedentes os embargos e acorda-se em conceder provimento ao recurso, revogando-se o acórdão recorrido.<br>
Sem custas, por delas estar isento o recorrido Hospital de S. João.<br>
Lisboa, 13 de Outubro de 1998.<br>
Garcia Marques,<br>
Ferreira Ramos,<br>
Flores Ribeiro.<br>
(1) - Pode ler-se no sumário do acórdão deste STJ de 8 de Maio de 1997, processo 310/97, da 2. secção, que o legislador, no DL 194/92, tendo ponderado os interesses em conflito, entendeu atribuir força executiva às certidões de dívida naqueles casos em que, aos seus olhos, os créditos se apresentam "quase sempre certos e indiscutíveis" para usar as palavras constantes do preâmbulo do referido diploma legal. No mesmo sentido pode ver-se o acórdão proferido no agravo 283/98, 1. Secção.</font> | [0 0 0 ... 0 1 0] |
UzIYvIYBgYBz1XKvVJK2 | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam na Secção Cível:<br>
I - Relatório<br>
1 - No Tribunal Judicial da Comarca de Portimão, o Hospital Distrital de Portimão propôs contra Assicurazione Generali, S.P.A, acção de processo especial para cobrança de divida decorrente da prestação de cuidados de saúde, com os seguintes fundamentos:<br>
Prestou assistência hospitalar, médica e medicamentosa a A, que ali esteve internado no ano de 1989, por causa de um acidente de viação que consistiu na colisão da motocicleta tripulada pelo sinistrado e o automóvel de matrícula PC-..., conduzido por B, que transferira a sua responsabilidade civil derivada da circulação do veículo para a ré seguradora.<br>
A responsabilidade pelo acidente seria do condutor do automóvel.<br>
As despesas hospitalares não pagas somavam, à data da propositura da acção, 1651920 escudos, a que acrescem juros desde a citação até integral pagamento à taxa mensal de 2 por cento.<br>
Contestou a ré, articulando que a culpa no acidente é imputável ao sinistrado, pelo que a acção deveria ser julgada improcedente.<br>
Na contestação a ré requereu a expedição de carta rogatória para inquirição de duas testemunhas residentes em Inglaterra, mas o Excelentissímo Juiz indeferiu esse requerimento.<br>
Então a ré interpôs recurso de agravo dessa decisão. Tendo-se procedido a julgamento, a ré foi condenada a pagar ao autor a quantia de 1928772 escudos e juros de mora sobre 1651920 escudos.<br>
2 - Inconformada, a ré interpôs recurso de apelação da sentença condenatória.<br>
Porém, a Relação de Évora, por acórdão de folhas 53 e seguintes negou provimento a ambos os recursos, confirmando a sentença recorrida.<br>
3 - Foi, então, a vez da ré interpor recurso de revista para este Supremo Tribunal de Justiça.<br>
Na sua alegação de recurso a ré formulou as seguintes conclusões:<br>
1 - A alínea a) do artigo 1 do Decreto-Lei n.147/83, de 5 de Abril, admite também a inquirição de testemunhas por carta rogatória e consequentemente, deverá ser deferida a tramitação para a nova expedição.<br>
2 - A sentença de condenação deverá entrar em linha de conta com as regras da responsabilidade civil objectiva e ordenar a aplicabilidade do artigo 506 do Código Civil, reduzindo o quantitativo a liquidar pela ora recorrente a 50 porcento, pelo que deverá ser concedida a revista nesses termos. <br>
Contra-alegando, o recorrido Hospital Distrital de Portimão pronunciou-se no sentido de ser negada a revista.<br>
II)- Fundamentos da decisão:<br>
A) - Factos provados:<br>
No dia 1 de Julho de 1989, pelas 23 horas e 30 minutos B, conduzindo o automóvel de matrícula PC-..., pela Estrada Nacional n. 125, no sentido Lagoa Faro, ao chegar ao quilómetro 54,8, numa curva que se desenhava para a sua direita, invadiu a parte esquerda da faixa de rodagem, indo embater na motorizada de matrícula LGS-.. conduzida por A pela mesma artéria, em sentido contrário.<br>
Devido a esse embate, o A a ficou com fractura exposta do fémur esquerdo, com perda de substância óssea.<br>
O A foi admitido no serviço de urgência do Hospital autor, tendo-lhe sido prestada uma consulta médica que importou em 2100 escudos, em 28 de Novembro de 1989, tendo de seguida sido internado no serviço de ortopedia para tratamento das lesões sofridas no acidente.<br>
Permaneceu internado 25 dias, período em que além do tratamento médico e medicamentoso, lhe foi fornecida alimentação e dormida, ao custo diário de 7190 escudos e total de 179750 escudos.<br>
Voltou de novo o A a ser sujeito a consulta médica no serviço de urgência em 5 de Janeiro de 1990, que importou em 2100 escudos, sendo, de seguida, internado no serviço de ortopedia, onde permaneceu 35 dias, com o custo diário de 7190 escudos, totalizando 251650 escudos.<br>
No internamento, como sucedeu com o anterior e no a seguir referido, foram prestados ao assistido cuidados médicos e medicamentosos, alimentação e dormida.<br>
Em 5 de Março de 1990, o assistido veio de novo a ser sujeito a uma consulta médica no serviço de urgência, com o custo de 2100 escudos, sendo, de seguida, internado no serviço de ortopedia, onde permaneceu 173 dias de tratamento.<br>
Este período de internamento importou em 1232220 escudos, sendo os primeiros 88 dias a 7190 escudos cada, num total de 632720 escudos.<br>
Os restantes 85 dias importaram em 599500 escudos, sendo os primeiros 30 dias daquele ao custo de 170500 escudos, e os 55 dias restantes com um custo de 429000 escudos, conforme a tabela inserta na Portaria n.409/90, de 31 de Maio.<br>
A assistência prestada pelo autor ao assistido importou, assim, na quantia total de 1651920 escudos.<br>
À data do acidente, a responsabilidade pelos prejuízos causados a terceiros pelo automóvel de matrícula PC-..., estava transferida para a seguradora Ré, a coberto do contrato de seguro titulado pela apólice n.31301.<br>
B) - Aspecto Jurídico:<br>
1 - Primeiramente, há que ver se o Tribunal Judicial de Portimão podia e devia ter expedido carta rogatória para inquirição das testemunhas residentes na Inglaterra.<br>
A acção para cobrança das dívidas por prestação de serviços de saúde serve os termos referidos no Decreto Lei n.147/83, de 5 de Abril . Com este diploma legal pretendeu-se "incrementar a celeridade e desburocratização dessas acções, como se diz no seu preâmbulo. E, por isso, no seu artigo 1 se dispõe que essas acções seguem os termos do processo sumarissimo com as adaptações ali referidas.<br>
Segundo o n. 6 do artigo 796 do Código de Processo Civil, na forma do Processo sumarissimo, não podem expedir-se cartas para inquirição de testemunhas, ou para qualquer outra diligência.<br>
As cartas são meios para a prática de actos judiciais (n.1 do artigo 176 do Código de Processo Civil). E nos termos do n. 2 desta disposição legal, "a carta é precatória quando o acto seja solicitado a um Tribunal ou a um Cônsul português; é rogatória quando o acto seja solicitado a uma autoridade estrangeira".<br>
De harmonia com a alínea c) do artigo 1 do referido Decreto Lei n.147/83, nas acções para cobrança de dívidas a estabelecimentos hospitalares é admitida a inquirição de testemunhas e o depoimento de parte por carta precatória. E compreende-se que assim seja, porque, às vezes, nestas acções estão em jogo verbas elevadas e não só com os limites do processo sumarissimo.<br>
Porém, a excepção à tramitação do processo sumarissimo referida naquela alínea c), não pode ser aplicada analogicamente à expedição da carta rogatória para aos mesmos fins (artigo 11 do Código Civil).<br>
A carta rogatória que, dada a sua definição, não pode confundir-se com a carta precatória tem uma expedição e cumprimento mais complexos (artigo 182, n.2, do Código Processo Civil), o que colidiria com a celeridade processual que o Decreto Lei n. 147/83 quis imprimir à tramitação das referidas acções destinadas à cobrança de dívidas aos estabelecimentos hospitalares.<br>
Aliás, se se quisesse admitir a inquirição de testemunhas e o depoimento de parte por carta rogatória, a lei tê-lo-ia dito expressamente, não admitindo só e expressamente que essas diligências pudessem ser feitas por carta precatória.<br>
Por tudo isso, não se admite a expedição de carta rogatória para inquirição de testemunhas em Inglaterra.<br>
2 - Quanto ao mérito da causa, a recorrente pretende que se deve entrar em linha de conta com as regras da responsabilidade civil objectiva e ordenar a aplicabilidade do artigo 506 do Código Civil, reduzindo-se o quantitativo a pagar por ela a 50 por cento.<br>
Contudo, está provado que o acidente de viação se ficou a dever exclusivamente a culpa do condutor do automóvel e que é o segurado da ré.<br>
Com efeito, a colisão entre os dois veículos ocorreu porque esse segurado, ao descrever a curva invadiu a faixa esquerda de rodagem em relação ao seu sentido de marcha, faixa essa por onde circulava o sinistrado em sentido oposto ao do automobilista.<br>
O automobilista transgrediu o disposto no artigo 5, n. 2 do Código da Estrada. E agiu com culpa, porque sabe - ou devia saber - que o trânsito automóvel em Portugal se faz pelas faixas direitas de rodagem.<br>
Esse automobilista, ao agir com culpa e ao violar aquela disposição legal destinada a proteger a circulação rodoviária, ficou obrigado, nos termos do artigo 483, n. 1 do Código Civil, a reparar os danos resultantes da violação, designadamente a pagar ao hospital as despesas feitas com o tratamento e internamento do sinistrado (artigo 495, n. 2, desse Código Civil).<br>
A ré seguradora é responsável pelo pagamento das despesas hospitalares, nos termos do contrato de seguro relativo ao veículo automóvel, nos termos do artigo 570 do Código da Estrada.<br>
É certo que os créditos dos hospitais pelas despesas com o tratamento e internamento de sinistrados em acidentes de viação representam uma indemnização devida a terceiros e não ao próprio lesado, mas essas despesas ficam a cargo do responsável pelo acidente e devem ser satisfeitas integralmente, não dependendo da graduação da culpa dos intervenientes no acidente (artigo 6, n. 2 do Decreto Lei 147/83).<br>
Por isso, bem cordenada foi a ré no pagamento das despesas hospitalares e respectivos juros.<br>
III - Decisão<br>
Pelo exposto, negam a revista.<br>
Custas pela recorrente.<br>
Lisboa, 13 de Abril de 1994<br>
SANTOS MONTEIRO,<br>
PEREIRA CARDIGOS,<br>
MACHADO SOARES.<br>
</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
ZjIEvIYBgYBz1XKvt3ny | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, Secção Cível.<br>
A, viúva, e seus filhos B e C intentaram a presente acção declarativa com processo sumário contra D, e E e mulher F, e Companhia de Seguros<br>
"G", pedindo a condenação solidária destes a pagar-lhes a título de indemnização por danos patriminiais e não patrimoniais, já verificados, a quantia de 4063650 escudos e, por danos patrimoniais futuros, rendas vitalícias ou não havendo lugar a estes a quantia de 22000000 escudos.<br>
Regularmente citada a Ré "G" contestou alegando, em suma, que o sinistro em causa se encontra excluído do âmbito do seguro, pelo que deve ser absolvida do pedido.<br>
Também regularmente citadas os demais Recorrentes D e E contestaram alegando a sua ilegitimidade e a improcedência do pedido quanto a si.<br>
Os A.A. responderam às contestações.<br>
Foi depois elaborado despacho saneador no qual se decidiu pela legitimidade dos R.R. D, E, e Companhia de Seguros "G", relegando-se para o final o conhecimento da excepção invocada pela Ré F.<br>
O processo prosseguiu seus termos, vindo, após audiência de julgamento a ser proferida sentença a: a) Julgar a acção improcedente por não provada quanto à<br>
Ré F e a absolvê-la, consequentemente, do pedido. b) Julgar ainda a acção parcialmente procedente quanto aos R.R. D, E e Companhia de Seguros "G" condenando-os, solidariamente, a pagar aos<br>
A.A. as seguintes quantias:<br>
1- A título de danos não patrimoniais a quantia de<br>
3500000 escudos, sendo 1500000 escudos para a Autora<br>
A, 1000000 escudos para a Autora B e 1000000 escudos para o Autor C.<br>
- Pela lesão do direito à vida a quantia de 1000000 escudos.<br>
2- A título de danos patrimoniais sofridos pelos A.A. a quantia de 3600000 escudos e a título de danos futuros a quantia de 14300000 escudos, sendo 10000000 escudos para a Autora A; 1300000 escudos para a<br>
Autora B e 3000000 escudos para o Autor C.<br>
3- Quantias estas acrescidas de juros à taxa legal desde 6 de Novembro de 1991 e até integral pagamento.<br>
Inconformados com tal decisão dela apelaram os R.R.<br>
D e E, e a Companhia de Seguros "G", tendo esta última Ré já agravado do despacho saneador.<br>
O Tribunal da Relação de Évora proferiu acórdão em que decidiu: a) Conceder provimento ao agravo interposto pela Ré "G" do despacho saneador, e, em consequência, julgar a acção totalmente improcedente quanto a ela, absolvendo-a do pedido. b) Julgar prejudicado o conhecimento da apelação interposta pela Ré "G" da sentença final, atento o decidido em a). c) Manter a sentença recorrida na parte em que absolveu a Ré F do pedido e na parte em que fixou os danos não patrimoniais no quantitativo global de 4500000 escudos, incluindo a lesão do direito à vida. d) Julgar parcialmente procedente a apelação interposta pelos Réus E e D e, em consequência, condenar estes a pagarem, solidariamente, aos A.A., além do quantitativo descrito em c) a quantia de<br>
8000000 escudos a título de indemnização por danos patrimoniais já sofridos e futuros, sendo 5000000 escudos para a Autora A, 1000000 escudos para a Autora B, e 2000000 escudos para o Autor C. e) Condenar os mesmos réus a pagarem, solidariamente juros de mora sobre as importâncias descritas em c) e d), à taxa anual de 15 porcento desde 30 de Outubro de<br>
1991 até 30 de Setembro de 1995 e à taxa de 10 porcento ao ano desde 1 de Outubro de 1995 até integral pagamento.<br>
Inconformados recorrem agora de revista os Autores A, B e C, e os R.R. D e E.<br>
Corridos os vistos cumpre decidir.<br>
Vejamos antes do mais a matéria de facto considerada provada: a) No dia 29 de Julho de 1988, pelas 22 horas, circulava pela E.N. n. 1023, que liga a povoação de<br>
Flor da Rosa à de Alagoa, no sentido daquela para esta, o veículo de matrícula GT-.... b) Tal veículo foi interveniente num acidente de viação e H c) Devido a tal, H sofreu fractura por esmagamento do tórax e do crânio e devido a tais lesões sua morte imediata. d) H nasceu em 14 de Dezembro de<br>
1956. e) Casou com A em 30 de Junho de 1979. e) Nascida em 15 de Janeiro de 1963. f) Faleceu no estado de casado com A. g) Deixou dois filhos, B, nascida a 21 de Julho de 1979 e C, nascido a 16 de Outubro de 1986. g) À data do acidente a responsabilidade por danos causados com o veículo GT-.., achava-se transferida para a Ré Seguradora através do contrato titulado pela apólice 196372, até ao montante de 20000000 escudos, havendo um limite máximo por lesado de 12000000 escudos. h) Nas circunstâncias referidas em a) o veículo saiu para a berma e campo marginal do lado esquerdo. i) Com isso dando lugar à queda e atropelamento de um passageiro que nele seguia. j) O veículo era conduzido por D l) A faixa de rodagem da estrada era marginada por bermas de areia. m) A Ré D tinha pouca experiência de condução. n) Seguia sem atenção às condições da estrada e do trânsito. o) Conduzia a velocidade entre 60/70 quilómetros/hora. p) Ao quilometro 0,8 encostou-se à berma do seu lado direito para cruzar com outro veículo. q) Feito o cruzamento guinou para a esquerda para se afastar da berma. r) Descreveu uma curva. s) Não conseguindo manter o controlo do veículo. t) Deixando que o mesmo atravessasse para a faixa de rodagem. u) Fosse até à berma oposta. v) Sobre ela e o terreno marginal percorresse cerca de<br>
23 metros. x) Aos solavancos e em desequilíbrio. z) Até se imobilizar cerca de 40 metros à frente. aa) Na caixa do veículo seguia, como passageiro,<br>
H. bb) Devido à condução da Ré D e aos solavancos dados pelo veículo, o H foi projectado para o chão. cc) Para debaixo do veículo. dd) E acto continuo esmagado pelas rodas. ee) O H exercia a actividade de corticeiro. ff) Ao serviço da Corticeira Robinson Bros, S.A. gg) Em regime de turnos. hh) Com direito a subsídio de alimentação e turno. ii) Auferindo o vencimento mensal de 43350 escudos. jj) De subsídio de turno 11328 escudos por mês. ll) Tinha direito a férias pagas de 30 dias por ano. mm) Subsídio de férias e de Natal. nn) Os colegas de trabalho com igual categoria auferem hoje vencimento mensal, incluindo subsídios de alimentação e de turno, 90000 escudos. oo) Nas férias e fins de semana o H executava também trabalhos ocasionais como tractorista, por conta de terceiro. pp) Retirando, em média, 150 a 200 contos por ano. qq) Era muito dedicado à família e ao lar. rr) Afectava ao governo da família tudo o que ganhava. ss) Não consumia consigo mais de 1/4 do seu vencimento. tt) A Autora A não exercia qualquer profissão remunerada. uu) O casal não tinha bens ou rendimentos para além do salário do H. vv) O H era pessoa saudável e com grande gosto pela vida. xx) Muito trabalhador. zz) Com a sua morte sofreram as A.A. grande desgosto. aaa) A sua mágoa persiste e continuará pela vida fora. bbb) Com o funeral dispendeu a Autora A<br>
63650 escudos. ccc) O R. E pedira à D que conduzisse o veículo naquele dia. ddd) Sendo na execução desse pedido que o fazia. eee) O H tinha no dia do acidente andado a trabalhar como tractorista - estava de férias - ao serviço do R. E. fff) Foi para o trazer de regresso a casa, após o dia de trabalho, que teve lugar a viagem em que o acidente ocorreu.<br>
Feita esta enumeração dos factos provados vejamos cada um dos recursos.<br>
I - Recurso das Rés D e E.<br>
Formulam estes recorrentes nas suas alegações as seguintes conclusões:<br>
1- A simples circunstância de a infeliz vítima seguir na caixa do veículo não a exclui do contrato de seguro titulado pela apólice em causa, celebrado entre o recorrente E, proprietário do veículo, e a<br>
Ré Seguradora "G".<br>
2- Deste modo, deve esta considerar-se parte legitíma para a causa.<br>
3- Decidindo-se, pois, diferentemente, violou-se o disposto no artigo 7 n. 4 alínea b) do Decreto-Lei<br>
522/85 de 31 de Dezembro, artigo 17 n. 3 do Código da<br>
Estrada então em vigor (1988), artigo 5 n. 4 alínea d) das Condições Gerais da Apólice de Seguros, artigo 12 n. 3 Código da Estrada e artigo 5 alínea b) e parágrafo<br>
1. do Decreto-Lei 37272 de 31 de Dezembro.<br>
4- Deve, pois, ser revogada nessa parte, declaração de ilegitimidade da R. Companhia de Seguros "G" - declarando-se a mesma parte legítima para a acção, mantendo-se no restante o já decidido - indemnização total de 12500000 escudos.<br>
Como resulta das supra-referidas conclusões pretendem as recorrentes que se considere parte legítima a Ré "O<br>
Trabalho" para a presente causa.<br>
Ora o que sucede é que já no despacho saneador ela foi considerada parte legítima sendo, aliás, de salientar que mesmo aquela Ré aceitou a sua legitimidade processual afirmando até que nunca a pôs em causa.<br>
E, por sua vez, no acórdão recorrido faz-se também constar que nenhuma dúvida existe de que a seguradora<br>
"G" é parte legítima sob o ponto de vista processual, porquanto tem interesse directo em contradizer, dado o prejuízo para ele decorrente da procedência da acção.<br>
E tal é correcto.<br>
Convém começar por destacar a este propósito que a instância é a relação que se estabelece entre as partes e o tribunal durante a pendência da causa.<br>
E a instância exige certas condições de existência e de validade.<br>
Além disso, como o processo visa o proferimento de uma decisão, cumpre ainda referir as condições de admissibilidade do exercício, em processo, de uma situação subjectiva (vulgarmente denominadas pressupostos processuais), e as condições de procedência que definem algumas das circunstâncias em que pode ser concedida a tutela requerida pelo autor.<br>
As condições processuais de procedência referem-se às circunstâncias necessárias para a concessão da tutela jurisdicional que é requerida pelo autor.<br>
Enquanto os pressupostos processuais respeitam às condições impostas ao exercício de uma situação subjectiva em juízo - determinando por exemplo, o tribunal competente ou a parte com legitimidade para esse exercício - as condições de procedência referem-se aos aspectos dos quais depende a obtenção da tutela jurisdicional requerida.<br>
Estas condições de procedência são independentes, note-se, da existência ou da constituição subjectiva alegada... (v. Professor Miguel Teixeira de Sousa,<br>
Introdução ao Processo Civil, páginas 67 e seguintes?).<br>
No presente processo, melhor dizendo no seu decorrer, nem sempre foi clara a separação destas águas...<br>
E porque assim é se dirá também que (como o assinalou o<br>
Professor Castro Mendes, in Direito Processual Civil<br>
II, 149) o conceito de legitimidade - que é o que importa aqui e agora considerar - é ainda hoje um dos mais controvertidos e melindrosos da ciência do direito objectivo, devido, em parte, a razões de ordem histórica, que têm vindo a emprestar-lhe um vincado empolamento dogmático, aliás, sem verdadeira correspondência com o interesse prático e mesmo teórico de tal figura jurídica.<br>
E de tal modo que a aferição da legitimidade processual definida como a disponibilidade da parte sobre a alegada situação subjectiva gerou na doutrina portuguesa uma controvérsia entre uma tese que a aprecia pela efectiva titularidade da situação subjectiva e uma tese que a analisa pela alegada titularidade da situação subjectiva (v. Observações criticas sobre algumas das alterações ao Código de<br>
Processo Civil, Professor Miguel Teixeira de Sousa,<br>
B.M.J. 328, páginas 71 e seguintes, e a Legitimidade singular em processo declarativo, do mesmo autor,<br>
B.M.J. 292, páginas 53 e seguintes?<br>
Ora hoje vem fazendo vencimento esta segunda tese, entendendo-se, portanto, que a legitimidade tem de ser apresentada e determinada pela utilidade (ou prejuízo) que da procedência (ou da improcedência) da acção pode advir, para as partes, face aos termos em que o autor configura o direito invocado e a posição que as partes, perante o pedido e a causa de pedir, têm na relação controvertida, tal como a apresenta o autor (v. Acórdão do S.T.J. de 4 de Junho de 1996, Processo n. 314/96, 1.<br>
Secção).<br>
E tudo isto face ao que se preceitua no artigo 26 do<br>
Código de Processo Civil, sobre legitimidade das partes.<br>
Acentue-se que a este propósito no Decreto-Lei 329-A/95 de 12 de Fevereiro, que alterou o Código de Processo<br>
Civil, se diz que "se decidiu, após madura reflexão, tornar expressa posição sobre a "vexata quaestio" do estabelecimento do critério da determinação da legitimidade das partes, visando a solução proposta contribuir para pôr termo a uma querela jurídico-processual que, há várias décadas, se vem interminavelmente debatido na nossa doutrina e jurisprudência, sem que tenha até agora alcançado um consenso".<br>
E a decisão traduziu não fazer constar no n. 3 do art.<br>
26 o seguinte:<br>
Na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida tal como é configurada pelo autor...<br>
(anote-se que esta redacção se manteve, só que no<br>
Decreto-Lei 180/96 de 25 de Setembro eliminou-se a parte final em que se acrescentava - sem prejuízo do disposto no número seguinte e eliminou esse n. 4 relativo à legitimidade plural, por o legislador entender não fazer sentido adoptar a tese classicamente atribuída ao Professor Barbosa de Magalhães e para a legitimidade plural a sustentada pelo Professor Alberto dos Reis, propôs-se ele circunscrever a querela sobre a legitimidade a limites razoáveis e expeditos, os quais são os que a jurisprudência por larga maioria, tem acolhido).<br>
É, pois, em suma, a Ré Companhia de Seguros "G" parte legítima na presente acção, o que não foi negado na presente acção.<br>
Assim, e contrariamente ao alegado pelas recorrentes, o acórdão recorrido não violou nesta parte qualquer preceito legal, "maxime" os relacionados com a legitimidade das partes, pelo que se têm de considerar improcedentes todas as conclusões das alegações destas recorrentes.<br>
II - Recurso dos Autores A, B e C.<br>
- Formulam estes recorrentes nas suas alegações as seguintes conclusões:<br>
1- O transporte pelo patrão, na caixa de carga de um veículo, de um seu trabalhador rural, vindo de serviço, não violava, em 1988, o disposto no artigo 17 n. 3 do<br>
Código da Estrada, em vigor àquela data (data do acidente).<br>
2- Tal artigo ressalvava legislação especial e o<br>
Despacho do Ministro das Comunicações de 1 de Março de<br>
1961 que permitia que em qualquer circunstância o transporte de pelo menos 2 trabalhadores no atrelado dos tractores, não pode deixar de valer por identidade de razão, para transportes em veículos de mercadorias de caixa aberta.<br>
3- Como o sinistrado era trabalhador rural ao serviço do dono do veículo em que era conduzido e em que se acidentou, e esse veículo estava seguro na Ré - "G" tem esta, pois, de responder pelos danos decorrentes da morte daquele.<br>
4- É a lógica consequência de se tratar de seguro obrigatório, garantindo cobertura também aos passageiros transportados, e de não poder ter eficácia exclusiva do seguro a circunstância em que a vítima era<br>
"in casu", transportada.<br>
5- Mesmo que o transporte devesse ser tido por irregular, ainda assim não poderia a Seguradora deixar de responder perante os Autores pelos danos não patrimoniais e patrimoniais que sofreram.<br>
6- O artigo 7 n. 4 alínea d) do Decreto-Lei 522/85 de<br>
31 de Dezembro, e o artigo 5 da Apólice só afastam da cobertura do seguro os "danos causados aos passageiros" e a indemnização que os Autores reclamam deriva de danos próprios e não de danos causados a seu marido e pai.<br>
7- Nesse sentido entendeu o Supremo as coisas e assim decidiu no Acórdão de 5 de Março de 1985, B.M.J.<br>
345/382.<br>
8- Dando ao artigo 7 n. 4 alínea d) e artigo 5 da<br>
Apólice e ao artigo 17 n. 3 do Código da Estrada o entendimento que deu, faz o douto acórdão errada interpretação deles.<br>
9- E preterindo a aplicação do despacho do Ministro das Comunicações de 15 de Março de 1961 e a natureza autónoma dos danos invocados pelos Autores, violou o disposto no artigo 5 do Decreto-Lei 522/85, que impõe<br>
às seguradoras que respondam pelos danos causados pelos veículos seguros.<br>
10- Também no plano da fixação da indemnização carece de razão o acórdão recorrido.<br>
11- Na quantificação dos danos patrimoniais já verificados recusou aos Autores, por razões não sustentáveis, o benefício de 630 contos que reconheceu ser-lhe materialmente devido.<br>
12- E na quantificação dos danos futuros ateve-se a pressupostos irreais, como o da base salarial que (deve ser de 90000 escudos por mês e não 43500 escudos) e o da taxa de juro (que não é notoriamente de 9 porcento avançada).<br>
13- Desprezou, por outro lado, como factor a ter em conta, no plano, da equidade, a necessária evolução salarial, a erosão da inflação, a consideração, em fim, de que hoje a taxa de juro, mais do que remuneração de capital tende a ser factor de reposição que a inflação consome.<br>
14- Razoável é, por isso, que se aceitem, sem se lhes tocar, os valores vindos da 1. instância que, não sendo altos, foram, no entanto, construídos com respeito pela tendência da jurisprudência recente e pela dignidade de quem sofre.<br>
15- Nestes termos, deve revogar-se o acórdão recorrido e repôr-se, tal como vinham, as decisões da 1. instância, com fixação da indemnização nos termos em que a quantificou a douta sentença, e condenação também da Ré Seguradora no respectivo pagamento.<br>
Delimitado como está o objecto do recurso pelas supra referidas conclusões, começaremos então por analisar a questão da responsabilidade da Ré Seguradora "G".<br>
No acórdão recorrido, contrariamente ao defendido pela<br>
1. instância e ao ora pretendido por estes recorrentes, decidiu-se pela não responsabilidade daquela Ré e pela sua consequente, absolvição do pedido.<br>
Ora o que está verdadeiramente em causa é o saber-se se o contrato de seguro celebrado entre aquela Ré e o proprietário do veículo com que ocorreu o acidente que vitimou o H, abarca a responsabilidade pelos danos decorrentes da morte deste e invocados pelas A.A., ora recorrentes.<br>
Já se deixou dito que a vítima era transportada na caixa de carga aberta do dito veículo, e que devido à condução da Ré D e aos solavancos dados pelo veículo, foi projectado para o chão, para debaixo do mesmo veículo, sendo acto contínuo esmagado pelas rodas deste.<br>
Como se sabe, estamos no domínio do seguro obrigatório, e, no que importa aqui e agora considerar para resolução do caso "sub judice" estabelece-se na alínea d) do n. 4 do artigo 7 do Decreto-Lei 522/85 de 31 de<br>
Dezembro que são excluídos da garantia de tal seguro<br>
"quaisquer danos causados aos passageiros, quando transportados em contravenção ao disposto no n. 3 do artigo 17 do Código da Estrada".<br>
Por seu turno, o artigo 17 n. 3 do Código da Estrada, então em vigor à data do acidente (29 de Julho de 1988) preceituava que "sem prejuízo do que está disposto em legislação especial, é proibido em qualquer veículo o transporte de pessoas fora dos assentos ou de modo a comprometer a segurança da condução bem como a colocação de bancos suplementares. Exceptuam-se as crianças quando transportadas ao colo. Nos motociclos é proibido o transporte de crianças com idade inferior a sete anos.<br>
Acresce que o artigo 5 n. 4 alínea d) das Condições<br>
Gerais da apólice de seguro (folha 72 verso) transcreve textualmente o n. 3 do artigo 17 do Código da Estrada e diz que estão excluídos da garantia do seguro quaisquer danos causados aos passageiros quando transportados em contravenção ao disposto em tal preceito legal.<br>
De atentar também, por ter sido referido na decisão da<br>
1. instância, que o artigo 5 alínea b) e parágrafo 1 do<br>
Decreto-Lei 37272 de 3 de Dezembro dispõe que nos automóveis de mercadorias, além do condutor só é permitido o transporte de pessoas até ao limite de 4 pessoas, nos veículos ligeiros abertos, sendo uma o seu empregado.<br>
Feitas estas alusões começaremos por dizer que o contrato de seguro é aquele em que o segurador, em troca de uma soma em dinheiro (prémio) por parte do contratante se obriga a manter indemne o segurado das perdas ou danos que podem derivar de determinados sinistros (ou casos fortuitos) - O Contrato de Seguro<br>
Terrestre, I volume; página 271, F. Guerra da Mota, bem como Ensaio Sobre o Contrato de Seguro, página 17, A.<br>
Pinheiro Torres.<br>
Garrignes propõe a definição seguinte: "seguro é um contrato substantivo e oneroso pelo qual uma pessoa - o segurador - assume o risco de que ocorra um acontecimento incerto pelo menos quanto ao tempo, obrigando-se a cobrir a necessidade pecuniária sentida pela outra parte - o segurado - em consequência deste risco, determinado no contrato.<br>
É um contrato, oneroso, tipicamente aleatório, de prestações recíprocas e de execução continuada.<br>
E no que respeita ao seguro de responsabilidade civil por acidente de viação tem de se afirmar a sua função trilateral: por um lado, a seguradora mediante o pagamento de um prémio e dentro das forças do seguro garante ao segurado o pagamento da indemnização que a este possa vir a ser exigida por um terceiro, em consequência de danos causados na pessoa deste ou nos seus bens, por acidente com determinada viatura automóvel.<br>
Por outro lado, ao mesmo tempo que defende o seu património o segurado garante perante o terceiro prejudicado a indemnização que lhe for devida no caso concreto - o prémio funciona como o preço ou o custo do seguro, cujo pagamento caberá, em princípio, ao proprietário da viatura; para a seguradora é o preço do risco assumido por esta.<br>
No seu aspecto estrutural o seguro de responsabilidade civil automóvel apresenta-se com a fisionomia de um contrato a favor de terceiro, muito embora não seja propriamente um beneficiário, mas o titular de um direito à reparação dos danos sofridos.<br>
E, como também acentua Dário Martins de Almeida, página<br>
451, in Manual de Acidentes de Viação, a nossa lei do seguro obrigatório aponta já neste sentido, tendo-se acentuado, no respectivo relatório a necessidade de dar uma resposta cabal aos legítimos interesses dos lesados por acidente de viação (cfr. artigos 14 e 29 n. 1 do<br>
Decreto-Lei 522/85 de 31 de Dezembro).<br>
O lesado assume, assim, o papel de parte, para poder exigir directamente, perante a seguradoura, a concretização do seu direito à reparação. Sem hesitações a lei coloca o acento tónico na defesa e protecção directa das vítimas do acidente. O seu objectivo fundamental é assegurar essa protecção.<br>
O seguro obrigatório realiza com a maior evidência o modelo de contrato a favor de terceiro, resultando como resultado prático de todo este enqadramento a possibilidade ou o direito que assiste ao lesado de accionar a seguradora directamente, para obter a indemnização.<br>
E o seguro obrigatório da responsabilidade civil por acidentes de viação, cuja disciplina se encontra no já citado Decreto-Lei 522/85, é contrato de adesão, de carácter formal em que aquele que outorga na qualidade de segurado é convidado a aderir às cláusulas constantes do documento que lhe serve de título, ou seja, da respectiva apólice.<br>
Por último, há que acentuar que, como refere o<br>
Professor Antunes Varela, in Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 119, página 122 "as cláusulas contratuais não se confundem com as regras de direito, ou seja, com as normas jurídicas cujo conhecimento oficioso compete ao juiz". As cláusulas do contrato podem conter verdadeira matéria de direito, mas não se confunde "o objecto individual e concreto do negócio jurídico com o âmbito normativo das regras gerais e abstractas que integram a lei e o direito objectivo".<br>
Mas o certo é que a apólice respeitante ao seguro obrigatório contém cláusulas que são a tradução literal de preceitos legais. Verifica-se nela uma hipótese de verdadeira recepção material de preceitos legais.<br>
E sendo assim não faz sentido que em matéria de interpretação e integração, essas cláusulas possam vir a ter um alcance e um sentido dentro das condições gerais da apólice e outro diferente no contexto do diploma legal onde se inserem.<br>
Cremos até, que se viesse a impor-se numa interpretação correctiva, nos quadros da lei, ela não deixaria de reflectir-se na apólice.<br>
Certamente, que tratando-se de um contrato de adesão, o segurado, por uma questão de coerência acaba por receber e aderir às cláusulas com o sentido que elas encerram no contexto legal. Aliás, dir-se-á, talvez, que o artigo 238 do Código Civil não anda muito longe do artigo 9 n. 2 do mesmo diploma, para dar resposta ao problema.<br>
De resto, bem vistas as coisas, tanto a seguradora como o segurado, na qualidade, respectivamente, de declarante e de declaratário, vem a encontrar-se com as mesmas dificuldades no plano linguístico, dentro da estrutura das condições gerais da apólice uniforme, cuja redacção, em larga medida, lhes escapa, até porque não lhes pertence.<br>
Nesta área, a composição de interesses não pode ser determinada apenas individualmente, como um livre acordo aderente aos interesses específicos de ambos os sujeitos em relação, devendo antes integrar em si conteúdos de regulamentação pré-ordenada, tendo em vista as projecções transpessoais da relação singular.<br>
Como também diz Sousa Ribeiro, in Cláusulas Contratuais<br>
Gerais e Paradigma do Contrato, página 22, completa-se assim a mudança de paradigma e de racionalidade: à<br>
óptica individualizante, centrada na irradiação da vontade do sujeito para o mundo exterior das relações, sucede-se numa perspectiva de índole sistémica, que parte de "estruturas de ordenação" (Ordmurgsgebilde) pré-constituídas, às quais terá que ajustar-se a acção negocial do sujeito, diluída na massa anónima dos utentes. À ordem contratual como resultante do exercício de soberanias individuais, mero agregado de escolhas autónomas e diferenciadas, contrapõe-se uma ordem contratual como programa unitário de uma série de actos em que se desdobra uma actividade económica.<br>
É a esta luz que se tem de ver o que importa resolver no caso "sub judice", já que é num vasto políptico de manifestações diversificadas da objectivação e despersonalização dos institutos cardiais do direito privado, que se insere o aqui fundamental fenómeno da contratação com recurso a cláusulas contratuais gerais.<br>
Este modo de contratar caracteriza-se num primeiro momento pela prévia estipulação, em forma legal e abstracta, de cláusulas com vista à futura incorporação de uma série de contratos do mesmo tipo.<br>
Num segundo momento o da conclusão de cada um destes contratos singulares, a aplicação uniforme dessas cláusulas é assegurada através da recusa do seu predisponente (ou de quem delas se utiliza) em negociá-las. A contraparte é, assim, colocada perante a alternativa de se sujeitar às condições prefixadas ou de desistir do contrato, renunciando à almejada prestação. E ao optar, num "coerced choice" pela primeira sucessão, ela dá vida a um contrato cujo processo formativo não reproduz a sua imagem ideal.<br>
Assim, os contratos com base em cláusulas contratuais oferecem-nos um quadro diferente do da concepção tradicional do contrato.<br>
Com efeito, o predisponente estabelece o ordenamento uniforme de todos os contratos integrados numa determinada actividade económica, e assumindo uma postura análoga à do legislador ela pacifica os actos a disciplinar, despojando-os das suas singularidades individualizadoras, e unificando-os pela comum pertinência a uma mesma actividade.<br>
Radicando esta técnica contratual nas necessidades organizativas da empresa moderna não surpreende que ela se manifesta em sectores como os contratos de seguros, que é o que interessa considerar aqui e agora, para se chegar a uma justa solução e decisão do caso "sub judice".<br>
E nesta busca de uma tal solução justa podemos ficar satisfeitos com a ideia de que quando no artigo 7 n. 4 alínea d) do Decreto-Lei 522/85 de 31 de Dezembro o legislador refere que se excluem da garantia do seguro quaisquer danos causados aos passageiros quando em contravenção do n. 3 do artigo 17 do Código da Estrada<br>
(vigente à data do acidente - 29 de Julho de 1988) não subordina a exclusão da responsabilidade a qualquer condição, nomeadamente à de os danos causados aos passageiros serem adequadamente resultantes da transgressão ali prevista.<br>
Assim se decidiu no Acórdão da Relação do Porto de 8 de<br>
Março de 1994 C.J. XIX, 2, 196, que acentua que o legislador pura e simplesmente prescreve que do contrato a favor de terceiro em que se traduz o seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel não é beneficiário qualquer passageiro, desde que transportado em condições de transgressão ao preceituado no artigo 17 n. 3 do Código da Estrada, não exigindo assim a lei qualquer nexo de causalidade entre a contravenção e os danos para a exclusão da garantia do seguro, que ocorre independentemente de causa, pela verificação da contravenção mencionada quanto ao transporte de passageiros em veículos (cfr. Acórdão da<br>
Relação de Coimbra de 14 de Dezembro de 1988, C.J.<br>
XIII, 5, 98).<br>
Só que não nos parece que tal interpretação da norma jurídica em questão se mostra demasiado simplista ou literal, esquecendo verdadeiramente os interesses que estão em jogo, "maxime" a posição do terceiro, vítima do acidente de viação, e que em tal visão vê afastada a responsabilidade do segurador, com diminuição da garantia da indemnização devida...<br>
Já acentuamos que no preâmbulo do citado Decreto-Lei<br>
522/85 de 31 de Dezembro se diz que "a institucionalização do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel revelou-se numa medida de alcance social, inquestionável, que, com o decurso do tempo, apenas impõe reforçar e aperfeiçoar, procurando dar uma resposta cabal aos legítimos interesses dos lesados por acidente de viação".<br>
E este acento tónico que a lei indubitavelmente põe na defesa e protecção directa das vítimas do acidente, leva-nos à interpretação dela em sentido diferente do supra referido.<br>
Como salienta o Professor Castanheira Neves, in O actual problema metodológico da interpretação jurídica,<br>
"Revista de Legislação e Jurisprudência, 117, página<br>
193, "o legislador não usa palavras e exprime enunciados que terão porventura, um sentido linguístico gramatical comum apenas para comunicar (digamos literalmente) em sentido comum, quer antes prescrever uma intenção jurídica através dessas palavras e desses enunciados".<br>
E o que se pretende com a interpretação jurídica, que tem um fundamento normativo, não é compreender, conhecer a norma em si, mas obter através dela o critério exigido pela problemática e adequada decisão justificativa do caso.<br>
O que significa, evidentemente que é o caso e não a norma "o prius" problemático-intencional e metódico.<br>
E deste modo tendo em atenção uma interpretação teleológica, actual e razoável (ver Engish, in<br>
Introdução ao Pensamento Jurídico, que acentua que o preceito da lei deve na dúvida ser interpretado o mais possível de modo a ajustar-se às exigências da vida e ao desenvolvimento de toda a nossa cultura (página 112) entendemos que a dita norma deve ser interpretada no sentido de que só afasta a garantia do seguro quando os passageiros transportados comprometam manifestamente a segurança da condução, que é aquela que respeita ao condutor do próprio veículo, e tão só... (cfr. Acórdão da Relação de Évora de 5 de Junho de 1974, B.M.J.<br>
238/291).<br>
Tem, pois, de existir uma relação de causalidade adequada nos termos supra referidos que de modo algum se verificou no caso "sub judice" - a este propósito não deixaremos de lembrar o que a jurisprudência tem vindo a firmar nesse sentido quanto ao direito de regresso da seguradora no caso do condutor que conduz sob a influência do álcool ou que abandona um sinistrado (cfr. Acórdão da Relação de Coimbra de 21 de<br>
Novembro de 1995, C.J. XX, 5, 39).<br>
Por tudo o exposto, e sem necessidade de mais amplas considerações se conclui pela responsabilização da Ré<br>
Seguradora.<br>
Resta agora encarar a questão da fixação do "quantum" indemnizatório no tocante aos danos patrimoniais (já que quanto aos danos não patrimoniais as recorrentes concordam com o montante fixado quanto a eles).<br>
Ora as recorrentes carecem de razão quando defendem que o montante de tais danos deve ser o fixado pela 1. instância, e não o fixado pela Relação no acórdão recorrido.<br>
Com efeito, como se sabe, não estão os tribunais na fixação das indemnizações sujeitos ao uso de fórmulas matemáticas, nomeadamente as que constam de tabelas financeiras.<br>
E assim, o montante da indemnização é achado com base na equidade (que como é bem sabido não significa arbitrariedade). | [0 0 0 ... 0 0 0] |
ZjIHvIYBgYBz1XKv33wk | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça<br>
I - Em execução para pagamento de quantia certa, instaurada por A e outros contra "B, SA", o Ministério Público promoveu a notificação do Banco Português de Investimento "para efectuar o valor dos preparos" da responsabilidade dos exequentes, garantidos por esse Banco, "e que em seguida se proceda a rateio", o que foi deferido pelo despacho "como se promove".<br>
Os exequentes agravaram desse despacho mas o Acórdão da Relação, de fls. 66 e seguintes, negou provimento ao recurso.<br>
Neste novo recurso de agravo, os exequentes pretendem a revogação daquelas decisões e formulam, em resumo, as seguintes conclusões:<br>
- o tribunal recorrido confunde a igualdade formal com a igualdade material;<br>
- a sujeição a rateio dos preparos efectuados por quem não seja responsável pelas custas, em virtude de o responsável as não pagar por beneficiar de apoio judiciário, colocaria em desigualdade material aqueles que litigam com parte isenta relativamente aos que litigam com parte não isenta;<br>
- tal sujeição leva a que a parte não isenta esteja a pagar a actividade processual da parte isenta;<br>
- esse pagamento seria de todo contrário ao espírito do legislador, ao criar o instituto do apoio judiciário;<br>
- foi violado o disposto nos artigos 109 n. 1, 153 e 165 do Código das Custas, 2. do Decreto-Lei 387- B/87, de 29 de Dezembro, e 13 e 20 da Constituição.<br>
O recorrido, o Ministério Público, sustenta dever negar-se provimento ao recurso.<br>
II - Situação de facto:<br>
Na referida execução, a executada deduziu oposição, por embargos, e requereu a concessão de apoio judiciário, com total dispensa de preparos e de pagamento de custas (fls. 25).<br>
Nesses embargos, foi lavrado "termo de transacção" em que se clausulou que a embargante "desiste do pedido", os exequentes dão "quitação total da dívida<br>
... contra o pagamento da importância de 600000000 escudos", mediante a entrega de três cheques, e "a executada... pagará a totalidade das custas que estiverem em débito ... prescindindo os exequentes da procuradoria" (fls. 27).<br>
Em seguida, proferiu-se despacho em que se concedeu<br>
à embargante "o apoio judiciário na modalidade pedida" e sentença homologatória da transacção, com "custas dos embargos pela embargante" e "as custas da execução"<br>
... também a cargo da executada, nos termos acordados" (fls. 28).<br>
Decidiu-se depois, na execução, a sua sustação e a remessa dos "autos à conta" (fls. 29).<br>
Por essa conta, o valor do processo é de 735323563 escudos, e a quantia em dívida, reportada apenas à taxa de justiça, de 3618000 escudos, da responsabilidade da executada" (fls. 30).<br>
Proferiu-se então o despacho de notificação do Banco "para efectuar o valor dos preparos" (fls. 31).<br>
Naqueles embargos, os embargados juntaram fiança, prestada pelo Banco, como garantia do pagamento da "taxa de justiça e procuradoria" (fls. 33 e 34).<br>
III - Quanto ao mérito do recurso:<br>
Antes de mais, deve notar-se que as custas da execução e dos embargos não deveriam ter sido imputadas apenas à executada-embargante, "nos termos acordados": porque houve "termo de transacção" e foi concedido à executada apoio judiciário, teria de observar-se o disposto no artigo 451 n. 2 do Código de Processo Civil - a proporção da responsabilidade pelas custas seria determinada pelo juiz, depois de ouvido o Ministério Público, sem necessária subordinação às cláusulas da transacção; não se cumpriu esse preceito e sempre seria de atribuir aos exequentes uma parte da resposabilidade pelas custas, uma vez que o "pagamento" feito pela executada, através da entrega de cheques, era inferior ao da quantia exequenda e ao valor do processo, para efeitos tributários; assim, se se tivesse procedido regularmente, o problema relativo aos preparos não teria sequer surgido.<br>
Neste momento, porém, tal irregularidade está ultrapassada, pelo que a questão surge entre parte não isenta de custas mas não responsável por elas, que garantiu o pagamento da taxa de justiça por fiança bancária (artigo 119 do Código das Custas), situação que deve merecer tratamento idêntico ao do caso de terem sido efectuados os preparos, e parte que goza de apoio judiciário e foi responsabilizada pela totalidade das custas.<br>
A questão concreta que vem suscitada no recurso consiste em saber se, nessa hipótese, devem ser depositados os preparos garantidos pela fiança bancária, para efeito de rateio (como se decidiu nas instâncias), ou, pelo contrário, se não há lugar a esse depósito, uma vez que tais preparos deveriam ser restituídos por inteiro à parte, não se justificando o depósito de uma quantia para sua posterior restituição (como pretendem os recorrentes).<br>
Sobre idêntica questão se pronunciou já a Relação do Porto, em acórdão de 17 de Maio de 1994, na Col. XIX, 3, pág. 207, no sentido sustentado pelos recorrentes, e cuja argumentação será aqui em parte retomada.<br>
As custas da acção devem ser suportadas pela parte vencida ou, não havendo vencimento, pela parte que do processo "tirou proveito" (artigo 446 do Código do Processo Civil), e, pelos princípios gerais que dominam o processo civil, a parte que tem razão não deve sofrer qualquer dano, designadamente no aspecto das custas.<br>
A exigência de preparos, no decurso da acção, destina-se a garantir o pagamento das custas e, em rigorosa aplicação daqueles princípios, tal garantia deveria restringir-se às custas da responsabilidade da parte que os efectuou, nunca podendo abranger as custas devidas pela parte contrária.<br>
O Código das Custas, porém, pelo menos na sua versão inicial, não respeitou esse princípio, contendo diversas disposições que o contrariam, como os artigos 109, 116, 122, 153 e 165, na medida em que os preparos feitos por uma das partes entram em rateio e podem ser incluidos nas custas da responsabilidade da outra parte.<br>
Em posteriores alterações, particularmente introduzidas pelo Decreto-Lei 387-B/87, de 29 de Dezembro, deu-se nova redacção a algumas dessas disposições e que foi justificada, no seu preâmbulo, por se perfilhar "agora um regime mais justo e harmónico com os bons princípios" e por dever a garantia das custas "traduzir-se, em regra, apenas na exigência de preparos, não se considerando muito certo que se penalize quem, tendo feito os devidos preparos, não haja praticado acto algum que mereça reparo".<br>
Apesar disso, manteve-se, no artigo 109, n. 1, o que constava do artigo 109, relativo à restituição de preparos, bem como o disposto no artigo 165 e, no essencial, o artigo 153, respeitantes ao rateio das quantias depositadas, e da conjugação desses preceitos resulta, no aspecto literal, que os preparos efectuados por uma das partes podem entrar em rateio e ser incluidos no montante das custas em dívida pela outra parte, só havendo lugar à sua restituição, total ou parcial, na hipótese prevista no cit. artigo 109 n. 1.<br>
Ora, afigura-se que o legislador, de 1987 não se terá apercebido do alcance dos "bons princípios" por ele proclamados, os quais impunham, necessariamente, a restituição dos preparos à parte que os tivesse efectuado, sempre que excedessem o montante da sua responsabilidade nas custas contadas, independentemente de a outra parte ser ou não isenta de custas.<br>
Nesta medida, e com base nos critérios de interpretação da lei, fixados no artigo 9 do Código Civil, a solução mais rigorosa será a de se proceder a interpretação actualizada e restritiva daqueles preceitos, no sentido acima apontado, o qual está de harmonia com a unidade do sistema jurídico e traduz a solução mais acertada.<br>
Por esta solução, o recurso deveria ser julgado procedente, mas à mesma conclusão se chega apenas com base no disposto ao artigo 109 n. 1 do Código das Custas.<br>
Determina-se nesse artigo 109 n. 1 que "à parte que os tenha feito são os preparos restituídos por inteiro quando não haja lugar ao pagamento de custas por nenhum dos litigantes e parcialmente se excederem a importância das custas contadas".<br>
Assim, na hipótese de a acção correr termos entre uma parte não isenta de custas, que efectuou os preparos devidos, e outra isenta, e de esta ser a parte vencida, é seguro dever proceder-se àquela restituição dos preparos, por inteiro, dado não ser devido o "pagamento de custas por nenhum dos litigantes".<br>
Ora, a parte que goza de apoio judiciário, na modalidade de "dispensa... do pagamento de custas" (artigo 15 n. 1 do Decreto-Lei 387-B/87, de 29 de Dezembro), pode não dever ser considerada, em rigor, como parte isenta de custas, nos termos previstos no artigo 3 do Código das Custas, mas deve ser considerada, como tal, ao menos para o efeito em causa: se ela for a parte vencida, as custas devidas não podem ser objecto de execução imediata mas apenas de acção destinada à sua cobrança, prevista no artigo 54 daquele diploma, "caso se verifique que o requerente do apoio judiciário possuía a data do pedido ou que adquiriu... meios suficientes para pagar..."; a possibilidade legal de cobrança dessas custas fica pois dependente da condição suspensiva da existência desses "meios suficientes..." e, enquanto se não verificar essa condição, a parte não é obrigada a pagar as custas nem estas lhe podem ser exigidas; trata-se assim, na pendência dessa condição, de uma situação de verdadeira isenção de custas; aliás, é a própria lei que assim o reconhece ao reportar-se, no cit. artigo 54 n. 1, ao pagamento de que o requerente do apoio judiciário "haja sido declarado isento...", por isso, a pronúncia sobre custas, feita na respectiva decisão, não se traduz em condenação directa, devendo ser considerada como simples declaração de responsabilidade, uma vez que essa decisão não constitui título executivo suficiente para a cobrança das custas, a qual terá de ser feita através da referida acção; e a elaboração da conta, no processo, apenas tem o alcance de ficar a constar dele o montante das custas que seriam devidas, para o efeito de serem exigidas se e quando isso puder ter lugar.<br>
A parte que goza de apoio judiciário deve pois ser considerada, em princípio, e no aspecto em apreciação, como parte isenta de custas, de tal modo que, se ela vier a ser declarada responsável pela totalidade das custas, tem imediata aplicação o disposto no artigo 109 n. 1, quanto à restituição integral dos preparos à parte que os tenha efectuado, não havendo sequer necessidade do recurso à revogação parcial desse preceito (sustentada ni ja aludido acórdão de 17 de Maio de 1994).<br>
Esta solução, além da sua conformidade com os textos legais em vigor, é ainda a única que se tem como justa ou razoável: o rateio previsto nos artigos 153 e 165 do Código das Custas, com inclusão dos preparos efectuados pela parte vencedora, e independentemente da apreciação sobre ele já feita, só poderá justificar-se no pressuposto de as custas em dívida virem a ser cobradas através da execução a instaurar pelo Ministério Público contra o responsável; tal pressuposto não se verifica, na hipótese em causa, uma vez que, como já se notou, não pode ter então lugar essa execução mas apenas a acção prevista no cit. artigo 54 do Decreto-Lei 387-B/87, a intentar também pelo Ministério Público, e a probabilidade do seu êxito é, pelo menos, muito remota, dado o condicionalismo que lhe está subjacente.<br>
Por outro lado, a concessão do apoio judiciário, como meio de facilitar o acesso aos tribunais, "constitui uma responsabilidade conjunta do Estado..." (artigo 2 do cit. Decreto-Lei), o qual não é extensiva<br>
à parte que não goza desse benefício, e a inclusão, no referido rateio, dos preparos por ela efectuados, traduzir-se-ia em inversão daquela responsabilidade, que acabaria, em regra e em definitivo, por recair sobre essa parte.<br>
Em conclusão:<br>
A parte que goza de apoio judiciário, na modalidade de dispensa total de preparos e do pagamento de custas, deve considerar-se como parte isenta de custas, enquanto se não verificar a condição de, à data do pedido ou posteriormente, possuir meios suficientes para o seu pagamento (artigos 15 e 54 n. 1 do Decreto-Lei n. 387-B/87, de 29 de Dezembro).<br>
Se essa parte for declarada responsável pela totalidade das custas da acção, os preparos efectuados pela outra parte devem ser-lhe restituídos, por inteiro (artigo 109 n. 1 do Código das Custas).<br>
No caso de o montante desses preparos ter sido substituído por fiança bancária, não há então lugar ao seu depósito (artigo 119 do mesmo Código).<br>
Em bom rigor, e após as alterações introduzidas nesse Código pelo Decreto-Lei 387-B/87, de 29 de Dezembro, os preparos devem ser restituídos à parte que os tiver efectuado, na medida em que excederem o montante da sua responsabilidade nas custas contadas, por iterpretação actualizada e restritiva dos artigos 109 n. 1, 153 e 165 do cit. Código.<br>
Pelo exposto:<br>
Concede-se provimento ao recurso.<br>
Revoga-se o acórdão recorrido, bem como a decisão da 1. instância, não havendo lugar ao depósito dos preparos garantidos pelos recorrentes.<br>
Sem custas, por isenção do recorrido, o Ministério Público.<br>
Lisboa, 12 de Novembro de 1996.<br>
Martins da Costa.<br>
Pais de Sousa.<br>
Machado Soares.</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
zTIUvIYBgYBz1XKv2Yzy | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br>
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Na Comarca de Lisboa, Catermar - Companhia Hoteleira Marítima, Limitada, com sede em Lisboa, na Rua do Alecrim, 65, propôs contra WMT - Multitransportadora E Trânsitos, Limitada, também com sede em Lisboa, na Rua dos Remolares, G - 1., a presente acção com processo ordinário, na qual pediu que esta ré fosse condenada a pagar-lhe a quantia de 64422824 escudos, acrescida de juros, que é o saldo da conta corrente entre elas, em 31 de Dezembro de 1987, a favor da autora, conta corrente esta relativa às relações comerciais entre as duas.<br>
Na sua contestação, a ré defendendo-se por excepção, invocou a falta de procuração do advogado da autora (artigo 40 do Código de Processo Civil) e a falta de deliberação da gerência para a autora estar em juízo (artigo 494 n. 1 alínea d), do Código de Processo Civil) e, impugnando, negou o apontado saldo a favor da autora e terminou pedindo a absolvição da instância e a condenação da autora em multa e indemnização, e, não se entendendo assim, a absolvição do pedido.<br>
Na sua réplica, a autora defendeu a inexistência da excepção invocada.<br>
Foi proferido o despacho saneador, que julgou improcedente a excepção invocada, e foram organizadas a especificação e o questionário, de que a ré reclamou mas sem êxito, pelo que ela recorreu do correspondente despacho, o qual foi admitido com subida diferida.<br>
Prosseguiu o processo a sua tramitação até que, feito o julgamento, foi proferida sentença que, julgando a acção em parte procedente, condenou a ré a pagar à autora a quantia que se liquidar em execução de sentença, do saldo da referida conta corrente, e absolveu-a do restante pedido.<br>
Desta sentença apelou a ré WMT, mas o Tribunal da Relação negou provimento ao agravo e julgou improcedente a apelação.<br>
Deste acórdão interpôs a mesma ré recurso de revista, tendo concluído a sua alegação assim:<br>
I - ao julgar válida a nomeação pela assembleia geral da autora de um gerente não sócio, o Tribunal desconsiderou que a gerência da sociedade cabe a todos os sócios, como está certificado a folhas 9, 10, 12 e 13 e violou o preceituado nos ns. 1 e 2 do artigo 252 do Código das Sociedades Comerciais e do artigo 21 n. 1 do Código de Processo Civil;<br>
II - ao julgar que à gerência da ora recorrida é aplicável o regime do artigo 985 do Código Civil, o Tribunal desconsiderou, por um lado, que, mesmo antes da entrada em vigor do Código das Sociedades Comerciais, o modo de funcionamento das sociedades se regia pelos artigos 29 e 30 da L.S.Q. e não pelo dito artigo 985, e, por outro lado, que "uma vez que os institutos previstos nos referidos preceitos legais - sociedades com firma social e sociedades com denominação particular - foram absorvidos pelo citado código, mesmo na tese do Tribunal a quo, ainda que o referido regime supletivo integrasse o facto social da ora recorrida, com a entrada em vigor do Código das Sociedades Comerciais, a referida cláusula tácita teria sido substituída pelas novas disposições legais, mesmo de carácter supletivo, que ao caso conviessem (artigo 530 do C.S.C.)";<br>
III - deve, assim, concluir-se que, pelo menos desde a entrada em vigor do Código das Sociedades Comerciais, e na omissão de cláusula contratual expressa, a gerência da ora recorrida deve ser exercida conjuntamente, considerando-se válidas as deliberações que reunam os votos da maioria, nos termos do disposto no artigo 261 n. 1 do citado Código;<br>
IV - ora, não tendo sido junta aos autos qualquer acta onde constasse a referida deliberação, nem sequer se fazendo qualquer menção à mesma do reconhecimento da assinatura da procuração de folha 4, nunca foram provados os poderes da pessoa que subscreveu a referida procuração, pelo que se verifica a excepção dilatória prevista na alínea d) do n. 1 do artigo 494 do Código de Processo Civil, o que devia ter levado à absolvição da instância da recorrente, nos termos dos artigos 493 n. 2 e 288 do mesmo Código;<br>
V - ao julgar que está assente por confissão da recorrente que a recorrida fez adiantamentos por conta de serviços futuros e incertos, pelo menos até Novembro de 1986, que existe um saldo credor a favor da recorrida e que o mesmo saldo se encontra vencido e é por isso exigível, o Tribunal fez tábua rasa do teor dos documentos em que se louva bem como de outros juntos aos autos, designadamente os de folhas 294 e 299, e desconsidera ainda totalmente a impugnação expressa constante na contestação (ns. 17 a 21 e 22 a 37 do citado articulado) bem como a implícita, por consideração da defesa no seu conjunto, dos factos alegadamente confessados, pelo que o Tribunal violou o preceituado nos artigos 490 n. 1 e 659 n. 3, ex-vi do n. 2 do artigo 713 do Código de processo Civil, e nos artigos 352, 356 n. 1, 357 n. 1 e 360 do Código Civil;<br>
VI - a causa de pedir desta acção é complexa, integrada, por diversos factos que foram levados ao questionário, e à recorrida cabia o ónus da respectiva prova, pelo que ela é que devia provar a natureza dos créditos invocados (quesitos 1, 2 e 7), o respectivo montante (quesitos 5 e 6) e o seu vencimento (quesitos 3, 4, 8 e 9) e só assim se poderia concluir pela existência de um efectivo saldo credor a favor da recorrida, ainda que indeterminado, que já estivesse vencido e por isso exigível;<br>
VII - mas, não tendo a recorrida feito esta prova da causa de pedir, não podia o Tribunal considerar procedente a acção, relegando para execução de sentença a determinação da própria existência e medida do direito;<br>
VIII - julgando a acção procedente não obstante não se terem provado, nem se devessem considerar confessados, os factos integradores da causa de pedir, antes visualizando nesta acção a formulação de um pedido genérico ou de um pedido de condenação in futurum, o Tribunal sobrepôs-se às partes na configuração da causa de pedir e na formulação do pedido, acabando por condenar em objecto diverso do pedido, em desrespeito do princípio dispositivo, do disposto nos artigos 467 n. 1 alíneas c) e d), 661 ns. 1 e 2 e 662 n. 1, do Código de Processo Civil, e ao artigo 798 do Código Civil;<br>
IX - acresce que o que resultaria dos documentos juntos aos autos era a prova dos factos articulados pela recorrente, designadamente dos levados ao questionário sob os ns. 7 e 8, pelo que também por isso a acção tem de improceder;<br>
X - deve ser dado provimento ao recurso.<br>
Na sua contra-alegação, concluiu a recorrida deste modo:<br>
I' - o mandato de folha 4 foi passado por quem de direito, ou seja por um gerente da sociedade, eleito nos termos do n. 2 do artigo 252 do Código das Sociedades Comerciais, e como tal registado;<br>
II' - nos termos do artigo 260 n. 1 dito Código, e nos termos do estatuto da recorrida, os actos praticados por qualquer gerente em nome da sociedade e dentro dos poderes que a lei lhes confere, vinculam-na para com terceiros, não obstante as limitações constantes do contrato social ou resultantes de deliberações dos sócios;<br>
III' - o contrato social previa que a sociedade se obrigava com a assinatura de qualquer gerente;<br>
IV' - não foram violadas as disposições citadas pela recorrente;<br>
V' - da matéria de facto dada como provada resulta a existência de um crédito não quantificado da recorrida exigível a contar da citação, e foi em relação a esse crédito, e nos termos do pedido, que o apelante foi condenado, embora relegando-se a determinação do montante para execução da sentença, tudo nos termos dos artigos 661 e 662 do Código de Processo Civil;<br>
VI' - não foram citados quaisquer preceitos legais, pelo que o acórdão recorrido deve ser confirmado.<br>
Colhidos os vistos legais, cabe decidir;<br>
Vêm provados os factos seguintes:<br>
1 - a autora é uma sociedade cujo objecto social é o recrutamento e treino de tripulações de todos os serviços de câmara a bordo de navios de cruzeiro ou quaisquer outros navios qualquer que seja a sua nacionalidade, e bem assim de pessoal hoteleiro, podendo exercer qualquer actividade relacionada com a hotelaria, em terra ou em mar, em qualquer parte do mundo, e a ré é também uma sociedade por quotas, sendo uma agência de transportes nos termos do seu pacto social;<br>
2 - ambas as sociedades tinham relações comerciais entre si, na medida em que a autora utilizava os serviços da ré como agente de transporte das suas mercadorias;<br>
3 - por força das suas relações comerciais, a autora e a ré mantinham uma conta corrente contabilística através da qual a ré ia debitando à autora os seus serviços e esta ia pagando os mesmos;<br>
4 - em 25 de Junho de 1987, a autora escreveu à ré a carta que se encontra fotocopiada a folha 40 do seguinte teor: "prestação de serviços/liquidação das novas facturas considerando a situação devedora em que, perante nós, a vossa firma se encontra por força de adiantamentos diversos feitos por conta de serviços a serem prestados e verificando-se ainda que nenhuma entrega tem sido realizada ultimamente para amortização dos valores em questão, queiram informar-nos de imediato qual o valor mensal que se propõem entregar de forma que a liquidação das vossas facturas pela nossa parte se mantenha dentro da regularidade até agora verificada";<br>
5 - respondendo a esta carta, a ré, em 29 desse mês e ano, escreveu à autora: "Há, efectivamente, uma conta - corrente estabelecida entre a nossa firma e Vossas Excelências" (segue-se uma exposição sobre as dificuldades da contabilidade) "Estamos...ante uma impossibilidade total de declarar o valor ou saldo da conta - corrente com a vossa prezada firma. Todavia, devemos realçar que as várias entregas que VV. Exas. referem, respeitam ao período até, cremos, finais de Novembro de 1986. A partir daquele mês tem sido a firma Wiesse - Transportes, Limitada, nossa sócia que tem feito vários adiantamentos e liquidado débitos vultosos relativos a todo o período de existência da nossa firma.<br>
Porque nos decidimos recuperar esta empresa...vimos rogar-lhe o especial favor de aguardarem que a contabilidade possa evidenciar, em concreto, o saldo da conta - corrente, para, então, se decidir sobre a liquidação do mesmo. É que, como compreenderão, qualquer dispêndio adicional para pagar o passivo geral antes desta tentativa de recuperação, corresponde a um mais vultuoso gasto que trava, totalmente, a iniciativa em que todos nós estamos empenhados";<br>
6 - nesse mesmo dia, a autora, acusando a recepção da carta referida no número anterior, escreveu à ré: "porque a situação que se tem vindo a verificar em nada nos interessa, lamentamos ter de informar que aquando da liquidação das vossas facturas entregaremos um recibo...";<br>
7 - a conta - corrente contabilística, organizada pela autora, encontra-se parcialmente a folhas 20-39 e 41-45. <br>
A Relação, para o efeito do conhecimento do recurso de agravo, deu ainda como provados os factos seguintes:<br>
1' - em 29 de Maio de 1978, foi alterado parcialmente o pacto social da autora, ficando a dele constar, entre outras coisas, que são sócios A, B e C e que a gerência incumbe a todos estes;<br>
2' - em 17 de Novembro de 1978, por nova alteração, mantiveram-se apenas os mesmos sócios, todos eles nomeados gerentes, "obrigando-se a sociedade pela assinatura de um gerente ou do mandatário ou mandatários, dentro dos limites dos poderes que lhes tenham sido conferidos";<br>
3' - em 6 de Agosto de 1987, a autora deliberou a nomeação da gerência B e C, facto que foi inscrito no registo comercial;<br>
4' - não há outro registo de gerência posterior.<br>
Ocupar-nos-emos, em primeiro lugar, do recurso de agravo.<br>
A recorrente levanta as seguintes questões:<br>
1- a assembleia geral não poderá nomear gerente um não sócio, uma pessoa estranha à sociedade, dado o certificado a folhas 9, 10, 12 e 13, pelo que houve irregularidade de representação na procuração de folha 4, com ofensa do artigo 252 ns. 1 e 2 do C.S.C. e do artigo 21 n. 1 do Código de Processo Civil;<br>
2- não consta dos autos uma acta que contenha a deliberação da gerência (gerência conjunta para propositura da acção, certo sendo que é inaplicável o artigo 985 do Código Civil (gerência disjunta) mas sim os artigos 29 e 30 da L.S.Q. (gerência conjunta) e, após o início da vigência do C.S.C., o artigo 261, ex - vi do artigo 530, deste último código (gerência conjunta).<br>
Bem no fundo, a tese do recorrente é a de que, por um lado, a assembleia geral não podia nomear gerente uma pessoa estranha à sociedade, e, por outro lado, mesmo que pudesse, sempre seria precisa uma deliberação da gerência a autorizar a propositura da acção, dado ser caso de gerência conjunta, deliberação essa que não existe.<br>
Mas não tem razão.<br>
Segundo os factos supra incluídos no n. 3' (v. também o registo a folha 14), por deliberação de 6 de Agosto de 1987, foram nomeados gerentes da autora B e C, gerência esta que se vem mantendo, porque o registo definitivo constitui presunção de que existe a situação jurídica, nos precisos termos em que é definida (artigo 11 do Código de Registo Comercial).<br>
É certo que este C não é sócio da autora, mas tal não impede a sua nomeação como gerente, como expressamente estabelece o artigo 252 n. 1 do C.S.C., de resto na sequência do que antes dispunha o artigo 26 da L.S.Q.. Em comentário ao artigo 996 do Código Civil, Pires de Lima e Antunes Varela escreveram: "A representação pode competir a quem não seja sócio, uma vez sabido que a administração pode ser confiada a terceiras pessoas (artigo 997 n. 3) e que o artigo 996 atribui a representação aos administradores, nos termos do contrato, sem qualquer restrição." (Código Civil Anotado, Vol. II, 246).<br>
Controverte-se se, no caso sub-júdice, a gerência da autora na conjunta ou disjunta, ou seja, se era aplicável o artigo 261 n. 1 do C.S.C. ou o artigo 985 ns. 1 e 2 do Código Civil ou os artigos 29 e 30 da L.S.Q..<br>
Salvo o devido respeito, afigura-se-nos que a solução será a mesma seja qual for o texto legal aplicável ao presente caso.<br>
Com efeito decorre dos factos supra incluídos no n. 2' (v. também o registo a folha 13 que, por deliberação de 17 de Novembro de 1978, a sociedade se obriga pela assinatura de um gerente ou do mandatário ou mandatários, dentro dos limites dos poderes que lhes tenham sido conferidos, podendo a sociedade constituir mandatários ainda que estranhos a ela, deliberação esta que se mantém por força do já citado artigo 11 do Código do Registo Comercial.<br>
Há, assim, uma cláusula estatutária atinente à vinculação da sociedade autora, a qual abrange a capacidade para a sua representação em juízo, pois que esta cabe a quem os estatutos determinarem ou, na falta de disposição estatutária, à administração ou a quem por ela for designado, de acordo com o disposto no artigo 163 n. 1 do Código Civil (cfr. ainda artigo 996 n. 1 do Código Civil e artigo 21 n. 1 do Código de Processo Civil).<br>
Ora não interessa apenas qual o texto ou textos legais aplicáveis ao caso sub-júdice, porque quer estejamos perante um caso de gerência disjunta, nos termos do n. 1 do artigo 985 do Código Civil, quer perante um caso de gerência conjunta, nos termos do artigo 30 da revogada L.S.Q., os entendimentos dados pelo Assento do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de Março de 1985, ou do artigo 261 do C.S.C., o certo é que a representação da pessoa colectiva, da sociedade no caso, cabe, em primeiro lugar, a quem as cláusulas estatutárias indicarem, uma vez que os textos acabados de referir têm todos carácter supletivo, só se aplicando, por conseguinte, quando não houver estipulação em contrário (Assento supra citado B.M.J. 345, 149; acórdão do S.T.J. de 17 de Junho de 1982, B.M.J. 318, 457; Vaz Serra, R.L.J. 113, 217; Pires de Lima e Antunes Varela, C.C. Anotado, Vol. I, 4. edição, 166, e Vol. II, 234; Alberto dos Reis, C.P.C. Anotado, Vol. I, 3. edição, 61; Abílio Neto, Sociedades por Quotas, 2. edição, 255; Azevedo Souto, Lei das Sociedades por Quotas, 7. edição, 142; Pinto Furtado, Código das Sociedades Comerciais, 4. edição, 245).<br>
Assim, a procuração de folha 4, na qual o C, na qualidade de gerente da autora, como da própria consta, constituiu bastante procurador o Sr. Dr. D não tem que se lhe diga, porque ele foi validamente nomeado gerente e pode representar sozinho a sociedade, nos termos estatutários, como decorre das faladas deliberações de 17 de Novembro de 1987 (v. supra n. 2') e de 6 de Agosto de 1987 (v. supra n. 3'), atrás referidas.<br>
Não se verifica, pois, a excepção dilatória da falta de deliberação a que alude a alínea d) do n. 1 do artigo 494 do Código de Processo Civil, pelo que, nesta parte, o recurso não merece provimento.<br>
E que dizer do recurso de revista?<br>
Segundo jurisprudência uniforme que ninguém contesta o Supremo Tribunal de Justiça só conhece da matéria de direito e não lhe compete apreciar a matéria de facto fixada pelas instâncias nem censurar o erro na apreciação das provas e na fixação aos factos materiais da causa, salvo havendo ofensa duma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova, só lhe cabendo aplicar dos factos materiais fixados pelo Tribunal recorrido o regime jurídico que julgue adequado, consoante tudo decorre do preceituado nos artigos 29 da Lei 38/87, de 23 de Dezembro, 721 n. 2, 722 n. 2 e 729 ns. 1 e 2, do Código de Processo Civil (v., por todos, os acórdãos do S.T.J. de 15 de Junho de 1989, 22 de Junho de 1989, 20 de Março de 1991, 8 de Maio de 1991, 6 de Junho de 1991, respectivamente, B.M.J. 388, 418, 388, 431, 405, 389, 407, 487, 408, 431).<br>
Ora, no presente caso, acontece que a Relação, baseando-se nas cartas da autora (a folhas 40 e 48) e da ré (a folha 46) e ainda na defesa apresentada pela ré, concluiu ter esta ré confessado ou admitido por acordo, a seguinte matéria de facto:<br>
- a ré reconheceu que é devedora à autora por uma quantia que, por razões de contabilidade, não podia na altura (tanto na data da carta em 29 de Junho de 1987 como na data da contestação em 13 de Outubro de 1988, como resulta do artigo 29 da contestação) especificar;<br>
- a ré reconheceu que a autora lhe fez adiantamentos até Novembro de 1986;<br>
- a ré reconheceu que, em 1 de Janeiro de 1987, a conta corrente apresentava um saldo devedor à autora.<br>
Não sofre dúvida que este Supremo Tribunal pode verificar se a Relação obedeceu aos comandos legais quando considerou provados os factos apontados, pois o que está em causa é saber se não foram ofendidos os artigos 490, n. 1 e 659 n. 3 do Código de Processo Civil, quanto aos factos admitidos por acordo, e os artigos 358 n. 2, 374 e 376, do Código Civil, quanto aos factos confessados extrajudicialmente através de documento particular.<br>
Pois bem, analisar a contestação, principalmente os artigos 17, 21, 27, 28, 29, 30, 37, e não obstante a ré ter solicitado a absolvição do pedido, e visto a carta da ré ( v. a folha 46), cuja força probatória, formal e material, está estabelecida, e sem ter sido impugnada a veracidade das declarações atribuídas ao seu autor - a ré, na contestação nunca se referiu expressamente a essa carta - é de dar como certo e seguro que a Relação, ao considerar provada a falada matéria de facto, não ofendeu aqueles textos de natureza substantiva e adjectiva e não merece qualquer censura, sendo, por conseguinte, de considerar provada essa matéria de facto.<br>
No entanto, não vem provado que o saldo devedor da ré estivesse vencido - e tal ónus cabia à autora, nos termos do artigo 342 n. 1 do Código Civil -, porque a ré afirmou, na sua contestação, que o saldo em dívida à autora só seria pago quando a ré tivesse recuperado financeiramente, quando dispusesse dos meios financeiros necessários, isto é, segundo o regime da cláusula "cum potuerit" (artigos 17, 21 e 37 da contestação). Não obstante isto, o acórdão recorrido, em vez de ter feito uma condenação da ré a satisfazer o saldo em dívida no momento próprio, caso se viesse a provar a cláusula "cum potuerit", o que podia, de harmonia com o disposto no artigo 662 n. 1 do Código de Processo Civil, condenou a ré no pagamento imediato da quantia a liquidar em execução de sentença, sem ter tido em conta que não vinha provado o vencimento do saldo em dívida.<br>
Este é um defeito que pode ser assacado ao acórdão recorrido.<br>
Mas, em contrapartida, não se pode dizer que o acórdão tivesse visualizado a formulação de um pedido genérico como afirma a recorrente.<br>
De facto, para condenar na quantia que vier a liquidar-se em execução de sentença, não precisa o Tribunal de que tenha sido formulado um pedido genérico, certo como é que o artigo 661 n. 2 do Código de Processo Civil, que permite a condenação no que se liquidar em execução de sentença, tanto é possível no caso de se ter formulado um pedido genérico como no caso de se ter formulado um pedido especifico, orientação esta que é pacifica (Alberto dos Reis, C.P.C. Anotado, Vol. V, 71; Augusto Lopes Cardoso, Rev. dos Tribunais, Ano 93, 57; Manuel Júlio Gonçalves Salvador, Rev. dos Tribunais, Ano 88, 53; acórdão do S.T.J. de 25 de Julho de 1978, B.M.J. 279; 190; acórdão do S.T.J. de 6 de Março de 1980, R.L.J. 114, 278, com anotação concordante de Vaz Serra).<br>
Mas a nossa discordância do acórdão recorrido está em ele, ao abrigo do disposto no artigo 661 n. 2 do Código de Processo Civil, ter remetido para execução de sentença, com vista à prova do montante de saldo, assim fazendo uma interpretação extremamente lata deste texto legal.<br>
Como já se viu, o que vem provado é que a conta corrente entre a autora e a ré apresentava, em 1 de Janeiro de 1987, um saldo devedor à autora, que, por razões de contabilidade, não podia, nem à data da contestação, ser especificada, e ainda que a autora fez adiantamentos à ré até Novembro de 1986.<br>
Havia mais factos integrantes dos nove quesitos que tiveram resposta negativa, todos (o que talvez se explique porque a autora não apresentou, no tempo devido, o seu rol de testemunhas, as quais não foram ouvidas, o mesmo tendo acontecido com as arroladas pela ré), factos estes relativos à natureza ou origem dos créditos invocados, ao seu montante e à data do seu vencimento.<br>
O n. 2 do artigo 661 do Código de Processo Civil dispõe:<br>
Se não houver elementos para fixar o objecto ou a quantidade, o Tribunal condenará no que se liquidar em execução de sentença, sem prejuízo da condenação imediata na parte que já seja líquida.<br>
Tradicionalmente, tem-se usado e abusado deste texto legal, pelo que importa fixar o seu exacto significado ou alcance.<br>
Da nossa parte, pendemos a crer que o n. 2 do artigo 661 só permite remeter para execução de sentença quando não houver elementos para fixar o objecto ou a quantidade, mas entendida esta falta de elementos não como a consequência do fracasso da prova, na acção declarativa, sobre o objecto ou a quantidade mas sim como a consequência de ainda se não conhecerem, com exactidão, as unidades componentes da universalidade ou de ainda se não terem revelado ou estarem em evolução algumas ou todas as consequências do facto ilícito, no momento da propositura da acção declarativa; isto é, a carência de elementos não se refere à inexistência de prova dos factos já produzidos e que foram alegados e submetidos a prova, embora se não tivessem provados, mas sim à inexistência de factos provados, porque estes factos ainda não eram conhecidos ou estavam em evolução, aquando da propositura da acção, ou que como tais se apresentaram no momento da decisão de facto.<br>
Em primeiro lugar, a letra da lei não repele esta interpretação e antes a favorece, porque fala em falta de elementos e não em falta da prova de elementos, o que aponta para a falta de factos a provar e não para o fracasso da prova sobre eles; se assim não fosse, um bom legislador (n. 3 do artigo 9 do Código Civil) ter-se-ia exprimido de outro modo, talvez assim: "Se não se tiverem provado elementos para fixar o objecto ou a quantidade...".<br>
Depois, o escopo da lei só pode ter sido o de, por uma razão de rapidez e de economia, permitir ao autor que liquidasse a indemnização ou fixasse o quantitativo da dívida - optamos por esta vertente ou ângulo de visão por ser dela que se trata no caso presente - na acção executiva, quando os factos para tanto necessários ainda não são conhecidos ou estão em evolução, quando se propõe a acção ou se encerra a sua discussão, e de modo algum pode ter sido o de permitir que o autor pudesse fazer prova, pela segunda vez, sobre os factos já produzidos e dele conhecidos e que não logrou provar na acção declarativa.<br>
Finalmente, há um argumento decisivo ligado à unidade do sistema jurídico, ao elemento sistemático. <br>
A unidade do sistema jurídico constitui o primeiro dos elementos a que o artigo 9 n. 1 do Código Civil manda atender na reconstituição do pensamento legislativo. O direito objectivo não é um aglomerado caótico de disposições legais mas um organismo jurídico, um sistema de princípios e preceitos legais interligados por relações de subordinação, conexão e analogia e por isso a interpretação de um texto não se deve fazer isoladamente mas com base no confronto com outros, com os quais esteja correlacionado, e, assim, o seu sentido poderá resultar claro e preciso, por virtude da restrição, ampliação ou desenvolvimento do alcance revelado pela sua letra (Antunes Varela, R.L.J. 124, 41 e seguintes; Francesco Ferrara, traduzido por Manuel Andrade, Ensaio Sobre a Teoria da Interpretação das Leis, 143; J. de Oliveira Ascensão, O Direito, Introdução e Teoria Geral, 359).<br>
Pois bem, no caso sub-júdice, a interpretação por nós preconizada é a única que dá ao n. 2 do artigo 661 um significado compaginável com o artigo 471 n. 1 do Código de Processo Civil, com o artigo 342 n. 1 do Código Civil e com o artigo 672 do Código de Processo Civil, textos estes com os quais aquele está correlacionado.<br>
O artigo 471 n. 1 versa sobre a formulação de pedidos genéricos e, nos termos da sua alínea b) - esta é a que, no presente caso interessa considerar - é permitido formular pedido genérico quando não seja ainda possível determinar, de modo definitivo, as consequências do facto ilícito.<br>
Há-de entender-se que a regra é a formulação de pedido específico, com precisão, por força da necessidade da certeza jurídica e do princípio da economia processual, e que só se pode lançar mão do pedido genérico quando se ignorasse a existência, a extensão ou o valor dos danos, ou seja, as consequências definitivas da lesão (Alberto dos Reis, Com. ao Código de Processo Civil, Vol. 3, 177 e seguintes; Vaz Serra, R.L.J. 108, 232; Pires de Lima e Antunes Varela, C.C. Anotado, Vol. I, 4. edição, 587; Manuel Júlio Gonçalves Salvador, Ob. Cit., 88, 5 e seguintes; Augusto Lopes Cardoso, Rev. dos Tribunais, Ano 93, 51 e seguintes; Acórdãos do S.T.J. de 26 de Abril de 1974, 4 de Junho de 1974, 8 de Fevereiro de 1994, respectivamente, B.M.J. 236, 147, 238, 204, C.J. do Supremo, 1994, Tomo 1, 95 e ainda o acórdão do mesmo Tribunal, datado de 12 de Julho de 1994, proferido no processo n. 85642, 1. secção).<br>
Ora, não se compreenderia que o condicionalismo pressuposto pelo n. 2 do artigo 661 para a remessa para execução de sentença fosse diverso do pressuposto pelo artigo 471 n. 1 para a formulação do pedido genérico. E o mesmo vale na hipótese de ter sido formulado pedido específico e se chegar à altura da decisão em situação idêntica, isto é, na ignorância de todas ou algumas das consequências de facto ilícito por ainda se não terem produzido ou estarem em evolução ou por ainda se não terem produzido todos os factos influentes na determinação do quantitativo duma dívida.<br>
Na perspectiva aqui relevante, o regime dos pedidos genéricos (artigo 471 n. 1) e o regime da remessa para execução de sentença (artigo 661 n. 2), correlacionados como estão os dois textos, tinham de convergir, apenas variando na medida em que aquele se dirige ao autor e este último ao Juiz (Manuel Júlio Gonçalves Salvador, ob. cit., 5 e seguintes, maxime, 6, 9, 10, 11, 15, 16, 59; Alberto dos Reis, C.P.C. Anotado, Vol. 1, 3. edição, 615, e Processo de Execução, Vol. 1, 2. edição, 473 e seguintes; acórdãos do S.T.J. de 17 de Julho de 1973, 4 de Junho de 1974, respectivamente, B.M.J. 229, 195, 238, 204; acórdão da Rel. de Lisboa, de 2 de Julho de 1971, B.M.J. 209, 190).<br>
Mas, no nosso caso, todos os factos influentes na origem, montante e vencimento da dívida (o saldo devedor a favor da autora) já se haviam produzido, à data da propositura da acção, e até foram alegados e passaram a integrar os nove quesitos; só que, tendo estes recebido respostas negativas, tais factos não se provaram, de tal maneira que da sentença, título executivo, nada desses factos constaria e não haveria, assim, quaisquer dados, mesmo que vagamente genéricos, respeitantes a eles, pelo que faltariam de todo os elementos constitutivos da prestação devida, capazes de servir de base à liquidação a que se refere o artigo 806 n. 1 do Código de Processo Civil.<br>
Por outro lado, ao permitir-se que a autora produzisse, por duas vezes, prova sobre os mesmos factos, ofender-se-ia o preceituado no artigo 342 n. 1 do Código Civil, segundo o qual quem invocar um direito tem de fazer a prova dos factos constitutivos dele e, portanto, a regra de ónus da prova.<br>
De facto, não é permitido dar ao autor nova oportunidade para o mesmo fim, uma nova ocasião para provar os mesmos factos que não logrou provar na acção declarativa. Não se pode confundir iliquidez com falta de prova dos elementos que permitiriam fixar o quantitativo da dívida, a sua origem e a data do vencimento, de tal maneira que, quando todos os elementos são conhecidos mas não o conseguem provar, o que resulta é a improcedência da acção e não a iliquidez do pedido.<br>
Não pode esquecer-se, como refere um autor italiano citado por Manuel J. G. Salvador, que a impossibilidade de averiguação do valor exacto dos danos "deve derivar de razões objectivas e não da inércia ou negligência do lesado...", o que seguramente insinua a proibição de remessa para execução de sentença quando a falta de elementos para fixar o objecto ou a quantidade tenha resultado do fracasso da prova sobre os factos a esta submetidos na acção declarativa (Manuel Júlio Gonçalves Salvador, ob. cit., 6, 8, 10, 11, 13, Nota 24).<br>
De resto, se assim não fosse, ficaria, praticamente, sem qualquer sanção a apresentação extemporânea do rol de testemunhas, com ofensa do preceituado no artigo 512 do Código de Processo Civil.<br>
E, a terminar, cabe dizer ainda que o n. 2 do artigo 661 não pode ser interpretado de modo a conflituar com o artigo 672 do Código de Processo Civil, que versa sobre o caso julgado formal, coisa que aconteceria se a decisão sobre a matéria de facto proferida na acção declarativa, no caso a decisão de "não provado" a todos os quesitos, pudesse vir a ser contraditada por outra decisão proferida na acção executiva.<br>
Nesta conformidade, vamos por uma interpretação restritiva do artigo 661 n. 2, nos termos acima expostos.<br>
Estar-se-á perante um caso em que tal interpretação é sobretudo imposta pela necessidade de não entrar em contradição com outros textos legais (Francesco Ferrara, loc. cit., 149).<br>
Assim, não é admissível a remessa para execução de sentença no caso que nos ocupa.<br>
Mas, a ser assim, o acórdão recorrido fica, praticamente, esvaziado de conteúdo, por quanto a simples declaração, nele implícita, de que existe um saldo devedor a favor da autora, sem mais, e ainda por cima sem data de vencimento fixada, redunda numa situação inócua ineficaz, sem conteúdo económico prático o que, no fundo, equivale à procedência total do recurso de revista.<br>
Por tudo o exposto, concede-se a revista e revoga-se o acórdão recorrido, salvo na parte em que, implicitamente, declarou existir um saldo devedor a favor da autora, saldo este, porém, sem data de vencimento fixada.<br>
Custas a meias pela recorrente e pela recorrida.<br>
Lisboa, 17 de Janeiro de 1995.<br>
Fernando Fabião.<br>
César Marques. (Com a declaração de que julgava a acção improcedente por não provada).<br>
Pais de Sousa.<br>
Santos Monteiro.<br>
José Martins da Costa. (Vencido, entendo que, provada a existência de um saldo devedor, a favor da autora, seria de manter a decisão recorrida, nos termos do disposto no artigo 661 n. 2 do Código de Processo Civil; apenas se não provou o montante da dívida, pelo que se aplica directamente aquele preceito, o qual se traduz, em regra, com nova oportunidade de prova).</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
yjIPvIYBgYBz1XKvI4V8 | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br>
<br>
No Tribunal Judicial de Barcelos A intentou contra B e mulher C (estes na qualidade de herdeiros de D a presente acção ordinária pedindo a procedência da mesma e, consequentemente: a) Ser reconhecido e declarado como filho daquele falecido D. b) Serem os Recorrentes condenados a reconhecerem essa qualidade.<br>
O processo correu seus termos regulares, vindo após audiência de julgamento, a ser proferida decisão a julgar a acção improcedente.<br>
Inconformado dela recorreu o Autor vindo a ser proferido Acórdão no Tribunal da Relação do Porto a julgar a acção procedente.<br>
Os Recorrentes agora inconformados interpuseram recurso de revista, formulando, nas suas alegações, as seguintes conclusões: a) A questão a decidir é a de saber se a presente acção foi proposta dentro do prazo de um ano a contar da data em que cessou o tratamento de filho pelo investigado ao investigante e a quem cabe o ónus da prova desse facto. b) Não se provaram quaisquer factos integrantes desse conceito desse tratamento entre o investigado e o investigante durante os sete anos que precederam a morte deste e durante os oito anos que precederam a propositura da acção. c) Nenhuma razão assiste ao douto acórdão recorrido quando considera, mesmo assim, que "o tratamento perdurou até à morte do investigante...", certo como é, pelo contrário, que, face à experiência comum, essa falta de prova durante tão longo período de tempo, aponta muito mais claramente para uma ruptura voluntária no tratamento de filho pelo pretenso pai. d) De resto, o tratamento de filho pelo pretenso pai não se pode presumir, mas antes tem de resultar de factos inequívocos que o revelem. e) O artigo 1817 n. 1 do Código Civil prescreve um verdadeiro prazo regra para intentar a acção de investigação de paternidade ou de maternidade, resultando mesmo da sua letra que a acção "só" pode ser intentada nos prazos ali referidos. f) Os prazos prescritos nos ns. 2, 3 e 4 daquele mesmo artigo 817 do Código Civil não podem, pois, deixar de ser entendidos como prazos de excepção àquela regra, determinados pelas peculiares circunstâncias dos casos neles previstos. g) Se o investigante, como foi o caso destes autos, deixou transcorrer o prazo regra estabelecido no n. 1 do artigo 1817, então cabe-lhe o ónus de alegar e provar toda a situação especial de que o n. 4 daquele preceito faz depender para ele o direito de acção: ser o investigante tratado como filho pelo pretenso pai e que esse tratamento se prolongou até ao limite de um ano antes da propositura. h) Ora, nem o investigante nem outrem provou a existência desse tratamento de filho pelo pretenso pai nos últimos oito anos que precederam a propositura da acção e nos últimos sete anos que precederam a morte deste. i) Termos em que ficou inilidivelmente provada a excepção da caducidade da presente acção e que foi suscitada pelos recorrentes, com a consequente improcedência da acção. j) O douto acórdão recorrido violou, pois, por erro de interpretação e aplicação o disposto nos artigos 342, 1817 ns. 1 e 4 e 1873 todos do Código Civil. l) Nestes termos deve ser dado provimento ao recurso e revogado o acórdão recorrido, mantendo-se integralmente o acórdão proferido na 1. instância.<br>
O Autor contra alegou defendendo que o acórdão recorrido se deve manter, sendo procedente a acção.<br>
Corridos os vistos, cumpre decidir.<br>
Vejamos antes do mais os factos provados:<br>
1 - Em 15 de Maio de 1991 faleceu D.<br>
2 - O Réu B é filho do dito D.<br>
3 - O Autor nasceu em 6 de Agosto de 1958, tendo sido registado apenas como filho de E.<br>
4 - Entre o D e esta não existe parentesco ou afinidade.<br>
5 - O nascimento do Autor ocorreu no termo normal de gravidez que sobreveio a sua mãe em consequência das relações sexuais havidas entre esta e o D.<br>
6 - Nos primeiros 120 dias dos 300 que precederam o nascimento do Autor, a mãe deste só com o D manteve relações sexuais.<br>
7 - Todos quantos conhecem o Autor são unânimes em afirmar que ele é filho do D.<br>
8 - O D pagou à parteira todos os serviços prestados aquando do nascimento do Autor, suportando em 1970, 71 e 72 as despesas de alimentação, vestuário e educação do Autor.<br>
9 - O D entregou ao Autor, faseadamente, a garantia global de 600000 escudos para este iniciar a vida profissional, entregas estas que ocorreram quando o Autor, vindo da tropa, tinha entre 21 e 25 anos.<br>
Enumerados, assim, os factos provados e delimitado como está o objecto do recurso pelas conclusões das alegações dos recorrentes, começaremos por dizer que a fulcral questão a decidir é a da caducidade da presente acção, como entendeu e decidiu a 1. instância, ou não como considerou ou julgou o Tribunal da Relação.<br>
Ora assim sendo teremos que assinalar antes de tudo que a presente acção foi proposta em 14 de Maio de 1992.<br>
Por outro lado, cumpre destacar que é fora de dúvida que é à luz do preceituado no n. 4 do artigo 1817 do Código Civil que se tem de se decidir tal questão, por força do artigo 1873 do mesmo Código.<br>
Haverá, assim, que averiguar se o Autor propôs a presente acção dentro do prazo estabelecido em tal preceito legal, isto é, dentro do prazo de 1 ano a contar da data em que cessou o tratamento do Autor como filho pelo pretenso pai, o falecido D.<br>
Sabe-se que o artigo 1817 do Código Civil estabelece diversos prazos para a propositura da acção de investigação de paternidade ("ex vi" do citado artigo 1873 do Código Civil): deve ser proposta durante a menoridade ou nos dois primeiros anos seguintes à emancipação ou maioridade do investigante (n. 1); e pode sê-lo posteriormente, verificadas certas circunstâncias (ns. 3 e 4).<br>
Posto isto se acrescentará que face à matéria de facto dada como provada não há dúvida de que o Autor nasceu das relações sexuais havidas entre sua mãe e o falecido D, e que este até à idade dos 25 anos do Autor o tratou como filho.<br>
E porque tal sucede, e dado o mais dos autos no concernente às respostas aos pertinentes quesitos formulados, entendemos que mesmo aqui é de colocar o problema de se saber a quem incumbe o ónus da prova desses casos de caducidade (cfr. o Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Janeiro de 1984, em especial o voto de vencido constante do mesmo).<br>
Ora sobre tal ónus de prova desses prazos de caducidade desenharam-se duas orientações: uma no sentido de só fazer recair sobre o Réu o ónus da prova dos elementos de caducidade no caso daquele n. 1 - como regra geral -, e de incumbir ao autor a prova da situação prevista nos restantes números, como "casos especiais" ou<br>
"excepções" àquela regra (Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Janeiro de 1984, Boletim do Ministério da Justiça 333/465) e outra no sentido de que é ao Réu que incumbe provar os diversos prazos estabelecidos no artigo 1817 por a caducidade ter a natureza de um facto extintivo (acórdão da Relação do Porto de 31 de Janeiro de 1989 - apelação n. 21285, 1. Secção, não publicado, e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Dezembro de 1992 processo n. 82177, 2. Secção, não publicado).<br>
Propendemos para esta última orientação, como se fez também no Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 20 de Maio de 1993, C.J. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, I, 2, 119.<br>
Com efeito, parece-nos ser essa a posição correcta, não sendo de sufragar a ideia expendida por J. Rodrigues Bastos, in Direito de Família, segundo o Código Civil de 1966, IV, página 124 de que lhe parece "que o ónus da prova da prorrogação legal do prazo previsto no n. 4 do artigo 1817 pertence ao investigante".<br>
E isto porque a repartição do ónus da prova tem de ter em conta os critérios estabelecidos nos artigos 342 e seguintes? do Código Civil, competindo àquele que invoca um direito fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado, e àquele contra quem a invocação é feita a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado, no que importa agora considerar.<br>
Deste modo, a excepção peremptória da caducidade do direito de investigação de paternidade com o aludido fundamento, como perda desse direito pelo não uso dentro de determinado prazo traduz-se em facto extintivo (artigos 298 n. 2 do Código Civil e 487 n. 2 do Código de Processo Civil).<br>
Conjugando tudo isto com o preceituado no já aludido artigo 1817 do Código Civil tem de se entender que não há que fazer referência a prazo regra e a prazos excepcionais, mas antes em diversos prazos de caducidade, cada um dependente de determinadas circunstâncias, de modo que todos têm a mesma razão de ser: o de pretenderem a conciliação do direito indisponível ao estabelecimento da paternidade, corolário dos direitos à identidade e à integridade pessoais que a lei fundamental tutela, com a situação de incerteza que o pretenso progenitor (e seus herdeiros) suportaria se o exercício de direitos ao reconhecimento de um estado pessoal não devesse ser limitado no tempo.<br>
Como salienta, Santos Silveira, in Investigação de Paternidade Ilegítima, página 234", se é digno de maior respeito o poder ou direito do reconhecimento, à face da lei de uma filiação real ou natural, não parece menos merecedora de protecção a instituição da família, o sossego e tranquilidade desta. A família é a base da sociedade. Impõe-se que o estado civil das pessoas se defina o mais cedo possível atenta a sua importância na vida das relações jurídico-sociais. Trata-se com efeito, de matéria de interesse e de ordem pública. Daí o ter a lei afastado a acção vitalícia e imposto que a investigação de paternidade se faça dentro de certos prazos. Exige-se a acção temporária".<br>
E porque assim é, na hipótese do n. 4 do artigo 1817 do Código Civil enquanto ao Autor caberá fazer a prova de que foi "tratado" como filho, por ser elemento ou pressuposto exigido pela lei substantiva para o exercício do direito de acção, ao Réu incumbirá fazer a prova do decurso de mais de um ano sobre a cessação desse tratamento.<br>
Ora o resultante de tudo o exposto é que no caso "sub judice" o Autor demonstrou e provou a existência de actos de tratamento por parte do falecido D como filho.<br>
Isto é, provou um comportamento de pretenso pai que exteriormente criou uma aparência reveladora de filiação biológica (cfr. J. Costa Pimento, Filiação, página 161), por longo período da vida do Autor.<br>
E de tal modo, que para além do mais, entre os seus 21 e 25 anos (portanto, entre 1979 e 1983) o falecido D entregou-lhe 600 contos para ele iniciar a sua vida profissional.<br>
A partir daí, e por tal não ser necessário, não manteve esse apoio económico.<br>
Para além disso, o investigado declarou, por várias vezes, frente a uma ou duas pessoas da sua confiança ser o pai do Autor, não se sabendo quando e onde tiveram lugar tais afirmações.<br>
Isto o que se provou por parte do Autor.<br>
Mas o que se não provou por parte do Réu, como lhe competia, nos termos já supra referidos, foi que o Autor tivesse recebido por forma voluntária e resultante de uma mudança séria de convicção por parte do investigado tratamento e reputação posterior diferente.<br>
Isto é, não se provou que o tratamento que o pretenso pai dispensou em vida ao Autor como filho tivesse cessado há mais de um ano a contar da data da propositura da presente acção em 14 de Maio de 1992.<br>
E assim, há que concluir que esta foi proposta dentro do prazo fixado no artigo 1817 n. 4 do Código Civil.<br>
Pelo exposto, e sem necessidade de mais amplas considerações, se nega a revista e se confirma inteiramente a decisão recorrida.<br>
Custas pelos recorrentes em todas as instâncias e neste Supremo Tribunal.<br>
Lisboa, 7 de Novembro de 1985.<br>
Fernandes Magalhães,<br>
Miguel Montenegro,<br>
Machado Soares.</font> | [0 0 0 ... 0 1 0] |
yjIRvIYBgYBz1XKvC4hl | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam na Secção Cível:<br>
I- Relatório<br>
1- No Tribunal Judicial da Comarca de Felgueiras, o Ministério Público, em representação da Direcção-Geral de Educação do Norte, veio deduzir embargos à acção executiva que a esta moveram, A e outros, com os seguintes fundamentos:<br>
Contesta-se os termos da liquidação dos juros de mora efectuados pelos exequentes.<br>
Com efeito, de acordo com o artigo 100 n. 1 do Decreto-Lei n. 845/76, de 11 de Dezembro, o depósito da indemnização só é obrigatório após o trânsito em julgado da decisão que a fixa e a notificação do expropriante para tal efeito, no prazo de 10 dias, e o embargante só foi notificado para proceder ao depósito, através de carta registada, em 25 de Novembro de 1991.<br>
Portanto, os juros moratórios só devem ser contados a partir dessa data.<br>
Por outro lado, a taxa de juros é a prevista no artigo 86, n. 2 do anterior Código das Expropriações, aplicável ao caso, já que se trata de norma especial em relação à lei civil.<br>
Nesses termos, os juros moratórios ascendem a 4496894 escudos, calculados até à data dos embargos.<br>
O embargante pediu a procedência dos embargos.<br>
Os exequentes contestaram os embargos, articulando o seguinte:<br>
O título que serve de base à execução é a sentença proferida na 1. instância em 20 de Julho de 1990 a qual transitou em julgado para a executada passados 8 dias da respectiva notificação, por não ter recorrido da decisão.<br>
É certo que houve dois recursos de sentença, um interposto pela ora exequente, circunscrito à nulidade resultante da omissão de pronúncia no tocante à actualização do pedido; e o outro recurso interposto por uma entidade indirectamente prejudicada - a Câmara Municipal de Felgueiras - por via de critério firmado entre ela e a referida Direcção Regional.<br>
Mas, esses recursos não aproveitaram à executada, porque, no caso, a sentença da 1. instância é que é constitutiva de direitos. Aliás, o recurso interposto da sentença da 1. instância tem efeito meramente devolutivo.<br>
Por outro lado, a taxa de juros pretendida pelo embargante dizia apenas respeito àqueles casos em que era deduzido pela entidade expropriante o pedido de pagamento da indemnização em prestações.<br>
Os embargados pediram a improcedência dos embargos e a condenação da executada, como litigante de má fé, em multa e indemnização, esta não inferior a 500000 escudos.<br>
Os embargos foram julgados improcedentes no saneador-sentença.<br>
2- Inconformado com a decisão, dela o Ministério Público interpôs recurso de apelação.<br>
O Tribunal da Relação do Porto, por seu acórdão de folhas 132 e seguintes, concedeu parcial provimento ao recurso, alterando a decisão recorrida no respeitante ao início da constituição em mora, sendo os juros devidos apenas após o termo do prazo a que alude o artigo 100 n. 1 do Decreto-Lei n. 845/78.<br>
3- Então, os exequentes A Cunha e outros interpuseram recurso de revista para este Supremo Tribunal de Justiça. Por sua vez, o Ministério Público também interpôs recurso subordinado.<br>
Na sua alegação de recurso os exequentes formularam as seguintes conclusões:<br>
1. A sentença de Tribunal da Comarca de Felgueiras, que fixou em 45616500 escudos o valor da indemnização devida aos expropriados e ora recorrente, transitou logo em julgado para a entidade expropriante e ora recorrida, já que a mesma acatou na íntegra o decidido na 1. instância e não lhe aproveita nem o recurso interposto pelos expropriados (com fundamento em omissão de pronúncia quanto à actualização do pedido), nem o recurso interposto por uma entidade estranha ao processo.<br>
- a Câmara Municipal de Felgueiras (que invocou a qualidade de terceiro directa e efectivamente prejudicado pela decisão).<br>
2. O mesmo é dizer que a entidade expropriante ficou constituída em mora em relação aos expropriados e ora recorrentes logo que para ela transitou em julgado a sentença do Tribunal da Comarca de Felgueiras (dada a natureza urgente do processo de expropriação), o prazo de oito dias para interpor o recurso de apelação correu aos sábados, domingos e feriados e durante as férias judiciais, sendo de 31 de Julho de 1990 a data do respectivo trânsito em julgado relativamente àquela.<br>
3. Na verdade, e contrariamente àquilo que se defende no acórdão recorrido, têm os restantes como certo que a sentença proferida pelo Tribunal da Comarca de Felgueiras, que fixou o valor da indemnização a pagar pela entidade expropriante, é uma verdadeira sentença condenatória e, consequentemente, tem eficácia de título executivo (Acórdão da Relação de Coimbra, de 20 de Outubro de 1979, in C.J., Ano IV (1991), Tomo 4, página 1110).<br>
4. E isto porque, tendo a expropriação como consequência directa e necessária a perda do direito de propriedade até aí inscrito no património dos expropriados, é por demais evidente que a indemnização que lhes é devida tem obrigatoriamente de ingressar nesse mesmo património logo que se mostre judicialmente fixado o respectivo montante.<br>
5. Se dúvidas houver a este respeito, basta atentar no regime dos recursos em processo de expropriação, para dissipá-las de uma vez por todas, pois o artigo 83, n. 4 do Código de Expropriações de 1976 (tal como o artigo 64, n. 2, do actual) atribui efeito meramente devolutivo ao recurso interposto da sentença que fixa o montante da indemnização devida aos expropriados.<br>
6. Se o recurso não responde aos efeitos da decisão recorrida, então é porque a cifra indemnizatória nela fixada é imediatamente exigível pelos expropriados, podendo eles lançar mão da execução de sentença, independentemente de qualquer outra formalidade, v.g. da prolação do despacho a que alude o artigo 100, n. 1, do Código de Expropriações de 1976.<br>
7. Daí que a única conclusão possível à face do artigo 100, n. 1, desse Código é a de que o prazo de 10 dias aí estabelecido e a notificação a que o mesmo alude - como bem decidiu a 1. instância - não meramente ordenadora do processo e não beliscam, por qualquer forma, o direito dos expropriados à indemnização fixada em momento anterior.<br>
8. De resto, a interpretação dada pela 2. instância ao artigo 100, n. 1 do Código de Expropriações de 1976, ou seja a de que a indemnização fixada por sentença só vence juros moratórios após o termo do prazo a que alude o mesmo preceito, é claramente inconstitucional.<br>
9. Com efeito, a própria letra do artigo 62, n. 2, da Constituição da República Portuguesa, v.g., a expressão "mediante o pagamento de justa indemnização traduz um verdadeiro compromisso com o carácter prévio ou os mesmos resultados da atribuição da indemnização e do efeito privativo da propriedade.<br>
10. Por outro lado, emana igualmente do artigo 62, n. 2, da Constituição da República Portuguesa que a indemnização não é um mero efeito ou consequência do poder de expropriação, mas antes um pressuposto de legitimidade do seu executado ou um elemento integrante do próprio conceito de expropriação.<br>
11. Por último, deve ter-se presente que um dos fins de indemnização devida por força da expropriação é o facultar ao expropriado a possibilidade de, se esse for o seu desejo, adquirir uma coisa com características semelhantes às daquela que lhe foi retirada, o que implica que essa indemnização se traduza na colocação imediata à disposição do expropriado de uma soma correspondente à totalidade do quantitativo que lhe foi judicialmente arbitrado.<br>
12. A ter-se como bom o julgado da 2. instância, ou seja, a serem devidos juros moratórios ao expropriado unicamente após o termo do prazo a que alude o artigo 100, n. 1, do Código de Expropriação de 1976, então bastava a qualquer entidade expropriante lançar mão da faculdade de recorrer - mesmo que o recurso fosse manifestamente infundado - para se locupletar injustamente com o capital indemnizatório em seu poder até que esse mesmo recurso viesse a ser decidido.<br>
13. No caso vertente, e a seguir-se à letra o aresto em revista, uma vez que a sentença da 1. instância data de 20 de Julho de 1990 e a entidade expropriante só foi notificada em 26 de Novembro de 1991 para os efeitos do disposto no artigo 100, n. 1, do Código de Expropriações de 1976, tendo terminado em 6 de Dezembro de 1991 o prazo de 10 dias a que o mesmo preceito alude, não havendo qualquer sanção para o facto de os expropriados estarem privados do capital que lhes era devido (ou seja, 45616500 escudos) durante quase um ano e meio (demora essa que lhes causou um prejuízo superior a 12000000 escudos).<br>
14. Decidindo como decidiu, o acórdão recorrido violou, entre outros, os artigos 2, 13 e 62, ns. 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa; os artigos 83, n. 4 e 100, n. 1, do Código de Expropriações de 1976, e ainda os artigos 804, 805, 806 e 829-A, n. 4, do Código Civil, pelo que deve ser revogado, determinando-se que a entidade expropriante ficou constituída em mora logo que para ela transitou a sentença do Tribunal da Comarca de Felgueiras.<br>
Contra-alegando, o Ministério Público pronunciou-se no sentido de ser negada a revista.<br>
Na alegação de recurso subordinado MP formulou as as seguintes conclusões:<br>
1) A exequibilidade do título que serviu de fundamento à execução está dependente da demonstração da impossibilidade de cobrança da quantia em dinheiro através da requisição prevista no n. 2 do artigo 12 do<br>
Decreto-Lei n. 256-A/77, de 17 de Junho.<br>
2) E a falta dessa condição de exequibilidade é excepção dilatória, de conhecimento oficioso.<br>
3) Pelo que deveria o Excelentíssimo Juiz, considerando verificada a referida excepção, julgar procedentes os embargos, com consequente absolvição da instância do Estado, na acção executiva.<br>
4) Ao não o fazer, violou o Excelentíssimo Juiz o disposto no artigo 495, do Código de Processo Civil, artigo 120 do Decreto-Lei n. 256-A/77, de 17 de Junho e o artigo 74 do Decreto-Lei n. 267/85, de 16 de Julho.<br>
Contra-alegando, os exequentes pronunciaram-se no sentido de ser negada a revista quanto ao recurso subordinado.<br>
Vejamos, primeiramente, se procedem as conclusões da alegação dos recorrentes A e outros quanto ao recurso independente.<br>
III - Fundamentos da decisão.<br>
A) Factos Provados:<br>
1- Por sentença proferida em 20 de Julho de 1990 foi fixada em 45616500 escudos a indemnização a pagar pela expropriante aos expropriados.<br>
2- Dessa sentença não recorreu a expropriante, mas sim a Câmara Municipal de Felgueiras, invocando a qualidade de pessoa directa e efectivamente prejudicada pela decisão, por força de um protocolo entre ela e a expropriante, recurso esse que foi admitido e recebido como de apelação e efeito devolutivo.<br>
3- Pelo acórdão do Tribunal da Relação de 25 de Junho de 1991 foi confirmada a sentença proferida em 20 de Julho de 1990.<br>
4- Além da Câmara Municipal de Felgueiras recorreram da sentença os expropriados, recurso esse julgado improcedente pelo acórdão referido.<br>
5- A expropriante foi notificada em 26 de Novembro de 1991 para efeitos do disposto no artigo 100, n. 1, do Decreto-Lei n. 845/76.<br>
6- Em 7 de Julho de 1992, os expropriados instauraram uma execução de sentença para pagamento da quantia certa contra a expropriante.<br>
7- Os expropriados já receberam da expropriante a quantia de 3687908 escudos e 1060470 escudos, respectivamente, nos dias 10 de Março de 1992 e 26 de Junho de 1992, no valor global de 4748378 escudos.<br>
8- Os exequentes nos autos de execução referida solicitaram o pagamento da quantia de 4736673 escudos, respeitante à sanção pecuniária compulsória a que alude o n. 4 do artigo 829-A do Código Civil, quantia essa que a expropriante não põe em causa.<br>
9- Os exequentes peticionaram e calcularam os juros moratórios, à taxa de 20 porcento ao ano.<br>
B) Aspecto Jurídico.<br>
Recurso independente.<br>
1- A sentença transita em julgado para ambas as partes do processo, nos termos do artigo 677 do Código de Processo Civil. Não é pelo facto de uma, ou alguma das partes não ter recorrido que a decisão transita logo para os não recorrentes.<br>
Nos embargos de executado deduzidos pelo Ministério Público discute-se a liquidação dos juros. Com efeito, os expropriados pretendem o vencimento de juros desde a data da sentença da 1. instância, independentemente do recurso por eles interposto.<br>
E nesse sentido formularam as conclusões 1. a 4. da sua alegação de recurso.<br>
Não é verdade que, como os recorrentes afirmaram na conclusão 3., a sentença que fixar a indemnização em 1. instância seja título executivo contra o Estado, como melhor veremos adiante, isto para já.<br>
2- É um princípio jurídico secular, que já vem do Direito Romano, a regra "in iliquidis non fit mora", e que é correctamente justificada porque o devedor não pode cumprir enquanto não sabe quanto deve, ou seja, o objecto da prestação (Pires de Lima e Antunes Varela, "Código Civil Anotado, II, 3. edição, página 65).<br>
Só recentemente o Decreto-Lei n. 262/83, de 16 de Junho, dando nova redacção ao n. 3 do artigo 805 do Código Civil, veio alterar a regra quando a responsabilidade do devedor deriva de facto ilícito ou pelo risco.<br>
No caso ora em apreço foram até os recorrentes que interpuseram recurso sem êxito, demorando desse modo a liquidação da indemnização a pagar pela expropriante.<br>
3- O facto de o recurso interposto da sentença da 1. instância ter efeito meramente devolutivo nada tem a ver com o efeito substantivo da constituição em mora do devedor.<br>
"A atribuição do efeito meramente devolutivo apenas permite a instauração da execução provisória (quando a excepção é possível), a prosseguir com as cautelas referidas no n. 3 do artigo 47 do Código de Processo Civil. E compreende-se bem porquê. É que, em principio, a sentença só deve constituir título executivo depois de transitar em julgado; a execução provisória arrisca-se a ser injusta ou contrária ao direito, podendo acontecer até que a decisão do recurso tenha como consequência a extinção da execução, por se reconhecer, então, que o executado nada deve (n. 2 daquele artigo 47).<br>
O que é certo é que o credor tem sempre à sua disposição o disposto na 1. parte do n. 3 do referido artigo 805, onde se diz que há mora, quando a falta de liquidez for imputável ao devedor, o que não é o caso.<br>
4- Portanto, a indemnização a pagar pela expropriante foi tornada líquida com a decisão de recurso. E a expropriante só teve conhecimento do seu montante através da notificação que lhe foi feita.<br>
Não há qualquer inconstitucionalidade na fixação da indemnização nesses termos.<br>
O n. 2 do artigo 62 da Constituição da República Portuguesa, ao falar de "justa indemnização", remete, como é óbvio, para a lei ordinária.<br>
Os recorrentes, na sua alegação, seguem um critério economicista (conclusão 11.) para se verem indemnizados, mas que nada tem a ver com o critério jurídico e que já ficou indicado.<br>
Já vimos, como obviar ao inconveniente referido na conclusão 12. da alegação dos exequentes - o abuso faria incorrer o devedor em mora.<br>
Pelo que se expõe, se vê que o recurso dos exequentes não merece provimento.<br>
C- Recurso Subordinado.<br>
1- O pagamento das dívidas do Estado e das outras pessoas públicas nunca esteve, entre nós, sujeito, sem mais, ao processo executivo. E, nessa senda, o artigo 837 do Código de Processo de 1876 dispunha que a cobrança dessas dívidas era solicitada pela forma prescrita nas leis especiais e, nessa conformidade, o procedimento variava conforme houvesse ou não verba no orçamento para o seu pagamento. Se não havia verba orçamental, o credor requeria à entidade pública devedora a sua prescrição. A falta de pagamento, em condições normais, sujeitam os infractores a sanções (Alberto dos Reis, "Processo de Execução", I, páginas 369 e 370; Código Administrativo de 1896, artigo 420).<br>
2- Publicado o Código de Processo Civil de 1939 e o Código Administrativo de 1936, a situação modificou-se.<br>
Ficaram apenas de pé as disposições dos ns. 1 e 2 do artigo 822 desse Código de Processo Civil, das quais se pode afirmar que, em regra, os bens das pessoas colectivas públicas não podem ser penhorados.<br>
Então, a prática era esta: a execução contra o Estado, porque, podia ser instaurada, mas não podia prosseguir, a não ser que houvesse bens penhoráveis.<br>
Mas, já a bondade desta solução podia ser posta em causa porque se defendia com ela a inutilidade do início de uma execução que não podia prosseguir contrariamente ao disposto no artigo 137 do Código de<br>
Processo Civil (princípio da economia processual).<br>
3- Com idêntica solução deparávamos nos tribunais administrativos.<br>
Senão quando foi publicado o Decreto-Lei n. 256-A/77, de 17 de Junho, em cujo artigo 12 se dispõe (n. 1) o seguinte: "No orçamento das pessoas colectivas de direito público será inscrita obrigatoriamente dotação destinada ao pagamento de encargos resultantes de sentença de quaisquer tribunais". E no seu n. 2 refere-se que as dotações ficarão à ordem do Conselho Superior de Magistratura que emitirá a favor dos credores as ordens de pagamento que lhe forem requisitadas pelos tribunais.<br>
Por sua vez, o Decreto-Lei n. 267/85, de 16 de Junho, (que aprovou a Lei de Processo dos Tribunais Administrativos), também dispôs sobre as execuções judiciais no seu artigo 74 o seguinte: "A instauração, no tribunal judicial, de execução por quantia certa, de decisão condenatória de pessoa colectiva de direito público só pode ter lugar no caso de impossibilidade de cobrança através de requerimento previsto no n. 2 do artigo 12 do Decreto-Lei n. 256-A/77, de 17 de Julho.<br>
Portanto, a lei é clara: as recorrentes não podiam ter instaurado a execução no tribunal comum contra o Estado, sem previamente terem tentado a cobrança através daquela requisição - trata-se de uma excepção dilatória, como bem nota o Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto, por obstar ao conhecimento do mérito da instância (artigo 493 do Código de Processo<br>
Civil), dando origem à absolvição da instância.<br>
Porém, no caso concreto não era possível conhecer do recurso subordinado sem conhecer do independente (artigo 682 n. 3, do Código de Processo Civil).<br>
III - Decisão.<br>
Pelo exposto: a) Negam a revista do recurso independente. b) Concedem a revista do recurso subordinado, julgando procedentes os embargos de executado e absolvendo o réu Estado da instância.<br>
Custas de ambos os recursos pelos recorrentes A e outros.<br>
Lisboa, 30 de Maio de 1995.<br>
Soares Monteiro.<br>
Machado Soares.<br>
Pereira Cardigos.</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
GDLWu4YBgYBz1XKvwki_ | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<br>
<br>
<font>"A" propôs contra B (a prosseguir pelos sucessores habilitados C, D, E, F, todos estes ..... e G) acção pedindo que, com fundamento em posse de estado e na filiação biológica, seja reconhecida como filha do réu.</font><br>
<font>Contestando, o réu excepcionou a caducidade do direito de acção, impugnou e pediu a condenação da autora como litigante de má fé.</font><br>
<font>Prosseguindo até final, procedeu a acção por sentença de que os habilitados apelaram, juntando ainda parecer do Prof. Doutor Henrique Mesquita.</font><br>
<font>Confirmando a Relação a sentença, pediram revista e, de novo, juntaram parecer, este do Prof. Lebre de Freitas.</font><br>
<font>Tendo os habilitados recorrido de revista, o Supremo Tribunal de Justiça declarou nulo o acórdão por omissão de pronúncia, ordenando a sua remessa à Relação a fim de ser reformado.</font><br>
<font>Proferido novo acórdão a confirmar a sentença.</font><br>
<br>
<font>Mais uma vez inconformados, pediram revista concluindo, em suma e no essencial, em suas alegações -</font><br>
<font>A) - os habilitados F e G -</font><br>
<font>- por extravasar os elementos integrantes da posse de estado, devem considerar-se não escritas as respostas aos quesitos 1 a 7, 16 a 18, 20, 24 e 29 a 33,</font><br>
<font>- restando para a decisão da causa as respostas aos quesitos 8 a 15, 25 a 27 e 34;</font><br>
<font>- não é possível concluir que o réu tenha alguma vez tratado como filha a autora,</font><br>
<font>- nem foi alegado que alguma vez tivesse para com esta alguma manifestação própria de um pai, prestando-lhe um mínimo de assistência material e afectiva ou moral;</font><br>
<font>- o tribunal deu como provado que o réu «nunca recusou» o tratamento de pai por parte da autora, mas não recusar o tratamento não é tratamento;</font><br>
<font>- a visita do réu à nova casa da autora não é facto inequívoco, além de não ter provado a matéria dos quesitos 21 e 22;</font><br>
<font>- poderá admitir-se que a autora beneficiou de reputação de filha por parte do público, mas faltam os outros dois elementos da posse de estado;</font><br>
<font>- a autora refere os factos vaga e genericamente sem os localizar no tempo e no espaço e funda a sua pretensão em factos eventualmente ocorridos de há 4 anos até à propositura da acção;</font><br>
<font>- sobressai na autora a preocupação de provocar no réu, já quase no fim da sua vida, a prática de actos que pudessem ajudar à sua pretensão e</font><br>
<font>- estranhamente deixou de intentar a acção no prazo em que a lei lhe era mais favorável;</font><br>
<font>- pela autora não foi requerida a ampliação do âmbito do recurso pelo que o acórdão recorrido não poderia ter invocado o nº 1 do art. 684-A CPC;</font><br>
<font>- a remissão do acórdão recorrido para a matéria do primeiro acórdão, anulado que foi pelo STJ, deve ter-se por não escrita;</font><br>
<font>- violado o disposto nos arts. 1816 n. 2 a) e 1817 n. 4, ex vi do art. 1873, do CC e 684-A nº1 CPC.</font><br>
<br>
<font>B) - os habilitados E e D -</font><br>
<font>- aceitaram a sentença que julgou improcedente a acção com base em posse de estado;</font><br>
<font>- a questão nuclear é saber se uma acção de investigação de paternidade intentada após o decurso do prazo previsto no nº 1 do art. 1817, ex vi do art. 1873, do CC, com base, além do mais, em posse de estado, pode ou não ser julgada procedente quando aquela se não provou mas se prove que o investigado teve relações sexuais com a mãe da investigante durante o período legal da concepção;</font><br>
<font>- os habilitados aceitaram a sentença onde julgou improcedente a acção com base em posse de estado e só podiam recorrer da sua parte dispositiva que lhes tinha sido desfavorável;</font><br>
<font>- a referência que nas suas alegações fazem foi para manifestarem a concordância com a sentença quanto à inexistência da posse de estado e não para que a Relação reavaliasse a questão da sua existência ou não;</font><br>
<font>- a autora, podendo ter requerido a ampliação do âmbito do recurso para ser apreciado fundamento da posse de estado mas não o fez, sendo irrelevante que, nas contraalegações, tenha invocado que a posse de estado tinha sido provada;</font><br>
<font>- contrariamente ao que a Relação afirma as partes não circunscreveram o recurso à verificação dos pressupostos da posse de estado;</font><br>
<font>- o acórdão recorrido pronunciou-se sobre a posse de estado, conhecendo de questão de que não podia conhecer;</font><br>
<font>- o segmento decisório da sentença relativo à inexistência da posse de estado transitou em julgado, pelo que não podia ter sido prejudicada, como o foi, pela decisão recurso - prevalece aquela;</font><br>
<font>- não obstante, a Relação socorreu de presunções judiciais para dar como provada a posse de estado quando não se provou e nada permite deduzir que o réu aceitava que a autora o tratasse por pai e que lhe correspondia através de actos públicos, contínuos e inequívocos, de assistência material, moral e de solicitude, o que nem sequer foi alegado, bem pelo contrário (pet. in.- 23),</font><br>
<font>- sendo ainda que não se podem firmar os factos previstos no art. 1871 CC por meio de presunção judicial;</font><br>
<font>- a autora apenas provou que reputava e em certas ocasiões tratava o réu como seu pai, quando lhe competia provar que era o réu que a reputava e tratava como filha;</font><br>
<font>- tendo sido quesitada a matéria relacionada com os factos de a autora ter sido reputada e tratada como filha pelo réu e não tendo obtido resposta positiva não podia a Relação posteriormente vir a incluí-la nos factos provados por via da ilação;</font><br>
<font>- incorreu o acórdão na nulidade prevista nos arts. 660 n. 2, 2ª parte, 668 n. 1 d) e 716 CPC;</font><br>
<font>- violado o disposto nos arts. 684 n. 4 e 712 n. 1 CPC e 1871 n. 1 a) CC.</font><br>
<font>Contraalegando, pugnou a autora pela confirmação do julgado.</font><br>
<font>Colhidos os vistos.</font><br>
<br>
<font>Factos considerados provados pelas instâncias -</font><br>
<font>a) - a autora nasceu em 1951.07.25;</font><br>
<font>b) - a certidão narrativa de nascimento da autora encontra-se omissa na parte relativa à paternidade;</font><br>
<font>c) - a mãe da autora nasceu a 1918.12.03, na freguesia de Sopo, Vila Nova de Cerveira e faleceu em 1987.09.20;</font><br>
<font>d) - o réu nasceu em 21.12.18, na freguesia de Sopo, Vila Nova de Cerveira e casou em 1953.11.28 com H, a qual faleceu em 1984.06.01;</font><br>
<font>e) - no período de tempo compreendido entre 50.09.30, inclusive, e 51.01.25, inclusive, a mãe da autora e o réu mantiveram relações sexuais, no decurso de uma relação de namoro;</font><br>
<font>f) - das referidas relações sexuais nasceu a autora;</font><br>
<font>g) - desde que iniciou o namoro com o réu, a mãe da autora não se relacionou com mais nenhum homem, até ao nascimento da autora;</font><br>
<font>h) - a autora visitou algumas vezes o réu na sua casa de Âncora quando o réu enviuvou;</font><br>
<font>i) - visitava-o no dia do pai, chamando-lhe pai;</font><br>
<font>j) - o réu nunca recusou o referido tratamento;</font><br>
<font>j) - recebeu, como prenda, uma fotografia da autora numa moldura;</font><br>
<font>k) - as pessoas da freguesia do Sopo dizem que o réu é o pai da autora;</font><br>
<font>l) - o réu teve como alcunha ‘o ...’;</font><br>
<font>m) - a autora é assim nomeada na freguesia;</font><br>
<font>n) - as pessoas e os vizinhos chama-lhe ‘filha do ...’;</font><br>
<font>o) - dizem ‘és como ele, direitinha no andar, na fala como o ...’;</font><br>
<font>p) - os sobrinhos do réu tratam a autora por prima;</font><br>
<font>q) - o réu afirmou que ‘trago a I prenha, mas não caso com ela porque não é mulher para mim’;</font><br>
<font>r) - a autora visitou o réu no dia de Páscoa de 1996 e de 1997 na casa de sua família e</font><br>
<font>s) - o réu cumprimentou a autora com um beijo;</font><br>
<font>t) - no dia do funeral da irmã do réu, a autora estava com ele,</font><br>
<font>u) - beijou-o e</font><br>
<font>v) - cumprimentou-o como pai;</font><br>
<font>x) - a D referiu ‘que a autora era sua prima e filha do seu tio’;</font><br>
<font>y) - no mês de Outubro de 1998, o réu foi visitar a autora na sua nova casa.</font><br>
<br>
<font>Decidindo: -</font><br>
<font>1.- Arguida nulidade de acórdão.</font><br>
<font>Apenas haverá de dela conhecer se, apesar da sua arguição, a sua procedência puder ser relevante na economia do processo. Se indiferente, em nada podendo interferir na decisão do litígio, é pela apreciação da questão de mérito que se deve iniciar o reexame da decisão.</font><br>
<br>
<font>2.- A autora instaurou a presente acção estruturando-a com base em posse de estado e na paternidade biológica.</font><br>
<font>A sentença julgou-a improcedente enquanto fundamentada em posse de estado, por se a não provar, mas procedente com base no vínculo biológico.</font><br>
<font>Apelaram os habilitados.</font><br>
<font>Contraalegando, a autora não requereu a ampliação do âmbito do recurso.</font><br>
<font>A Relação, após afirmar (fls. 580) que a questão essencial posta era a de saber se estão verificados os pressupostos legalmente exigíveis para que a autora possa beneficiar de posse de estado capaz de presumir a paternidade, julgou a acção procedente por a ter como provada (fls. 583). Omitiu a pronúncia sobre a paternidade biológica.</font><br>
<font>Pediram revista os habilitados, nada tendo requerido a autora ao contraalegar.</font><br>
<br>
<font>Tendo o Supremo Tribunal de Justiça, por omissão de pronúncia, anulado o acórdão, a Relação lavrou um outro em que, após afirmar que ‘a argumentação sobre a concepção da posse de estado (é) o único elemento a individualizar no recurso’ (fls. 782) e que os habilitados tomaram a iniciativa de, nas alegações da apelação, discutir a posse de estado esforçando-se ‘por convencer o tribunal da ausência dos pressupostos legais definidores’ (fls. 283) e que, por isso, ‘não se poderia exigir à recorrida mais do que rebater a tese avançada’ (fls. 784), julgou improcedente a acção enquanto fundada em paternidade biológica mas procedente relativamente ao fundamento da posse de estado.</font><br>
<font>Revista dos habilitados, sem que a autora tenha requerido a ampliação do âmbito do recurso.</font><br>
<br>
<font>3.- Apenas tem legitimidade para recorrer a parte principal que tenha ficado vencida (CPC - 680,1).</font><br>
<font>Se a parte dispositiva da sentença contiver decisões distintas é lícito ao recorrente restringir o recurso a qualquer delas (CPC - 684, n. 2).</font><br>
<font>No caso de pluralidade de fundamentos da acção ou da defesa, o tribunal conhecerá do fundamento em que a parte vencedora decaiu, desde que esta o requeira, mesmo a título subsidiário, na respectiva alegação, prevenindo a necessidade da sua apreciação (CPC - 684-A,1).</font><br>
<font>Sendo assim os habilitados apenas podiam recorrer relativamente ao fundamento que procedeu e deu origem à decisão a si desfavorável.</font><br>
<font>Assim, as suas conclusões ao alegarem no recurso de apelação de que a acção só podia ter procedido se a autora beneficiasse de posse de estado (6ª), a qual se não provou (16ª), pelo que teria de improceder (7ª a 15ª) não legitima a posição da Relação quanto à definição do objecto do recurso.</font><br>
<br>
<font>Mais. A leitura das alegações permite observar que, por um lado, rejeitaram a hipótese de a acção poder proceder a não ser com fundamento em vínculo biológico e, por outro, que da prova dos factos respeitante àquele fundamento nada se poderia concluir para este outro (conclusões 17ª e 19ª).</font><br>
<font>A autora, ainda que subsidiariamente, não requereu a ampliação do âmbito do recurso. Contraalegando, limitou-se a rebater o obter dicta dos apelantes sem que daí extraísse ou requeresse uma pretensão de ampliação do objecto do recurso. Por outras palavras, não acompanhando o sentido do que fora alegado, limitou-se a rebater descurando o aspecto da ampliação, não a requerendo.</font><br>
<font>Decidida definitivamente a acção relativamente à causa de pedir posse de estado, pelo que, nos termos do art. 675-1 CPC, prevalece, quanto a esse segmento decisório, a sentença.</font><br>
<br>
<font>4.- Os habilitados, apelando, concluíram em suas alegações que a acção só poderia ter procedido se a autora beneficiasse de posse de estado (6ª). O mesmo é dizer que só pelo outro fundamento - a paternidade biológico - poderia proceder.</font><br>
<font>Mantiveram a questão da caducidade que, contestando, já tinham excepcionado (17ª, 18ª, 21ª a 23ª).</font><br>
<font>A Relação não conheceu desta questão e confirmou a sentença, julgando procedente a acção com fundamento em posse de estado.</font><br>
<font>No seu novo acórdão, a Relação julgou improcedente a acção enquanto fundamentada em paternidade biológica mas procedente relativamente ao fundamento da posse de estado.</font><br>
<br>
<font>A revista foi pedida apenas pelos habilitados.</font><br>
<font>A autora não requereu, ainda que subsidiariamente, a ampliação do âmbito do recurso.</font><br>
<font>Conforme foi acima afirmado, prevalece a sentença no seu segmento decisório sobre o fundamento da posse de estado (CPC - 675,1). Improcedente, portanto.</font><br>
<font>Não tendo a autora requerido a ampliação do objecto do recurso, desinteressa saber se caducara ou não o direito de acção relativamente ao fundamento da paternidade biológica (a propósito de tal, cita-se o ac. STJ de 99.11.18 in rec. 852/99). Transitou esse segmento decisório do acórdão.</font><br>
<font>A excepção dilatória de caso julgado é de conhecimento oficioso (CPC - 494 i) e 495).</font><br>
<font>Nessa medida, fosse qual fosse a decisão sobre a arguida nulidade do acórdão, nunca a decisão da mesma poderia conduzir a que sobre o litígio fosse diferente razão pela qual não se conhece daquela.</font><br>
<font>Nessa medida ainda fica prejudicado o conhecimento de todas as outras questões.</font><br>
<br>
<font>Termos em que procede a revista e se absolvem os recorrentes da instância.</font><br>
<font>Custas pela autora.</font><br>
<br>
<font>Lisboa, 7 de Junho de 2005</font><br>
<font>Lopes Pinto,</font><br>
<font>Pinto Monteiro,</font><br>
<font>Lemos Triunfante.</font></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
KTLbu4YBgYBz1XKv9Uvy | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font>Acordam mo Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<br>
<br>
<font>Relatório</font><br>
<br>
<br>
<font>No Tribunal Judicial da Comarca de Matosinhos, A, B, C, D, e o Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias Alimentares de Conservas do Norte, actualmente substituídos por força de diversas habilitações de cessionários por E e F, Lda., como cessionária dos restantes autores, intentaram a presente acção declarativa, com processo ordinário contra G, Lda e H, esta última substituída por I, pedindo que se declare nulo e de nenhum efeito um contrato de compra e venda de dois prédios urbanos celebrado entre a 1ª Ré G e a 2ª H, com as legais consequências resgistrais, ou subsidiariamente se julgue procedente a impugnação pauliana dessas mesmas vendas.</font><br>
<br>
<font>Alegaram, no essencial e resumidamente,terem intentado contra a Ré G e contra as Sociedades J e K, uma anterior acção em que impugnavam as vendas efectuadas em 2/2/83 pela 2ª à 3ª Ré, e em 30/5/83, pela 3ª Ré à 1ª, de 2 imóveis sitos nesta Comarca acção essa que foi julgada procedente, sendo certo que, durante a sua pendência, a referida Ré/G vendeu à Ré H, os mesmos prédios, negócio que foi celebrado de má-fé, por ambas as partes, dado que ambas sabiam que as sucessivas vendas dos prédios apenas visavam subtrair as mesmas ao pagamento das dívidas da J e das K.</font><br>
<br>
<font>Citadas as RR, contestaram, alegando a 1ª (G), em síntese, confessou os factos articulados na p.i., concluindo pela procedência da acção.</font><br>
<font>Por seu turno, a Ré H, Lda. alegou em resumo, que a decisão proferida na acção a que se referem os A.A. apenas declarou nulos e de nenhum efeito os contratos de compra e venda titulados pelas escrituras públicas de 2/2/83 e 30/5/83, não tendo julgado procedente a arguida impugnação pauliana e que a venda em causa nestes autos foi registada provisoriamente em 6/5/88, inscrição convertida em definitiva em 17/5/88 enquanto a mencionada acção onde foram declaradas nulas as ditas vendas apenas foi registada em 16/06/88.</font><br>
<br>
<font>Alega, ainda ter a Ré agido sempre com total boa fé na compra que efectuou e a que se referem os presentes autos, pelo que a acção deve improceder na sua totalidade.</font><br>
<br>
<font>Replicaram os A.A. concluindo como na petição inicial.</font><br>
<br>
<font>Entretanto, no desenvolvimento dos autos veio L, requerer a sua intervenção principal, como associado dos A.A. (fls 347) o que foi admitido a fls. 475.</font><br>
<font>Mas, conforme apenso de habilitação, veio a ser substituído pelo seu cessionário, M.</font><br>
<br>
<font>Também as Massas Falidas das K e J, vieram requerer a sua intervenção principal como associadas dos A.A. (fls. 508 a 548), incidentes que foram admitidos (fls 536 a 566).</font><br>
<br>
<font>Foi proferido saneador-sentença que conhecendo do mérito julgou a acção procedente (fls.541 e segs.).</font><br>
<br>
<font>Porém a Ré H, Lda., recorreu de tal decisão tendo a Relação revogado o saneador-sentença, por entender que era necessário proceder à produção de prova.</font><br>
<font>Em obediência ao douto aresto, fixaram-se os factos assentes e organizou-se a base instrutória.</font><br>
<font>Concedeu-se após instrução dos autos, ao respectivo julgamento, no âmbito do qual a Ré H, requereu a junção de documentos, o que, tendo sido indeferido, foi objecto de recurso de agravo, com subida diferida (que veio a ser julgado improcedente).</font><br>
<font>Findo o julgamento e lida a decisão sobre a matéria de facto que não foi objecto de qualquer reclamação, proferiu-se sentença final que julgando a acção procedente, declarou nulo e de nenhum efeito o contrato de compra e venda celebrado entre a Ré/G, Lda., como vendedora e a Ré H,SA., como compradora, titulado pela escritura pública de 6/5/1988, com as necessárias consequências registrais.</font><br>
<br>
<font>Novamente inconformada, voltou a recorrer a Ré G, mas a Relação apreciando a apelação, julgou-a improcedente, confirmando a sentença recorrida.</font><br>
<br>
<font>É deste acórdão que, inconformada recorre a 2ª Ré, agora de revista e para este S.T.J..</font><br>
<br>
<font>Encontram-se junto ao processo, nada menos do que 4 pareceres jurídicos da autoria dos Exmos. Profs. Oliveira Ascensão (fls. 302 e seg.), Menezes Cordeiro (fls.359 e segs.), Calvão da Silva (fls. 1842 e segs.) e Heinrich Ewald Hoista (fls. 1895 e segs.).</font><br>
<br>
<font>Conclusão:</font><br>
<font>Apresentadas tempestivas alegações, formulou a recorrente as seguintes conclusões:</font><br>
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<font>1ª - O objecto da acção está sintetizado em supra 1 a 6., aqui dado por integrado,</font><br>
<font>2ª - através do qual procuram os AA. estender a nulidade por simulação de anteriores compras e vendas dos prédios, tal como foi decretada em sentença de anterior acção, a terceiro, a R., subadquirente posterior dos mesmos prédios.</font><br>
<font>3ª - Por força do anterior Acórdão da Relação ficou fixado, por caso julgado formal, que a nulidade decretada pela anterior sentença não é automaticamente aplicável ao caso destes autos, tudo dependendo de prova.</font><br>
<font>4ª - Atenta a natureza do vício pretendido estender a terceiro, a simulação, a lei tem para tal um instituto autónomo e privativo, o art.243º CCiv.,</font><br>
<font>5ª - que, por natureza, exclui a aplicação genérica do instituto do artº 291º do mesmo Código,</font><br>
<font>6ª - ali (art. 243º) exigindo a lei o conhecimento por parte de terceiro do vício da simulação,</font><br>
<font>7ª - e aqui (art. 291º) exigindo a lei o mesmo conhecimento por parte de terceiro do vício da simulação ou o seu desconhecimento com culpa.</font><br>
<font>8ª - Quer num caso (art. 243 n. 3), quer no outro (art. 291º-1), certo é que o objecto da acção - a despeito da insuficiência da petição - tem de tomar em conta o registo predial, ou seja, que a R., ora recorrente, registou a sua aquisição antes de os AA. terem registado a primitiva acção.</font><br>
<font>9ª - Segundo aquelas normas há uma imputação psicológica: a boa fé é o desconhecimento (art.s 243º e 291º), ou o desconhecimento sem culpa (art291º), do VÍCIO do negócio, ou, pela negativa, má fé é o conhecimento do VÍCIO (ou o seu desconhecimento com culpa).</font><br>
<font>10ª - Não se trata, porém, de um vício em abstracto, não se trata de qualquer vício do negócio, mas sim e só, «a simulação» (art. 243º, «o vício do negócio nulo ou anulável» (art.291º), ou, por outras palavras e em qualquer caso, o vício que concretamente gerou a nulidade, que é o da simulação - como se demonstrou em supra 16 a 23., aqui dados por reproduzidos.</font><br>
<font>11ª - No caso concreto, tratava-se, efectivamente, do vício da simulação dos anteriores contratos, o qual, segunda a anterior sentença, gerou a sua nulidade, agora pretendida estender a terceiros, o ora Rte.,</font><br>
<font>12ª - ou seja, tratar-se-ia, apenas, de saber se a H (ora Rte.) conhecera ou desconhecera com culpa A SIMULAÇÃO, isto é que nos anteriores contratos houvera divergência insanável e conluiada entra a vontade real e a declarada dos aí contraentes, sendo elemento não essencial o prejuízo.</font><br>
<font>13ª - O douto acórdão sob revista, apesar de alertado para esta importantíssima questão de Direito, nem uma palavra despendeu para a analisar.</font><br>
<br>
<font>POR OUTRO LADO:</font><br>
<br>
<font>14ª - Aos AA. não bastava, ao proporem a acção contra o terceiro, a Ré invocar como causa de pedir da mesma terem obtido sentença (que não constitui caso julgado contra o mesmo terceiro, não simulador), </font><br>
<font>15ª - pelo que em processos desta natureza há, tem de haver, uma causa de pedir múltipla, duplo ónus de alegação: (1ª) que obteve a seu favor a dita sentença, com o correlativo ónus de alegação; e (2ª) que o terceiro não pode prevalecer-se de o ser, nas condições do artº 243º CCiv. (ou, na pior das hipóteses, nas do art. 291º CCiv.), com correlativo outro ónus de alegação dessas condições.</font><br>
<font>16ª - Deste modo, o que está em causa, prima facie, é o cumprimento pelos AA. do pressuposto para que tornem extensiva a terceiro, a R. (não simulador), a declaração de nulidade do negócio declarado nulo entre os intervenientes primitivos (os simuladores),</font><br>
<font>17ª - ou seja, se se aplicar o instituto do art. 243º CCiv., que o terceiro, a R. conhecia o vício da simulação,</font><br>
<font>18ª - e, se se aplicar o instituto do art.291º CCiv., e face à prioridade de registo daquele terceiro, que este, a R. conhecia o vício da simulação ou o desconhecia com culpa.</font><br>
<br>
<font>ORA:</font><br>
<br>
<font>19ª - Basta ler a petição inicial (veja-se a longa narração dos seus art.s 10º a 52º) para verificar que os AA. nem sequer alegaram qualquer facto - não cumpriram sequer o ónus de alegação - que consubstanciasse a atribuição à R. de qualquer má-fé na aquisição, no sentido jurídico a que o art. 243º CCiv. (ou o 291º CCiv.) se reporta,</font><br>
<font>20ª - pois que forçoso seria aos AA. imputar `a ora recorrente, o conhecimento da simulação (O VÍCIO), com tudo o que caracteriza este vício de vontade negocial, isto é, com a alegação dos factos relativos a esse conhecimento, ou seja, ao conhecimento dos pressupostos da simulação.</font><br>
<font>21ª - Em parêntesis, diga-se que, sem necessidade para isso foi a recorrente que se deu ao enorme trabalho narrativo e factual de alegar factos comprovativos da sua boa-fé (cf. seus art.s 32º e segs. da contestação), sobre os quais, aliás, os AA. nada acresceram na réplica.</font><br>
<font>22ª - Mas as instâncias, por espantoso que pareça, não têm nem uma palavra sobre o conhecimento do vício concreto que gerara a nulidade (ou sobre o desconhecimento com culpa desse mesmo vício concreto), ou seja da simulação, </font><br>
<font>23ª - e não atentaram em que no apuramento da matéria de facto nenhum facto se refere ao conhecimento do dito vício da simulação (ou ao seu desconhecimento com culpa), e não a qualquer "vício" abstracto.</font><br>
<font>24ª - É que é certo ainda que o vício da simulação não se confunde, nem se sobrepõe, ao vício da impugnação pauliana.</font><br>
<br>
<font>DESTE MODO:</font><br>
<br>
<font>25ª - Não se pode pôr de seguida o cumprimento do ónus de prova pelos AA., nem por ninguém, já que não se pode provar o que se não alegou.</font><br>
<font>26ª - Todavia, como se demonstrou exaustivamente, era aos AA, ora recorridos, a quem pertencia também o ónus de prova da matéria referente à boa-fé ou à má fé do terceiro, ora recorrente (supra 26 a 52.).</font><br>
<br>
<font>Com efeito:</font><br>
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<font>27ª - Toda a estrutura do art. 243º CCiv. está estruturada na protecção do terceiro de boa fé, que como tal se presume, precisamente por ser alheio, terceiro, ao negócio simulado, por não ser simulador.</font><br>
<font>28ª - Por sua vez toda a estrutura do art. 291º CCiv, também está estruturada na protecção do terceiro de boa fé, que como tal se presume, precisamente por ser alheio, terceiro, ao negócio simulado, por não ser simulador e, seguidamente, está construída sobre os alicerces das garantias especiais que são conferidas pela propriedade do Registo Predial a terceiros (presunção da bondade do registo).</font><br>
<font>29ª - Se não fossem essas garantias especiais (presunções) os efeitos da nulidade ou anulação seriam automáticos, dada a aquisição "a non domino", e aqueles que tivessem a seu favor uma sentença declaratória de nulidade por simulação não precisavam de propor acção e iriam registar a titularidade do prédio a seu favor - tendo, então (caso do art. 291º), de ser o terceiro a tomar a iniciativa para obter a anulação desse registo, o que ninguém pode sustentar.</font><br>
<font>30ª - Quer isto dizer que é aos titulares [as partes que obteve (obtiveram) a declaração de invalidade do negócio jurídico a seu favor} que incumbe propor acção contra terceiro - como aqui ocorreu -, </font><br>
<font>31ª - e que incumbia aos AA. não apenas a alegação, mas também a prova de que o terceiro, a R., não pode prevalecer-se de o ser, e bem assim não pode prevalecer-se (caso do art. 291º CCiv. do registo, por não ser «terceiro de boa fé», ou, no plano negativo que o terceiro estava de má fé quando adquiriu (e registou).</font><br>
<font>32ª - Efectivamente, se «Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado» (nº1), é seguro que o direito dos Autores é constituído não apenas pela nulidade do negócio primitivo, mas pela sua extensão ao 2º negócio realizado com terceiro (a despeito do registo deste 2º negócio no caso do art. 291º), por o terceiro não estar de boa fé - prova positiva corrente dentro das regras probatórias, sendo um absurdo que fosse a R. a ter de fazer uma prova negativa e praticamente impossível.</font><br>
<br>
<font>ISTO É QUANTO BASTA.</font><br>
<font>MAS SEM PRESCINDIR:</font><br>
<br>
<font>33ª - Jamais podiam as Instâncias limitar-se à enumeração acrítica de factos, como fizeram, sem os enquadrar cronologicamente de modo a captar-lhes o significado real.</font><br>
<font>34ª - resulta, pois, da minuciosa cronologia dos factos, a que o acórdão sob revista não deu a devida atenção, que os AA. não só não alegaram como não provaram a má-fé da R., no sentido ínsito nos cits. art.s 243º e 291º CCiv.,</font><br>
<font>35ª - e, antes resulta da mesma cronologia a completa boa-fé da R., ora recorrente, agindo não só com desconhecimento, como também sem culpa neste, do vício de simulação que afectara as anteriores vendas, de cujos imóveis ela foi subadquirente (supra 65. a 65.25.9.), </font><br>
<font>36ª - isso mesmo com particular relevo sobre os factos relativos aos «conhecimentos» por parte da R., a que as Instâncias deram um relevo erradíssimo e desgarrado do requisito da boa-fé a que se reportam os citados artigos (supra 66. a 98.11.12.).</font><br>
<font>37ª - O que ressalta de todo o processo, e nisso todos convergem, é outra coisa: é a G, a simuladora, quem age, ela mesma e só ela e confessadamente, com má-fé, quer quando adquire, quer quando vende, má fé essa de que a R., ora recorrente, é agora a grande vítima.</font><br>
<font>38ª - Assim não decidindo, o acórdão sob revista violou, salvo o devido respeito, os art.s 243º, 291º-1 e 3, 350º e 342º do Código Civil.</font><br>
<br>
<font>TERMOS EM QUE deve o presente recurso ser provido revogando-se o acórdão recorrido e absolvendo-se a R., ora recorrente, dos pedidos, com o que se fará</font><br>
<font>JUSTIÇA.</font><br>
<br>
<font>Contra alegaram "a Massa Falida do J, M, e E e F, todos pugnando pela confirmação do acórdão recorrido.</font><br>
<br>
<font>OS FACTOS.</font><br>
<font>É a seguinte a matéria de facto fixada nos autos:</font><br>
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<font>1 - Os AA. intentaram, em 22/01/88, uma acção contra as sociedades "J", K e G".</font><br>
<font>2 - Nessa acção, que correu pelo 3º Juízo. 5ª Secção, deste Tribunal, sob o nº 14/88, os AA. impugnavam a venda, feita em 02/02/83 da 1ª firma à 2ª firma à 2ª firma de 2 prédios descritos na Conservatória do Registo Predial de Matosinhos, sob os nºs. 8356, a fls. 45 do Lº 8-27, e nº 9258, a fls. 39 do Lº 8-30, e da venda, da 2ª firma à 3ª firma, em 30/05/83, daqueles 2 prédios e de um outro, descrito na mesma Conservatória, sob o nº 2056 a fls. 148 v. do Lº 8-7.</font><br>
<font>3 - Essa acção veio a ser julgada totalmente provada e procedente por douta sentença de 22/04/90. transitada em julgado, nela se declarando nulos e de nenhum efeito os contratos de compra e venda em apreço, devendo, consequentemente, cancelar-se os registos feitos na Conservatória do Registo Predial de Matosinhos sobre os referidos prédios. </font><br>
<font>4 - Na pendência desse processo, a referida "G", através de escritura pública de 6/5/88, vendeu os prédios em referência à H, pelo preço de 247.500.000$00.</font><br>
<font>5 - Essa aquisição foi logo no próprio dia registada provisoriamente (ap.nº 10), e convertido esse registo pela apresentação nº 20 de 17/05/88 (inscrição nº 23.986, a fls. 109 v do Lº G-56. da C.R.P. de Matosinhos).</font><br>
<font>6 - Os AA., por sua vez, obtiveram, em 16/6/88, a inscrição, como provisória por natureza, da acção judicial a que se referem na petição.</font><br>
<font>7 - A "H" era uma empresa sediada e com instalações em Matosinhos, na Rua Heróis de França, nº ..., há mais de 20 anos, e a sede e instalações referidas eram, praticamente, contíguas às instalações da K e do J, e contíguas aos prédios em causa nestes autos.</font><br>
<font>8 - Em 17/10/88, o Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias Alimentares de Conservas do Norte enviou à H, que a recebeu, a carta junta a fls. 264 e que aqui se dá por integralmente reproduzida (doc. 46 da contestação).</font><br>
<font>9 - Em resposta àquela carta, aquela empresa enviou, em 31/10/88, a carta junta a fls. 265. que aqui se dá por integralmente reproduzida, e que foi recebida.</font><br>
<font>10 - Em 7/11/88, o referido Sindicato enviou à H, a carta junta a fls. 266, por esta recebida, e que se dá aqui por integralmente reproduzida.</font><br>
<font>11 - A "H", teve conhecimento directo, antes de 1985, que as instalações da K e J se encontravam encerradas.</font><br>
<font>12 - Teve também conhecimento directo da degradação que por essa altura já tinham as instalações de qualquer das fábricas, com vidros partidos, paredes esventradas, tectos, caldos, etc., e que as mesmas antes do seu encerramento já estavam paralisadas.</font><br>
<font>13 - Porque as fábricas em causa se situam no centro de Matosinhos e davam trabalho a centenas de trabalhadores, a H teve conhecimento de movimentações encetadas por esses trabalhadores, em ordem, primeiro, a protestar contra o abandono a que a laboração estava votada e, depois, contra as vendas, e teve conhecimento, desde logo, porque essas movimentações e a sua motivação foram do conhecimento de toda a cidade de Matosinhos.</font><br>
<font>14 - Na verdade, os AA. e demais trabalhadores das ditas empresas e o seu Sindicato, promoveram manifestações de rua, abaixo assinados, diligências junto da Câmara, Assembleia da República e Governo, do que tudo foi dada ampla publicidade, quer na imprensa escrita de Matosinhos, quer na imprensa escrita de âmbito nacional.</font><br>
<font>15 - Os órgãos de informação falada e televisão também abordaram a situação das duas empresas e o autêntico escândalo das referidas vendas, sendo de realçar que as manifestações públicas dos trabalhadores em protesto e denúncia das aludidas vendas se fizeram, sempre, na rua, em frente às ditas fábricas (que o mesmo é dizer em frente à sede e instalações da H), ) daí partindo depois pela cidade.</font><br>
<font>16 - Os trabalhadores e o seu Sindicato colocara no exterior das fábricas em causa panos com dizeres a denunciar as referidas vendas.</font><br>
<font>17 - A "H" sabia, à data em que fez a sua compra dos prédios que a "J" e "K" haviam sido declaradas falidas, e sabia, também, que aquelas empresas deviam aos seus trabalhadores e demais credores, designadamente, Banca e Segurança Social, centenas de milhares de contos, e que as alienações referidas não haviam sido senão um expediente para se furtarem ao pagamento dessas dívidas.</font><br>
<br>
<font>18 - A "H" sabia-o, desde logo, por tal manobra ter sido denunciada publicamente, nos moldes, já referidos, pelos AA. e demais trabalhadores das aludidas firmas.</font><br>
<font>19 - A "H" sabia, à data da outorga da escritura de compra e venda, que, ou já estava pendente ou ia ser proposta uma acção pelos trabalhadores das Conserveiras para "anular" as sucessivas vendas dos prédios que tinham pertencido às mesmas.</font><br>
<font>20 - Pouco tempo após ter sido intentada a acção referida no art. 4º da petição, o Sindicato e a "G" andaram a tentar um acordo, que passaria pela desistência da impugnação, contra o recebimento duma quantia para os trabalhadores da "J" e "K".</font><br>
<font>21 - Quer a "G", pela a "H", intervieram na escritura de venda dos prédios em causa, cientes de que com esse negócio, prejudicavam credores da J e da K, designadamente, os ex-trabalhadores destas empresas, credores cujos créditos montavam (como se comprovou também no processo de falência e era do conhecimento geral de Matosinhos) a centenas de milhares de contos.</font><br>
<font>22 - Pelo facto supra referido em 7, e por admitir que a K pudesse ter interesse em expandir as suas instalações, um representante da R. "G" contactou aquela sociedade, em Julho de 1986, no sentido de indagar desse interesse, desde logo lhe propondo a venda e informando que sobre os prédios incidiam encargos, mas que a proprietária se propunha resolver.</font><br>
<font>23 - A "H" admitiu considerar uma proposta que lhe fosse feita, e na sequência disso, a R. G enviou-lha, juntando-lhe uma planta da implantação das áreas, uma planta de loteamento previsível, uma avaliação feita em 1981 pelo N, fotocópias das cadernetas prediais e fotocópia da escritura de constituição dela. 1ª R., no Diário da República.</font><br>
<font>24 - No entanto, a H, não lhe interessando a proposta, não só pelo elevado preço pretendido (355.140 contos), como por não ter então nos seus planos uma expansão de instalações, comunicou pouco depois à 1ª Ré, o seu desinteresse no proposto negócio.</font><br>
<font>25 - Passado cerca de um ano, a evolução da H veio a aconselhar-lhe transferir a sua unidade da Cruz Quebrada para outro local, pelo que, admitiu poder vir a fazê-lo para Matosinhos, razão por que foram então os seus representantes quem contactaram a G, no sentido de saber se esta mantinha em venda os mesmos terrenos, e foram informados positivamente.</font><br>
<font>26 - Encetou então aquela empresa negociações com a G, as quais duraram vários meses e tiveram em conta os encargos registados sobre os prédios.</font><br>
<font>27 - Durante elas, o representante da H estabeleceu contacto com representante da Segurança Social, dados os ónus desta origem registados, tendo daquele recebido anuência à óbvia desistência das demandas uma vez satisfeito o pagamento dos respectivos créditos.</font><br>
<font>28 - Contactou também um representante do N, de quem, obteve a promessa de cessação do contencioso, se se concretizasse o negócio com ela (H) mediante o pagamento àquela entidade bancária da quantia global reduzida de 20.000 contos.</font><br>
<font>29 - E entabulou ainda contacto com o representante da credora O, que lhe assegurou a desistência da execução mediante pagamento condigno, isto enquanto a Ré G lhe dizia que dos demais encargos trataria ela.</font><br>
<font>30 - Essas negociações terminaram com acordo entre as interessadas, sendo elaborado o respectivo contrato-promessa, que foi assinado em 6 de Maio de 1988, e nessa mesma data, a H requereu o registo provisório daqueles prédios a seu favor, com base naquele contrato-promessa.</font><br>
<font>31 - Na sequência de um telefonema feito no dia 29/6/88, para os escritórios da H por um tal Sr. P, que se intitulou representante do Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias Alimentares de Conservas do Norte, solicitando uma audiência urgente, para o que enviaria carta confirmativa, e na reunião realizada em 4/7/88, em que esteve presente aquela empresa e aquele Sindicato, foi referida à mesma H a existência desta acção e o contencioso existente com os trabalhadores das empresas K e J.</font><br>
<font>32 - Os representantes da H transmitiram que nada tinham a ver com os contenciosos com os trabalhadores nem com as alegadas negociações havidas entre estes e a R.G.</font><br>
<font>33 - A fls. 1154 a 1159 foi decidido não admitir a junção aos autos de 9 (nove) documentos, pelos motivos aí exarados que aqui se reproduzem.</font><br>
<br>
<font>Fundamentação</font><br>
<br>
<font>Vistas as conclusões parece poder sintetizar-se as questões suscitadas aos seguintes pontos:</font><br>
<br>
<font>1 - Caso julgado formal emergente do 1º acórdão da Relação que terá declarado não ser automaticamente aplicável à venda efectuada pela G à H Lda a nulidade decretada na 1ª acção;</font><br>
<font>2 - Aplicação ao caso concreto do art. 243º do C.C. e nunca do Art. 291º nº1 do mesmo diploma;</font><br>
<font>3 - Saber a quem competirá o ónus da prova da boa fé do terceiro subadquirente a que se referem os citados artigos do C.C.;</font><br>
<font>4 - Saber se da prova fixada resultará demonstrada a boa-fé da recorrente.</font><br>
<br>
<font>Vejamos cada uma das questões:</font><br>
<br>
<font>1ª Questão.</font><br>
<font>A 1ª decisão produzida na 1ª instância, entendeu ser desnecessária a produção de prova quanto à boa ou má fé da 2ª Ré, porquanto, fazendo aplicação ao caso concreto do Art. 291º nº 2 do C.C. excluiu desde logo a protecção da Ré, na sua qualidade de terceira, que em princípio gozaria face ao nº 1 do preceito.</font><br>
<font>Por sua vez, o 1º acórdão da Relação.</font><br>
<font>Seguiu orientação diversa, por lhe parecer que o prazo de 3 anos a que se refere o nº 2 do Art. 291º, deve contar-se a partir do negócio inválido originário e não do negócio celebrado pelo subadquirente.</font><br>
<font>Sendo assim, tornava-se necessário proceder à condensação da matéria de facto em sintonia com o Art. 511º nº 1 do C.P.C. (na versão anterior à reforma de 95), pelo que, com essa finalidade, revogou o despacho saneador - sentença e reenviam o processo à 1ª instância, para prosseguir seus normais termos.</font><br>
<br>
<font>Será, então, que a posição assumida pela Relação no que respeita à interpretação do nº 2 do art. 291º do C.C. faz caso julgado formal, como quer a recorrente, não podendo, por isso neste processo, voltar a discutir-se a sua aplicação ao caso concreto?</font><br>
<font>Salvo o devido respeito não parece ter-se formado caso julgado formal sobre tal matéria.</font><br>
<font>Por um lado, o caso julgado formal recai "unicamente" sobre a relação processual (Art. 672º do C.P.C), sendo evidente que a questão da interpretação do nº 2 do citado preceito do C.C. é uma questão substantiva, uma questão de mérito e não processual.</font><br>
<font>Quanto a ela apenas se poderia formar caso julgado material, o que obviamente não pode considerar-se, visto que o acórdão da Relação não apreciou o mérito da causa, antes revogou a decisão recorrida, destruindo-a, portanto, por entender necessário o prosseguimento da acção com a elaboração da especificação e questionário em conformidade com o Art. 511º nº1 C.P.C.( anterior redacção).</font><br>
<br>
<font>Portanto, a decisão que de facto faz caso julgado formal, é a que determinou o prosseguimento do processo "em sintonia com o art. 511º nº 1 do C.P.C." isto é "Segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito".</font><br>
<font>Assim, a expressa referência do acórdão ao Art. 511º nº 1, mostra desde logo que não se decidiu, nem se pretendeu decidir do mérito de nenhuma questão, nos autos se procurou prevenir qualquer das soluções jurídicos plausíveis, carreando para o processo os necessários elementos de facto, sendo as considerações tecidas sobre a interpretação do nº2 do Art. 291º do C.C. tão só as razões porque, na óptica do acórdão, o processo devia prosseguir com elaboração de especificação e questionário e subsequente produção de prova.</font><br>
<font>Aliás, se se pretendesse decidir aquela questão substantiva definitivamente, então a Relação estaria a exorbitar dos seus poderes, pois que, quanto a ela, não existe na lei processual disposição semelhante à do Art. 730º nº 1 do C.P.C. que apenas ao S.T.J. se aplica.</font><br>
<font>Não tinha, consequentemente a Relação que definir o direito aplicável, como, de resto, não definiu limitando-se a revogar o saneador-sentença que perfilhou apenas uma das possíveis soluções jurídicas, ordenando o prosseguimento dos autos para, afinal, produzida a prova, fosse proferida nova decisão que considerasse as diversas soluções plausíveis das questões de direito suscitadas.</font><br>
<br>
<font>Não estava, pois, a 1ª instância limitada pelas considerações jurídicas alinhadas pela Relação sobre o nº 2 do Art. 291º, e muito menos o está este S.T.J..</font><br>
<font>De resto, sabendo-se que a jurisprudência tem entendido pacificamente não ser admissível agravo para o Supremo do acórdão da Relação, que, revogando o saneador-sentença que conhecera do mérito da causa, ordene o prosseguimento do processo para elaboração da especificação e questionário e subsequentes termos normais (cf. Assento nº 10/94 - D.R. I Série de 26/5/94, hoje com valor de acórdão uniformizador) a aceitar-se que as referidas considerações jurídicas fariam caso julgado, impedindo a discussão dessa matéria na nova sentença a proferir e em sede de recurso de revista, estar-se-ia a colocar as partes em planos perfeitamente desiguais, visto que, não podendo os A.A. agravar do acórdão da Relação tinham de se submeter a uma decisão que os prejudicava enquanto os RR, eram livres de apelar se porventura a decisão recorrida fosse confirmada pela Relação.</font><br>
<font>Por outro lado, entende-se mal porque teriam aquelas considerações de ordem substantiva de formar caso julgado, o qual, porém, já não cobriria outras considerações, estas, por acaso desfavoráveis à recorrente, mas também de ordem substantiva, sob a questão do ónus da prova da boa-fé ou da má fé.</font><br>
<font>Na verdade, nem umas nem outras têm força de caso julgado formal ou material, pelo que estamos em condições de sobre elas nos pronunciarmos no momento oportuno.</font><br>
<br>
<font>2ª Questão:</font><br>
<br>
<font>Segundo a recorrente tem aplicação ao caso concreto o Art. 243º do C.C., o que, desde logo exclui a aplicação do Art. 291º nº 1.</font><br>
<br>
<font>Como resulta da prova, em 2/2/83 a firma "J" vendeu à firma "K" dois prédios urbanos, sendo certo que em 30/5/83 esta última vendeu à ora Ré "G" esses mesmos dois prédios e ainda um outro, todos identificados nos autos.</font><br>
<font>Os ora AA. intentaram em 22/1/88, contra as mencionadas 3 firmas uma acção judicial na qual, além do mais, impugnavam os ditos negócios de compra e venda, por simulados.</font><br>
<font>Por sentença de 22/4/90, transitada em julgado, foram declarados nulos e de nenhum efeito os referidos contratos de compra e venda e ordenou-se o cancelamento dos registos feitos na Conservatória do Registo Predial de Matosinhos sobre os referidos prédios relativos aos anulados negócios.</font><br>
<font>Porém, na pendência dessa acção de nulidade, a também aqui Ré "G", através, de escritura pública de 6/5/88, vendeu à aqui igualmente ré G, os já referenciados prédios pelo preço de 247.500.000$00, tendo essa aquisição sido logo registada provisoriamente no mesmo dia 6/5/88, registo esse convertido em definitivo em 17/5/88.</font><br>
<font>Porém, os AA. daquela acção de nulidade e que aqui são também AA. apenas registaram a dita acção em 16/6/88.</font><br>
<font>Pretendem agora os AA. por via desta acção, estender a nulidade dos ditos negócios de compra e venda à compra e venda titulada pela escritura de 6/5/88, outorgada entre a aqui Ré G, como vendedora e a Ré H, como compradora.</font><br>
<br>
<font>Por outras palavras, estamos perante a figura que a doutrina denomina de nulidade sequencial.</font><br>
<font>De facto, tendo o simulado alienante "adquirido os prédios por acto nulo, nulas são também as vendas subsequentes. É que, nada tendo adquirido validamente (dada a nulidade do acto de aquisição) nada pode transmitir.</font><br>
<font>Ora, a nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal (Art. 286º do C.C.), salvo se outra for a solução imposta por regime especial (Art. 285º C.C.)</font><br>
<font>Chegados aqui entramos directamente na questão suscitada pela recorrente, segundo a qual o aludido regime geral decorrente da nulidade não tem aplicação ao caso concreto o qual está subordinado ao regime especial previsto no Art. 243º do C.C. que à simulação diz directamente respeito.</font><br>
<font>Assim, dispondo o nº1 do citado preceito que " a nulidade proveniente da simulação não pode ser arguida pelo simulador contra terceiro de boa fé" defende a recorrente que, se tal dispositivo protege o terceiro (de boa fé) da arguição do próprio simulador, por maioria de razão o protege da invocação por outrem, como seja um credor do simulador.</font><br>
<font>Seria esta a solução defendida pela melhor doutrina.</font><br>
<font>A corroborar tal posição juntou douto parecer do Prof. Calvão da Silva.</font><br>
<br>
<font>De facto, aí se dá notícia da posição de Orlando de carvalho, segundo o qual o Art. 243º nº 1 | [0 0 0 ... 0 1 0] |
4zIdvIYBgYBz1XKvVprF | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br>
Na Comarca de Lisboa, primeiro juízo,<br>
A Companhia Carris de Ferro de Lisboa Lda propôs contra F. Simões de Oliveira e Filhos, Limitada,<br>
Sociedade de Construções, a presente acção de processo ordinário, na qual pediu que a ré fosse condenada nos termos do artigo 1360 n. 1 do Código Civil, a fechar por completo (ou a reduzir-los às dimensões estabelecidas nos artigos 1363 do Código Civil, se o desejar) todas as aberturas que na fachada poente de um prédio identificado na petição deitam directamente sobre dela autora, também identificado na mesma petição, dado tais aberturas ofenderem os textos legais citados.<br>
Seguiu o processo os seus regulares termos até que, feito o julgamento, o meritíssimo juiz da primeira instância julgou a acção improcedente.<br>
Desta sentença apelou a autora, mas o Tribunal da<br>
Relação negou provimento ao recurso.<br>
Voltou a autora, a interpor recurso de revista do acórdão da Relação e, na sua alegação, concluiu assim:<br>
I- o acórdão recorrido violou o disposto nos artigos<br>
1360 n. 1 e 1363 n. 2, por um lado, e 1251 e seguintes, designadamente os artigos 1287; 1293 a), 1316; 1344;<br>
10356 e 1362 n. 1, todos do Código Civil, por outro;<br>
II- a situação de facto é a de que as fachadas poente dos edifícios da recorrida coincidem com a linha de extrema nascente do prédio da recorrente e numas fachadas poente de ambos os edifícios a recorrida construiu vãos tapados com tijolos de vidro (...) que deitam directa e imediatamente sobre o prédio confinante, sendo que esses vãos (tapados com tijolos de vidro) possuem dimensões superiores a 15 centímetros, sendo aproximadamente de 80 centímetros;<br>
III- deve dar-se provimento ao recurso e decidir-se que a recorrida deve ou fechar totalmente cada um dos referidos vãos ou reduzi-los à dimensão máxima que lhes fixa o artigo 1363 n. 2 referido.<br>
Na sua contra-alegação, a recorrida conclui assim:<br>
I"- com as restrições do artigo 1360 n. 1 do Código<br>
Civil, o legislador pretendeu evitar que sobre os prédios vizinhos sejam feitos despejos e arremessados objectos ou que sejam devassados com a vista;<br>
II"- através dos vãos tapados com tijolos de vidro com carácter fixo e permanente, existentes na fachada poente do edifício da recorrida não é possível devassar com a vista, com o arremesso de objectos ou com os despejos, o prédio confinante da recorrente;<br>
III"- os ditos vãos tapados com tijolos de vidros não integram o conceito jurídico de janelas, pelo que não ofendem o direito de propriedade do prédio vizinho;<br>
IV"- o que acontece é que a parede em questão é formada ali com material de construção diferente, mas com carácter definitivo os resultados permanentes e nada na lei obriga a que as janelas sejam construídas com o mesmo material, o que é necessário é que , pela fixidez e permanência definitiva dos elementos de construção, não seja possível abrir e fechar superfície alguma da janela, de modo a que se devasse o prédio vizinho;<br>
V"- a construção de tais vãos tapados com tijolos de vidro não está pois, sujeita às restrições impostas pelo artigo 1360 do Código Civil, pelo que não parecem violadas quaisquer normas, nomeadamente os artigos 1360 n. 1 e 1363 n. 2 do Código Civil, devendo manter-se o acórdão recorrido.<br>
É a seguinte a matéria de facto:<br>
1- a autora é dona dos prédios inscritos a seu favor e descritos na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob os números 570 a folhas 110/v do livro 82 e 2185 a folhas 179/v do Livro B-86, os quais confinam pela sua extrema nascente com a extrema poente do prédio descrito sobre o n. 561 a folhas 103/v dos Livros B-2, cuja propriedade está inscrita a favor da ré;<br>
2- nos anos de 1988 e 1989, a ré levou a efeito naquele seu prédio uma construção, cuja fachada parte efectuada pela ré coincide com a linha da extrema nascente do prédio da autora;<br>
3- tal construção é constituída por um embaraçante comum no rés-do-chão com dois blocos elevados, destinando-se estes a habitação e sendo um dos blocos com sete pisos e mais dois recuados e o outro constituído por quatro pisos e mais um recuado;<br>
4- nas fachadas poente de ambos os edifícios a ré construiu vãos tapados com tijolos de vidro (com o aspecto que apresentam as fotos de folhas 13 e 70) que deitam directamente e imediatamente sobre o prédio confinante e vizinho pertencente à autora, não havendo entre esses vãos e o prédio da autora qualquer intervalo;<br>
5- esses vãos (tapados com tijolos de vidro) possuem dimensões superiores a 15 centímetros; aproximadamente de 80 centímetros vezes 80 centímetros.<br>
6- o embarcamento da dita construção efectuada pela ré<br>
é destinada a comércio e serviços;<br>
7- a parede que constitui a referida fachada é de betão armado e alvenaria de tijolo revestida em parte por peças cerâmicas decorativas.<br>
Segundo o disposto nos artigos 1360 n. 1 do Código<br>
Civil, o proprietário que no seu prédio levantar edifícios ou outra construção não pode abrir nela janelas ou portas que deitem directamente sobre o prédio vizinho sem deixar entre este e cada uma das obras o intervalo de metro e meio, igual restrição se aplicam, nos dizeres dos n. 2 do mesmo artigo, às varandas, terraços eiradas ou obras semelhantes, quando sejam servidos de parapeitos de altura inferior a metro e meio em toda a sua extensão ou parte dela.<br>
Mas, nos termos do artigo 1363 números 1 e 2 do mesmo<br>
Código, não são abrangidas pelas restrições da lei as frestas, seteiras ou óculos para luz e ar que se situem pelo menos a um metro e oitenta centímetros de altura, a contar do solo ou do sobrado e não tenham, numa das suas dimensões, mais de quinze centímetros, respeitando aquela altura a ambos os lados da parede ou muro onde essas aberturas se encontram, o mesmo acontecendo, segundo o preceituado no artigo 1364 do Código Civil, quanto às aberturas, quaisquer que sejam as suas dimensões, igualmente situadas a mais de um metro e oitenta centímetros do solo ou do sobrado, com grades fixas de ferro ou outro metal, de secção não inferior a um centímetro quadrado e cuja malha não seja superior a cinco centímetros.<br>
No caso sub-judice, há constatações indiscutíveis a saber: a) a restrição do n. 2 do artigo 1360 é inaplicável, dado que os vãos tapados com tijolos de vidro e com a aparência das fotos de folhas 13 e 70 de modo algum se podem considerar varandas, terraços, eiradas ou obras semelhantes; além disto, a autora nada alegou quanto à existência de qualquer parapeito e sua altura, ónus que lhe competia por ser facto constitutivo de seu direito, se quisesse que acção precedesse por força deste trato legal (artigo 342 n. 1 do Código Civil), de tal maneira que, mesmo a aplicar-se este texto, sempre a acção improcederia. b) Também nos parece sequer que os ditos vãos com tijolos de vidro se não podem considerar frestas, seteiras ou óculos para luz e ar (artigo 1363) ou grades fixas de ferro ou outro metal (artigo 1364) mas, mesmo que como tais pudessem ser considerados, certo é que a autora nada alegou quanto à altura a que as aberturas se situavam do solo ou do sobrado nem quanto<br>
às suas dimensões, secção ao malha, ónus que também lhe competia, por ser facto constitutivo do seu direito, se quisesse a procedência da acção com base na ofensa destes textos legais (artigo 342 n. 1 citado), por tal forma que, mesmo a aplicar-se qualquer destes artigos, sempre a acção teria de improceder.<br>
Tudo, pois, se resume a saber se os vãos em causa estão abrangidos pela proibição do n. 1 do artigo 1360.<br>
Não sofre dúvida que os vãos construídos pela ré no seu prédio deitam directamente sobre o prédio vizinho da autora e que entre eles e o prédio desta não há qualquer intervalo.<br>
Por conseguinte, o problema fica limitado a saber se tais vãos se podem considerar janelas ou portas para efeitos do preceituado no texto legal em apreço.<br>
Portas seguramente que não são.<br>
E janelas?<br>
Como se vem entendendo, e bem, o artigo 1360 n. 1 não define o que seja uma "janela", mas o conceito desta<br>
é-nos dado por exclusão de partes, com base no disposto no artigo 1363, o qual caracteriza as aberturas de tolerância, ou seja, as frestas, seteiras ou óculos para luz e ar - estas, com as reduzidas dimensões e os efeitos que lhes são peculiares, destinar-se-ão apenas a permitir a entrada da luz e do ar - ao passo que as janelas têm uma função mais ampla - estas, sendo aberturas maiores que aquelas, além de permitirem a entrada da luz e do ar, também possibilitam as vista e a saída de objectos com ocupação e devassamento do prédio vizinho; assim sendo, são de considerar janelas todas as aberturas na parede que não possam considerar-se frestas, seteiras ou óculos para a luz e ar e, claro está, maiores que estas últimas (Pires de<br>
Lima e Antunes Varela, Código Civil anotado, Volume<br>
III, segunda edição, 223; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Boletim do Ministério da Justiça 203; 169; acórdão da Relação do Porto, Colectânea de Jurisprudência , 1988, T1, 198).<br>
Ora, os vãos construídos pela ré tapados com tijolos de vidro, com o aspecto apresentado nas fotos de folhas 13 e 70, fixos e não amovíveis; fazendo parte integrante da parede do edifício, parede esta que não tem soluções de continuidade - matéria de facto esta apurada pela<br>
Relação directamente ou por ilação e por eles incensurável por este Supremo - não são de modo algum, janelas. Deste modo, impõe-se a conclusão de que nem sequer existam quaisquer aberturas na fachada do prédio da ré, na medida em que os vãos constituem parte da parede desta fachada, se bem que de material diferente do da parte restante, que é constituído por betão armado e alvenaria de tijolo, coisa que norma alguma proíbe, Não há por conseguinte, aberturas porque os tigolos de vidro são fixos e, consequentemente permanentes, pelo que não é possível abrir e fechar tais vãos, como se fossem janelas, por maneira a devassar o prédio da autora.<br>
Acresce um outro argumento.<br>
Entende-se que os vãos tapados com tijolos de vidro não permitem a visibilidade para o prédio vizinho e, sendo assim, não se viola o objectivo ou um dos objectivos que o artigo 1360 n.1 do Código Civil pretende atingir.<br>
Mas, poderá objectar-se, nada vem pesando sobre a possibilidade de ver ou não ver através dos vãos tapados com tijolos de vidro. Porém, mesmo aceitando que assim seja, certo é que o ónus da prova de que esses vãos permitiam a visibilidade para o prédio vizinho caberá à autora o correspondente ónus da prova<br>
(artigo 342 n. 1 do Código Civil) e por isso forçoso é concluir contra ela, ou seja, concluir que tais vãos não permitem a visibilidade sobre o prédio vizinho.<br>
Em suma, para nós o objectivo da lei foi atingir uma dupla finalidade, senão completamente e de modo absoluto pelo menos em parte, ou seja, evitar que o prédio vizinho seja facilmente objecto tanto das vistas como do devassamento como o arremesso ou quer de objecto, facilidade esta que, contudo só ocorrerá quando as provas tenham a possibilidade física de ocupar ou invadir o prédio vizinho para além da linha divisória e, em tal posição, ver ou arremessar ou deixar cair objectos.<br>
Ora isto é coisa que manifestamente não poderá ocorrer neste caso, dada a fixidez, e permanência dos tijolos de vidro, a fazer parte da parede do prédio da ré, parede que não tem soluções de continuidade, e bem assim a não visibilidade através desses tijolos de vidro.<br>
Pelo exposto, nega-se a revista.<br>
Custas pela recorrente.<br>
Lisboa, 1 de Junho de 1993.<br>
Fernando Fabião;<br>
César Marques;<br>
José Martins da Costa.</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
QTLxu4YBgYBz1XKvYl6W | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<div><br>
I</div>A "Companhia de Seguros A, S.A." intentou, em 30 de Janeiro de 1997, no Tribunal Judicial da Comarca de Águeda, acção declarativa com processo sumário contra a "Companhia de Seguros B, S.A.", ambas com os sinais dos autos, pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de 3.230.875$00 e respectivos juros, quantia que pagou pela sua segurada, a "C", para reparar os danos sofridos pelo empregado desta, D, num acidente de viação e de trabalho, em consequência de um contrato de seguro do ramo de acidentes de trabalho celebrado com a referida entidade patronal, titulado pela apólice nº. 5083993.<br>
A Ré contestou por impugnação e excepcionou a sua ilegitimidade, a prescrição e a existência de caso julgado, tendo a Autora, na sua resposta, pugnado pela improcedência de tais excepções.<br>
Findos os articulados, foi proferido, em 16-07-98, despacho saneador, onde se julgou procedente a referida excepção dilatória de ilegitimidade passiva , tendo, em consequência, sido a Ré absolvida da instância - cfr. fls. 123, vs. No entanto, interposto recurso pela Autora, foi o referido despacho saneador revogado pelo acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 4 de Maio de 1999, o qual, pelos fundamentos nele constantes, julgou a Ré parte legítima, ordenando o prosseguimento dos autos - fls. 151 a 155.<br>
Foi dispensada a realização da audiência preliminar, nos termos do disposto no artigo 787º, nº. 1, do C.P.C.. E, em obediência ao citado acórdão da Relação de Coimbra, de 4 de Maio, foi, em 5 de Maio de 2000, proferido despacho saneador, no qual, depois de se decidir julgar improcedente a excepção de caso julgado e de relegar para momento posterior o conhecimento da também alegada excepção da prescrição, se passou ao imediato conhecimento do pedido, tendo-se concluído que não impendia sobre a Ré a obrigação de proceder ao reembolso, uma vez que, tendo sido já demandada pelo acidente de viação e pago a respectiva indemnização, ficou desonerada não só perante o lesado mas também perante a Autora, isto é, a seguradora que reparou os danos do acidente de trabalho. E, não recaindo sobre a Ré a obrigação em cujo cumprimento vinha pedida a sua condenação, igualmente se concluiu que se mostrava destituída de interesse a questão da alegada prescrição de tal obrigação. Termos em que a acção foi julgada improcedente, absolvendo-se a Ré do pedido - cfr. fls. 162-171.<br>
Inconformada, a Autora apelou, tendo o Tribunal da Relação de Coimbra, por acórdão de 19 de Junho de 2001, de fls. 195 a 207, decidido considerar improcedente o recurso, confirmando a decisão recorrida.<br>
Continuando inconformada, traz a Autora a presente revista, pedindo a revogação do acórdão da Relação e a condenação da Ré recorrida no pagamento da quantia objecto do pedido, ao mesmo tempo que oferece, ao alegar, as seguintes conclusões:<br>
<br>
1. Ao decidir como decidiu o douto Acórdão da Relação de Coimbra não levando em consideração que os valores reclamados pela ora Recorrente são distintos dos que foram reclamados pelo sinistrado à ora Recorrida, violou o direito da ora Recorrente em ser reembolsada das despesas próprias.<br>
2. Violou igualmente o disposto nos artigos 473º, 483º e 562º do C. Civil já que a ora recorrente tem o direito de ser reembolsada dos montantes despendidos por causa do sinistro de acidentes de trabalho, os quais, obviamente, não se verificariam se o acidente não ocorresse e não fosse causado pela conduta do segurado da ora recorrida.<br>
3. Também violou o disposto no nº. 4 da Base XXXVII da Lei nº 2127, de 3-8-65, dado que a recorrente, e em conjugação com o descrito na alínea anterior, tem o pleno direito de receber os montantes despendidos, pedido diverso do do sinistrado, realidade que efectivou dentro do quadro legal que lhe assiste e que consubstanciou na sua petição inicial.<br>
4. O facto de o sinistrado ter efectivado o seu pedido de indemnização perante a ora Recorrida, relativamente aos prejuízos sofridos com o acidente de viação, não obsta a que a ora Recorrente tenha direito a ser reembolsada, dado que o seu pedido nunca poderia ter sido efectuado pelo sinistrado pelo facto de as despesas cujo reembolso se reclama, serem despesas próprias da ora Recorrente, não se aplicando o disposto nos ns. 2 e 3 da Base XXXVII da Lei nº 2127 de 3-8-65.<br>
Contra-alegando, a Recorrida pugna pela manutenção do julgado - cfr. fls. 221 a 228.<br>
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.<br>
<div>II</div>São os seguintes os factos dados como assentes pela 1ª instância:<br>
- Em 24-04-92, em área da comarca de Águeda, ocorreu um acidente que as partes consideraram como de viação e de trabalho.<br>
- A Autora, anteriormente a esse acidente, celebrara com a entidade patronal do sinistrado, D, um contrato de seguro de acidentes de trabalho, titulado pela apólice nº 5083993, que abrangia os trabalhadores ao seu serviço, dele beneficiando o sinistrado.<br>
- Este instaurou contra a Ré uma acção sumária (de indemnização por acidente de viação), por ser ela a seguradora do veículo a cujo condutor o sinistrado atribui a culpa na produção do acidente.<br>
- Tal acção correu termos por este Juízo e Tribunal, com o nº. 208/95, e nela o sinistrado e a ora Ré chegaram a acordo, por transacção homologada por sentença, nos termos da qual esta se obrigou a pagar-lhe a quantia de 2.250.000$00, quantia para a qual reduziu o pedido e com cujo recebimento se deu por totalmente indemnizado pelos danos de natureza patrimonial e não patrimonial que lhe advieram do referido acidente.<br>
- A Ré pagou ao sinistrado essa quantia em 10-05-96, do que ele deu quitação.<br>
- Do acidente resultaram para o sinistrado lesões que lhe provocaram uma IPP de 27,75%.<br>
- No cumprimento das suas obrigações contratuais, por via desse acidente, a Autora suportou despesas e pagamentos no montante global de 3.230.875$00.<br>
<br>
Consta dos autos, a fls. 89, certidão da acta de audiência, realizada em 08-05-96, onde se estabelecem os termos da transacção, homologada por sentença, que pôs termo à acção sumária nº. 208/95. Ali se prescreve, além do mais, o seguinte: "1º O autor reduz o pedido para o montante de dois milhões duzentos e cinquenta mil escudos. (...) 3º Com o recebimento desta quantia, o autor considera-se totalmente indemnizado pelos danos patrimoniais e não patrimoniais destes autos, contra a ré "Companhia de Seguros B, S.A."".<br>
Justifica-se ainda reproduzir o teor do recibo, datado de 10 de Maio de 1996, junto aos autos pela Ré, ora Recorrida, na sequência do ordenado pelo Tribunal da Relação de Coimbra de 4 de Maio de 1999 (cfr. fls. 155, vs.). É o seguinte o conteúdo de tal documento:<br>
<br>
RECIBO DE INDEMNIZAÇÃO<br>
Eu, D, casado, relojoeiro, residente no lugar de ..., freguesia de Valongo do Vouga, concelho de Águeda, declaro que recebi da "Companhia de Seguros B, S.A." a quantia de 2.250.000$00 (dois milhões duzentos e cinquenta mil escudos) como indemnização por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais reclamados no processo nº 208/95 que correu seus termos pelo 1º Juízo do Tribunal Judicial de Águeda e de acordo com o termo de transacção efectuado em tal processo.<div>III</div>1 - Está em causa a pretensão da Autora de ser reembolsada, pela Ré, do montante que pagou a título de seguradora de acidentes de trabalho.<br>
O caso dos autos é um caso em que os danos foram provocados por um acidente que é simultaneamente acidente de viação e acidente de trabalho ou de serviço.<br>
Nos termos do nº. 1 do artigo 18º do Decreto-Lei nº. 522/85, de 31 de Dezembro, "quando o acidente for simultaneamente de viação e de trabalho aplicar-se-ão as disposições deste diploma, tendo em atenção as constantes da legislação especial de acidentes de trabalho".<br>
À data do acidente encontrava-se em vigor a Lei nº. 2127, de 3 de Agosto de 1965, que promulgou as bases do regime jurídico dos acidentes de trabalho e doenças profissionais (1).<br>
Na economia da Lei nº 2127 assume particular relevo a Base XXXVII, que previne para a hipótese de o acidente ser causado por companheiro de trabalho ou por terceiros (2).<br>
O interesse desta Base reside no especial regime que estabelece sempre que o sinistrado do trabalho fica, em razão do acidente, titular de dois direitos de reparação: um pelo risco, perante a entidade patronal; outro por facto ilícito culposo, perante terceiro. Os casos, de longe, mais frequentes em que se desencadeia esta confluência de responsabilidades são os dos acidentes de viação de que são vítimas trabalhadores em serviço de entidades patronais, quando tais acidentes são culposamente provocados por "terceiros" (3).<br>
<br>
2 - Acerca do regime próprio dessa concorrência de responsabilidades, há que distinguir entre o plano das relações externas - relações entre cada um dos responsáveis e o lesado - e o domínio das relações internas - relações entre os dois (ou mais) responsáveis pela reparação dos danos.<br>
<br>
2.1. - No quadro das relações externas, o lesado poderá exigir a reparação dos danos causados pelo acidente, quer da entidade patronal, quer do condutor ou detentor do veículo.<br>
Mas, como salienta, com desenvolvimento, o acórdão recorrido, só neste aspecto se pode falar de uma responsabilidade solidária da entidade patronal e do detentor do veículo. O outro aspecto do regime de solidariedade, que consiste no facto de a prestação de um dos devedores liberar o(s) outro(s), já não ocorre nestes casos. Na verdade, se a indemnização paga pelo detentor do veículo extingue, de facto, a obrigação de indemnizar a cargo da entidade patronal, já o inverso não é exacto, na medida em que a indemnização paga por esta não extingue a obrigação a cargo do responsável pelo risco do veículo ou pela culpa do respectivo condutor.<br>
Por outro lado, as duas indemnizações não se podem somar uma à outra.<br>
<br>
2.2. - No plano das relações internas, há que distinguir. Assim:<br>
a) se é o detentor do veículo quem paga a indemnização devida, não lhe assiste nenhum direito em relação à entidade patronal, excepção feita aos casos da existência de culpa por parte desta na produção do dano;<br>
b) No entanto, se a indemnização for paga, no todo ou em parte, pela entidade patronal, esta ficará sub-rogada, nos termos da referida Base XXXVII da Lei nº. 2127, nos direitos do sinistrado.<br>
Esta diversidade de tratamento evidencia que a lei não coloca os dois riscos no mesmo plano. Como ensina Antunes Varela, "o risco próprio do veículo causador do acidente funciona como uma causa mais próxima do dano do que o perigo inerente à laboração da entidade patronal" (4).<br>
Não se justifica, no entanto, no caso ora em análise, prosseguir o excurso de índole teórica a que temos vindo a proceder, uma vez que ambas as partes estão de acordo em que o acidente em causa foi de viação e de trabalho e a Recorrida aceita o montante das despesas alegadas pela Recorrente, bem como o direito a ser reembolsada delas.<br>
O que se discute é se esse reembolso deve ser feito pela Recorrida, como pretende a Recorrente, ou pelo sinistrado, como entenderam as instâncias e tal como considera a Recorrida.<br>
<br>
3 - Da conjugação dos quatro números da Base XXXVII da Lei nº. 2127, pode traçar-se o seguinte quadro de situações possíveis, para o caso de o responsável pelo acidente de trabalho ter pago à vítima a indemnização do acidente:<br>
a) se a vítima recebeu indemnização pelo acidente de viação, a entidade patronal ou a sua seguradora, que pagaram, terão o direito de ser reembolsadas pela vítima - cfr. os ns. 2 e 3 da referida Base;<br>
b) se a vítima não recebeu indemnização pelo acidente de viação, e se ainda não propôs acção contra os responsáveis pelo acidente de viação, a seguradora da entidade patronal, que houver pago, não pode exercer o direito de regresso contra os responsáveis antes de decorrido um ano após o acidente;<br>
c) decorrido um ano sem que a vítima proponha a acção contra os responsáveis pelo acidente de viação, já a entidade patronal ou seguradora desta poderão exercer, em acção própria, o direito de regresso contra os responsáveis pelo acidente de viação;<br>
d) uma vez instaurada a acção pela vítima contra os responsáveis pelo acidente de viação, seja antes ou depois de decorrido o prazo de um ano a contar da data do acidente, a entidade patronal ou a seguradora desta têm o direito de intervir como parte principal nessa acção, para aí formular a pedido de reembolso.<br>
<br>
4 - Tendo presente o exposto e, bem assim, a matéria de facto dada como provada, acima reproduzida, para que ora se remete, vejamos quais as ilações a extrair relativamente ao caso sub judice.<br>
Em primeiro lugar, as indemnizações por acidente, ao mesmo tempo, de trabalho e de viação não são cumuláveis. São, isso sim, complementares, subsistindo a emergente do acidente de trabalho, para além da que foi paga pelos danos causados pelo acidente de viação.<br>
Em segundo lugar, e em princípio, a reparação dos danos emergentes de acidente de trabalho compreende apenas as prestações previstas na Base IX da Lei n. 2127, que estabelece o seguinte:<br>
O direito à reparação compreende as seguintes prestações:<br>
a) Em espécie: prestações de natureza médica, cirúrgica, farmacêutica e hospitalar e outras acessórias ou complementares, seja qual for a sua forma, desde que necessárias e adequadas ao restabelecimento do estado de saúde e da capacidade de trabalho ou de ganho da vítima e à sua recuperação para a vida activa;<br>
b) Em dinheiro: indemnização por incapacidade temporária absoluta ou parcial para o trabalho; indemnização em capital ou pensão vitalícia correspondente à redução na capacidade de trabalho ou de ganho; em caso de incapacidade permanente: pensões aos familiares da vítima e despesas de funeral, no caso de morte.<br>
Não constando da previsão do normativo acabado de reproduzir qualquer referência aos danos não patrimoniais, significa isto que a inacumulabilidade das indemnizações por acidente, simultaneamente, de trabalho e de viação, apenas faz sentido em relação aos danos patrimoniais.<br>
Em terceiro lugar, na medida em que concorrem uma com a outra, prevalece a responsabilidade subjectiva do terceiro sobre a responsabilidade objectiva patronal. Assim se entende que esta última assuma um carácter subsidiário ou residual. Com escreve Vítor Ribeiro, a responsabilidade patronal "extingue-se ou não conforme haja ou não efectivo pagamento da primeira", isto é, da responsabilidade subjectiva de terceiro (5).<br>
Em quarto lugar, se o lesado exerceu o direito à indemnização contra o responsável pelo acidente de viação e foi por este indemnizado - situação que, como já se viu, corresponde ao caso dos autos -, não podendo cumular ambas as indemnizações, importa observar o disposto nos nºs. 2 e 3 da Base XXXVII. Trata-se de situação subsumível ao caso da alínea a) supra enunciada no ponto 3.<br>
<br>
5 - Aproximemo-nos agora do caso concreto.<br>
O sinistrado e a recorrida chegaram a acordo quanto ao pagamento de uma indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, não se discriminando no quantum global de 2.250.000$00 os montantes correspondentes a cada uma das referidas categorias de danos. Tendo tal indemnização sido paga ao sinistrado, cai-se no âmbito da previsão dos nºs. 2 e 3 da Base XXXVII da Lei nº. 2127 (6).<br>
Tendo o sinistrado optado pela indemnização do acidente de viação, e sendo a indemnização arbitrada à vítima de montante inferior ao dos benefícios conferidos em consequência do acidente, a desoneração da responsabilidade será limitada àquele montante" - nº. 3 da Base XXXVII.<br>
Vejamos sobre quem incide a obrigação de reembolsar a seguradora da responsabilidade por acidente de trabalho do que lhe for devido.<br>
Na vigência do Decreto-Lei nº. 408/79, de 25 de Setembro, diploma que instituiu o seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, prescrevia o nº. 1 do artigo 21º que "quando o lesado em acidente de viação beneficie do regime próprio dos acidentes de trabalho, por o acidente ser simultaneamente de viação e de trabalho, o segurador de trabalho ou o responsável directo, na falta deste seguro, responderá pelo acidente de trabalho, tendo o direito de haver do segurador do responsável pelo acidente de viação ou do fundo de garantia automóvel. Na falta de seguro, o reembolso das indemnizações pagas, nos termos dos números seguintes e do que vier a ser regulamentado".<br>
Ou seja, a norma transcrita previa um reembolso efectuado directamente pela seguradora da responsabilidade civil à seguradora da responsabilidade por acidente de trabalho.<br>
O Decreto-Lei nº. 408/79 viria a ser, no entanto, revogado pelo Decreto-Lei nº. 522/85, de 31 de Dezembro (artigo 40º). Ora, como já se disse, o artigo 18º deste último diploma, no seu nº. 1, sempre que o acidente fosse simultaneamente de viação e de trabalho, mandava ter em consideração as disposições constantes da legislação especial de acidentes de trabalho.<br>
Tendo presente que, no Decreto-Lei nº. 522/85, não se encontra previsto o reembolso directo entre as seguradoras, importa atentar no regime da Lei nº. 2127 na matéria vertente. Ora, resulta do disposto nos nºs. 2 e 3 da Base XXXVII que o reembolso deve ser efectuado pela vítima do acidente, isto é, pelo beneficiário da indemnização.<br>
Diga-se, a propósito, que, na vigência da Lei nº 100/97, de 13 de Setembro, continua a estar previsto o regime do "reembolso pelo sinistrado" em acidente (beneficiário da indemnização) - artigo 31º, nºs. 2 e 3.<br>
Considerando que, à data da verificação do acidente dos autos já não se encontrava em vigor o regime previsto no Decreto-Lei nº. 408/79, de 25 de Setembro (artigo 21º), mas sim o que, por força da remissão operada pelo Decreto-Lei nº. 522/85, resultava da aplicação das normas da Base XXXVII da Lei nº. 2127, dúvidas não existem acerca do bom fundamento da decisão do acórdão recorrido.<br>
<br>
6 - Entende, porém, a Recorrente, repetindo, em grande parte, os argumentos, a propósito, aduzidos na antecedente apelação, que, por não haver qualquer duplicação de pagamentos indemnizatórios por parte da Ré recorrida, nem recebimentos indevidos ou em duplicado por parte do acidentado, visto serem diversos os pedidos formulados contra a recorrida pelo sinistrado e pela ora recorrente, o acórdão recorrido violou o direito da recorrente em ser reembolsada das despesas próprias, tendo violado também o disposto nos artigos 473º, 483º e 562º do C. C. e o nº. 4 da Base XXXVII da Lei nº. 2127, não sendo de aplicar ao caso o disposto nos nºs. 2 e 3 da referida Base.<br>
Mas não tem razão.<br>
Por um lado, tendo o sinistrado exercido o direito de acção para concretização da responsabilidade civil resultante do acidente de viação, e tendo sido paga a indemnização correspondente, não só não ocorreu a violação do nº. 4 da referida Base, mas também, porque verificado o preenchimento das situações abrangidas pelas respectivas previsões, se caiu no âmbito de aplicação da disciplina dos nºs. 2 e 3 daquela Base XXXVII.<br>
A Recorrente não tem razão quando insiste em ser reembolsada pela Recorrida das importâncias que, como seguradora do acidente de trabalho, despendeu com o sinistrado.<br>
Com efeito:<br>
a) As despesas de que a Recorrente pretende ser reembolsada integram-se no dano sofrido pelo sinistrado no acidente dos autos, na vertente "acidente de trabalho" - cfr. a Base IX da Lei nº. 2127, já oportunamente referenciada. E como foi paga a indemnização ao sinistrado, embora no acordo firmado por transacção não se tenha feito a destrinça dos montantes devidos a título de reparação de danos patrimoniais e de reparação de danos não patrimoniais, o que está em causa é a aplicação dos números 2 ou 3 da Base XXXVII da mesma Lei.<br>
b) Foi a Recorrente que deixou passar, sem das mesmas fazer uso, a oportunidade e a faculdade a que se refere o nº. 4 da Base XXXVII, disposição que lhe concedia a possibilidade de exercer direitos que podia ter utilizado para uma mais eficaz defesa dos seus interesses (7).<br>
c) Atenta a evolução legislativa já assinalada e tendo presentes os normativos aplicáveis, deixou de ser possível, a partir da revogação do Decreto-Lei nº. 408/79, de 25 de Setembro (artigo 21º), o reembolso directo entre as seguradoras do acidente de viação e de trabalho, depois de ter sido paga pela primeira a indemnização devida ao sinistrado - artigo 18º do Decreto-Lei nº. 522/85, de 31 de Dezembro e nºs. 2 e 3 da Base XXXVII da Lei nº. 2127.<br>
d) Pelo que, tendo a recorrida pago a indemnização devida pelo acidente de viação, pela qual o beneficiário optou, é a este que compete o reembolso da Recorrente em conformidade com o disposto pela referida Base XXXVII.<br>
<br>
Improcedem, pois, as conclusões do presente recurso, não ocorrendo a violação dos normativos indicados.<br>
<br>
Termos em que se nega a revista, confirmando-se o acórdão recorrido.<br>
Custas a cargo da Recorrente.<br>
<br>
Lisboa, 24 de Janeiro de 2002<br>
Garcia Marques,<br>
Ferreira Ramos,<br>
Lemos Triunfante.<br>
_______________<br>
(1) A Lei nº. 2127 veio a ser revogada pela Lei nº. 100/97, de 13 de Setembro (artigo 42º).<br>
(2) A Base XXXVII, sob a epígrafe "Acidente originado por companheiro ou terceiros", dispõe o seguinte: "1. Quando o acidente for causado por companheiros da vítima ou terceiros, o direito à reparação não prejudica o direito de acção contra aqueles, nos termos da lei geral. 2. Se a vítima do acidente receber de companheiros ou de terceiros indemnização superior à devida pela entidade patronal ou seguradora, esta considerar-se-á desonerada da respectiva obrigação, e terá direito a ser reembolsada pela vítima das quantias que tiver pago ou despendido. 3. Se a indemnização arbitrada à vítima ou aos seus representantes for de montante inferior ao dos benefícios conferidos em consequência do acidente ou da doença, a desoneração da responsabilidade será limitada àquele montante. 4. A entidade patronal ou a seguradora que houver pago a indemnização pelo acidente terá o direito de regresso contra os responsáveis referidos no nº. 1, se a vítima não lhes houver exigido judicialmente a indemnização no prazo de um ano, a contar da data do acidente. Também à entidade patronal ou seguradora assiste o direito de intervir como parte principal no processo em que a vítima exigir aos responsáveis a indemnização pelo acidente a que alude esta base".<br>
(3) Cfr. Vítor Ribeiro, "Acidentes de Trabalho - Reflexões e Notas Práticas", Rei dos Livros, 1984, págs. 227 e 228.<br>
(4) Cfr. "Das Obrigações em Geral", vol. 1º, 10ª edição, pp. 698 a 702. Para maiores desenvolvimentos, atente-se no que se escreve no acórdão recorrido, peça detalhada e profusamente fundamentada, a fls. 201 e segs.<br>
(5) Op. cit., pág. 238.<br>
(6) Que, recorde-se, dispõem, respectivamente, o seguinte: "2. Se a vítima do acidente receber de companheiros ou de terceiros indemnização superior à devida pela entidade patronal ou seguradora, esta considerar-se-á desonerada da respectiva obrigação, e terá direito a ser reembolsada pela vítima das quantias que tiver pago ou despendido. 3. Se a indemnização arbitrada à vítima ou aos seus representantes for de montante inferior ao dos benefícios conferidos em consequência do acidente ou da doença, a desoneração da responsabilidade será limitada àquele montante".<br>
(7) Cujo teor se recorda ser o seguinte: "4. A entidade patronal ou a seguradora que houver pago a indemnização pelo acidente terá o direito de regresso contra os responsáveis referidos no nº. 1, se a vítima não lhes houver exigido judicialmente a indemnização no prazo de um ano, a contar da data do acidente. Também à entidade patronal ou seguradora assiste o direito de intervir como parte principal no processo em que a vítima exigir aos responsáveis a indemnização pelo acidente a que alude esta base".</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
RjLWu4YBgYBz1XKv80go | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<br>
<br>
<font>"A" e "B" propuseram contra C - Sociedade de Construções, S.A., acção, a fim de ser decretada a resolução do contrato-promessa celebrado entre autores, como promitentes compradores, e a ré, como promitente vendedora, celebrado em 96.03.26, referente à fracção IH do prédio mencionado no art. 1º da pet. in., por incumprimento culposo desta, e a restituição do sinal em dobro, no valor de 38.800.000$00, acrescido de juros de mora desde a citação.</font><br>
<br>
<font>Contestando, a ré excepcionou por, tendo sido acordado como forma de pagamento o fornecimento de trabalhos de electricidade por empresa de que aqueles eram gerentes, estes ou não foram executados ou foram-no defeituosamente causando prejuízos e situações de multa, pelo que não foi pago o sinal nem houve incumprimento pela ré, razão por que conclui pela absolvição do pedido.</font><br>
<br>
<font>Após resposta e despacho a convidar a ré a suprir deficiências da contestação, o que satisfez, prosseguiu o processo, tendo, a final, procedeu a acção por sentença que a Relação confirmou.</font><br>
<font>Novamente inconformada, a ré pediu revista concluindo, em suma e no essencial, em suas alegações -</font><br>
<br>
<font>- nem os contratos de empreitada celebrados entre a ré e "D", Lª, foram denunciadas por qualquer uma das partes nem as condições de pagamento jamais foram alteradas pelo que a libertação das retenções de garantia apenas poderiam ser feitas nas condições contratuais ou seja 5 anos após a recepção definitiva;</font><br>
<font>- a recepção definitiva nunca foi solicitada pela empreiteira;</font><br>
<font>- a ré prestou-se a celebrar a escritura de compra e venda logo que decorreu o prazo de 5 anos que ainda não tinha decorrido em 1999, aquando das interpelações para a celebração da escritura;</font><br>
<font>- a quantia paga não foi a título de sinal mas, sim, o pagamento do preço, com a condição de o mesmo só estar totalmente pago quando se libertassem as retenções de garantia de acordo com os contrato de empreitada;</font><br>
<font>- para a validade do contrato de compra e venda do imóvel apenas falta a celebração da</font><br>
<font>escritura, sendo nulo sem essa celebração e sendo nulo, a cada um cabe devolver o que recebeu, sendo que neste caso haveria a quantificar indemnização devida pelo uso da fracção durante estes anos;</font><br>
<font>- a sentença ora em recurso apenas teve em conta o pretenso incumprimento por parte da ré da obrigação de celebrar a escritura de compra e venda não tendo em conta a interligação dos dois contratos nem a execução específica do contrato e de que os recorridos não se socorreram bem sabendo que não havia qualquer sinal a devolver em dobro;</font><br>
<font>- a sentença recorrida e o acórdão que a confirmou enfermam do vício de violação dos nº 1 e 2 do art. 236 do CC.</font><br>
<font>Contraalegando, os autores pugnaram pela confirmação do acórdão.</font><br>
<br>
<font>Colhidos os vistos.</font><br>
<br>
<font>Matéria de facto que as instâncias consideraram provada -</font><br>
<font>a) - por contrato de fls. 16 a 20, de 96.03.26, a ré prometeu vender aos autores e estes prometeram comprar-lhe a fracção IH, correspondente ao 1º andar, lado direito, do prédio urbano sito na av. eng. Arantes de Oliveira e rua Américo Durão, lote .., Quinta das Olaias, freguesia do Alto do Pina, concelho de Lisboa, descrito na 6ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o nº 604 da freguesia da Penha de França;</font><br>
<br>
<font>b) - o preço acordado foi de 19.400.000$00, a ser pago na forma descrita na cláusula 5ª do contrato;</font><br>
<font>c) - nos termos da referida cláusula, o pagamento do preço da fracção seria efectuado através do fornecimento de trabalhos de electricidade no montante de 18.531.371$00 pela Sociedade D, e o restante valor de 868.629$00 a pagar em dinheiro na data da escritura ou através do fornecimento de trabalhos de igual valor;</font><br>
<font>d) - os trabalhos de electricidade que serviram de pagamento do preço nos termos acordados foram realizados pela sociedade D qual os autores eram e são gerentes;</font><br>
<font>e) - os autores são gerentes da sociedade que realizou os trabalhos que serviram de pagamento do preço da fracção e eram à data do negócio casados com as únicas sócias da D;</font><br>
<font>f) - posteriormente à celebração do contrato-promessa, o A. B adquiriu a qualidade de sócio da D, em virtude do falecimento da sua mulher, sendo presentemente sócio e gerente;</font><br>
<font>g) - em 96.05.31, a ré levou à sua contabilidade o pagamento de 19.400.000$00;</font><br>
<font>h) - por carta registada com aviso de recepção enviada em 97.10.28 para cumprimento do disposto na cláusula sexta do contrato-promessa, os autores notificaram a ré para a celebração da escritura na data de 97.12.03;</font><br>
<font>i) - em resposta a essa notificação a ré enviou a carta de fls. 64, na qual informou os autores de que outorgaria a escritura desde que fosse liquidado o saldo da D que a ré considerava estar em divida em 96.09.30 ou, em alternativa, a D entregasse garantias bancárias que cobrissem as retenções efectuadas sobre a facturação e que tinham sido incluídas no pagamento do preço da fracção;</font><br>
<font>j) - em 98.12.04 os autores dirigiram nova carta à ré, registada com aviso de recepção, notificando-a para a realização da escritura em 99.01. 20;</font><br>
<font>k) - em resposta a esta notificação a ré enviou a carta de 99.01.12, na qual informa que não celebrará a escritura pública de compra e venda ‘medida em que os pressupostos do seu pagamento foram profundamente alterados com o incumprimento por parte da entidade pagadora D. Com efeito, a conta corrente da citada firma encontra-se com um saldo credor a nosso favor de cerca de esc. 12.000.000$00. Assim, apenas poderemos celebrar a escritura se a fracção nos for inteiramente paga’;</font><br>
<font>l) - os autores compareceram no respectivo cartório notarial, tendo sido lavrado o certificado de ocorrência no qual é certificado que a escritura pública que aí estava marcada não se realizou por falta de comparência do representante da vendedora;</font><br>
<font>m) - para pagamento do preço da fracção prometida vender, foram realizados os trabalhos cujos valores deram origem </font><br>
<br>
<font>- à factura 1134, de 95.11.15, no valor de 1.743.964$00;</font><br>
<font>- à factura 1136, de 95.11.30, no valor de 4.853.038$00;</font><br>
<font>- à factura 1139, de 95.12.29, no valor de 155.916$00;</font><br>
<font>- à factura 1140, de 95.12.29, no valor de 2.473.092$00;</font><br>
<font>- à factura 1142, de 96.01.06, no valor de 696.808$00;</font><br>
<font>- à factura 1146, de 96.01.06, no valor de 949.636$50;</font><br>
<font>- à factura 1147, de 96.01.0909, no valor de 23.400$00;</font><br>
<font>- à factura 1151, de 96.02.05, no valor de 340.250$00;</font><br>
<font>- à factura 1152, de 96.02.05, no valor de 154.951$00;</font><br>
<font>- à factura 1154, de 96.02.05, no valor de 911.787$00;</font><br>
<br>
<font>n) - foram efectuadas reparações na obra e houve reclamações pontuais a propósito dos trabalhos efectuados;</font><br>
<font>o) - nos 2 contratos de empreitada celebrados entro a D e a C estipula-se a aplicação de multas em caso de atrasos motivados por culpa da empreiteira;</font><br>
<font>p) - foi ainda contabilizado no pagamento do preço o remanescente da factura 1161, de 96.05.16, no montante de 236.896$00;</font><br>
<font>q) - a ré pagou à D a quantia de 600.000$00, por conta da factura nº 1161;</font><br>
<font>r) - foram efectuados pela D trabalhos de electricidade, cujos valores ficaram afectos ao pagamento do preço da fracção, no montante total de 12.539.738$50;</font><br>
<font>s) - para pagamento dos restantes 6.860.262$50 os autores e a ré acordaram em incluir no pagamento do preço da fracção as retenções de 10% feitas sobre a facturação de D, nos termos do contrato de empreitada, e bem assim, os valores dos encargos bancários suportados pela D com as letras de câmbio entregues pela ré para pagamento da facturação daquela;</font><br>
<font>t) - no pagamento do preço da fracção foram incluídas as retenções feitas pela seguinte facturação:</font><br>
<br>
<font>ano de 1994:</font><br>
<font>facturas nº 1003, 1015, 1020, 1025, 1034, 1051, 1054, 1062, 1002, 1004, 1007, 1012, 1022, 1027, 1032, 1041, 1043, 1049, 1059, 1064 e 1063;</font><br>
<br>
<font>ano de 1995:</font><br>
<font>facturas nº 1076, 1105, 1109, 1130, 1070, 1081, 1088, 1096, 1100, 1102, 1107, 1112, 1124, 1133, 1139, 1069, 1082, 1087, 1095, 1101, 1103, 1108, 1113, 1126, 1131, 1136 e 1140;</font><br>
<br>
<font>ano de 1996:</font><br>
<font>facturas nº 1142, 1151, 1152, 1154, 1156 e 1157,</font><br>
<font>no valor total de 6.296.017$00, tendo a empresa dos autores emitido em 96.05.16 o recibo nº 1163;</font><br>
<font>u) - os encargos bancários relativos às letras de câmbio, suportados pela D e incluídos no pagamento do preço da fracção ascendem a 577.68$00;</font><br>
<font>v) - a inclusão no preço da fracção prometida vender dos valores referidos nas als. p), r) e s), foi decidida em reunião havida em 96.05.08 entre os autores por si e na qualidade de gerentes da D, e os representantes da ré nas obras onde a sociedade dos autores realizava os trabalhos de electricidade;</font><br>
<font>x) - dessa reunião foi feito um resumo em termos de rascunho (doc. de fls. 55) no qual se apontaram os valores dos trabalhos realizados, dos encargos bancários e igualmente das retenções de 10% efectuadas pela ré;</font><br>
<font>y) - os valores aí referidos constituíam a quantia em dívida, naquela data, pela ré à D, e que ascendia nos termos do rascunho a 22.585.181$00;</font><br>
<font>w) - desse valor, deduzido o preço de aquisição da fracção, resultava ainda um saldo a favor da D de 3.185.181$00;</font><br>
<font>z) - no dia seguinte, 96.05.09, a D enviou um fax à ré confirmando a reunião do dia anterior, mas rectificando alguns valores que tinham sido apurados e que constavam do resumo junto a fls. 55;</font><br>
<font>a-1) - o saldo credor da D, deduzido o preço da fracção prometida vender, era de 2.721.209$00 e não de 3.185.181$00 como tinha ficado assente na reunião;</font><br>
<font>b-1) - o preço da fracção foi integralmente pago pelos trabalhos realizados pela D;</font><br>
<font>c-1) - dada a sua situação de pequena empresa, e não tendo recebido o dinheiro dos trabalhos efectuados, quer a sociedade dos autores, quer os próprios autores, que dela retiram o seu único meio de subsistência, confrontaram-se com graves problemas financeiros,</font><br>
<font>d-1) - problemas financeiros esses que provocaram atrasos na solvência das suas responsabilidades, forçaram os seus sócios a recorrer a financiamentos bancários e chegaram mesmo a dar azo a situações de contencioso que a sociedade teve de resolver com pagamento de juros de mora;</font><br>
<font>e-1) - face a esta situação viram-se os autores obrigados a deslocar provisoriamente o escritório da sociedade para a fracção prometida vender, como forma de evitar os encargos com a renda do local onde se encontravam;</font><br>
<font>f-1) - os autores apenas aceitaram celebrar o contrato-promessa com o intuito de, realizada a escritura de compra e venda, poderem vender a fracção e realizar o capital que lhes era devido pela ré;</font><br>
<font>g-1) - o saldo da conta corrente existente em 96.09.30 entre a ré e a "D, era desfavorável à ré;</font><br>
<font>h-1) - no preço do prédio prometido vender foi incluído o valor das retenções atinentes à empreitada;</font><br>
<font>i-1) - no apanhado de contas entre ambas as sociedades feito em 96.05.09, existia uma verba referente a facturas por liquidar no valor de 15.247.523$50;</font><br>
<font>j-1) - este valor já tinha sido apurado em 96.03.20, apenas seis dias antes da assinatura do contrato-promessa;</font><br>
<font>l-1) - no apuramento do saldo da conta-corrente contabilística entre as duas sociedades, feito em 96.05.09, foram incluídos o valor dos trabalhos já efectuados e em dívida - 12.539.738$50 - -as retenções feitas sobre a facturação - 6.296.017$00 - e bem assim os encargos com as letras de câmbio aceites - 577.688$50;</font><br>
<font>m-1) - foi igualmente incluído nesse apuramento de 96.05.09, o valor das facturas nº 1156 e 1157, que se venciam no final de Maio de 1996;</font><br>
<font>n-1) - a ré, ao aceitar incluir o valor das retenções efectuadas no pagamento do preço da fracção, deu os trabalhos realizados até aí como bons;</font><br>
<font>o-1) - a sociedade dos autores enviou em 96.09.30 o fax nº 159/96, em que afirma não lhe ser possível continuar a trabalhar normalmente em virtude do não pagamento pela ré das facturas já vencidas e que será obrigada a reduzir o andamento dos trabalhos se não for liquidado, pelo menos, metade do valor em dívida à altura;</font><br>
<font>p-1) - a ré respondeu em 96.10.01 que poderia proceder ao pagamento de 1.000.000$00 por conta das facturas vencidas;</font><br>
<font>q-1) - estes 1.000.000$00 não foram pagas pela ré nessa altura nem posteriormente;</font><br>
<font>r-1) - na altura da celebração do contrato-promessa estavam facturados cerca de 54.000 contos, numa empreitada de cerca de 60.000 contos;</font><br>
<font>s-1) - nessa altura estavam em dívida à D, cerca de 22.500.000$00;</font><br>
<font>t-1) - para reduzir o montante em dívida a ré celebrou o contrato-promessa em causa </font><br>
<font>u-1) - e ficou um saldo credor a favor da D, no valor de 2.721.209$00;</font><br>
<font>v-1) - após este acerto de contas a empreitada continuou e mais facturas foram emitidas e outros pagamentos foram efectuados;</font><br>
<font>x-1) - em 97.10.06 a ré enviou uma carta à D, informando que pretendia proceder à regularização das contas entre as duas empresas e acrescenta que existe um saldo credor a favor da D, no valor de 2.635.913$00.</font><br>
<br>
<font>Decidindo: </font><br>
<br>
<font>1.- Porque lavrado por remissão, ao abrigo do art. 713-5 CPC, não se tem por irregular a alegação da ré cujas conclusões são uma mera repetição ipsis verbis das apresentadas na apelação. A mais apenas a referência final a acórdão que confirmou a sentença.</font><br>
<br>
<font>2.- Dispõe a lei adjectiva que toda a defesa deve ser deduzida na contestação e que, ao contestar, deve tomar posição definida perante os factos articulados pelo autor (CPC- 489,1 e 2, e 490-1).</font><br>
<font>Contestando, a ré expressamente aceitou ser contrato-promessa de compra e venda o celebrado entre ela e os autores, que o preço acordado seria pago através do fornecimento de trabalhos de electricidade por terceiro (a sociedade D, de que os autores eram e são gerentes), o qual constituía sinal (afirmando, inclusívè, que a devolver, o seria em singelo), devendo ser imputado na prestação devida.</font><br>
<font>Aliás, face à presunção estabelecida no art. 441 CC, a si competia alegar e demonstrar que não se tratava de sinal mas de antecipação do cumprimento.</font><br>
<font>Silenciou totalmente, ao defender-se, as questões que agora tardiamente suscita nas suas conclusões 1ª, 2ª e 3ª (esta última plenamente contrariada pelo alegado no art. 11 da contestação), 4ª - na 2ª parte (a 1ª parte, se não tivesse havido reconhecimento, improcederia por insatisfação do ónus de alegar), 5ª in fine (indemnização pelo uso da fracção) e 6ª - 2ª parte (não recurso à execução específica).</font><br>
<font>Por outro lado, os recursos não se destinam a conhecer questões novas, a não ser que o devam ser ex offício.</font><br>
<font>Além de que lhe precludira o direito de defesa com base nelas, as questões suscitadas em sede de recurso são questões novas não se impondo o seu conhecimento oficioso.</font><br>
<font>Pelas conclusões se define o objecto do recurso; se não há correspondência entre o alegado e as conclusões ou se ‘conclui’ sem ter produzido alegação sobre essa matéria, não se pode falar em «conclusões» e, porque tal, não é cognoscível.</font><br>
<font>Tal ocorre aqui - a ré, nas alegações, afirma que este contrato-promessa consubstancia uma dação em pagamento por si feita à firma de que era devedora (fls. 555 vº) sem que, a esse propósito, formule ‘conclusão’. Se a tivesse formulado, o seu conhecimento estava afastado pelas razões indicadas antes (preclusão do direito de defesa e ser ‘questão nova’).</font><br>
<br>
<font>3.- Reconhecendo a ré que prometera vender aos autores e estes prometeram comprar a fracção autónoma IH, não se compreende como agora faz tábua rasa da sua contestação e de todo um seu comportamento ao longo do processo vindo, nas conclusões, falar como se o contrato prometido tivesse sido celebrado (será que, subjacente a tal conclusão, estará suposição de que, tendo o preço sido pago na totalidade tem como celebrado verbalmente o contrato prometido?!).</font><br>
<font>Alegando, a ré contradiz-se - todo o seu discurso é feito na base da existência de um contrato-promessa e, sem qualquer conexão com ele, inseriu nas alegações a seguinte frase - «Foram sim, de os seus sócios gerentes terem comprado para si, um bem que foi pago com trabalho prestado pela sua empresa» (fls. 556).</font><br>
<font>Finalmente, deslocando-se do que realmente foi accionado e do provado, avança para a nulidade do contrato prometido (só se compreende tal argumentação se ... partir do princípio de que foi celebrado) devendo cada um devolver o que recebeu.</font><br>
<font>Apenas porque se desvia do que outorgou, reconheceu ter outorgado e sabe ter ficado definitivamente assente - a celebração de um contrato-promessa - é que pretende ter como violadas as regras de interpretação das declarações negociais consagradas no art. 236 CC.</font><br>
<br>
<font>4.- Pelo presente recurso a ré não põe verdadeiramente em crise o acórdão, apenas dá conta de não ter exercido com a extensão que agora revela (desinteressa conhecer se seria relevante tê-lo feito no momento e local próprios) o direito de defesa.</font><br>
<font>Sibi imputat.</font><br>
<font>Conquanto não haja outras questões a conhecer, não se deixa de afirmar que merece a nossa concordância a argumentação desenvolvida na sentença que a Relação confirmou ao abrigo do art. 713 n. 5 CPC.</font><br>
<br>
<font>Termos em que se </font><b><font>nega a revista.</font></b><br>
<font>Custas pela ré.</font><br>
<br>
<font>Lisboa, 24 de Maio de 2005</font><br>
<font>Lopes Pinto,</font><br>
<font>Pinto Monteiro,</font><br>
<font>Lemos Triunfante.</font></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
RjLYu4YBgYBz1XKvAEk7 | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: </font><br>
<br>
<font>O Ministério Público instaurou contra A acção de oposição à aquisição de nacionalidade portuguesa por se não ter comprovado a ligação efectiva à comunidade nacional.</font><br>
<font>Após contestação do requerido, a Relação julgou procedente a acção e determinou o arquivamento do processo conducente à mencionada aquisição.</font><br>
<br>
<font>Inconformado, apelou o requerido concluindo que alegou e provou por documentos e testemunhas, meios que não foram impugnados, a sua ligação à comunidade portuguesa em função dos variados factores exigidos, relacionados com - domicílio, língua, aspectos culturais, sociais, familiares, económico-profissionais e outros que abonam a pertença efectiva à nossa comunidade.</font><br>
<font>Contraalegando, o Mº Pº defendeu a confirmação do acórdão.</font><br>
<font>Colhidos os vistos.</font><br>
<br>
<font>Factos considerados provados pela ela Relação -</font><br>
<font>a) - o requerido nasceu em 60.03.21 em Teerão, Irão, sendo filho de pais iranianos e tendo nacionalidade iraniana;</font><br>
<font>b) - casou em 96.06.13 com B, de nacionalidade portuguesa;</font><br>
<font>c) - deste casamento nasceu um filho C;</font><br>
<font>d) - reside na Suíça, com a mulher e filho;</font><br>
<font>e) - é portador do cartão provisório de identificação fiscal emitido em 02.02.13 pela Direcção Geral de Impostos;</font><br>
<font>f) - nada consta do seu registo criminal;</font><br>
<font>g) - em 03.09.18 o presidente da Direcção de Pais de Zurique declarou que o requerido «frequenta regularmente a biblioteca da comissão»;</font><br>
<font>h) - em 03.09.15, a direcção do Centro Lusitano de Zurique declarou que o requerido «frequentou algumas vezes aquele centro»;</font><br>
<font>i) - em 03.09.12, D, alegado membro do Conselho Permanente das Comunidades Portuguesas declarou que o requerido «é uma pessoa muito digna, respeitada pelos seus colegas e amigos, com excelentes relações com os portugueses residentes na Suíça, frequentador de estabelecimentos comerciais de portugueses e participante em eventos culturais organizados pela comunidade»;</font><br>
<font>j) - o requerido constrói algumas frases em português;</font><br>
<font>l) - a favor do requerido e da mulher encontra-se registada a aquisição de uma fracção autónoma, na Covilhã;</font><br>
<font>m) - o requerido já visitou algumas vezes Portugal.</font><br>
<br>
<font>Decidindo: -</font><br>
<font>1.- Em questão apenas a prova da ligação efectiva à comunidade nacional portuguesa, com a satisfação da qual onerado está o requerente.</font><br>
<font>A prova destina-se à demonstração da realidade dos factos (CC - 341) o que é distinto dos meios de prova.</font><br>
<font>O que as als. g) a i) demonstram é o facto de terem sido prestadas «declarações», esse apenas o facto. Para que o nelas referido, o seu conteúdo, pudesse ser considerado impunha-se que esses depoimentos pudessem ser valorados como tais, desde logo, passassem pelo crivo do contraditório, o que não sucedeu. Ainda que, porventura, o tivessem sido daí não se seguiria necessariamente o ter-se como demonstrado o facto a que cada testemunha se referiu nem, já agora sob um outro ângulo, que esse facto devesse ser considerado como suficiente e relevante para efeitos de se poder concluir pela existência do pressuposto ‘ligação efectiva’ à comunidade nacional.</font><br>
<br>
<font>2.- A aquisição da nacionalidade portuguesa por efeito de casamento com nacional não é automática.</font><br>
<font>Os factos provados em ordem àquele pressuposto são incaracterísticos e insuficientes.</font><br>
<font>O possuir cartão de identificação fiscal é de todo inócuo - um português (e a mulher do requerido é portuguesa) ou um estrangeiro pode-o ter.</font><br>
<font>O construir algumas frases em português é igualmente incaracterístico.</font><br>
<font>Quem visita não só sai do seu local ou do local onde se encontra para ir a outro como o faz, permanece, apenas durante certo tempo, mais ou menos curto.</font><br>
<font>O requerido reside na Suíça e já visitou algumas vezes Portugal, onde tem casa própria - são factos que não se revestem de inequivocidade em ordem ao requisito a provar, podem ser assumidos tanto por um turista como por nacional (e a mulher do requerido é-o) que, sozinho ou com a sua família, pretenda dispor de habitação para quando visita Portugal ou por quem pretenda rentabilizar o património.</font><br>
<font>Estes os únicos factos a considerar; apreciados no seu conjunto - e é numa visão de conjunto que devem ser valorados - são manifestamente insuficientes.</font><br>
<br>
<font>A pertença à comunidade nacional ou a ligação efectiva à mesma não se pode definir pelo preenchimento de todos os itens que habitualmente são enumerados (conhecimento da língua, dos usos e costumes, da história, da geografia, das tradições, etc. e convívio e integração nas comunidades de portugueses) nem requer que a cada um deles seja conferido o mesmo relevo; antes exige que, numa visão de conjunto, seja possível concluir que a caminhada para adquirir a nacionalidade portuguesa se encontra estruturada e arreigada no pretendente.</font><br>
<font>Nada disso aqui ocorre.</font><br>
<br>
<font>Termos em que se </font><b><font>julga improcedente a apelação.</font></b><br>
<font>Custas pelo recorrente.</font><br>
<br>
<font>Lisboa, 15 de Março de 2005</font><br>
<font>Lopes Pinto,</font><br>
<font>Pinto Monteiro,</font><br>
<font>Lemos Triunfante,</font></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
5zLhu4YBgYBz1XKvT02G | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br>
<br>
<br>
"A", instaurou execução de sentença contra B, liquidando a indemnização por danos futuros (perda da capacidade de ganho) em 5.852.872$00, acrescida de juros de mora vencidos, totalizando 7.671.360$00, e vincendos.<br>
Contestando, a executada impugnou quer por a IPP não exceder 5%, quer por a taxa de remuneração pura a considerar ser inferior (0,75%) à indicada pela exequente (1,06%) quer por apenas poder haver mora a partir da liquidação deste crédito.<br>
Prosseguindo, improcedeu a liquidação por sentença que a Relação revogou.<br>
De novo inconformada, por pretender a procedência total da liquidação, pediu revista a exequente concluindo, em suma e no essencial, em suas alegações:<br>
- porque não impugnada a decisão de facto não podia a Relação ter alterado a decisão de facto, pelo que o acórdão, conhecendo do que lhe é vedado, é nulo;<br>
- «uma coisa é o exequente aceitar de forma irretratável, que a obrigação exequenda é de certo montante, outra é confessar na liquidação matéria de facto»;<br>
- não é admissível a relevância probatória de matéria favorável ao autor da confissão;<br>
- para se determinar a medida duma obrigação há que atender ao conjunto de decisões sucessivamente transitadas, sendo esse conjunto que vai constituir o caso julgado formal;<br>
- a condenação em «juros desde a citação» que consta da sentença não foi posta em causa e tem de ser lida com referência a todas as verbas da indemnização, pelo que subsiste e integra a obrigação exequenda por força do caso julgado formal;<br>
- foi violado o disposto nos arts. 342, 352 e 358 CC e 46, 47, 264, 672, 668, 684, 688 e 712 CPC.<br>
Contraalegando, pugnou a executada pela confirmação do julgado.<br>
Colhidos os vistos.<br>
<br>
<br>
Matéria de facto que a Relação considerou provada:<br>
a)- com data de 92.07.15, foi proferida sentença no âmbito da acção sumária 158/89, intentada por C, por si e em representação de sua filha menor A, onde foi decidido "julgar a acção parcialmente procedente, por provada e condenar a ré Tranquilidade Seguros a pagar à Autora A a quantia de Esc. 2.874.031$50, acrescidos de juros vincendos à taxa legal desde a citação e até efectivo e integral pagamento";<br>
b)- interposto recurso desta decisão pelas autoras e pela ré, o -Tribunal da Relação de Évora, por acórdão proferido em 93.07.01, decidiu "negar provimento ao recurso interposto pela ré B e julgar parcialmente procedente a apelação das AA "; em consequência, a ré foi condenada a pagar à autora A a quantia de Esc. 2.900.031$50, a título de indemnização, acrescida de juros legais a contar da citação;<br>
c)- deste acórdão foi, de novo, interposto recurso por ambas as partes para o Supremo Tribunal de Justiça onde, por acórdão datado de 94.05.26, foi decidido "condenar a ré a pagar à Autora A a título de danos patrimoniais a quantia já liquidada de Esc. 100.031 $50, com juros desde a citação e a quantia que, quando atingir a maioridade, vier a liquidar-se nos seguintes termos: a título de danos patrimoniais futuros a indemnização representada pelo capital que durante 47 anos garanta uma renda anual fixa que tenha em consideração 20% da quantia que, então represente o salário mínimo nacional geral devendo considerar-se 14 meses por ano; tomar-se-á em consideração a média da taxa de juro líquida com que, nessa altura, a Banca Comercial estiver a retribuir depósitos de Esc. 1.000.000$00 ao prazo de um ano, mas ficando aberta à ré a possibilidade de, então, demonstrar que, a essa altura a taxa de incapacidade para o trabalho da ofendida A já não atinge os 20% atrás indicados";<br>
d)- A nasceu em 79.05.27;<br>
e)- actualmente, o grau de incapacidade da exequente A não é superior a 5%.<br>
<br>
Decidindo:<br>
<br>
1.- Tese da recorrente - nulo o acórdão por excesso de pronúncia ao oficiosamente alterar a decisão de facto.<br>
A fixação da matéria de facto cabe, em última instância, à Relação e será sobre ela que o Supremo Tribunal de Justiça (tribunal de revista e não uma 3ª instância) aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado.<br>
Várias consequências decorrem daqui, uma das quais é o poder a Relação modificar a decisão de facto, se ocorrer fundamento legal para tanto, independentemente de lho ser pedido.<br>
Considerou a Relação haver fundamento legal para tanto - o acordo - e, como tal, ao abrigo do disposto nos arts. 712-1 a) e 2 e 515 impunha-se-lhe que o fizesse. <br>
Improcede a arguição de nulidade.<br>
<br>
2.- Acordo e confissão não se confundem, realidade em que as conclusões 2ª e 3ª da recorrente não atentaram.<br>
Sem prejuízo, no texto das alegações, esta recusou a possibilidade de haver acordo na medida em que teve oportunidade de responder à contestação.<br>
Também aqui carece de razão.<br>
Com efeito, referindo-se ao articulado da contestação, dispõe a lei que se consideram ‘admitidos por acordo os factos que não forem impugnados salvo se ...’ (CPC- 490,2).<br>
In casu, não ocorre qualquer das excepções ressalvadas.<br>
No art. 7 do requerimento inicial, a exequente considerou como taxa da sua IPP 20%.<br>
Contestando a liquidação, a executada opôs a de 5% como sendo a real (art. 5).<br>
Formado estava um acordo - a IPP de que actualmente (o reportar-se não ao momento da sentença na acção declarativa mas à maioridade da exequente está em consonância com o acórdão do STJ proferido na acção sumária, respeita o seu comando) padecia era, pelo menos, de 5%. Uma superior dependia de prova.<br>
Por isso, não podia a 1ª instância ter dado como não provado que a exequente, à data da maioridade, sofresse de qualquer IPP e bem andou a Relação ao modificar a decisão de facto pois que dispunha de um facto plenamente provado por acordo.<br>
<br>
3.- O caso julgado é formado pela decisão nos precisos limites e termos em que julga.<br>
Importa interpretar a decisão para conhecer o que efectivamente aí se contém.<br>
Na acção sumária, onde se formou o título executivo, as instâncias atribuíram como indemnização uma só parcela e sobre ela recaindo juros de mora desde a citação. Diversamente julgou o STJ - nos danos patrimoniais diferenciou entre os já liquidados e os futuros que só mais tarde (a partir da maioridade da aqui exequente) poderiam ser liquidados e, quanto a estes, definiu o critério a seguir para a sua valoração e fixação da indemnização.<br>
Ao proceder assim não só remeteu para mais tarde a eventualidade da sua fixação (a parte poderia demonstrar que os danos, a existirem a essa data, eram outros e menores) como ainda não podia fazer, como não fez, incidir sobre ela juros de mora desde a citação - a falta de liquidez não poderia ser imputada à ali ré e aqui executada.<br>
A Relação, decidindo como decidiu - incidirem sobre o crédito de indemnização, por danos futuros, da exequente juros de mora desde a prolacção do seu acórdão - não só o fez na esteira da correcta interpretação do caso julgado como ainda respeitou o disposto nos arts. 805-3 e 566-2 CC.<br>
<br>
Termos em que se nega a revista.<br>
Custas pela recorrente.<br>
<br>
Lisboa,19 de Fevereiro de 2004<br>
Lopes Pinto<br>
Pinto Monteiro<br>
Lemos Triunfante</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
WjIBvIYBgYBz1XKvgXT0 | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça<div></div>I. Pelo 1º Juízo do Tribunal de Família de Lisboa, A propôs esta acção de cessação de alimentos contra B. <br>
Basicamente, o autor invocou o que considerou imoralidade e indignidade da ré e situação patrimonial, e pediu a cessação da sua obrigação de lhe prestar alimentos (fls. 2 e segs.).<br>
<br>
A ré contestou e reconveio (fls. 28 e segs.); quanto à reconvenção, pediu que fosse aumentada a pensão de alimentos a favor da reconvinte "num montante razoável".<br>
<br>
O reconvindo respondeu (fls. 53 e segs.).<br>
<br>
Em saneador, o Mmº Juíz considerou a petição reconvencional inepta e absolveu o reconvindo da instância (fls. 71).<br>
<br>
Só o autor agravou do saneador (fls. 125).<br>
<br>
Mais tarde, foi proferida a sentença de fls. 330 e segs., julgando a acção improcedente e, portanto, absolvendo a ré do pedido.<br>
<br>
O autor apelou (fls. 337).<br>
A Relação de Lisboa emitiu o Acórdão de fls. 381 e segs., confirmando o decidido na 1ª instância.<br>
<br>
O autor recorreu, de revista, para este Supremo Tribunal (fls. 390). E, alegando, concluiu (fls. 392 e segs.):<br>
1)a) b) c) Se adite, ao quesito 10, que a casa aí referida foi, inicialmente, a casa de morada de família, onde viveram autor e ré, cerca de 4/5 anos - após o casamento - que, se essa casa, a necessitar de obras, eram nela mais justificáveis do que as referidas no quesito 1;<br>
1) d) Se declarem, especificadamente, os factos a que se reporta a alínea D da especificação;<br>
1) e) Se adite ao quesito 13 que a ré e as restantes co-herdeiras pretendem vender os terrenos, nela, referidos;<br>
1) f) Se especifique que a ré é comproprietária da casa "certificada a fls. 91 e 92";<br>
1) g) Se especifique que a área dos terrenos de cultivo "certificados a fls. 110/118" é superior a 4 ha;<br>
2) 3) O comportamento da ré, mantendo relações sexuais com um cunhado, foi causa da definitiva separação de facto e do divórcio, tendo sido, na respectiva acção, declarada principal culpada, por decisão transitada;<br>
4) O comportamento da ré, com um cunhado, é indigno, ética e socialmente, e relevante, de per si, para fazer cessar os alimentos (art 2019 do C Civil);<br>
5) 6) Reservar a indignidade, como pretende a decisão recorrida, v.g. para caso de condenação penal por crime doloso, conduz à situação aberrante de a cessação dos alimentos vir a operar por uma condenação dolosa por leve bofetada, palavra injuriosa ou conduta menos gravosa, o que esvaziaria o conteúdo dos arts 1672 e 1779 do C Civil;<br>
8) O dever de assistência, aquando da separação de facto, não obsta a que cessem, posteriormente, os alimentos fixados;<br>
7) 9) 10) O art 2019 do C Civil equipara novo casamento ao caso de o alimentado se tornar indigno pelo seu comportamento moral, e não faz depender a cessação da obrigação alimentar da anterioridade da sua fixação, da anterioridade do conhecimento dos factos integradores da fundamentação do divórcio e da declaração de culpa, não permitindo tal distinção;<br>
11) Só após o trânsito da sentença que decretou o divórcio, com a declaração do culpado ou principal culpado, é possível requerer-se e operar-se cessação da prestação alimentícia, pois só a partir daí se tornam certos e juridicamente relevantes os factos que integram o comportamento subjacente à declaração de cônjuge culpado ou principal culpado,<br>
12) 13) 14) 16) Cessando, com o divórcio, o vínculo matrimonial e todos os deveres entre os cônjuges, não existe razão para a sua exigência ou manutenção em relação ao cônjuge que não lhe deu causa, que não deve ser obrigado a prestar ou a continuar a prestar alimentos, sem limitação, quanto à anterioridade (ou posterioridade) dos factos ou do seu conhecimento, a quem, pelo seu comportamento moral indigno, levou à ruptura dos laços matrimoniais, sendo que o comportamento adulterino, com o cunhado, pela sua indignidade, impõe, de per si, cessação do direito a alimentos;<br>
15) Atentos os valores e as casas referidas nos autos, é de concluir que a ré não carece de continuar a receber os alimentos em causa;<br>
17) Na eventual hipótese de carecer de alimentos, devem ser prestados pelos outros familiares, nos termos do art 2009 do C Civil;<br>
18) A "sentença" recorrida violou, entre outros, o art 511 do CPC e os arts 2019, 2009, 2013, 2015, 1675, 2016, 1672, 1779 nº1 e 9 do C Civil.<br>
Finalizando, o recorrente pede revogação do Acórdão recorrido ou ampliação fáctica.<br>
<br>
A recorrida contra-alegou, defendendo a manutenção da obrigação de alimentos a seu favor (fls. 406 e segs.).<br>
<br>
Foram colhidos os vistos legais (fls. 424 v.).<br>
II. O Acórdão recorrido assentou no seguinte circunstancialismo (fls. 383):<br>
1) Autor e ré casaram-se em 12.03.1960;<br>
2) Por acordo de 14.06.1989, homologado por sentença da mesma data, transitada, o autor obrigou-se a pagar, à ré, a título de alimentos definitivos, a quantia mensal de 9000 escudos, com início naquele mês de Junho, a qual seria aumentada sempre na mesma percentagem em que o fosse o vencimento do primeiro;<br>
3) Por Acórdão de 16.06.1992, transitado, o casamento referido foi dissolvido por divórcio, tendo sido declarada principal culpada a ré;<br>
4) Nesse Acórdão foram provados os factos "constantes da certidão de fls. 4 e segs. 10 e 10 v.";<br>
5) A pensão de alimentos referida em 2, por força da cláusula de indexação referida, tem, actualmente, o montante mensal de 12000 escudos;<br>
6) Em meados de Julho de 1992, a ré recebeu, da Câmara Municipal de Lisboa, 2750000 escudos, a título de indemnização, por ter sido desactivado, pela referida Câmara, o bairro onde se situava a casa que, na altura, habitava;<br>
7) A ré vive, presentemente, numa casa sita na freguesia de Longra, Tabuaço;<br>
8) E recebe uma pensão de reforma no valor mensal de 18600 escudos;<br>
9) Construiu uma cozinha num terreno anexo à casa onde, presentemente, vive, tendo gasto 700000 escudos;<br>
10) Essa casa pertence à Câmara Municipal de Tabuaço e está tomada de arrendamento pela ré;<br>
11) Que pretende adquirir a sua propriedade, admitindo a Câmara Municipal de Tabuaço vendê-la;<br>
12) A ré não exerce qualquer actividade profissional, por ser doente, tendo como únicos rendimentos as pensões referidas em 2, 5 e 8;<br>
13) Paga 400 escudos mensais de renda de casa e tem a seu cargo exclusivo as despesas inerentes à sua subsistência, designadamente, as de alimentação, água, luz e gas; 14) Necessita de comprar medicamentos todos os meses;<br>
15) A casa referida em 7 é pré-fabricada e em madeira;<br>
16) A ré possui uma casa chamada Nazaré, igualmente na freguesia de Longra , a qual não possui condições mínimas de habitabilidade;<br>
17) A ré nasceu em 07.06.1940;<br>
18) É co-herdeira de herança ainda indivisa por óbito de seu pai, na qual se incluem vários terrenos de cultivo;<br>
19) Os respectivos herdeiros, que são pelo menos cinco, prometeram vender dois desses terrenos por 1300000 escudos, de cujo preço já receberam 700000 escudos a título de sinal.<br>
II. Da alegada indignidade:<br>
Para se apreciar o pedido de cessação da obrigação de prestação de alimentos por parte do recorrente, ora em 12000 escudos mês, convém ter presentes alguns aspectos nucleares como seja o do nascimento dessa obrigação, a partir do circunstancialismo provado e do que constitui aquisição processual e consta dos processos perante os nossos olhos.<br>
Na derrocada de um casamento de cerca de 30 anos, em processo de alimentos provisórios, desencadeado pela ora recorrida, esta e o ora recorrente fizeram um acordo, a título definitivo, em 14.06.1989, no sentido de o ora recorrente pagar a pensão actualizável que está em discussão. Esse acordo foi homologado por sentença que transitou em julgado (fls. 13/14 do respectivo apenso).<br>
<br>
Note-se que, para além da auto-vinculação que esse acordo reflecte, mesmo no que concerne ao divórcio que, naturalmente, era previsível e veio a verificar-se, a lei portuguesa admite a prestação de alimentos, por equidade, nos termos do nº2 do art 2016 do C Civil.<br>
Os professores P. Lima e A. Varela explicam claramente essa possibilidade, perante a situação matrimonial "já sem vida" e, por outro lado, como natural decorrência da situação conjugal com reflexos para além de si própria ("Anotado", V, 611).<br>
A isto junta-se, como se disse, a auto-vinculação.<br>
<br>
Perante este quadro, não tem qualquer sentido querer emprestar ao art. 2019 do C Civil uma abrangência que ele, indubitavelmente, não tem.<br>
<br>
É exactamente a objectiva consonância entre a hipótese de novo casamento e a invocada indignidade do "alimentado", levando, identicamente, a que a lei diga que "cessa o direito a alimentos" que, tudo junto, faz evidenciar que a ocorrência fáctica condicionante da cessação deverá ser posterior ao divórcio (ou, pelo menos, à fixação dos alimentos revidendos).<br>
Aquela será a hipótese normal porque, naturalmente, nenhuma lei, no âmbito da cultura portuguesa, iria ressalvar, positivamente, um novo casamento com um anterior ainda subsistente.<br>
De todo o modo, adentro da lógica do instituto jurídico dos alimentos, é admissível relevância de algo posterior à fixação "definitiva" se for ponderável no âmbito dos factores atendíveis.<br>
É assim que bem se compreende que o art 2019 do C Civil seja um complemento da doutrina do art 2016 do mesmo código acerca da obrigação alimentar relacionada com um casamento (a extinção de um casamento é, ainda, por definição, algo atinente ao casamento) cfr. P.Lima e A. Varela, obra citada, 616.<br>
<br>
Tudo se enquadra nos pressupostos conjugados do caso julgado e das especialidades do instituto jurídico dos alimentos (cfr. regra geral do artº 2012 do C.Civil): se, depois da fixação concreta, houver novo circunstancialismo relevante, a fixação é passível de revisão e até pode haver cessação.<br>
Mas depois.<br>
<br>
No âmbito do circunstancialismo provado, mesmo a admitir que, em tese, um relacionamento da recorrida com um cunhado seria indigno (ainda que nada saibamos sobre como ou porquê isso aconteceu), é incontroverso que tudo isso é reportado a anos muito anteriores a 1989, quanto mais ao divórcio objecto de Acórdão de 1992.<br>
Nada, no circunstancialismo provado permite assacar esse tipo de comportamento a época posterior às decisões alimentar ou de divórcio.<br>
E, seguramente, não é uma decisão judicial que transforma o falso em verdadeiro ou vice-versa. Essa perspectiva está totalmente ultrapassada. Os factos não dependem da decisão; esta é que depende daqueles.<br>
Logo, é totalmente irrelevante que o recorrente invoque o passado que já o era quando assumiu o compromisso, para se escusar deste.<br>
IV. Das necessidades - possibilidades:<br>
<br>
Neste âmbito, já a pretensão do recorrente poderia ter cobertura.<br>
Simplesmente, nada evidencia que a recorrida tenha passado a ter menos necessidade relevante depois de 1989.<br>
<br>
Falta, como é manifesto, uma relatividade que constitui ónus de prova do recorrente e, portanto, cujo não esclarecimento lhe desaproveita: artº 342º nº1 do C.Civil e artº 516º do C.P.C.<br>
<br>
O que releva não é o património.<br>
É a rentabilidade.<br>
E, na rentabilidade, nada vai além, quanto à recorrida, de uma reduzida pensão de reforma (pensão de reforma de 18600 escudos), perante a qual os ditos 12000 escudos nada trazem demais, conforme reflectiria qualquer mínimo conhecimento da experiência comum.<br>
<br>
V. Aumentar a base fáctica? <br>
O S.T.J. não pode intrometer-se, directamente, sobre a quesitação, por isso que se estaria a imiscuir, ainda que indirectamente, na decisão de facto, que compete às instâncias.<br>
É certo, porém, que pode decidir que seja ampliada a base fáctica.<br>
Mas isto só pode acontecer quando seja possível e necessário para decisão do mérito: artºs. 729º e 730º do C.P.C..<br>
<br>
Os factos que o recorrente pretende fazer acrescer à quesitação não trariam qualquer inversão relevante aos considerandos conclusivos.<br>
Quanto à alínea D) da especificação, apesar de se discordar dessa "técnica" de dar um documento por reproduzido, não deixámos de considerar o seu conteúdo (Acórdão sobre divórcio).<br>
Por outro lado, perguntar, genérica e abstractamente, se uma pessoa tem possibilidade de angariar meios de subsistência é - passe a expressão - como atirar um tiro no escuro, ao arrepio do que deve ser uma articulação e quesitação concreta, explícita e assumida.<br>
Enfim, os vários pontos ditos de base fáctica, discutidos pelo recorrente, reportam-se a intenções, percepções, patrimónios, mas não a concreta rentabilidade ou falta de necessidade, mormente em termos relativos ao que ocorreria em 1989.<br>
E quanto ao outro factor deste instituto - possibilidade do prestador de alimento - não vem discutido, mormente no que concerne a qualquer alteração relevante.<br>
Finalmente, quanto ao citado art.º 2009º do C. Civil, é significativo, mas em dois planos alheios ao pensamento do recorrente: inserindo a problemática do cônjuge ou ex-cônjuge da panóplia geral e colocando-o em 1º lugar.<br>
VI. Resumindo, para concluir: <br>
<br>
1. Inserindo-se no instituto do direito a alimentos, o art.º 2019º do C.Civil complementa a orientação do art.º 2016º do mesmo código.<br>
2. O acto indigno que pode fazer cessar o recebimento de alimentos terá de ocorrer depois do divórcio ou, pelo menos, depois da fixação da prestação alimentícia.<br>
3. Assim, se o cônjuge marido se compromete, "definitivamente", a prestar alimentos, ao outro cônjuge e tal é objecto da sentença transitada, não é factor de cessação da prestação alimentícia o subsequente decretamento de divórcio por via de adultério da alimentada com um cunhado, se não ocorreu depois daquele acordo e daquelas decisões._<br>
4. Quanto a necessidade alimentícia, releva a rentabilidade e não tanto o património.<br>
VII. Donde, concluindo: <br>
<br>
Acorda-se em negar provimento ao recurso.<br>
Custas pelo recorrente, aliás sem prejuízo do apoio judiciário de que goze.<br>
Lisboa, 28 de Outubro de 1997.<br>
Cardona Ferreira,<br>
Herculano Lima,<br>
Aragão Seia.</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
_DLzu4YBgYBz1XKvnmDG | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça:
<p>I - A, intentou acção com processo ordinário contra B e C (hoje D), pedindo que as rés sejam solidariamente condenadas a pagar-lhe a quantia de 7224836 escudos e juros.
</p><p>Alegou que a 1ª ré na execução de trabalhos empreitados provocou a explosão de um tanque de condensados, causando-lhe prejuízos no montante do pedido. Essa ré havia transferido para a 2ª ré a responsabilidade por danos causados a terceiro no exercício da sua actividade.
</p><p>Contestando, a ré D excepcionou a prescrição e, em sede de impugnação, sustentou que a responsabilidade pela ocorrência do acidente deve ser imputada à autora. Em reconvenção pede que a autora seja condenada a pagar-lhe as importância que a ré despendeu e continuará a despender devido à morte de um operário e lesões graves de outro em consequência do acidente.
</p><p>A ré, citada editalmente e representada pelo Ministério Público, impugnou os factos.
</p><p>O processo prosseguiu termos, tendo tido lugar audiência de discussão e julgamento, sendo proferida sentença que decidiu pela procedência da acção e improcedência da reconvenção.
</p><p>Apelou a ré D, tendo a outra ré requerido adesão ao recurso.
</p><p>O Tribunal da Relação confirmou o decidido.
</p><p>Inconformada, recorre a Seguradora para este Tribunal, tendo aderido ao recurso a ré B.
</p><p>Formula as seguintes conclusões:
</p><p>- Nem a actividade da ré B, em geral, nem a actividade a desenvolver por ela para a execução do contrato que celebrou com a autora, podem considerar-se actividade perigosa no sentido que a esta expressão é emprestado pelo nº 2 do artigo 493º do C. Civil;<br>
- Não pode, por isso presumir-se que a explosão do tanque que ocorreu quando os operários da B procediam à abertura de um furo no tampo superior do tanque tenha sido devida a culpa dos mesmos;<br>
- Os operários da B não cometeram qualquer facto ilícito traduzido em desobediência a normas técnicas relativas a segurança no trabalho, que conhecessem, devessem conhecer ou a instruções de segurança que lhes tivessem sido apresentadas pela autora como sendo de observância obrigatória;<br>
- Os factos provados evidenciam que o acidente ocorreu, não por culpa dos operários da B, mas por culpa da autora que tendo o controle das suas instalações, exercendo uma actividade perigosa e conhecendo os perigos inerentes a essa sua actividade, designadamente, a existência de gases dentro do tanque no qual iam ser executados trabalhos pelos operários da B e o perigo da sua explosão, conhecendo os riscos inerentes aos trabalhos que iam ser executados pelos operários da B, lhes entregou o tanque para a execução dos trabalhos, sujeitando-os, sem qualquer necessidade, a esses riscos. Sem o mesmo ter sido lavado ou, pelo menos arejado, por forma a que os gases explosivos tivessem sido previamente eliminados, não lhes fez nenhuma advertência grave ou séria para o perigo de explosão, tendo-se limitado a aconselhar a abertura da porta de visita do tanque e acabou por aceitar a não abertura de tal porta que tinha aconselhado, quando os operários disseram ao seu representante que já tinham aberto uma válvula e uma flange cega no tecto do tanque para ventilação;<br>
</p><p>- Não tendo sido os operários da B os culpados da ocorrência do acidente, não podiam, nem esta ré, nem a sua seguradora, C, ser condenadas à reparação dos danos emergentes do mesmo acidente;<br>
- O contrato de seguro de responsabilidade civil que a C tinha em vigor com a B contém uma cláusula em que se estabelece uma franquia correspondente a 10% do valor dos danos a indemnizar, com um mínimo de 50000 escudos;<br>
- Esta cláusula é válida e o facto de estar inserida num contrato a favor de terceiro não lhe retira qualquer eficácia externa;<br>
- Nos contratos a favor de terceiro, o promitente, conforme se consigna no artigo 449º do Código Civil, pode opor ao terceiro todos os meios de defesa derivados do contrato, designadamente, aqueles que dizem respeito ao seu conteúdo, como é a cláusula da franquia;<br>
- Tendo decretado a sua condenação, violou o acórdão recorrido por erro de enquadramento e aplicação, o disposto nos artigos 483º, 487º, nº 2 do artigo 493º e nº 1 do artigo 497º e nº 1 do artigo 500º do C. Civil;<br>
- E violou também o artigo 449º do C. Civil e os artigos 426º e 427º do C. Comercial, pois a apólice de seguro, no pior dos casos para a recorrente, nunca lhe permitia condená-la em mais de 90% dos danos sofridos pela autora;<br>
- Mas, porque a culpa do acidente só pode ser imputada à autora, deveria esta ter sido condenada a pagar à ora recorrente as importâncias pedidas na contestação-reconvenção da C, acrescidas das que liquidou na audiência de discussão e julgamento;<br>
- Não o tendo feito, violou, mais uma vez o disposto no artigo 483º do C. Civil e a Base XXXVII da Lei nº 2127.<br>
</p><p>Contra-alegando, a recorrida defende a manutenção do decidido.
</p><p>Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
</p><p>II - Vem dado como provado:
</p><p>A autora é uma empresa industrial que se dedica à actividade lucrativa de transformação de madeiras;
</p><p>No dia 25.11.92, entre as 15h 15m e as 15h 25m, quando os operários da ré B, E e F, em cima de um tanque, se ocupavam da abertura de um furo, ocorreu uma explosão que os vitimou;
</p><p>À data do acidente a ré B havia transferido para a ré C, através de contrato de seguro titulado pela apólice nº 21.622, a responsabilidade por danos causados a terceiros no exercício da sua actividade;
</p><p>E por contrato titulado pela apólice nº 173375, transferiu a sua responsabilidade pelos acidentes de trabalho de que fossem vítimas os trabalhadores ao seu serviço;
</p><p>Durante o ano de 1992 a autora elaborou e executou um projecto para redução de emissão de compostos Organoclorados, no efluente das suas instalações fabris;
</p><p>Uma das fases deste projecto consistia na instalação de "um novo 5º Efeito na Evaporação" que, genericamente se traduzia na montagem de um reservatório de evaporação e a sua ligação a um tanque de armazenamento de condensados contaminados;
</p><p>Para esse efeito, a autora celebrou com a ré B um contrato para a execução dos serviços de soldadura, montagem e acoplagem de tubos e acessórios, de forma a estabelecer a ligação entre o referido reservatório e o tanque de condensados, conforme memória descritiva da obra junta como doc. nº 1 com a petição inicial;
</p><p>Na execução desses trabalhos, ocorreu a explosão do tanque de condensados, quando nele procediam à abertura de um furo;
</p><p>Explosão essa devida à expansão dos gases aí existentes, provocada pelo aquecimento;
</p><p>Este aquecimento, por sua vez, ficou a dever-se às operações de corte e soldadura que funcionários da B aí efectuavam;
</p><p>E ao facto de estes não terem garantido o arejamento do interior do tanque em causa e a consequente libertação de gases;
</p><p>
</p><p>Nomeadamente, não procederam à abertura da porta de visita do tanque, apesar de a autora haver advertido o encarregado da 1ª ré para o fazer;
</p><p>Os funcionários da B, desde logo pela advertência prestada, sabiam que o tanque em que trabalhavam continha gases;
</p><p>Os quais, em contacto com o calor, são susceptíveis de originar perigo de explosão;
</p><p>Os funcionários da B sabiam que os trabalhos de soldadura que efectuavam no tanque provocavam o aquecimento do interior do mesmo tanque;
</p><p>Não obstante, agiram conforme o descrito atrás;
</p><p>Da explosão em causa resultaram danos no dito tanque de condensados, que vieram a obrigar à sua substituição;
</p><p>A autora ainda tentou recuperá-lo, mas a reparação não permitiu satisfazer as condições mínimas de funcionalidade e segurança próprias do dito tanque;
</p><p>Na reparação e substituição do tanque, despendeu a autora a quantia de 4836 escudos;
</p><p>Em 15.12.92, a autora solicitou à B a reparação dos prejuízos ocasionados no tanque;
</p><p>No âmbito do contrato, a ré B tinha de proceder à abertura do furo mencionado, no tampo superior de um tanque com condensados contaminados (condensador secundário), existente nas instalações da autora, para posterior soldadura de um tubo de aço inox;
</p><p>Sendo na execução de tal tarefa que ocorreu o acidente em causa;
</p><p>G, desenhador projectista que elaborou o projecto em execução, antes do almoço, tinha comunicado ao chefe de equipa da B que para a realização daqueles trabalhos a que iriam proceder da parte da tarde, devia ser aberta a porta de visita do tanque que fica junto à base, "pois poderiam existir gases";
</p><p>Depois do almoço, cerca das 15.05 h, foi ao local dos trabalhos, subiu ao tampo do tanque, onde já se encontravam os operários a trabalhar e mais uma vez disse "que era melhor abrirem a porta do tanque";
</p><p>
</p><p>Os operários e o chefe de equipa, H, responderam que tinham aberto uma válvula e uma falange cega no tecto do tanque para efeitos de ventilação e continuaram a proceder à abertura do furo, servindo-se duma rebarbadora eléctrica;
</p><p>Sem qualquer outra advertência ou recomendação, o G e o H deixaram os operários trabalhando, desceram do tanque e retiraram-se do local;
</p><p>Ocorrendo a explosão cerca de 10 minutos depois;
</p><p>No sector em que se encontrava o tanque em causa havia sinalização com o dizer: "gases tóxicos" e naquele "tanque de condensados";
</p><p>A autora, em consequência de averiguação feita na sequência deste acidente, foi autuada pela Inspecção do Trabalho "por falta de sinalização adequada";
</p><p>A autora, conhecia os riscos inerentes aos trabalhos a cargo dos operários da B;
</p><p>A autora, após a drenagem do tanque a que procedeu para os trabalhos se poderem executar, não lavrou nem deu quaisquer indicações à B para a sua lavagem antes do início dos trabalhos, por tal se não mostrar como necessário para os trabalhos a realizar;
</p><p>Em consequência da explosão em causa, o funcionário da B, E, sofreu as lesões determinantes da morte no próprio dia do acidente;
</p><p>E o F sofreu lesões determinantes de uma ITA até 15.05.95, e de uma IPPTH, em geral, de 92%, desde esta data;
</p><p>Em consequência do descrito correram no Tribunal do Trabalho da Figueira da Foz, respectivamente, os autos de acidente de trabalho nºs. 213/92 e 189/93, em cujo âmbito a ré C foi responsabilizada pelos pagamentos, também respectivos, das quantias mencionadas nos artigos 40º e 41º da contestação-reconvenção dessa mesma ré;
</p><p>Por força de tais decisões essa ré solveu, até 14.05.99, 2274594 escudos ao sinistrado F e 3012336 escudos à viúva e filha do sinistrado E;
</p><p>E teve de constituir reservas matemáticas nos montantes de 7362195 escudos e 10533271 escudos;
</p><p>Ao longo de todo o ano de 1992, a autora adjudicou à ré B diversas empreitadas, nomeadamente aquando da sua paragem anual no mês de Maio desse ano;
</p><p>Para esse efeito, em tal mês, a autora realizou uma acção de formação destinada a dar a conhecer aos diversos empreiteiros que executam trabalhos nas instalações da autora, as normas de segurança aí vigentes, bem como todos os procedimentos de segurança cuja observância era obrigatória;
</p><p>A ré B foi expressamente convidada para essa acção de formação, mas contrariamente às instruções fornecidas pela autora, não enviou às acções de formação os seus trabalhadores "de campo", mas tão só o chefe da equipa, Sr. H;
</p><p>No contrato estipulado entre a autora e a 1ª ré, consta uma cláusula 6ª com o dizer: "O empreiteiro compromete-se a cumprir integralmente o regulamento geral do estaleiro e as Normas Gerais de segurança em vigor na A";
</p><p>G, funcionário da I, projectista dos trabalhos a executar, lembrou ao chefe da equipa da B que a porta de vigia do tanque deveria ser aberta;
</p><p>Ao princípio da tarde do dia do acidente, o mesmo G repetiu essa instrução ao H.
</p><p>III - A autora pediu a condenação da ré e da Seguradora no pagamento dos prejuízos sofridos com a explosão de um seu tanque de condensados ocorrida quando operários da ré executavam trabalhos no mesmo.
</p><p>As instâncias condenaram as rés.
</p><p>Daí o recurso.
</p><p>São na essência duas as questões suscitadas nas alegações: saber se a ré responde pelos prejuízos sofridos pela autora; na hipótese afirmativa determinar qual o valor coberto pelo seguro.
</p><p>Está-se no campo da responsabilidade civil extracontratual, ou seja da que deriva da violação de um direito absoluto (maxime direitos de personalidade e direitos reais, como é o caso).
</p><p>Não obstante as obras que originaram a explosão terem sido realizadas em cumprimento do contrato celebrado, a verdade, porém, é que a eventual responsabilidade civil não vai entroncar na violação de uma obrigação em sentido técnico, no caso concreto de um contrato de empreitada. Não se está assim face a responsabilidade contratual, mas antes perante responsabilidade aquiliana.
</p><p>Afigura-se-nos por isso que, no campo dos conceitos, não é possível enquadrar a problemática na figura da violação contratual positiva.
</p><p>O Prof. Pedro Soares Martinez - "Cumprimento Defeituoso em especial na Compra e Venda e na Empreitada" pag. 62/70 dá conta da figura e das situações distintas em que ela tem aplicação.
</p><p>Uma dessas situações é formada pela hipóteses em que se verifica a violação dos deveres de cuidado e de prevenção.
</p><p>Mas, como escreve o referido Professor, face ao direito português, o problema não tem qualquer especialidade.
</p><p>O estabelecimento no nosso ordenamento jurídico civil de um princípio geral de responsabilidade civil (artigo 483º do CC) permite enquadrar na responsabilidade aquiliana vários casos que na Alemanha se integram na violação positiva, como, por exemplo, o desrespeito de deveres de cuidado.
</p><p>Não se reconduzido a hipótese ao incumprimento definitivo, à mora e ao cumprimento defeituoso, enquadra-se na responsabilidade extracontratual.
</p><p>São conhecidos os pressupostos da responsabilidade civil estabelecidos no artigo 483º nº 1 do referido Código.
</p><p>Não se questiona aqui o facto, a ilicitude, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.
</p><p>A questão centra-se unicamente na culpa.
</p><p>Na responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos incumbe ao lesado provar a culpa do autor da lesão, salvo havendo presunção legal de culpa (artigo 487º nº 1 do C. Civil).
</p><p>
</p><p>Entre as excepções abrangidas por esta disposição legal está o artigo 493º nº 2 do citado diploma, que as instâncias julgaram aplicável ao caso em análise.
</p><p>A tese das recorrentes é a de que sendo inaplicável tal artigo cai-se no regime geral, cabendo à autora a prova da culpa do autor da lesão, prova essa, dizem, que não foi feita.
</p><p>Estipula-se no mencionado nº 2 que quem causar danos a outrem no exercício de uma actividade perigosa por sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados, é obrigado a repará-los, excepto se mostrar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de os prevenir.
</p><p>O que é actividade perigosa não o diz o artigo, sendo certo que os Códigos não se destinam a definir conceitos, devendo ser moldados pela doutrina e pela jurisprudência.
</p><p>É, aliás, vasta a jurisprudência sobre o tema.
</p><p>A construção de uma barragem foi considerada actividade perigosa, a condução de águas para abastecimento público igualmente, o funcionamento de um "caterpilar" foi também considerado actividade perigosa - Ac. RP de 28.01.88, CJ 1º, pág. 202; Ac. STJ de 17.03.98, CJ I, pág. 138; Ac. STJ de 12.12.95, CJ III, pág. 153.
</p><p>No Ac. do STJ de 18.01.2000 (com o mesmo relator) - CJ I, pág. 39, considerou-se que a actividade de escavadoras no sopé de uma encosta de acentuado declive, procedendo a escavações com vista ao desaterro é actividade perigosa.
</p><p>Pelas mesmas razões se considera que a execução de serviços de soldadura, montagem e acoplagem de tubos e acessórios em tanques industriais, que potencialmente acumulam gases, é em si uma actividade perigosa. E foi esse o objecto do contrato celebrado entre a autora e a ré "B".
</p><p>As operações de corte e soldadura necessárias podem provocar expansão de gases devido ao aquecimento, que por sua vez, originam a explosão, tal como aconteceu no caso concreto.
</p><p>Abrir um furo num tanque de condensados com o uso de uma rebarbadora eléctrica, como o fizeram os operários da ré, tem uma periculosidade intrínseca e uma periculosidade dos meios de trabalho utilizados.
</p><p>Estando-se perante actividade perigosa e caindo-se na previsão do artigo 493º nº 2, aproveita aos lesados a presunção referida.
</p><p>Presunção essa que, como correctamente salientaram as instâncias, por forma alguma foi ilidida.
</p><p>Basta atentar que a explosão foi devida à expansão dos gases existentes no tanque, provocada pelo aquecimento, ficando este a dever-se às operações de corte e soldadura que os funcionários da ré B aí efectuavam e ao facto de esses operários não terem garantido o arejamento do interior do tanque em causa e a consequente libertação de gases.
</p><p>Os funcionários da ré não obstante terem sido advertidos pela autora de que o tanque continha gases com o consequente perigo de explosão; não obstante saberem que os trabalhos de soldadura que efectuavam no tanque provocavam o aquecimento no interior do mesmo; apesar de no sector em que se encontrava o tanque haver sinalização que dizia "gases tóxicos" e "tanque de condensação", a verdade é que não garantiram o arejamento do interior do tanque.
</p><p>Sendo os empregados da ré "B" os responsáveis pelo acidente, esta ré responde atenta a relação comitente-comissário existente (artigo 500º do C. Civil).
</p><p>A ré D, por sua vez, responde nos termos do contrato de seguro celebrado.
</p><p>Suscita-se, contudo, uma outra questão que respeita ao valor coberto pelo seguro de responsabilidade civil que a "B" contratou com a Seguradora.
</p><p>Nas Condições Particulares da apólice consta uma cláusula com o seguinte teor: "Em todo e qualquer sinistro indemnizável ao abrigo desta apólice será aplicável uma franquia de 10% (por cento) do valor do sinistro com o mínimo de 50000 escudos".
</p><p>O artigo 497º nº 1 do C. Civil estipula o regime de solidariedade quando são várias as pessoas responsáveis pelos danos.
</p><p>Não resolve, porém, a problemática, uma vez que a responsabilidade da seguradora estará sempre limitada pelo valor fixado no contrato. A solidariedade existe mas somente até ao montante a que por virtude do contrato se tenha obrigado.
</p><p>Enquanto a ré "B" responde com base na responsabilidade civil extracontratual, a ré Companhia responde nos termos em que se obrigou no contrato.
</p><p>Os contraentes estipularam uma franquia, ou seja fixaram que uma parte do sinistro fica a cargo do segurado.
</p><p>O fundamento das franquias é múltiplo: funcionam como um estímulo à atitude prudente do segurado; são elementos de cálculo do prémio; diminuem a possibilidade de o segurador se ocupar de sinistros de pequeno valor - José Vasques - "Contrato de Seguro", pág. 309.
</p><p>O valor da franquia será deduzido do montante indemnizatório apurado.
</p><p>Pensamos que, tratando-se de seguro facultativo, não se pode limitar o pagamento da franquia às relações internas entre seguradora e segurado.
</p><p>Mesmo que se admita que se está perante um verdadeiro contrato a favor de terceiro, com a consequente aplicação do regime do artigo 449º do Código Civil sobre os meios de defesa oponíveis pelo promitente, sempre terá que se ter em conta que saber qual o conteúdo do direito atribuído a terceiro "é problema que depende da vontade das partes, da interpretação e integração do contrato" - Prof. Leite Campos - "Contrato a Favor de Terceiro", 2ª ed., pág. 95.
</p><p>Ora, no caso concreto, a Seguradora garantiu o pagamento de montante indemnizatório até certo montante, mas deduzida a importância da franquia. É este o conteúdo do contrato e o direito que tem o terceiro.
</p><p>Havendo a deduzir a importância da franquia, os réus respondem solidariamente até ao montante indemnizatório a que a Seguradora está obrigada, respondendo a ré "B" pelo restante.
</p><p>Altera-se, pois, nesta parte o decidido, mantendo-se o restante.
</p><p>Pelo exposto concede-se parcialmente a revista.
</p><p>Custas na proporção do vencido.
</p><p>Lisboa, 20 de Fevereiro de 2001
</p><p>Pinto Monteiro,
</p><p>Lemos Triunfante,
</p></font><p><font>Reis Figueira.</font></p> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
aTICvIYBgYBz1XKv1nbd | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br>
Na Comarca de Lisboa, A propôs contra B e mulher C a presente acção com processo ordinário, na qual pediu que os réus fossem condenados a) a reconhecer que pertencem ao autor, como único proprietário, as áreas coberta e descoberta identificadas nos artigos 17, 28 e 41 da petição, b) a entregarem ao autor essas áreas, livres e desembaraçadas, c) a desfazerem as obras nelas realizadas e indicadas no artigo 18, nos termos do artigo 1341 do Código Civil, d) a pagarem-lhes a quantia de 15755255 escudos, a título de indemnização e o que se liquidar em execução de sentença, indicados no artigo 63 da petição,<br>
Subsidiariamente, pediu que os réus fossem condenados a') a reconhecer que as mesmas obras pertencem ao autor, segundo o n. 3 do artigo 1340 do Código Civil e ainda, segundo as anteriores alíneas a), b) e d).<br>
Para tanto, articulou os factos inerentes ao domínio e às construções abusivamente feitas pelo réu, salvo numa pequena parte, e à extensão dos prejuízos sofridos por que são responsáveis ambos os réus.<br>
Na sua contestação-reconvenção, os réus começaram por dizer que o autor autorizou as construções feitas, impugnando assim o articulado pelo autor, e, reconvencionado, afirmam ter adquirido por acessão industrial imobiliária o terreno onde as construções foram feitas e terminaram pedindo a improcedência da acção e a procedência da reconvenção.<br>
Com o reconhecimento do seu domínio sobre a parcela de terreno por eles ocupada e com a condenação do autor no pagamento de 20000 contos de indemnização pelos prejuízos por eles sofridos pela actuação do autor em coarctar o exercício da posse deles e juros à taxa legal, a liquidar em execução de sentença; pediram ainda a condenação do autor em 2000 contos de indemnização como litigante de má fé.<br>
A seguir, veio o autor deduzir um articulado superveniente relativo a duas novas construções feitas pelos réus, à qual os réus responderam.<br>
O autor respondeu à excepção deduzida na contestação e ao pedido reconvencional, pedindo a improcedência daquela e a inadmissibilidade deste pedido ou, não se entendendo assim, a sua improcedência.<br>
Houve ainda tréplica dos réus, onde estes concluíram como na contestação.<br>
Falecido o autor, foram habilitados como seus sucessores D, E, F E G.<br>
No saneador foi julgada improcedente a excepção da caducidade da acção, foi admitido o pedido reconvencional e também o articulado superveniente.<br>
Foram organizados a especificação e o questionário, de que os autores reclamaram com êxito parcial.<br>
Foi indeferido um requerimento em que a autora E pedia que a acção se considerasse proposta também por seu marido.<br>
Prosseguiu o processo a tramitação legal, até que, feito o julgamento (neste houve reclamação dos réus das respostas aos quesitos) e após alegação de direito dos réus, foi proferida sentença, a qual<br>
- absolveu os autores do pedido reconvencional,<br>
- reconheceu o direito de propriedade aos autores sobre todas as áreas ocupadas pelos réus na Quinta Grande,<br>
- e condenou os réus a entregarem aos autores as parcelas de terreno que ocupam, a desfazerem as obras ali realizadas e a pagarem a indemnização a liquidar em execução de sentença pelos danos sofridos pelos autores por não poderem utilizar o aterro.<br>
Desta sentença apelaram os réus, mas a Relação negou provimento a este recurso.<br>
Do acórdão interpuseram os réus recurso de revista, os quais, na sua alegação, concluíram assim:<br>
I - o único sentido razoável do requerimento de folhas<br>
148 é o de pedido de audiência das testemunhas dos réus, cujo rol fora junto por lapso ao apenso B, lapso este - erro de escrita ou na declaração - não impedia a rectificação, e permanece sem fundamentação o seu indeferimento;<br>
II - o senhor juiz despachou sobre essa matéria de forma pouco clara e deu sinais de que poderia ouvir as testemunhas dos réus, com base no artigo 645 do Código de Processo Civil, certo sendo que o poder atribuído por esta norma não é faculdade mas antes poder dever, quando a desigualdade de armas probatórias entre as partes é substancial, para além de que também a verdade material, que a sentença deve alcançar, é incindível dos factos articulados pelos réus e incluídos no questionário, sobre os quais afinal nenhuma testemunha foi ouvida;<br>
III - por outro lado, o terreno em causa foi cedido por comodato em que foi acordado destiná-lo a depósito de madeiras serradas e nele foi autorizada a construção duma barraca de 4,5 x por 8,5 metros demolível e não amovível;<br>
IV - não foi estipulado qualquer prazo para este acto nem se provou que este tenha cessado;<br>
V - para obter a restituição do terreno não bastava, portanto, ao comodante interpelar o comodatário para se retirar do mesmo;<br>
VI - é que todas as demais construções feitas pelo réu no terreno total ocupam uma parte mínima de sua área - e são desmontáveis, o que não configura qualquer uso ilícito;<br>
VII - não se apurou, no entanto, a área do terreno cedido pelo comodato em que foram implantadas, pelo menos cinco delas;<br>
VIII - a utilização do terreno para depósito de outros materiais de construção civil corresponde a um desenvolvimento normal do destino previsto no comodato, qualitativamente são devem do ponto de vista económico e conforme à sua função normal;<br>
IX - este uso do terreno não impediu o autor de nele empreender alguma actividade económica que o destino inicialmente acordado não impedisse;<br>
X - um qualquer destino económico o comodante lhe teria dado até hoje se o comodato não tivesse existido;<br>
XI - o comodante não podia ignorar o crescimento físico e económico do comércio do réu e nunca lhe deu qualquer sinal de oposição durante largos anos;<br>
XII - assim sendo, essa alteração parcial do uso do terreno cedido não deve constituir justa causa de resolução do contrato.<br>
XIII - porque assim não foi decidido, o acórdão recorrido violou os artigos 13 e 20 da Constituição,<br>
236 e seguintes do Código Civil, 249 (ou 247) do Código Civil, 688, n. 1 alínea b) do Código de Processo Civil, 3., 264 n. 3 e 648 do Código de Processo Civil, 1137, 1138 alínea c), 1131, 1140 e 334 do Código Civil, pelo que, nos termos do artigo 729 do Código de Processo Civil deve revogar-se o acórdão recorrido e ordenar-se a baixa do processo para produção da prova testemunhal dos réus, ou, não se entendendo assim, aplicando o direito aos factos apurados.<br>
Na sua contra-alegação, os recorridos pugnaram pela confirmação do acórdão.<br>
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.<br>
Vêm provados os factos seguintes.<br>
1 - o autor A, agora representado pelos seus referidos herdeiros habilitados, é o legítimo proprietário do prédio misto denominado Quinta<br>
Grande, sito no Largo dos Defensores da República, à Estrada das Amoreiras, Charneca, Lisboa, descrito na 2.<br>
Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n. 22819 a folhas 107 do Livro B.74, e inscrito nas respectivas matrizes sob os artigos 25 rústico) e 12 (urbano);<br>
2 - em 2 de Junho de 1982, o autor autorizou o réu B a construir no referido prédio uma barraca demolível, com a dimensão de 4,5 metros x 8,5 metros, no terreno que lhe cederam gratuitamente para depósito de madeiras serradas;<br>
3 - os réus construíram, pelo menos, 5 estruturas<br>
(edifícios) no terreno cedido pelo autor;<br>
4 - em 9 de Janeiro de 1988, os ora autores E e F embargaram a obra de construção dum armazém pré-fabricado, com pilares metálicos chumbados a uma viga de fundação, com cobertura em canas metálicas cobertas e chapas onduladas acrílicas e metálicas, embargo que veio a ser judicialmente ratificado em 2 de Fevereiro de 1988;<br>
5 - de tempos a tempos, os réus entregam ao autor quantias, a título gratuito e numa base de boa vizinhança;<br>
6 - o réu nunca pediu ao autor autorização para usar mais que os 38,25 metros quadrados cedidos por este nem o autor lhe deu tal autorização;<br>
7 - desde 1975 que o autor se ausenta com frequência, acompanhado por uma mulher;<br>
8 - os réus construíram nove edifícios ocupando uma<br>
área de cerca de 1400 metros quadrados;<br>
9 - as edificações foram implantadas numa zona de aterro;<br>
10 - os réus obtiveram uma área descoberta com cerca de<br>
6000 metros quadrados, que utilizam para estaleiro de materiais de construção;<br>
11 - todo o terreno vale, pelo menos, 30000000 escudos;<br>
12 - pela colocação de cada metro cúbito de terra, as pessoas pagariam 100 escudos;<br>
13 - a área ocupada pelos réus podia ser arrendada por valor não inferior a 200000 escudos mensais;<br>
14 - posteriormente à propositura desta acção, os réus efectuaram mais construções.<br>
Sobre o requerimento dos réus, de folhas 148, a pedir a audição de testemunhas na audiência de julgamento, recaiu o despacho do juiz, a folhas 155, a dizer: "Os autores têm razão, pois os réus deixaram passar o prazo para apresentar o rol de testemunhas. De qualquer forma, fique nos autos o rol agora apresentado, para que seja possível em audiência, caso se torne necessário, utilizar a faculdade do artigo 645 do<br>
Código de Processo Civil".<br>
Como é fácil de ver, este despacho contém duas partes decisórias, uma a não admitir o rol de testemunhas por ter sido apresentado fora do prazo e outra a admitir a possibilidade de, em caso de necessidade, as ouvir, todas ou alguma, ao abrigo do disposto no artigo 645 do<br>
Código de Processo Civil.<br>
Sucede que os réus não agravaram da primeira parte do despacho, a que não admitiu o rol de testemunhas.<br>
Mas o mesmo sucedeu quanto à segunda parte do despacho, a que admitiu a possibilidade de as testemunhas serem ouvidas, se necessário, na audiência de julgamento, pois que, após o tribunal ter dado por finda a inquirição das testemunhas, os réus não agravaram da não inquirição dessas testemunhas, ao abrigo do dito artigo 645, e só falaram no assunto na alegação do recurso de apelação da sentença.<br>
Aliás, desta segunda parte do despacho não era admissível recurso nos termos da 2. parte do n. 1 do artigo 679 do Código de Processo Civil.<br>
Com efeito, como logo resulta do texto legal - pode o tribunal - a faculdade que o tribunal tem de ouvir pessoa não oferecida como testemunha enquadra-se no exercício de um poder discricionário, na medida em que se devem considerar despachos proferidos no uso legal de um poder discricionário aqueles que são determinados pelo próprio juiz livremente, sem quaisquer limitações subjectivas ou objectivas, ao abrigo de uma norma que lhe confira uma ou mais alternativas de opção, entre as quais o juiz deve escolher em seu prudente arbítrio e em atenção a um certo fim, o que se verifica no presente caso (v. acórdão do S.T.J. de 28 de Novembro de 1995, C.J. do Sup. 1995, Tomo III, 126, que teve o mesmo relator, o qual incidiu sobre o lugar paralelo do artigo 264 n. 3 do Código de Processo Civil).<br>
Nesta conformidade, ficam respondidas as conclusões I e<br>
II da alegação de recurso e arrumada a questão nelas versada, por trânsito em julgado da 1. parte do dito despacho e pela irrecorribilidade da sua segunda parte.<br>
Os recorrentes, nas conclusões VI, VII, VIII, IX, X e<br>
XI, apoiam-se em factos que não vêm provados, pelo que se deixará de apreciar tudo o que com base neles afirmaram ou argumentaram.<br>
As partes aceitaram a existência de um contrato de comodato, que, no dizer do artigo 1129 do Código Civil,<br>
é o contrato gratuito pelo qual uma das partes entrega<br>
à outra certa coisa, móvel ou imóvel, para que se sirva dela, com a obrigação de a restituir.<br>
Todavia, tal contrato, no presente caso, teve apenas por objecto o terreno supra aludido no n. 2, ou seja, o terreno necessário para a construção de uma barraca demolível, com a dimensão de 4,5 metros x 8,5 metros (o que dá uma área de 38,25 metros quadrados, segundo até consta acima do n. 6), e para depósito de madeiras serradas, como resulta dos factos provados e supra inseridos nos ns. 2 e 6.<br>
Significa isto não ter havido contrato de comodato relativamente ao terreno que os réus vieram a ocupar com outras construções ou tão somente como estaleiro de materiais de construção.<br>
Assim, no tocante ao terreno que não foi objecto de contrato de comodato, os réus não podem apoiar-se neste contrato para obstar à restituição desse terreno e ao desfazer das obras nele efectuadas, pois que, por outro lado, não provaram nem alegaram qualquer relação que lhes confira a posse ou a detenção dele, nos termos do n. 2 do artigo 1311 do Código Civil.<br>
Nesta ordem de ideias, apenas há que apreciar se os réus estão obrigados a restituir o terreno com a área de 38,25 metros quadrados e a desfazer a barraca nele assente, o que constituiu o objecto do comodato.<br>
O artigo 1137 do Código Civil dispõe:<br>
1. Se os contraentes não convencionaram prazo certo para a restituição de coisa, mas esta foi emprestada para uso determinado, o comodatário deve restituí-la ao comodante logo que o uso finde, independentemente de interpelação.<br>
2. Se não foi convencionado prazo para a restituição nem determinado o uso da coisa, o comodatário é obrigado a restituí-la logo que lhe seja exigida.<br>
O caso sub-judice é de subsumir no n. 2 deste artigo.<br>
Na verdade, é indiscutível que não foi convencionado prazo para a restituição da coisa.<br>
Mas também não foi determinado o uso da coisa, já que a tal não equivale o dizer-se que o terreno foi cedido para depósito de madeiras serradas.<br>
É que se vem entendendo que o uso só é determinado quando se delimita a necessidade temporal que o comodatário visa satisfazer, pelo que não se pode considerar como determinado o uso de certa coisa se não se ficar a saber quanto tempo ela vai durar, ou seja, um uso genérico e abstracto que pode subsistir indefinidamente, pois que, de contrário, se atingiria a própria noção do contrato dada pelo artigo 1129 do<br>
Código Civil, de que faz parte a obrigação de restituir a coisa entregue, o que revela o carácter temporal do uso (Pires de Lima e Antunes Varela, C.C. Anotado, volume II, 440; Vaz Serra, R.L.J. 114, 21 e 22; acórdão do S.T.J. de 29 de Setembro de 1993, B.M.J. 429, 807; acórdãos da Relação do Porto de 26 de Janeiro de 1984,<br>
6 de Junho de 1991, 11 de Janeiro de 1994, in, respectivamente, C.J. 1984, Tomo 1, 231, 1991, Tomo 3,<br>
246, 1994, Tomo 2, 173).<br>
Portanto, o comodatário, neste caso, está obrigado a restituir a coisa logo que lhes seja exigida (artigo<br>
1137 n. 2), extinguindo-se o comodato e ficando os réus sem a poder usar, dado ficarem na posição de depositários, nos termos do n. 1 do artigo 1192 do<br>
Código Civil (cfr. cit. acórdão da Relação do Porto de<br>
6 de Junho de 1991 e Pires de Lima e Antunes Varela, no local citado por este acórdão).<br>
Mas podemos chegar ao mesmo resultado por outra via.<br>
O artigo 1140 do Código Civil preceitua:<br>
Não obstante a existência de prazo, o comodante pode resolver o contrato, se para isso tiver justa causa.<br>
Uma das causas de resolução do contrato é o não cumprimento, por parte do comodatário, das suas obrigações (cfr. artigo 1135 do Código Civil).<br>
Simplesmente, no caso presente, afigura-se-nos que, no tocante ao terreno com a área de 38,25 metros quadrados e à barraca nele assente, não se provou que os réus não tivessem cumprido as suas obrigações, designadamente a de não aplicar o terreno a fim diverso daquele a que se destinava, porquanto se deve entender que o terreno cedido pelo autor e aludido no n. 3, onde os réus construíram 5 estruturas pelo menos não é o terreno com a área de 38,25 metros quadrados mas sim um terreno diferente desse e não cedido pelo primitivo autor, como decorre da apreciação conjunta de várias peças do processo, a saber: articulados, especificação, respostas aos quesitos, alegações e contra-alegações de recurso.<br>
Para a resolução dos contratos, não poderemos, pois, apoiar-nos no não cumprimento, pelo comodatário, das suas obrigações, o que constituiria justa causa.<br>
Contudo, entendemos haver justa causa de resolução do contrato de comodato.<br>
Em primeiro lugar, não obstante o artigo 1140 se refere apenas à hipótese da existência de prazo, entendemos que o seu regime se impõe também quando se não convencionou prazo e não decorreu o tempo necessário para o uso concedido, seja por interpretação extensiva (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Março de 1994, B.M.J. 435, 805) seja por maioria de razão (acórdão da Relação de Coimbra de 13 de Março de<br>
1979, B.M.J. 289, 384).<br>
Em segundo lugar, é sabido que o comodato assenta numa razão de cortesia ou amizade e não sofre dúvida que, no caso presente, os réus a desrespeitaram, porque levantaram várias edificações sem autorização do primitivo autor e em terreno não cedido por ele e ainda ocuparam mais terreno, também não cedido, para estaleiro de materiais de construção. Ora, uma tal conduta configura, sem dúvida, uma justa causa de resolução do contrato (Pires de Lima e Antunes Varela, Obra Citada, 436; cit. ac. do S.T.J. de 17 de Março de 1994).<br>
Não faltará quem oponha que os autores não pediram a resolução do contrato e apenas o denunciaram, pelo que não se poderá resolver o contrato sem ofender o disposto no n. 1 do artigo 661 do Código de Processo Civil, segundo o qual se não pode condenar um objecto diverso do que se pedir.<br>
A este argumento responde-se que se trata apenas de um erro na qualificação jurídica do efeito prático a atingir, que é o termo do contrato, isto é, de uma errada qualificação jurídica do pedido, e tal erro pode e deve ser corrigido pelo julgador, sem que haja ofensa do princípio dispositivo consagrado no artigo 664 do Código de Processo Civil (Antunes Varela, R.L.J. 122, 255; acórdão do S.T.J. de 17 de Junho de 1992, B.M.J.<br>
418, 710).<br>
De qualquer modo, mesmo que esta argumentação da resolução do contrato não vingasse, sempre ficaria a argumentação apoiada no n. 2 do artigo 1037 citado.<br>
Por tudo o exposto, nega-se a revista.<br>
Custas pelos recorrentes.<br>
Lisboa, 26 de Junho de 1997.<br>
Fernando Fabião,<br>
César Marques,<br>
Martins da Costa.</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
_TL9u4YBgYBz1XKv7W6W | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br>
<br>
<br>
A intentou contra B, C e D acção a fim de serem solidariamente condenados a pagar-lhe a soma de 35338000 escudos, acrescida de juros de mora desde a citação, a título de indemnização dos danos patrimoniais e não-patrimoniais sofridos em consequência do acidente de viação ocorrido em 91.01.19, pelas 0 h 30 m, no entroncamento da Rua Nicolau de Oliveira com a estrada da Boca do Inferno (Cascais), em que o 2º réu, conduzindo, sem para tal estar habilitado, o veículo automóvel JB-74-10, propriedade do 1º réu e seguro na 3ª ré, embateu, por exclusiva culpa sua, no velocípede a motor 1-CSC-58-99, conduzido pelo autor, seu proprietário, causando-lhe as lesões que descreve.<br>
O réu B, na sua contestação, excepcionou a exclusão da responsabilidade por não ter a direcção efectiva do JB e impugnou, concluindo pela sua absolvição do pedido.<br>
Contestando, a ré seguradora excepcionou a limitação do capital em virtude de o JB não ser conduzido por pessoa habilitada e impugnou os restantes factos, concluindo pela improcedência da acção.<br>
O réu C não contestou.<br>
Após julgamento, foi proferida sentença a condenar os réus a solidariamente pagar ao autor a indemnização de 9304650 escudos, nela se abatendo 500000 escudos que a 3ª ré já lhe pagara, acrescida de juros de mora desde a citação até integral pagamento e a sanção compulsória de juros à taxa de 5% sobre estes desde o trânsito da sentença.<br>
Apelaram autor e todos os réus.<br>
A Relação julgou improcedentes os recursos dos réus e procedente o autor, condenando os réus a solidariamente lhe pagarem a indemnização de 35338000 escudos, mantendo o restante sentenciado.<br>
Inconformados, interpuseram revista todos os réus que, em suas alegações, concluíram, em suma e no essencial: <br>
a)- o réu C:<br>
- cabe ao lesado o ónus da prova da sua incapacidade permanente, sendo que o processo próprio para a determinar era o da prova pericial do art. 570 e ss CPC;<br>
- para o cálculo da perda de rendimentos não se podia considerar o lesado como trabalhador por conta de outrem pois trabalha por conta própria e tem uma empresa que se manteve em actividade;<br>
b)- a ré seguradora:<br>
- a prova dos quesitos 26º e 27º tem que obrigatoriamente assentar em prova pericial (CC- 388) e, atenta a matéria de facto que encerram, exigem conhecimentos especiais que os julgadores não tem;<br>
- a Relação, alterando as respostas dadas aos mesmos, extravasou os limites constantes do art. 712 -1 CPC;<br>
- desconhecendo a real situação clínica e a incapacidade do autor, não se podiam ter fixado os montantes indemnizatórios a título de danos patrimoniais e não patrimoniais que constam do acórdão;<br>
c)- o réu B:<br>
- emprestou única e exclusivamente o seu veículo (JB) ao seu filho e não ao 2º réu que dele se apoderou e utilizou abusivamente quando o seu filho o parqueou em Cascais;<br>
- pelo que a partir desse momento deixou de ter a direcção efectiva do JB e deste circular no seu interesse,<br>
- passando o 2º réu a deter a sua direcção efectiva e interessada;<br>
- ao recorrente não se pode imputar a responsabilidade objectiva inerente à circulação do JB cujo controle perdeu por completo;<br>
- a Relação devia ter dado como provado o quesito 16º, o qual encerra matéria conclusiva que podia e devia ter inferido da factualidade provada nos quesitos 10º a 14º, insusceptível de ser destruída por qualquer outra prova;<br>
- a matéria factual dada como provada nos quesitos 17º a 24º reporta-se a 1991 e o teor do quesito 25º, que se refere ao início de 1994, dá conta de uma melhoria do quadro clínico do autor, ignorando-se a sua evolução desde essa data até à actualidade;<br>
- no art. 64 p. in., o autor admitiu que uma eventual deslocação ao Reino Unido constituiria uma hipótese susceptível de alterar o respectivo quadro clínico e a consequente recuperação, o que constitui uma confissão judicial adversa aos seus interesses, com força probatória plena, pois;<br>
- todos os docs. clínicos juntos pelo autor para prova dos ques. 17º a 25º reportam-se ao período temporal de 1991, não se atestando em qualquer deles o respectivo grau de incapacidade;<br>
- o doc. de fls. 14, refere-se ao dec-lei 103-A/90, de 22.03, e foi emitido apenas para efeitos de isenção do imposto automóvel na aquisição de veículos para deficientes, além de, por ser mera fotocópia, não ser susceptível de produzir prova plena em juízo;<br>
- as testemunhas arroladas pelo autor a esses quesitos são familiares e amigos, leigos em medicina e a testemunha Dr. ... não foi inquirida aos ques. 26º e 27º,<br>
- com cuja prova estava onerado o autor que, todavia, a não produziu nem requereu prova pericial através de exame clínico para determinar o seu grau de incapacidade;<br>
- nenhum cidadão indiferenciado e leigo em medicina, mesmo pelo recurso a conhecimentos do domínio comum, é capaz de, com segurança e face à matéria provada dos ques. 17º a 25º por referência ao complexo normativo e tabelas do dec-lei 341/93, de 30.09, determinar o grau de incapacidade de outrem, o que só é possível através do recurso a prova pericial nos termos do disposto no art. 388 CC;<br>
- de qualquer modo, o grau de incapacidade não se pode situar em 100%, destinado apenas a multideficientes profundos na acepção do art. 2-2 do dec-lei 103-A/90,<br>
- o que é ainda plenamente comprovado pelo doc. que ora se junta em que o autor declarou, em 97.05.26, na 1ª Repartição de Finanças de Cascais reiniciar a sua actividade profissional de «obras especializadas de construção» para a qual previu auferir rendimentos de 2237500 escudos mensais;<br>
- não se verifica qualquer das situações em que à Relação era permitido alterar respostas a quesitos, pelo que lhe era vedado alterar as negativas aos ques. 26º e 27º pelo recurso a uma presunção judicial devendo o STJ censurar o facto de aquela ter exorbitado as suas funções e poderes;<br>
- face à declaração fiscal ora junta não se verificam quaisquer danos futuros;<br>
- deve ser anulada a determinação do grau de incapacidade do autor, a apurar pelo recurso a prova por exame a concretizar por junta médica e, consequentemente, serem revogados os montantes das indemnizações por danos morais e patrimoniais futuros fixados com base num pressuposto ainda por definir;<br>
- violado o disposto nos arts. 503-1, 342-1, 351, 352, 353-1, 355, 356-1, 358-1 e 388 CC, e 712-1, 38, 567-2 CPC, e 2-2 e 3-2 do dec-lei 103-A/90.<br>
Não foram contra alegadas as revistas.<br>
Colhidos os vistos.<br>
<br>
Matéria de facto que a Relação considerou provada:<br>
a)- em 91.01.19, pelas 0 h 30 m, o autor circulava no seu velocípede com motor, matrícula 1-CSC-58-99, pela sua meia faixa de rodagem, na estrada da Boca do Inferno, no sentido Guincho-Cascais;<br>
b)- à sua frente seguia o velocípede com motor, matrícula 2-CSC-01-89, conduzido por D;<br>
c)- na mesma ocasião, com o mesmo sentido de marcha e na mesma artéria, seguia o veículo ligeiro de passageiros, Mini Metro, com a matrícula JB-74-01, conduzido pelo réu C;<br>
d)- o veículo conduzido pelo autor, ao chegar à intercepção da estrada da Boca do Inferno com a Rua Frei Nicolau de Oliveira, foi embatido por trás pelo veículo JB, o qual tinha acabado de ultrapassar outro carro, a velocidade concretamente não apurada;<br>
e)- em consequência desse embate, o autor e o seu veículo foram projectados com violência contra o velocípede que seguia à sua frente e contra o solo, enquanto o veículo JB, desgovernado, foi embater num muro do lado esquerdo (do Hotel Village) atento o sentido de marcha dos veículos;<br>
f)- em data concretamente não apurada, mas antes do acidente, o autor havia fracturado uma perna;<br>
g)- em 91.01.18, pelas 21 h, o réu B declarou ao filho que lhe emprestava aquele veículo JB;<br>
h)- este conduziu tal veículo para o liceu S. João do Estoril e, posteriormente, acompanhado por E e o réu C, seguiam para a Av. Valbom, onde a cerca de 100 m. de distância do café ‘Flecha Azul’ parqueou o veículo;<br>
i)- e ausentou-se do veículo a fim de ir buscar a sua namorada àquele café, deixando as chaves na respectiva ignição;<br>
j)- quando, acompanhado da sua namorada, regressou ao local onde o JB havia sido parqueado, deparou com a ausência deste;<br>
k)- a responsabilidade civil emergente de acidente de viação relativamente ao veículo JB havia sido transferida pelo réu B para a Companhia de Seguros por contrato de seguro titulado pela apólice nº 88.500 com início em 80.11.26;<br>
l)- o autor dispõe de cartão de identificação de empresário em nome individual com o NIPC 810222728 e domicílio em S. João do Estoril, Cascais;<br>
m)- logo após o embate, o autor recebeu os primeiros socorros no Hospital de Cascais, tendo seguido de imediato para o Hospital de S. Francisco Xavier em Lisboa;<br>
n)- o autor sofreu traumatismos vértebro-basilar cervical com fractura/luxação da C6, C7 de que resultou tetraparésia;<br>
o)- na sequência do referido traumatismo e na Unidade de Cuidados Intensivos de Cirurgia, sofreu:<br>
- em 91.01.21, uma intervenção cirúrgica - redução + artrodese;<br>
- em 91.02.24, uma intervenção cirúrgica - revisão da artrodese + recolocação de enxerto, sendo posteriormente feita resolução de fístula do líquido céfalo-raquidiano;<br>
- em 91.04.30, intervenção cirúrgica, com anestesia geral, à ascara na região sagrada;<br>
p)- em 91.02.04, foi transferido para o Hospital Ortopédico de Sant’Ana (Paredes), regressando ao Hospital de S. Francisco Xavier em 91.02.10 por hiperpirexia, hematoses e melenas;<br>
q)- esteve na S.O. da Urgência Geral até 91.02.12, data em que foi internado na Unidade de Cuidados Intensivos de Medicina até 91.02.26;<br>
r)- nesta data foi transferido para o serviço de Medicina tendo, em 91.03.04, voltado à Unidade de Cuidados Intensivos de Medicina até 91.03.05, altura em que regressou novamente à Unidade de Medicina;<br>
s)- em 91.05.21, teve alta no Hospital de S. Francisco Xavier para fazer fisioterapia, em regime ambulatório, no Hospital de Alcoitão;<br>
t)- à saída mantinha a paraplegia, paralisia dos membros superiores com força grau 4, com dificuldade de mobilização dos dedos e estava algaliado, com incontinência de ambos os esfíncteres;<br>
u)- neste regime mantém-se em casa acamado-deitado e ultimamente já se consegue sentar em cadeira de rodas;<br>
v)- antes do acidente, era um jovem saudável, jovial e activo;<br>
x)- dada a situação em que ficou, recusa-se a sair de casa;<br>
y)- por viver com os pais, num 1º andar, sem elevador, está completamente dependente destes para ser transportado para o Alcoitão;<br>
w)- o blusão, as calças e sapatos que o autor vestia e calçava na altura, no valor de 30000escudos, ficaram inutilizados;<br>
z)- com 30 tratamentos efectuados no Centro de Medicina Preventiva da Estefânia, despendeu a quantia de 90.000$00;<br>
a-1)- a mãe do autor chegou a pedir licença sem vencimento por 3 meses, para tomar conta dele, tendo deixado de receber a quantia de 184650 escudos;<br>
b-1)- até agora, a ré seguradora apenas pagou ao autor a quantia de 500000 escudos;<br>
c-1)- o autor tinha 19 anos;<br>
d-1)- o autor ficou incapacitado em 100% e sem qualquer recuperação visível.<br>
<br>
Decidindo: <br>
<br>
1.- São, fundamentalmente, duas as questões colocadas para reapreciação pelo STJ - o uso (bom ou mau) do art. 712 CPC e a direcção efectiva e interessada do JB.<br>
2.- Não é de mais lembrar que o Supremo Tribunal de Justiça, que por sua natureza se caracteriza constitucionalmente como tribunal de revista, não conhece da matéria de facto (LOTJ-29 e CPC- 721-2, 722-2, 726, 729-1 e 2, e 755-2), o que vem sendo repetido, de modo uniforme e constante.<br>
Apenas se houver ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova (CPC- 722,2), poderia o Supremo alterar essa decisão (CPC- 729,2).<br>
Porque o STJ, como e enquanto tribunal de revista, só julga de direito (CPC- 722,2 e 729-2 e 3), vedado lhe é, inclusívè, o recurso a presunções judiciais - a estas, podem e devem as instâncias socorrer-se na apreciação da prova (cfr., entre vários outros - A. Varela in RLJ 123/49 e 122/213).<br>
Pode o Supremo censurar o não-uso pela Relação dos poderes cometidos pelo art. 712 CPC (v.g., não alterando a resposta positiva a quesito se um facto que se lhe opõe estiver provado por meio dotado de força probatória plena que não possa ser destruída pela prova produzida).<br>
Pode conhecer do bom ou mau uso que a Relação tenha feito desses poderes.<br>
Pode ainda ordenar a ampliação da decisão de facto em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito (CPC- 729,3). Tal normativo não se circunscreve, não regula só para a hipótese em que a matéria de facto alegada pelas partes com vista à tutela dos seus direitos não foi objecto de pronúncia pelas instâncias; abrange também a de deficiência do julgamento do facto (por ter sido omitida diligência que se mostrasse necessária ou útil para o apuramento da verdade material).<br>
Às Relações cabe, em última instância, fixar a factualidade.<br>
<br>
3.- A Relação de Lisboa, analisando o non liquet aos ques. 26º e 27º, considerou que podia inferir da factualidade anteriormente fixada, apoiando-se ainda na experiência comum e no conhecimento geral, o facto que consta da al. d-1), não sem antes expressamente ter referido - «podia o Tribunal de 1ª instância ter considerado que a incapacidade do autor não era total; mas a ser assim, deveria ter fixado a percentagem de incapacidade que o lesado apresentava porque é por demais evidente que o A. - com as lesões que transporta - ficou com um maior ou menor grau de incapacidade permanente» (fls. 259 v).<br>
Os aludidos quesitos são do teor seguinte (fls. 73): <br>
26º - «as lesões sofridas pelo A. são de tal ordem que não se vislumbram hipóteses de sair do quadro clínico em que se encontra?»<br>
27º - «de acordo com a tabela das incapacidades, aprovado pelo decreto nº 43189, de 23/09/60 possui o A. um grau de incapacidade de 100%?»<br>
Mereceram do tribunal a resposta de «não provado» (fls. 145).<br>
O réu B chamou à colação o art. 64 da p. in. em que o autor admite, como «derradeira tentativa», que o seu quadro clínico se poderia alterar caso se deslocasse a Inglaterra para tratamento, além de referir que aos mesmos não foi produzida prova por pessoas especializadas nem prova pericial.<br>
Desinteressa saber se as testemunhas inquiridas a tal matéria eram ou não especialistas nela pois ao STJ falece, por completo, competência para conhecer da sua idoneidade e há que respeitar o disposto no art. 655-1 CPC.<br>
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4.- Como tem afirmado o STJ, não pode o Alto Tribunal ‘intervir nas ilações que a Relação extrai da matéria de facto, antes lhe incumbindo acatá-las por estarem subtraídas à sua apreciação, a menos que alterem os factos dados como provados e não representem o seu desenvolvimento lógico, isto porque é da competência exclusiva das instâncias a fixação dos factos, bem como retirar deles conclusões e ilações lógicas’ (cfr. ac. de 97.09.30, in rec. 119/97 - 1ª sec).<br>
Antes de mais há que saber se na al. d-1) se a Relação consignou uma conclusão de facto e, como tal, se correctamente extraída, não sindicável pelo Supremo (CPC- 729,1; sobre isto e juízos de valor, cfr. ‘Os juízos de valor da lei substantiva, o apuramento dos factos na acção e o recurso de revista’ de A. Varela in CJ XX/4/7 e ss; cfr., ainda do mesmo autor, RLJ 122/213 e ss) ou uma conclusão de direito.<br>
Aquela situa-se entre o puro facto e as questões de direito e, como assinala A. Varela, os juízos de valor sobre matéria de facto constituem o alvo específico da prova pericial. E nestes juízos importa uma distinção para aqui relevante - há os que cuja emissão ou formulação se há-de apoiar em simples critérios do bom pai de família e os que, na sua formulação, apelam essencialmente para a sensibilidade ou intuição do jurista, para a formação especializada do julgador (RLJ 122/219-220).<br>
O juízo sobre a incapacidade para o trabalho ser ou não permanente e ser ou não total é uma ilação que compete, em última instância, à Relação extrair, não competindo ao Supremo dela conhecer por se estar no domínio da matéria de facto, como o STJ reconheceu no seu ac. de 97.09.30 in rec. 199/97 - 1ª sec.<br>
Porém, já compete ao STJ (CPC- 722,2) saber se há lógica na dedução dessa ilação, pois como faz notar A. Varela, os juízos que integram a 2ª categoria «estão mais presos ao sentido da norma aplicável ou aos critérios de valorização da lei e, por isso, o Supremo pode e deve, como tribunal de revista, controlar a sua aplicação» (p. 220).<br>
Nesta categoria, há que ter uma especial cautela para se não confundir conclusão a extrair dos factos (não pode ser obtida por presunção) com a possibilidade legal de recurso a presunções para fixar os factos.<br>
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5.- A incursão pelo pensamento e ensinamento deste Professor de Direito permite-nos desde já, na sua concreta aplicação ao caso, algumas conclusões - a al. d-1) representa uma conclusão de facto que a Relação extraiu, juízo de valor esse que se integra na 2ª categoria enunciada, pelo que constitui alvo específico da prova pericial; porque, na sua formulação, se faz um apelo para a formação especializada do julgador, pode e deve o Supremo exercer o seu poder de censura.<br>
In casu, a resposta àqueles 2 quesitos pressupõe conhecimentos especiais que os julgadores não possuem. Todavia, a percepção e apreciação dos factos não foi objecto de prova pericial (CC- 388 e CPC- 568). A ilação que representa a al. d-1) exige conhecimentos especializados de Medicina que os julgadores não têm e, manifestados estes, o juízo em termos de incapacidade permanente ou temporária, absoluta ou parcial, para o trabalho de acordo com as Tabelas é matéria de valorização perante a lei<br>
O acórdão faz apelo à experiência comum e aos conhecimentos gerais, mas não o alicerça e antes se contradiz quando admite que o tribunal de 1ª instância podia ter considerado que a incapacidade do autor não era total e que, nesse caso, deveria ter fixado a percentagem da incapacidade. Com isto, reconhece que não se está no domínio dos factos notórios (CPC- 514,1) como ainda que não há elementos para se recorrer ao campo das presunções (CC- 349).<br>
O autor alegou os factos mas não logrou prová-los, o que o tribunal deixou consignado na resposta proferida. Com a ilação constante da al. d-1) a Relação alterou a resposta sem o poder, pois não se verificava qualquer das situações em que tal lhe seria permitido (CPC- 712) e, embora possa, em princípio, alterar a resposta de provado para não-provado e vice-versa, necessário era que do processo constassem todos os elementos de prova que serviram de base às respostas proferidas e não apenas aqueles que a Relação julgue necessários para poder alterar a resposta.<br>
Por outro lado, uma tal ilação não representa o desenvolvimento lógico dos factos dados como provados, mas um «mais» relativamente àqueles concretamente provados.<br>
Não pode manter-se, pois, essa alínea d-1) tal como está formulada - o único juízo de valor que os factos provados permitem concluir é deles ter resultado incapacidade para o trabalho; saber se traduz IPP, IPA, ITP ou ITA é juízo que o estado actual dos autos não autoriza a emitir.<br>
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6.- Da sua eliminação não resulta ipso facto que seja de manter o sentenciado.<br>
Se for de manter a condenação, a definição da expressão e extensão da incapacidade, com o respectivo reflexo nos danos causados, deve ser objecto de apreciação ulterior, em liquidação de execução de sentença pois que constitui um dado seguro a existência de danos resultantes da incapacidade (CPC- 661,2 e, eventualmente, parte final do nº 2 do art. 564 CC).<br>
Muito embora a compensação a atribuir pelos danos não-patrimoniais requeira um juízo de equidade e, em si, a sua valoração deva ser actual, o desconhecimento da expressão e extensão da incapacidade não permite que se o emita, fixando-a neste momento, razão por que, a dever manter-se a condenação, se terá de igualmente a relegar para momento ulterior.<br>
Porque interessava o apuramento da verdade material e face à primazia da justiça material sobre a formal, deveria o tribunal ter lançado mão, por tal não contender com o princípio dispositivo (tenha-se presente o que se referiu sobre a concreta natureza do juízo de valor), do disposto no art. 264-3 CPC e ordenar o exame pericial pertinente.<br>
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7.- A responsabilidade pelo risco, no caso de veículo de circulação terrestre, depende de 2 circunstâncias - ter a pessoa a direcção efectiva do veículo causador do dano e estar o veículo a ser utilizado no seu próprio interesse (P. Lima-A. Varela in CCAnot- I/513).<br>
«Desde que a responsabilidade objectiva se funde na criação do risco deve ela caber àquele que cria o risco, e este é criado por quem tem a direcção efectiva do veículo e o utiliza no seu interesse» - Vaz Serra in B. 90/74.<br>
A simples alegação da propriedade do veículo sem a alegação de quem tem a sua direcção efectiva e interessada é suficiente para poder conduzir à procedência do pedido de indemnização, pois que tais requisitos não são elementos constitutivos do direito do lesado mas sim, quando não existam na esfera jurídica do dono da viatura, factos impeditivos daquele direito (ac. RP 69.01.15 in JR 15/102, ac STJ de 74.02.19 in B. 234/229 e ac. RL de 78.03.07 in CJ III/2/406, entre muitos outros).<br>
O réu B excepcionou a exclusão da responsabilidade por não ter a direcção efectiva e interessada do JB e um dos fundamentos em que assenta o seu recurso reside na pretensão da sua procedência que vira recusada pelas instâncias.<br>
«A direcção efectiva do veículo é o poder real (de facto) sobre o veículo» (CCAnot- I/513) e o réu B alegou uma situação de falta de direcção efectiva e interessada por si (a utilização abusiva).<br>
Esta situação não é integrada apenas por casos de furto. Todavia, apesar do alegado, as instâncias só consideraram essa possibilidade (cfr. ques. 15º e 16º, que tiveram a resposta «não provado»).<br>
Se a utilização foi abusiva, como se alegou, na direcção efectiva e interessada não estava investido o seu proprietário que a teria então perdido pelo acto do réu C mas este mesmo réu que era quem efectivamente o ‘possuía’ em nome próprio, quem efectivamente se incumbia, pela situação em que o próprio abusivamente se colocara, da direcção do JB (cfr., Vaz Serra in RLJ 99/303 e 97/189).<br>
Como referia Vaz Serra - embora no Código não haja uma disposição que expressamente exclua a responsabilidade do proprietário quando o veículo seja utilizado contra a sua vontade, conclui-se-a do nº 1 do art. 503 CC.<br>
Se se provar que, no momento do acidente, era o réu C quem utilizava o JB e o fazia abusivamente, então era este quem tinha a sua direcção efectiva e o utilizava no seu próprio interesse.<br>
Não haveria, portanto, que condenar o réu B apesar dele ser o proprietário do JB, mas sim de o absolver do pedido.<br>
E o problema não vem nem se pode colocar em termos do art. 500-1 CC, o que pressuporia a existência de uma relação de comissão (cfr., ac. uniformizador do STJ de 96.04.30 in DR - II s., de 96.06.24 e P. Lima-A. Varela in CCAnot - I/507 a 509).<br>
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8.- O réu B articulou que o réu C, bem como os amigos do seu filho que com ele seguiam no JB, não tinha carta de condução e que foi com grande espanto e estupefacção que este seu filho, ao regressar ao local onde deixara parqueado o JB, deparou com a sua ausência (arts. 11 e ss, em especial, 16-17 da sua contestação) desenvolvendo, de seguida, a excepção de exclusão da responsabilidade.<br>
Porém, as instâncias leram esse articulado na base do furto e não no da utilização abusiva, o que não corresponde ao alegado.<br>
Trata-se, pois, de um caso típico em que a decisão de facto pode e deve ser ampliada em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito (CPC- 729,3).<br>
Definido que ficou o direito aplicável (CPC- 730,1), a causa terá de ser novamente julgada.<br>
O julgamento terá de abranger os dois pontos antes focados - determinação da expressão e extensão da incapacidade do autor e natureza da utilização do JB pelo réu C.<br>
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9.- A provar-se a utilização abusiva do JB há que verificar da sua influência na limitação do capital excepcionada pela ré seguradora, pois que as decisões proferidas foram lavradas no pressuposto de o furto do veículo pelo réu C se não ter demonstrado não considerando a eventualidade que realmente fora alegada.<br>
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Termos em que se revoga o acórdão recorrido, voltando o processo à 2ª instância para ser julgada novamente a causa, em harmonia com a decisão de direito, pelos mesmos Exº Juízes Desembargadores, se possível, que intervieram no anterior julgamento.<br>
Custas a final.<br>
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Lisboa, 9 de Julho de 1998.<br>
Lopes Pinto,<br>
José Saraiva,<br>
Garcia Marques.</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
UjL2u4YBgYBz1XKvJGOJ | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br>
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A, Lª., em acção que move a B, S.A., pediu que a ré fosse condenada a lhe pagar a quantia de 40776566 escudos, acrescida de juros de mora desde a citação, por a energia eléctrica consumida pelo Centro Comercial, não ter sido, pelo menos no período de Janeiro de 1993 a Setembro de 1996, integralmente medida e registada no contador de tripla tarifa, por estar invertida a polaridade de um dos TI, o que conduziu ao registo no contador só de 1/3 da energia eléctrica efectivamente utilizada, apurando-se um débito global de 38834825 escudos, a que acrescem 1941741 escudos de IVA à taxa de 5%.<br>
Contestando, a ré excepcionou a prescrição e a caducidade do direito e impugnou, com o que concluiu pela absolvição do pedido.<br>
Após resposta da autora, foi proferido saneador-sentença a julgar procedente a excepção de prescrição e improcedente a acção.<br>
Apelou, com êxito a autora, tendo a Relação revogado a decisão por ter a prescrição como presuntiva e ilidida a presunção de cumprimento, com o que ordenou o prosseguimento dos autos.<br>
Inconformada, pediu revista a ré, concluindo, em suma e no essencial, em suas alegações:<br>
- o regime especialíssimo das prescrições presuntivas não é aplicável a todo e qualquer tipo de prescrição fixado e estipulado em lei especial nem pode ser aplicado analogicamente;<br>
- a prescrição prevista no art. 10 n. 1 da lei 23/96 não é presuntiva - não o diz a lei e não é o simples facto de o prazo ser igual ao do art. 316 CC que a transforma em tal;<br>
- a ré não confessou - expressa ou tacitamente - que não pagou os serviços prestados pela autora durante os meses e anos a que se refere a factura junta aos autos;<br>
- esta refere-se a um erro de facturação no período nela indicado, caindo no âmbito do nº 2 daquele art. 10;<br>
- expressamente alega que pagou os serviços prestados naquele período e o que não aceita é o alegado erro de facturação;<br>
- violado o disposto no art.10-1 e 2 da lei 23/96 e 312 a 315 CC.<br>
Contra alegando, defendeu a autora a confirmação do acórdão.<br>
Colhidos os vistos.<br>
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Matéria de facto que as instâncias deram como provada: <br>
a)- a autora é uma sociedade anónima, constituída nos termos dos DL 7/91, de 08.01, e 131/94, de 19.05, cujo objecto social é a distribuição e a venda de energia eléctrica;<br>
b)- em conformidade com a citada legislação, a autora foi constituída por cisão da E.D.P. - Electricidade de Portugal, S.A., tendo-lhe sido transmitidas, sem quaisquer alterações, as relações jurídicas detidas pela E.D.P., conexas com o seu objecto social;<br>
c)- no exercício da sua actividade, em 90.07.16, a E.D.P. celebrou com a ré um contrato de fornecimento de energia eléctrica para os serviços comuns do Centro Comercial;<br>
d)- no âmbito desse contrato, a autora obrigou-se a fornecer à ré energia eléctrica com a potência contratada de 300 kVA, em baixa tensão mediante o pagamento pela ré da energia por si consumida;<br>
e)- assim, em 1990, foi instalada a equipa de contagem que se destinava a registar e medir a energia consumida pela ré, a fim de proceder à correspondente facturação;<br>
f)- em 96.08.09, a autora substituiu o contador de dupla tarifa, inicialmente colocado, por um outro de tripla tarifa;<br>
g)- em 96.09.23, os serviços da autora terão constatado que a energia, consumida pela ré, não estaria a ser integralmente medida e registada, no respectivo contador, por ter havido inversão de polaridade de um dos transformadores de intensidade (T.I.);<br>
h)- procedendo ao apuramento da energia, no entender da autora, consumida e não facturada, entre Janeiro de 1993 e Setembro de 1996, estaria apurado um débito global de 40776566 escudos;<br>
i)- a autora remeteu à ré uma carta, datada de 97.01.16, dando conta da situação e solicitando o pagamento da energia que considerava haver sido efectivamente consumida pela ré e não facturada;<br>
j)- por carta datada de 97.02.06, a ré respondeu recusando o pagamento solicitado, alegando não aceitar que lhe fosse facturada energia presumivelmente consumida;<br>
l)- em 97.08.09, a autora intentou a presente acção e fê-lo para que a ré fosse condenada a pagar-lhe a aludida importância (40776566 escudos);<br>
m)- não foi requerida citação urgente, havendo a ré sido citada em 97.10.01.<br>
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Decidindo: <br>
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1.- Aduz a recorrida que a alegação da caducidade é questão nova pois sobre ela se não pronunciou em recurso da sentença nem nas alegações que apresentou na Relação.<br>
Pese embora seja difícil compreender a referência, a menos que se trate de duplicação, a recurso da sentença e alegações que apresentou na Relação, não assiste razão à recorrida.<br>
Seguramente que não ignora que quem apelou foi a autora e não a ré, que excepcionou a prescrição e a caducidade (cont- 9 a) e b)), e que o saneador-sentença de que ela própria recorreu absolveu do pedido por julgar procedente a excepção da prescrição.<br>
Não tinha a ré que, contra-alegando, expor e concluir sobre a outra excepção nem o facto de o não ter feito obsta a que o seu direito de defesa, sendo revogada a decisão sobre a primeira, possa e deva ser considerado e conhecido.<br>
Aliás, a autora, no articulado de resposta, compreendeu que 2 foram as excepções opostas e contrapôs, a ambas em conjunto, a inaplicabilidade das respectivas normas face ao tipo de fornecimento (de um modo mais literal e formal, dir-se-ia que a autora até só respondeu à excepção de caducidade - cfr. art. 1 a fls. 67 e nele sublinhado bem como a conclusão a fls. 72).<br>
E, na contra-alegação, a ré refere-se-lhe (arts. 2 b) e 3) este, de modo mais expresso, a fls. 110).<br>
Embora improceda a questão suscitada pela autora recorrida, um outro comentário merece face à (in)inteligibilidade da causa de pedir (e, como decorre do exposto e do que no nº seguinte se dirá, não se pode concluir que a ré tenha compreendido ou interpretado convenientemente a petição inicial, pelo que a sua ineptidão deveria ter sido declarada - art. 193 n. 2 a) e n. 3 CPC, problema que, todavia, está ultrapassado) e a uma certa confusão que, neste processo, se estabeleceu.<br>
<br>
2.- Distingue a lei (lei 23/96, de 26.07) tal como já antes o CC (arts. 887-891) as situações de crédito do preço do serviço prestado e de crédito da diferença de preço.<br>
A causa de pedir é definida, em princípio, na petição inicial e pelo autor (CPC artigo 268).<br>
Importa perceber em que concreto facto jurídico a autora baseia e deduz a sua pretensão.<br>
Percorrendo-se o seu articulado inicial, é legítimo questionar se a autora se arroga credora do preço de toda a energia fornecida se só da diferença - não facturou a totalidade ou somente a relativa a 2/3 não registada e (presumivelmente? efectivamente?) fornecida ?<br>
Compreende-se que, face a esta indefinição, se defendesse a ré excepcionando duplamente - com a prescrição do direito de exigir o pagamento do preço do serviço prestado) e a caducidade do direito ao recebimento da diferença do preço (art. 10 n. 1 e 2 da lei 23/96).<br>
E, certamente apercebendo-se que a sua indefinição deu causa a um tal tipo de defesa, a autora, ao responder, como que esclareceu e precisou a causa de pedir - a concreta diferença entre a registada (e facturada) e a que tem por efectivamente consumida, sendo ao direito ao recebimento da diferença de preço que se arroga; daí o seu cuidado de sublinhar e literalmente se reportar só à excepção de caducidade (juntou a autora, à petição inicial, a título de documentação, um relatório de fls. 18 a 22, onde foi operando a resumos do que considerou em dívida e, provavelmente com isso terá querido indirectamente precisar que era o direito ao recebimento da diferença do preço que reivindicava).<br>
As instâncias, sem questionarem qual a causa de pedir invocada e não discutindo a norma aplicável, apenas cuidaram da prescrição, o que não está correcto; menos ainda se o direito de que a autora se arroga tiver por base a diferença entre o registado e o consumido e não o preço do registado e consumido.<br>
Matéria de direito e não resolvida de modo definitivo. Havia - e há - que dela conhecer.<br>
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3.- Interpretando o contrato em causa, quer na vertente das vontades nele expressas quer na perspectiva das leis 23/96, de 26.07, e 24/96, de 31.07, concluíram as instâncias que às excepções opostas pela ré se não podia contrapor o tipo de energia eléctrica fornecida (alegara tal a autora na sua resposta), uma vez que os conceitos de utente e de consumidor se não confundem (menos extensivo este que aquele) e que os de potência e tensão também não (interessando não a potência mas sim a tensão contratadas e esta foi a "baixa tensão").<br>
Definitivamente resolvida esta questão, improcedeu de vez a invocação feita à sombra do nº 3 daquele art. 10.<br>
<br>
4.- Uma vez que não foi sancionada a petição inicial, há que fazer a sua «leitura» pois que uma decisão de mérito pressupõe o conhecimento do que se quer e do porquê do pedido.<br>
Os elementos acima referidos tomados no seu conjunto conduzem, nesta fase processual, à conclusão que a autora pretendeu reportar-se à diferença de consumos entre o registado e o efectivo e que é o direito daí derivado que quis fazer valer.<br>
Recentemente, foi o Supremo, e pelos mesmos Juízes-Conselheiros que neste julgamento intervêm, chamado a pronunciar-se sobre idêntica questão (ac. de 98.05.06 in proc. 330/98, 1ª sec). Embora se a tenha abordado na perspectiva do CC, lei aplicável no tempo, não se lobriga razão para alterar a orientação, pelo que se seguirá de perto e no essencial, esse mesmo aresto, para depois se passar a considerar o disposto naquele art. 10 e se questionar, quanto à qualificação jurídica da figura, se inovou ou manteve a anterior.<br>
Questão a decidir - se prescrição se caducidade do direito.<br>
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5.- Do enquadramento jurídico do contrato celebrado depende saber se, relativamente ao direito à diferença do preço apurada pela correcção da leitura do registo de energia eléctrica consumida, a lei fixa um prazo de caducidade ou se, antes, lhe serão aplicáveis as regras da prescrição (CC- 298 n. 2).<br>
Para a caracterização do contrato desinteressa o facto relativo às leituras dos contadores pois que essas bem como um eventual erro havido se integram «na operação material ou executiva destinada à determinação do preço a pagar de harmonia com o contrato», limitando-se a facturação do débito respectivo a dar à ré «conhecimento do resultado das operações materiais» (Vaz Serra in RLJ - 106/85).<br>
Porque nisso nenhuma declaração negocial há, irreleva para a mencionada caracterização.<br>
Vem aceite, pela jurisprudência (acs. STJ de 72.03.14 e 94.05.31, respectivamente, in BMJ 215/239 e CJSTJ 94/II/121) e doutrina (Vaz Serra in RLJ - 106/86 e P. Lima - A. Varela in CCAnot - II/179), ser o contrato de fornecimento de energia eléctrica um contrato de compra e venda de coisa móvel, com preço fixado à razão de tanto por unidade, sendo devido o preço proporcional ao número ou medida real da coisa vendida.<br>
Porém, não é uma relação obrigacional reiterada mas «uma unitária relação obrigacional duradoura» com «a especialidade de o âmbito das prestações das duas partes não depender apenas da duração temporal mas também, dentro dos períodos singulares, total ou parcialmente do montante do consumo efectivo e, portanto, da vontade do consumidor» (p. 86).<br>
Esta caracterização não é, todavia, suficiente, para o enquadramento jurídico definidor do regime aplicável.<br>
Embora a energia eléctrica seja coisa (CC- 202,1; cfr. M. Andrade in T.G. Rel. Jur. I/200 nota 2) e o contrato de compra e venda tenha por objecto a propriedade de uma coisa ou direito (CC- 874), importa saber se é venda de coisa determinada (CC- 887, para a venda ad mensuram, e 888, para a venda ad corpus), o que, desde logo, implica se defina o que se entende por «coisa determinada» para efeito da Secção III do Capítulo da compra e venda.<br>
A. Varela (RLJ - 119/340-341) entende que se trata de coisas certas ou determinadas, as coisas na sua realidade concreta em que "a prestação a cargo do vendedor das coisas é a da entrega das coisas (concretas, especificadas, individualizadas, «espácio-temporalmente definidas»), que as partes tiveram diante de si".<br>
A coisa vendida não é determinada pelo género (energia eléctrica) mas concretamente individualizada por elementos diferenciadores e que a definem - «em baixa tensão» e «potência contratada 300 KVA».<br>
Não se trata, por conseguinte, de coisas indeterminadas, maxime de coisas genéricas.<br>
Uma outra pergunta é legítima - determinada em função dela mesma (da sua qualidade, expressão empregue não só por contraposição com a seguinte mas ainda para significar que se não está a falar de "qualidades" ou do "conjunto de qualidades" e sim da realidade concreta) ou também da sua quantidade? Com efeito, por ex., in casu, a energia eléctrica é uma coisa determinada enquanto realidade concreta mas a quantidade fornecida não foi exactamente (em termos matemáticos) determinada no contrato embora ficasse nele mesmo determinável - coisa, pois, qualitativamente determinada e quantitativamente determinável.<br>
Isto nada tem que ver com as obrigações reiteradas, periódicas ou repetidas. A questão está em saber se a previsão da norma requer que a quantidade total de mercadorias fique concretamente (de modo exacto, preciso) declarada no contrato ou se a quantidade declarada poderá ser também por referência à soma final daquilo que, em cada época, vier a ser determinado em execução do contrato (o que permitirá abranger as obrigações unitárias duradouras com a especialidade antes assinalada).<br>
O exigir-se que a coisa seja determinada postula que ela, coisa, seja conhecida, o que de per si, não afasta a possibilidade de a sua quantificação, em vez de estar determinada, ser determinável.<br>
Vaz Serra, após referir que «o objecto da compra e venda pode ser determinado por sinais genéricos, havendo, então, uma compra e venda de coisas genéricas» de que «é uma sub-espécie o contrato de fornecimentos sucessivos» conclui que «o contrato de fornecimento de água, gás ou electricidade parece ser um contrato unitário de compra e venda de coisas determinadas por um género» (p. 87); <br>
Em si, os trabalhos preparatórios do CC66 encaminham num determinado sentido pois que, a propósito do actual artigo 887, referem - «as hipóteses aqui prevenidas são de divergência entre a quantidade real (número, peso, medida) do objecto vendido e a quantidade declarada no contrato, em caso de venda de coisa ou coisas determinadas» (I. Galvão Telles in B. 83/124). Por coisa determinada tem-se aí a que o é em si, isto é, em relação apenas à qualidade sem prejuízo de, no contrato, dever ser declarada a quantidade dessa coisa.<br>
O aceitar-se essa noção, como realmente se entende dever ser (este também o sentido de A. Varela ao «não considerar, em princípio, incluídas no conceito legal de qualidades da coisa vendida os factores externos traduzidos no número, peso ou medição da coisa» - RLJ 119/344), não significa, sem mais, que se inviabilize a conclusão final de Vaz Serra (inaplicabilidade do disposto nos arts. 887 e ss CC a este tipo de contrato; atingindo, por fazer coincidir à quantidade que se declara a entrega do todo vendido e tendo--a como pressuposto do art. 887 CC que ela seja feita por uma só vez, o mesmo resultado, cfr., Batista Lopes in Da Compra e Venda, p. 125 tese que foi acolhida no ac. do STJ de 94.11.30 - proc. 85780, 2ª sec) mas tão somente que a discussão se desloca para a obrigatoriedade ou não da inclusão dessa menção tale et quale - «determinada» qualifica a coisa e apenas ela; passível de discussão se a quantidade tem de, sempre no contrato, estar determinada ou se pode ficar como determinável (a sua determinabilidade não poderá ser confiada a terceiro nem diferida no tempo).<br>
«... sem embargo de no contrato se declarar quantidade diferente» (CC- 887).<br>
Retomemos a lição de A. Varela - «a venda ad mensuram é a venda de coisa determinada com indicação da sua medida, em que o preço é fixado à razão de tanto por unidade» (RLJ - 119/311 nota 1).<br>
«Indicação da sua medida» e «quantidade declarada» são expressões, aparentemente, não coincidentes a menos que, numa e noutra, a indicação e a declaração se reportem ou se possam reportar a "efectivamente indicada ou declarada no contrato" ou "a indicada ou declarada no contrato por referência a critérios pré-definidos que permitem a concreta determinação (por simples operações materiais de contagem, pesagem ou medição)" em ordem a atingir e fixar a prestação singular devida pelo comprador em cada período.<br>
E à frente, «... a lei civil portuguesa, ao regular discriminada e sucessivamente os diversos tipos de vicissitudes que podem ocorrer no quadro paradigmático da compra e venda, tratou separadamente das deficiências relativas à contagem, pesagem ou medição das coisas vendidas (arts. 887 e segs) e da falta de qualidades (asseguradas ou essenciais) da coisa ... sinal de que não identificou o número, o peso ou a medição da coisa vendida com as qualidades da coisa alienada» (p. 345).<br>
Nestes casos, o que se concretiza por um género não é a coisa (realidade concreta) mas uma sua qualidade extrínseca (a quantidade), pois, uma outra realidade e, desde que essa determinabilidade tenha sido convencionada - o que pressupõe, pois, o conhecimento e aceitação pelas partes, não há razão para excluir a aplicabilidade do disposto nos arts. 887 e seguintes CC.<br>
Com efeito, não se trata de coisa determinada pelo seu género, pelo seu tipo abstracto (v.g., vinho, trigo), em que as coisas compreendidas nesse género podem ser indiferentemente substituíveis umas pelas outras, mas de coisa concreta ou especificamente determinada (energia eléctrica concretamente definida, no contrato, por certos elementos diferenciadores). O quantum desta coisa é-lhe extrínseco e concretiza-se pela contagem, pesagem ou medição (sendo esta concretização que irá permitir determinar, quando conjugada com o elemento «preço», a prestação singular do comprador)<br>
Ao contrato de compra e venda de coisa determinada no qual a quantidade seja declarada por modo a que cada prestação singular (do vendedor e do comprador) fique determinada pela forma (operação material) nele mesmo convencionada, é aplicável, a verificarem-se os demais elementos da venda ad mensuram ou da venda ad corpus, o disposto nos arts. 887 e ss CC.<br>
Contrato de fornecimento de energia eléctrica concretamente individualizada no contrato por elementos diferenciadores e que a definem - «em baixa tensão» e «potência contratada 300KVA».<br>
Esta é coisa (móvel) e coisa determinada.<br>
In casu, a quantidade da coisa vendida ficou desde logo, no próprio contrato, determinável - sendo contabilizada e facturada de acordo com a leitura mensal de aparelhos instalados e controlados pelo vendedor.<br>
Aceita-se o referido no cit. ac. de 94.05.31 - «a coisa para ser certa e determinada, terá de ser conhecida pelas partes» e entende-se que a indicação feita no contrato nos termos antes referidos satisfaz plenamente o requisito apontado (quer a coisa em si quer a determinabilidade da sua quantidade são conhecidas pelas partes).<br>
O fornecimento da quantidade total da coisa não é feito de uma só vez nele influindo não só o tempo como a vontade do consumidor, o que é reflectido na prestação singular.<br>
Verificam-se os demais elementos da venda ad mensuram pressupostos pelo art. 887 CC.<br>
O direito ao recebimento do preço caduca dentro de ... após ... (CC- 890).<br>
Aqui, a expressão «caducidade» é aquela que reflecte não só a figura ‘querida’ pela lei como ainda aquela que o legislador encontrou para traduzir a solução mais adequada e acertada para defesa da parte que em tal trato é normalmente a menos poderosa (CC- 298, 2 e 9-3). Seguindo a lição de Vaz Serra, in B. 107/193, esta a conclusão a que se chega da interpretação da disposição legal em causa, olhando à razão de ser para ter sujeitado ao exercício durante certo período a vida desse direito e à finalidade da norma.<br>
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6.- Na mira da protecção do utente de serviços públicos essenciais (fornecimento de água, de energia eléctrica, de gás e serviço de telefone), manteve a lei a caducidade do direito ao recebimento da diferença de preço entre o correspondente ao consumo efectuado e o efectivamente facturado (art. 10-2 da lei 23/96) - neste momento e para o fim que temos vindo a considerar (qualificação jurídica da figura prevista), ainda não há que ter em conta o segmento da norma relativo ao «erro do prestador do serviço».<br>
Quanto à qualificação jurídica, não se inovou, pois.<br>
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7.- Para se definir qual a lei aplicável há que conhecer quando nasce o direito em causa.<br>
O direito ao recebimento da diferença de preço caduca dentro de 6 meses ou 1 ano após a entrega da coisa, consoante esta for móvel ou imóvel; mas se a diferença só se tornar exigível em momento posterior à entrega, o prazo contar-se-á a partir desse momento (CC- 890,1).<br>
A energia eléctrica é coisa móvel (CC- 205,1).<br>
A diferença reclamada reporta-se a cada prestação singular e esta tem carácter mensal.<br>
A exigibilidade de cada não ocorre à medida em que a coisa é entregue nem no momento da leitura dos contadores, mas, de acordo com o convencionado e os usos nesse ramo, após a remessa da factura em que se dá a conhecer a leitura, a quantidade que se tem por efectivamente consumida e o preço a pagar - alguns dias após a remessa, depois de escoado o período de eventual reclamação. É cada prestação que se vence.<br>
Eleja-se este momento ou, maxime, aquele em que a vendedora, após tomar conhecimento da deficiência e a ter comunicado à compradora e lhe ter remetido a factura da diferença global, a considerou exigível por aplicação do procedimento adoptado e convencionado para cada prestação singular (este segundo é o que temos por correcto à face do CC), o certo é ter decorrido entre qualquer deles e a propositura da acção um lapso de tempo superior a 6 meses.<br>
Em 1996 e para os serviços essenciais acima referidos, veio a lei 23/96 definir o momento a considerar - o pagamento do consumo facturado (e não o do consumo que o prestador do serviço tem como o efectuado) e manteve o prazo de 6 meses (art.10-2). Porém, este diploma entrou em vigor 90 dias após a sua publicação, que ocorreu em 96.07.26.<br>
Como observou Baptista Machado (in Sobre a Aplicação no tempo do novo CC, a p. 161 e ss), as hipóteses a que se refere o art. 297 são os casos mais flagrantes de situações jurídicas em vias de constituição ou de extinção e, por isso, a regra a aplicar em tais hipóteses seria a do art. 12 n. 2, 1ª parte, mas um pequeno desvio ou adaptação há que fazer.<br>
Na medida em que o prazo tem a mesma duração o problema da aplicação da lei no tempo resolve-se em função do momento inicial do prazo - se o antecipa, a lei nova aplica-se aos prazos já em curso mas o prazo só se conta a partir da sua entrada em vigor, a não ser que, segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se completar (CC- 297,1); se retardar o momento inicial do prazo, aplica-se a lei nova aos prazos já em curso, mas computar-se-á neles todo o tempo decorrido desde o seu momento inicial (CC- 297, 2).<br>
Segundo a factualidade assente, a facturação da diferença e a comunicação da razão de ser da mesma ocorreu em 97.01.16, pelo que o prazo de caducidade prescrito no art. 890-1 CC ainda não tivera início quando entrou em vigor a lei 23/96. Esta, pois, a aplicável.<br>
Na sua contestação, a ré - de forma indirecta, nos arts. 2, 4, 8 e 24 a 32 e, directamente, no art. 34 b) in fine - alegou que pagou o consumo facturado (ou, acaso tenha havido erro, subfacturado), o que não foi contrariado na resposta.<br>
Interessa saber se entre o pagamento da (sub?)facturação e a ora corrigida (nesta diferença consiste, caso exista, o erro) decorreu até à propositura da acção um período superior a 6 meses (art. 10-2) e, em caso negativo, relativamente a que lapso de tempo (períodos mensais) pode ser exigida a diferença sem que relevantemente lhe seja oposta a excepção de caducidade.<br>
Trata-se de matéria de facto que interessa apurar para fundamentar uma correcta decisão de direito (CPC- 729,1 e 730-1) e que foi alegada se bem que indirectamente (e não de modo tão indefinido como a causa de pedir) - arts. 2, 8 e 34 b) da contestação e sua coordenação com a petição inicial, onde pela documentação junta, se observa que a periodicidade era mensal e que a última (sub?)factura considerada foi a de Setembro de 1996 (limite temporal do pedido formulado). A haver algum período não abrangido, portanto, a poder eventualmente vingar o direito da autora na parte respectiva, haverá que instruir a acção a fim de se saber se, relativamente a esse mesmo período, houve subfacturação e por erro do prestador do serviço.<br>
A discriminação operada nessa documentação é, aliás, elucidativa ao referir, de um lado, a potência e o valor facturados mensalmente e, do outro, o consumo e valor calculados, também mensalmente.<br>
Alegando a ré o pagamento do valor facturado, sem contestação da autora, reduz-se a questão apenas à determinação do momento desse pagamento.<br>
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8.- A caducidade do direito ao recebimento da diferença depende ainda de o erro provir do prestador do serviço.<br>
A deficiência, na base da qual a autora formula o seu pedido, é relativa à medição da coisa vendida (a energia eléctrica) - defeito do contador que registaria menos 2/3 do que a energia efectivamente consumida, alterando assim a prestação singular devida em cada período mensal pelo comprador. Haverá, no peticionado pela autora, erro na facturação por o consumo real de energia ter sido diferente e superior ao lido o que, segundo alega, foi detectado após a verificação da inversão de polaridade de um dos transformadores de intensidade.<br>
A haver diferença, a autora, em princípio, tem direito à mesma. Em princípio, pois outras razões podem não permitir a sua reivindicação (v.g. caducidade do direito) ou tornar legítimo que a expressão pecuniária da diferença não deva ser atribuída ou não o dever ser pela sua totalidade (v.g., prejuízo por, na composição dos preços dos produtos que vendeu, o comprador não ter podido, sem culpa sua e devido a causa imputável ao vendedor, feito reflectir, distribuindo-o entre todos eles, um dos custos de produção ou de o não ter podido reflectir na sua totalidade).<br>
A autora não imputou à ré a troca da polaridade e reconhece que, pelo menos, entre Maio de 1992 e 96. 08.09 não efectuou qualquer intervenção no equipamento (pet. in.- 21, 17 e 20).<br>
O acesso a esse equipamento por si instalado e sua propriedade (pet. in.- 12 a 17; cont- 10) e a fiscalização respectiva pertencia à autora.<br>
A ter havido diferença entre o consumo registado e o efectuado e, consequentemente, a reflectir-se no preço devido, o erro é imputável a responsabilidade funcional da autora que, num largo lapso de tempo, não fiscalizou, o que lhe teria permitido detectar a anomalia e rectificá-la bem como à facturação.<br>
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9.- À caducidade não se aplica o disposto no art. 323-2 para a prescrição.<br>
Impede a caducidade o reconhecimento do direito por parte daquele contra quem deva ser exercido (CC- 331,2).<br>
A ré negou a existência do direito invocado pela autora, não o reconheceu.<br>
De reconhecimento tácito também se não pode falar, pois, como disse o STJ, o pagamento das facturas posteriores a Setembro de 1996 «não traduz de qualquer modo, e menos ainda inequivocamente, que reconhecesse o dever de pagar as quantias que a autora indicou como anteriormente não facturadas» (cit. ac. de 72.03.14).<br>
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10.- A Relação, porque entendeu que a fixação dum prazo curto de prescrição, significava que se estabelecera uma prescrição presuntiva, revogou o saneador-sentença.<br>
O critério distintivo entre a prescrição ordinária e a presuntiva não se reduz à duração do prazo nem do facto de este ser menor que os previstos nos arts. 309 e 310 CC se segue automaticamente a conclusão de que a lei estabeleceu uma prescrição presuntiva.<br>
Antes de mais há que indagar se o nº 1 desse art. 10 contempla um caso de prescrição que tem na sua base uma presunção de pagamento, fundada em que essa dívida é normalmente satisfeita em curto prazo, não costumando as pessoas guardar (se é que o exigem) o recibo por muito tempo (já a prescrição dita «extintiva» - conquanto não seja causa de extinção de direitos; confere ao devedor a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor ao exercício do direito prescrito - não pode ser afastada com a prova de que a dívida não está satisfeita, vd. Vaz Serra in RLJ 109/248).<br>
Desinteressa continuar na discussão da qualificação da prescrição prevista naquele nº 1 pois accionado foi não o direito ao preço mas o direito ao recebimento da diferença e à sua procedência opôs a ré a excepção de caducidade, sendo essa a que interessa instruir.<br>
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Concluindo:<br>
- importa saber se quando a autora exercitou o seu direito ao recebimento da diferença do preço já ocorrera a sua caducidade, pondo termo a uma situação de incerteza (CCAnot- II/182);<br>
- para o efeito, impõe-se ampliar a decisão de facto em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito (CPC- 729,3), o que é possível e deve ser feito nos termos antes definidos no nº 7 - 12º e 13º parágrafos;<br>
- há que de novo ser julgada a causa, em harmonia com o direito aplicável acima definido (CPC- 730,1), se possível, pelos mesmos Exº Juízes Desembargadores que intervieram no anterior.<br>
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Termos em que acorda em revogar o acórdão e ordenar a baixa dos autos à Relação para os efeitos antes indicados.<br>
Custas a final.<br>
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Lisboa, 22 de Fevereiro de 2000.<br>
Lopes Pinto,<br>
José Saraiva,<br>
Garcia Marques.</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
UjL_u4YBgYBz1XKvdHEY | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font></b><div><b><font>I</font></b></div><b><font>A propôs contra B, C, e D - Grupo Segurador S.A., todos com os sinais dos autos, acção de responsabilidade civil emergente de acidente de viação, em que pede a condenação solidária de todos no pagamento da indemnização de 3679276 escudos e 50 centavos com acréscimo da taxa anual de inflação até à data da sentença, sendo a seguradora até ao limite do seguro.</font></b><br>
<b><font>Fundamenta-a na circunstância de, no dia 11 Janeiro de 1982, transitar pela estrada nacional n. 231-3 de harmonia com todas as regras de trânsito conduzindo o seu veículo automóvel GS-87-97, e de, por ocasião de uma curva para a sua esquerda, ter surgido em sentido contrário o auto-pesado de carga MO-00-82, tripulado pelo primeiro ré, ao serviço da segunda e segurado na terceira, que descreveu essa curva fora de mão, com excesso de velocidade e inconsideração, vindo a colidir violentamente com ele e causando-lhe gravíssimas lesões e danos patrimoniais e não patrimoniais.</font></b><br>
<b><font>Contestaram todos os réus impugnando os factos e levantando, ainda, os dois primeiros a excepção de prescrição que, no saneador, foi relegada para final.</font></b><br>
<b><font>Após o julgamento, veio a ser proferida a sentença que julgou procedente essa excepção e absolveu os demandados do pedido.</font></b><br>
<b><font>Sob recurso do Autor, a Relação manteve a decisão.</font></b><br>
<b><font>Inconformado, interpôs revista para este Tribunal, tendo encerrado a sua alegação com as seguintes conclusões:</font></b><br>
<b><font>1 - No caso sub judice, impende sobre o réu B uma presunção legal de culpa.</font></b><br>
<b><font>2 - presunção essa que o mesmo não logrou ilidir.</font></b><br>
<b><font>3 - Assim a título de culpa presumida não ilidida, deve o referido B ser considerado único e exclusivo culpado pela produção do embate sub judice.</font></b><br>
<b><font>4 - Em consequência, tem de concluir-se ter o mesmo praticado o crime que lhe é imputado pelo recorrente.</font></b><br>
<b><font>5 - Só em sede de processo penal é que, à luz do princípio da presunção de inocência, as presunções de culpa são constitucionalmente ilegítimas.</font></b><br>
<b><font>6 - Em face do exposto, dúvidas não restam de que no presente caso é de cinco anos e não de três, o prazo de prescrição do direito de indemnização invocado pelo autor.</font></b><br>
<b><font>7 - À data da instauração da presente acção ainda não haviam decorrido cinco anos sobre o trânsito em julgado do despacho de arquivamento do inquérito em questão.</font></b><br>
<b><font>8 - Sendo assim, o direito de indemnização invocado pelo ora recorrente não se encontra prescrito.</font></b><br>
<b><font>9 - Não faria qualquer sentido que, nos casos como o dos autos, o lesado pudesse propor a acção de indemnização num prazo mais longo que o de três anos mas, fazendo-o, tal implicasse a cessação da presunção legal de culpa que até aí impendia sobre o lesante, passando a incumbir-lhe o ónus de provar a culpa do autor da lesão.</font></b><br>
<b><font>10 - O acórdão recorrido violou o art. 503, n. 3, do Código Civil e interpretou erradamente o art. 498, n. 3, do mesmo diploma legal.</font></b><br>
<b><font>Com esta argumentação pretende se julgue improcedente a excepção de prescrição e se condenem os réus na indemnização peticionada.</font></b><br>
<b><font>Em contra-alegações, os dois primeiros réus pugnam pela manutenção do julgado.</font></b><div><b><font>II</font></b></div><b><font>Encontra-se definitivamente provado em matéria de facto:</font></b><br>
<b><font>a) No dia 11 de Janeiro de 1982, cerca das 8,05 horas, o autor transitava pela E.N. n. 213-3, no sentido Caldas de Felgueira - Canas de Senhorim, conduzindo o veículo ligeiro de passageiros GS-87-97;</font></b><br>
<b><font>b) Na mesma estrada, dia e hora, o primeiro réu conduzia o auto-pesado MO-00-82, circulando em sentido contrário ao autor;</font></b><br>
<b><font>c) A ré C, havia transferido a responsabilidade civil por danos causados a terceiros pela viatura MO-00-82 para a ré D - Grupo Segurador S.A., por contrato de seguro titulado pela apólice n. 60/622417;</font></b><br>
<b><font>d) O acidente ocorreu onde a estrada descreve uma curva fechada, de pouca visibilidade, que ficava à esquerda do autor e à direita do réu;</font></b><br>
<b><font>e) Nesse local a estrada é de piso de asfalto, em bom estado de conservação e a berma à direita do sentido de marcha do autor tem meio metro e à esquerda metro e meio;</font></b><br>
<b><font>f) O autor circulava no sentido Caldas da Felgueira - Canas de Senhorim;</font></b><br>
<b><font>g) Os veículos conduzidos pelo autor e pelo réu B embateram entre si.</font></b><br>
<b><font>h) O embate deu-se entre a parte esquerda da frente do veículo conduzido pelo réu B e a frente esquerda do veículo do autor, indo este depois embater com a frente na parte lateral esquerda do primeiro;</font></b><br>
<b><font>i) O veículo do autor ficou imobilizada perpendicularmente à estrada;</font></b><br>
<b><font>j) À data do acidente o veículo conduzido pelo réu B tinha cerca de três anos;</font></b><br>
<b><font>l) Após o embate o autor ficou entalado dentro do seu veículo e sofreu fracturas do membro superior esquerdo, dos ossos da bacia e do membro inferior esquerdo e ainda lesões nos intestinos;</font></b><br>
<b><font>m) Depois do acidente o autor foi internado durante 40 dias no serviço de cirurgia do Hospital de Viseu, onde foi operado à perna esquerda, baço e intestinos;</font></b><br>
<b><font>n) Depois do internamento fez tratamento de recuperação até 30 de Setembro de 1982;</font></b><br>
<b><font>o) O autor esteve 282 dias com impossibilidade total para o trabalho;</font></b><br>
<b><font>p) Ao tempo do acidente o autor era mineiro na Empresa Nacional de Urânio E.P., exercendo as funções de capataz;</font></b><br>
<b><font>q) O autor deslocou-se à consulta externa;</font></b><br>
<b><font>r) O veículo do autor era um Datsun 1200 com cerca de três anos à data do acidente, tendo ficado totalmente destruído;</font></b><br>
<b><font>s) As sequelas que resultaram ao autor do acidente exigem-lhe esforços suplementares na sua actividade de mineiro;</font></b><br>
<b><font>t) O autor ficou a sofrer de rigidez articular do cotovelo esquerdo em posição viciosa (flexão possível entre 110% e 113%) e de dificuldade na mobilização do membro inferior esquerdo ao nível da anca, com marcha claudicante;</font></b><br>
<b><font>u) O autor sofreu dores intensas, mal estar e angústias e foi submetido a três intervenções cirúrgicas;</font></b><br>
<b><font>v) À data do acidente era pessoa alegre e de fácil convívio;</font></b><br>
<b><font>x) O réu B conduzia o veículo pesado MO-00-82 no interesse e por conta da ré C.</font></b><br>
<b><font>Documentalmente está ainda provado que:</font></b><br>
<b><font>- Em virtude do acidente em causa nos autos foi instaurado inquérito judicial contra o réu B no Tribunal Judicial de Mangualde, que veio a ser arquivado por despacho do Digno Agente do Ministério Público datado de 18-10-82, por aplicação da Lei 17/82, de 17-07, que amnistiou o crime e a contravenção imputáveis ao réu B, o qual foi notificado ao ora autor em 28-11-82.</font></b><br>
<b><font>- A presente acção foi intentada em 25-09-87, tendo os réus sido citados em 13 de Outubro (D - Grupo Segurador), 16 de Outubro (B) e 16 de Novembro de 1987(C) - cfr. ainda o art. 323, n. 2, do Código Civil.</font></b><div><b><font>III</font></b></div><b><font>1 - Está unicamente em causa o conhecimento da questão da prescrição, uma vez que qualquer eventual condenação em indemnização, também pedida, não pode, desde já, ser apreciada por este Supremo Tribunal.</font></b><br>
<b><font>As disposições nucleares que importa considerar são os ns. 1 e 3 do art. 498 do Código Civil.</font></b><br>
<b><font>Reza o n. 1 o seguinte: "O direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos (...)".</font></b><br>
<b><font>Prescreve, entretanto, o n. 3: "Se o facto ilícito constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, é este o prazo aplicável".</font></b><br>
<b><font>2 - Extraem-se das disposições transcritas os termos do dissídio: a actuação do réu condutor do auto-pesado constitui, ou não, a prática de um crime?</font></b><br>
<b><font>Em caso de resposta negativa, o prazo é o civil, nos termos do n. 1.</font></b><br>
<b><font>No caso afirmativo, o prazo prescricional será, de acordo com o n. 3, o que a tal facto penalmente ilícito corresponder, se a lei penal fixar um prazo mais longo.</font></b><br>
<b><font>Diga-se, desde já, com a brevidade imposta pela circunstância de se tratar de matéria não controvertida, que, a provar-se que o réu B tinha praticado um crime de ofensas corporais involuntárias, independentemente da lei aplicável - o Código Penal de 1886, que estava em vigor à data do acidente, ou o Código Penal de 1982 -, sempre seria de cinco anos o prazo de prescrição correspondente.</font></b><br>
<b><font>Ou seja, no caso de estar configurada a prática do referido crime, não teria ocorrido a prescrição, uma vez que, à data da citação do último réu (16-11-87), e, por maioria de razão, à data ficcionada da citação a que se refere o n. 2 do art. 323 do C.C., ainda não tinham decorrido cinco anos desde 28-11-82, dia em que teve lugar a notificação do arquivamento do inquérito instaurado, data a partir da qual o prazo de prescrição, em obediência ao critério do art. 306, n. 1, primeira parte, do CC, começou a correr.</font></b><br>
<b><font>Não assim se prazo prescricional for o prazo civil de três anos, largamente ultrapassado à data da propositura da acção e, consequentemente, das citações dos réus.</font></b><br>
<br>
<b><font>3 - Uma primeira questão que se poderia colocar diz respeito à circunstância de o facto penalmente ilícito eventualmente praticado pelo réu B ter sido amnistiado.</font></b><br>
<b><font>Trata-se, no entanto, de um falso problema. O que releva é que a conduta cometida seja passível de constituir a prática de um crime.</font></b><br>
<b><font>Ponderam, a este propósito, Pires de Lima e Antunes Varela, "Código Civil Anotado", volume I, 4 edição, pág. 504: "Se a prescrição do crime estiver sujeita a prazo mais longo, mas o crime for entretanto amnistiado, manter-se-á a regra do n. 3, tendo, porém, o lesado de provar, se queria prevalecer-se desse prazo mais longo, que o facto ilícito constituía crime". Algures, nas colunas da Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 124, pág. 31, Antunes Varela desenvolve a argumentação a propósito deste tema, em termos que, no entanto, não se torna necessário, agora, acompanhar. Relevante é, no presente contexto, recordar a afirmação ali produzida pelo mencionado Autor, segundo a qual "essencial é que o lesado, instaurando a acção indemnizatória fora do prazo-regra do n. 1 do art. 498, alegue e demonstre a natureza criminal do facto gerador do dano" .</font></b><br>
<b><font>Acompanhemos ainda Pires de Lima e Antunes Varela em outra reflexão que se impõe como uma exigência lógica decorrente da natureza do instituto: "Se se tratar de um caso de responsabilidade objectiva ou pelo risco, não poderá haver alongamento do prazo prescricional, pois não existe aí qualquer crime - cfr. o acórdão do STJ, de 24 de Outubro de 1975, no BMJ n. 250, págs. 172 e segs.</font></b><br>
<b><font>Diferente é o problema de saber, prossegue o mesmo Autor, se a regra do n. 3 se aplica também às pessoas que respondem, pelo risco solidariamente com o autor do facto ilícito criminal (arts. 503, n. 1, e 505). No acórdão deste Supremo Tribunal, de 30 de Janeiro de 1985, (BMJ, n. 343, págs. 323 e segs.) decidiu-se, com um voto de vencido, que "o prazo alongado do n. 3 do art. 498 (...) é aplicável a quem, nos termos do n. 1 do art. 503 do Código Civil, tem mera responsabilidade pelo risco, se agiu por intermédio de um comissário cuja condução tenha integrado um ilícito criminal".</font></b><br>
<b><font>Importa, pois, apurar se o réu B praticou, ou não, na condução do veículo pesado, relativamente à ocorrência do acidente, um ilícito criminal.</font></b><br>
<b><font>Ou seja, coloca-se a questão da apreciação, dir-se-ia prejudicial, da projecção criminal da conduta do aludido réu.</font></b><br>
<b><font>Ora, quanto a isso, o autor não logrou provar, como lhe cabia, que o réu B preencheu o tipo legal de crime já referido, porquanto não provou que o mesmo circulava a cerca de 70 km/hora (velocidade excessiva, tratando-se de curva fechada) e que invadiu a faixa de rodagem contrária, pela qual circulava o autor.</font></b><br>
<b><font>Vejamos, no entanto, com mais detalhe, os argumentos apresentados pelo recorrente, socorrendo-nos das palavras utilizadas nas alegações do presente recurso:</font></b><br>
<b><font>"É assim evidente que impende sobre o réu B uma presunção legal de culpa, presunção essa que o mesmo não conseguiu ilidir, conforme facilmente se retira da matéria de facto dada como assente (nada se provou quanto à causa ou causas do acidente).</font></b><br>
<b><font>"Ora, uma vez que o réu B, a título de culpa presumida não ilidida, deve ser considerado o único e exclusivo culpado pela produção do embate sub judice, tem forçosamente de concluir-se ter o mesmo praticado o crime que lhe é imputado pelo recorrente.</font></b><br>
<b><font>"Tendo-se pois provado, por força da presunção legal de culpa não ilidida, que o réu B praticou o crime de ofensas corporais por negligência descrito na petição inicial, tem necessariamente de concluir-se ser o presente caso de 5 anos, e não de três, o prazo de prescrição do direito de indemnização invocado pelo autor".</font></b><br>
<b><font>Raciocínio que se encontra condensado nas conclusões 1ª a 4ª e 6ª das referidas alegações.</font></b><br>
<b><font>A sua tese é, em síntese, a seguinte:</font></b><br>
<b><font>- Sendo o réu B comissário da proprietária do veículo pesado por ele conduzido na altura do acidente, impendia sobre ele a presunção de culpa contemplada no art. 503, n. 3, do Código Civil;</font></b><br>
<b><font>- Não tendo ilidido tal presunção, "tem forçosamente de concluir-se ter o mesmo praticado o crime que lhe é imputado pelo recorrente".</font></b><br>
<b><font>Logo, o prazo de prescrição seria de cinco anos, em resultado do disposto no n. 3 do art. 498 do CC.</font></b><br>
<b><font>É manifesto que a argumentação delineada está viciada em termos lógicos e jurídicos.</font></b><br>
<b><font>Como o acórdão recorrido já havia sublinhado, o art. 503, a que pertence a norma invocada, está inserido na Subsecção II (Responsabilidade pelo risco) da Secção V (Responsabilidade civil) do Capítulo II (Fontes das obrigações), do Título I (Das obrigações em geral) do Livro II (Direito das obrigações). Acresce que a referida Secção V, relativa à "responsabilidade civil", inclui ainda uma Subsecção I, sob a epígrafe "Responsabilidade por factos ilícitos".</font></b><br>
<b><font>Como resulta desde elemento sistemático de interpretação, aquele art. 503 nada tem a ver com a responsabilidade civil por actos ilícitos e, obviamente, por maioria de razão, com a responsabilidade por fatos que integrem a prática de ilícito penal.</font></b><br>
<b><font>O n. 3 daquele artigo preceitua, na sua primeira parte, o seguinte: "Aquele que conduzir o veículo por conta de outrem responde pelos danos que causar, salvo se provar que não houve culpa da sua parte". Sobre a matéria, pode ver-se, Antunes Varela, "das Obrigações em geral", vol I, 6 edição, págs 627 e segs.</font></b><br>
<b><font>Estabelece, assim, a referida norma uma presunção juris tantum de culpa civil, ou seja, uma culpa presumida, que, como bem salientaram as instâncias, não pode nem deve ser confundida com culpa civil efectiva nem, obviamente, com a prática de um ilícito penal culposo.</font></b><br>
<b><font>É totalmente inadequado e juridicamente incorrecto pretender extrapolar de uma disposição como a do referido n. 3 do art. 503 para concluir que o autor teria praticado forçosamente o crime que o recorrente lhe imputava.</font></b><br>
<b><font>Ao fazê-lo, o recorrente põe em causa princípios basilares de Direito Penal.</font></b><br>
<b><font>Desde logo, o princípio da presunção de inocência do arguido, com consagração no art. 32, n. 2, da Constituição da República, do qual se retira o corolário que consiste na proibição de inversão do ónus da prova em detrimento do suspeito da prática de facto penalmente ilícito.</font></b><br>
<b><font>Articulados com este, os princípios in dubio pro reo e nulla poena sine culpa.</font></b><br>
<b><font>Do princípio nulla poena sine culpa decorre a consequência de que toda a pena tem que ter como suporte axiológico-normativo uma culpa concreta. Sendo certo que os princípios da presunção da inocência e in dubio pro reo constituem a dimensão jurídico-processual do princípio jurídico-material da culpa concreta - cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, "Constituição da República Portuguesa Anotada", 3 edição revista, págs. 203-204.</font></b><br>
<b><font>Como escreve Figueiredo Dias, "Novos Rumos da Política Criminal e do Direito Penal Português do Futuro", págs. 29-30, o apuramento da existência, em todos os casos, da culpa, como condição indispensável da aplicação de uma pena, constitui hoje uma exigência jurídico-constitucional resultante da essencialidade da preservação da dignidade da pessoa humana exigida pelos arts. 1, 13, n. 1, e 25 da Constituição".</font></b><br>
<b><font>O próprio recorrente refere - cfr. conclusão 5ª - que, em sede de processo penal, as presunções de culpa são constitucionalmente ilegítimas. No entanto, não extrai de tal asserção as adequadas consequências no plano jurídico.</font></b><br>
<b><font>Mas, além disso, o raciocínio do recorrente pretende fazer "tábua raza" da exigência da ilicitude como requisito indispensável para a qualificação do facto como crime (art. 31, n. 1, do Código Penal). Ou seja, apesar de não ter sido feita prova da prática pelo réu B, de factos subsumíveis à norma penal tipificadora do crime de ofensas corporais involuntárias, o autor considera que "tem forçosamente de concluir-se ter o mesmo praticado o crime que lhe é imputado pelo recorrente". E isto porquê? Apenas porque a primeira parte do n. 3 do art. 503 do C.C. estabelece uma presunção de culpa do condutor do veículo por conta de outrem pelos danos que causar, aplicável no plano das relações cíveis entre ele como lesante e o titular do direito à indemnização. Não se justifica acrescentar mais argumentos para demonstrar a falta de fundamento da construção defendida pelo recorrente.</font></b><br>
<b><font>Com efeito, num quadro de facto de não verificação da ilicitude jurídico-penal da conduta do agente, é de todo desconforme com princípios estruturantes de Direito Penal pretender que "forçosamente" se verificou a prática do crime imputado ao réu, partindo, para isso, da aplicação mecanicista de uma presunção de culpa para efeitos de responsabilidade pelo risco.</font></b><br>
<b><font>Como já se disse, Pires de Lima e Antunes Varela escreveram, em anotação ao art. 503, n. 3, do C.C., que "se se tratar de um caso de responsabilidade objectiva ou pelo risco, não poderá haver alongamento do prazo prescricional, pois não existe aí qualquer crime".</font></b><br>
<b><font>Não relevam, pois, as demais conclusões apresentadas pelo recorrente.</font></b><br>
<b><font>Ademais, como se disse, o recorrente não demonstrou ter havido crime, hipótese que também não chegou a ser constatada no processo de inquérito arquivado em consequência da falada amnistia. Assim, é aplicável ao caso o prazo-regra de prescrição do n. 1 do art. 498 do CC, de três anos, o qual estava largamente ultrapassado à data da citação dos réus. Ocorreu, pois, sem margem para dúvidas, a excepção peremptória da prescrição do direito de indemnização.</font></b><br>
<br>
<b><font>Termos em que se julga a revista improcedente.</font></b><br>
<b><font>Custas pelo recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário concedido.</font></b><br>
<b><font>Lisboa, 10 de Março de 1998.</font></b><br>
<b><font>Garcia Marques,</font></b><br>
<b><font>Aragão Seia,</font></b><br>
<b><font>Cardona Ferreira.</font></b></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
ejLgu4YBgYBz1XKvB0zh | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br>
<br>
<br>
A, B e C propuseram contra D, acção a fim de "se declarar, na totalidade, nula ou anulada a deliberação social de aplicação dos resultados do exercício de 2.001, aprovada na assembleia geral da ré de 02.07.09 e se a condenar a distribuir e pagar aos autores as quantias, respectivamente, de 191.714,02€, 49.604,66€ e 49.604,66€, acrescidas de juros vencidos desde 02.08.08 e vincendos; subsidiariamente, se declarar nula ou anulada aquela deliberação na medida em que daqueles resultados do exercício de 2.001 do valor de 804.395,62€ não distribuiu metade do valor como dividendos e se a condenar a pagar aos autores, respectivamente, 95.857,01€, 24.802,33€ e 24.802,33€, acrescidas de juros vencidos desde aquela data e vincendos; se ordenar o cancelamento dos registos que, com base nessa deliberação, tenham sido feitos.<br>
Contestando, a ré impugnou, concluindo pela improcedência da acção.<br>
Improcedeu a acção por saneador-sentença que a Relação confirmou.<br>
De novo inconformados, pediram revista concluindo, em suma e no essencial, em suas alegações"<br>
- o facto constante da infra al. t), contrariamente ao afirmado no acórdão, não foi confessado pelos autores, foi impugnado pela ré nos arts. 39 a 53 da sua contestação e nem o relatório da gestão e de contas do exercício de 2.001 nem a acta de 02.07.09 o comprovam;<br>
- além de a assembleia ter sido convocada para a aplicação do lucro de 804.395,62€ e não de qualquer outro valor, tendo a deliberação incidido sobre a aplicação desse lucro, é materialmente impossível, o que a Relação não decidiu, fazer aplicações no montante de 1.083.175,26 €;<br>
- a não alteração das infra als. v) e x) pela Relação, adequando-as ao alegado nos arts. 91 e 97 da petição inicial, como os autores pediam, não corresponde ao concretamente alegado, sendo que a matéria dessas als. constitui um «impossível material» face ao valor do exercício de 2.000 constante da al. b-1);<br>
- havia que ordenar a organização da base instrutória para apurar do alegado sobre a violação do dever especial de fundamentar a proposta de aplicação de resultados e do direito a quinhoar, da inexistência de quorum e do carácter abusivo da deliberação, matéria que integra a causa de pedir e foi alegada nos arts. 95 a 114 e 128 a 157 da petição inicial;<br>
- violado o disposto nos arts. 334, 352, 362, 376, 280-1 e 401-1 CC; 487-2, 510-1 b) e 664 CPC; 21-1 a), 58-1 b), 65, 66-2 f), 294-1 e 376-1 a) e b) CSC<br>
Contraalegando, pugnou a ré pela confirmação da sentença.<br>
Colhidos os vistos.<br>
<br>
Matéria de facto que as instâncias consideraram provada "<br>
a)- a ré D, é uma sociedade anónima, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Marco de Canaveses sob o n° 00033/580912, com o capital social de 598.800 euros, representado por 120.000 acções, nominativas ou ao portador, com sede na rua Gago Coutinho n° 199, da freguesia de Fornos, deste concelho, cujo objecto social é o comércio a retalho de veículos automóveis, posto de abastecimento de combustíveis, comércio de peças e acessórios para automóveis e reparação de automóveis;<br>
b)- o autor A é titular de 28.600 acções da ré, representativas de 23,8333% do capital da ré;<br>
c)- o autor B é titular de 7.400 acções da ré, representativas de 6,1667% do capital da ré;<br>
d)- o autor C é titular de 7.400 acções da ré, representativas de 6,1667% do capital da ré;<br>
e)- da ré, são também accionistas:<br>
- E, titular de 59.800 acções, representativas de 49,8333% do capital da ré,<br>
- F, titular de 9.700 acções, representativas de 8,0833% do capital da ré,<br>
- O, titular de 6.100 acções, representativas de 5,0833% do capital da ré,<br>
- G e P, titulares, cada um, de 200 acções, representativas de 0,1667% do capital da ré,<br>
- H, I e J, titulares, cada um deles, de 200 acções, representativas de 0,1667% do capital da ré;<br>
f)- a ré dispõe de um conselho de administração e de um conselho fiscal;<br>
g)- por deliberação de 00.02.15, foram eleitas e designadas para o quadriénio de 2000 a 2003, as seguintes pessoas para membros:<br>
- Conselho de Administração: E e F, respectivamente como Presidente e Vice-Presidente, e L e M, como vogais;<br>
- Conselho Fiscal: como efectivos: H, como Presidente; I, como Vogal; N, SROC (Sociedade Revisora de Contas) como vogal; como membro suplente: Q, ROC (Revisor Oficial de Contas);<br>
h)- O é mãe do autor A, do E e da F;<br>
i)- o autor A é pai dos restantes autores;<br>
j)- E é pai do G e do P;<br>
k)- F é mãe de H, I e de R;<br>
l)- em 02.07.09, realizou-se uma assembleia geral dos accionistas da ré, com a seguinte ordem de trabalhos: <br>
ponto um: apreciação e deliberação sobre o relatório de gestão e as contas da sociedade relativos ao exercício de dois mil e um;<br>
ponto dois: apreciação e deliberação sobre a proposta de aplicação dos resultados;<br>
ponto três: apreciação geral da administração e fiscalização da sociedade;<br>
ponto quatro: apreciação e deliberação sobre os relatórios e contas de consolidação do grupo relativos ao exercício de dois mil e um;<br>
m)- nessa assembleia estiveram presentes os autores A, B e C;<br>
n)- nessa assembleia também estiveram presentes E, por si e como representante de G e P , F, por si e como representante de H, I e R;<br>
o)- submetidos à votação o relatório de gestão e as contas da ré, os autores que, relativamente aos votos expressos representaram a percentagem de 38,11%, votaram contra a sua aprovação, e E, por si e como representante de G e P, F, por si e como representante de H, I e R, que relativamente aos votos expressos representam a percentagem de 61,890%, votaram a favor da sua aprovação;<br>
p)- em consequência dessa votação, ficou deliberada a aprovação desse relatório de gestão e contas da ré, referentes ao exercício de 2001, com o resultado líquido positivo de 804.395,62€;<br>
q)- a proposta de aplicação de resultados a que se refere o ponto 2 da ordem de trabalhos referida na al. l), integrando o relatório de gestão e contas da ré, foi elaborada e assinada por E, F e L e M;<br>
r)- submetida à votação a proposta referida na al. q)), os autores que, relativamente aos votos expressos representaram a percentagem de 38,11%, votaram contra a sua aprovação, e E, por si e como representante de G e P, F, por si e como representante de H, I e R, que relativamente aos votos expressos representam a percentagem de 61,890%, votaram a favor da sua aprovação;<br>
s)- em virtude dessa votação, ficou deliberado que ao lucro apurado no exercício de 2001, no montante de 804.395,62€ seria dada a seguinte aplicação:<br>
- para resultados transitados: 451.192,73€<br>
- para gratificações de balanço: 140.000€<br>
- para reservas legais: 41.008,81€<br>
- para reservas livres: 450.973,72€<br>
t)- os resultados transitados referidos na al. s), correspondem à soma das quantias de 172.413,09€, referente ao remanescente do lucro apurado no ano de 2001 não aplicado - em gratificações de balanço, reservas legais e livres, e de 278.779,64€, referente a uma verba disponível pré-existente, transitada de anos anteriores e que acresce, a titulo de resultado transitado de anos anteriores, à quantia de 804.395,62€ correspondente ao lucro apurado no exercício de 2001;<br>
u)- teor da cláusula 30° do pacto social da ré - «na deliberação sobre a aplicação de lucros anuais, a assembleia geral não está sujeita a outras limitações que não sejam as emergentes das disposições legais imperativas, podendo aplicar lucros, no todo ou em parte, à constituição e reforço de reservas ou à prossecução de quaisquer interesses da sociedade»;<br>
v)- no final do exercício de 2000, a ré constituiu, como reserva legal, a importância de 119.870,52€;<br>
x)- no final do exercício de 2000, a ré destinou, para reservas livres, a importância de 1.084.753,10€;<br>
y)- da assembleia geral referida na al. l), foi lavrada uma acta, da qual consta, relativamente ao ponto 2 da ordem de trabalhos, o seguinte:<br>
Ponto dois - De seguida, o Senhor Presidente anunciou que a Assembleia iria passar à apreciação e deliberação sobre a proposta de aplicação de resultados constante do ponto 8 do relatório de gestão e que prévia e atempadamente foi distribuída aos accionistas, e que concederia a palavra aos accionistas presentes que dela desejassem fazer uso para qualquer intervenção ou pedido de esclarecimento. Como ninguém quisesse usar esse direito, pôs a proposta à votação, tendo sido aprovada, por maioria, com os votos favoráveis do accionista Senhor Engenheiro H, por si e como representante de seus filhos G, P, e da accionista Senhora D. F, por si e como representante de seus filhos E, I e R, somando 61,89% dos votos expressos e os votos contra dos autores, totalizando 38,11% dos votos expressos, tendo ficado consequentemente deliberado que ao lucro apurado no exercício no montante de 804.395, 62€ seja dada a seguinte aplicação:<br>
para resultados transitados - 451.192,63€;<br>
para gratificações de balanço - 140.000€;<br>
para reservas legais - 41.008,81€;<br>
para reservas livres - 450.973,72€;<br>
Solicitou então a palavra o autor A, que de imediato lhe foi concedida, ditando para a acta a seguinte declaração de voto: «voto contra a proposta de aplicação de resultados por a proposta constituir manifesto abuso de direito»;<br>
w)- do relatório e contas relativos ao ano de 2001 referido na al. y), constante do doc. de fls. 62 a 87 e devidamente certificado por revisor oficial de contas, constam 9 capítulos relativos a -<br>
1- Enquadramento macro-económico<br>
2- Enquadramento sectorial<br>
3 - Actividade em geral<br>
4 - Actividade comercial<br>
5 - Recursos humanos<br>
6 - Situação económica e financeira<br>
7 - Evolução previsível<br>
8 - Aplicação de resultados<br>
9 - Considerações finais<br>
seguidos do balanço, da demonstração de resultados, de anexo ao balanço e demonstração dos resultados, certificação legal de contas;<br>
z)- do capitulo 8 do relatório e contas relativas ao ano de 2001, consta:<br>
"8- APLICAÇÃO DOS RESULTADOS:<br>
Considerando a previsão de evolução da rede Renault, e sabendo -se o grande grau de confiança da marca no nosso Grupo, entende-se necessário tomar as necessárias medidas para acautelar possíveis e futuros investimentos em novos desafios que, previsivelmente, nos virão a ser colocados. Por esse facto entendemos ser de manter o nossa vontade e interesse, para a empresa e para o Grupo em geral, considerar os seguintes investimentos:<br>
1 - A necessidade de dotar D de novas áreas de exposição, <br>
2 - Potencial necessidade de dar apoio financeiro aos altos investimentos a efectuar pelas associadas,<br>
3 - a necessidade de acautelar a possibilidade de investir noutras empresas, do ramo, que se julgue oportuno.<br>
Por todas essas razões, o Conselho de Administração refere:<br>
O resultado liquido positivo é de 804.395,62€. Porém, e visto que uma parte importante desse valor é resultante da actividade das associadas que, por sua vez, não distribuíram dividendos, propõe-se, portanto, que referido resultado líquido positivo de 804.395,62€ seja aplicado da seguinte forma:<br>
RESULTADOS TRANSITADOS 451.192,73€<br>
GRATIFICAÇÕES DE BALANÇO 140.000,00€<br>
RESERVAS LEGAIS 41.008,81€<br>
RESERVAS LIVRES 450.973,72€<br>
a-1)- no decurso do ano de 2001, foram atribuídas, aos membros do Conselho de Administração, remunerações no montante global de 202.698,60€;<br>
b-1)- nos exercícios de 1998, 1999 e 2000, a ré teve os lucros apurados de 58.171.967$00, 103.762.529$40, 164.833.908$00;<br>
c-1)- são associadas da ré: <br>
sociedades<br>
Dourauto - Comércio e Indústria de Automóveis, Lª<br>
Japmondim - Automóveis, Unipessoal, Lª <br>
Tovite - Sociedade Comércio Automóveis, Lª Auto Parque de Lamego, Lª <br>
Japgest - SGPS, Lª <br>
<br>
fracção de capital detido pela ré <br>
97,865%<br>
100%<br>
80%<br>
75%<br>
90% <br>
<br>
resultados de exercício do ano de 2001<br>
142.779,83<br>
19.802,32<br>
288.910,23<br>
8.836,73<br>
5.418,8<br>
<br>
d-1)- as associadas da ré não distribuíram os resultados de exercício referidos na al. c-1).<br>
<br>
Decidindo: -<br>
1.- Os recorrentes apontam à decisão de facto erro por na fundamentação de facto tido por assente - o constante da al. t) - o tribunal se ter apoiado em confissão que não houve.<br>
Carecem de razão, excepto num aspecto - trata-se de facto admitido por acordo, não resulta provado em consequência de confissão.<br>
Os autores pretendem extrair da argumentação que têm por demonstrativa da sua tese de ‘impossibilidade material’ da aplicação do montante do lucro líquido a conclusão de a decisão do facto não poder ser mantida por erro de direito na sua fundamentação.<br>
A Relação rebateu a arguição dos recorrentes afirmando resultar de prova documental e de confissão (fls. 236-237). Os autores não questionam que resulte daquela, como pormenorizadamente a Relação referiu, mas negam ter havido confissão. Inócuo, tal não conduziria à necessidade de prosseguir o processo com elaboração da base instrutória.<br>
Analisando a petição inicial constata-se os autores não contestam a existência dessa verba de 278.779,64€, pré-existente, transitada de anos anteriores. O que questionam é o dever (?poder ?) ter sido adicionada à de 172.413,09€ formando o valor de 451.192,73€, parcela incluída no lucro líquido (804.395,62€) aplicada como resultados transitados, retirando, como consequência, da sua argumentação a conclusão da impossibilidade material da aplicação que dizem ser de 1.042.166,45€.<br>
Já a sentença demonstrava (fls. 161) que as aplicações efectuadas tiveram por objecto o lucro líquido do exercício de 2.001 acrescido do resultado transitado de anos anteriores (804.395,62€ + 278.779,64€ = 1.083.175,26€; por lapso, revelado no que antes afirmara, adicionou 172.413,09€ e não o valor transitado de anos anteriores).<br>
O facto, além da prova documental, estava admitido por acordo. A argumentação que desenvolveram os recorrentes não respeita à decisão do facto mas sim à fase posterior da sentença, aqui do acórdão.<br>
Ainda que, porventura, a deliberação em causa extravasasse a ordem de trabalhos, no apontado quanto à aplicação de resultados (ponto 2 daquela), nem por isso o facto poderia deixar de ser considerado provado - não há que confundir o facto e o seu relevo em matéria decisória de mérito.<br>
2.- Além de não ser sindicável pelo STJ a decisão do facto a não ser nos casos que a lei expressamente prevê - e em nenhum alicerçam os autores o pedido de alteração da redacção das als. v) e x) - constata-se que perceberam bem o texto mas que, por uma questão de semântica, pretendem que se reconduza à terminologia que empregaram nos arts. 91 e 97 da petição inicial.<br>
Acresce que daí não resultaria qualquer benefício para efeitos da decisão de mérito - o cumprimento da lei, no que aos mesmos respeita, não deixou de ser considerado pelas instâncias.<br>
Aliás, esta matéria esta conotada com a analisada no ponto anterior sendo que, através dos valores alcançados, a sua tese de «impossibilidade material» não pode vingar.<br>
Trata-se pois de questão suscitada sem tomar em consideração o decidido, sem sentido útil, pois.<br>
3.- Defendem os autores o prosseguimento dos autos.<br>
A norma constante do art. 294-1 CSC tem natureza supletiva.<br>
O pacto social da ré dispõe no seu art. 30 sobre a deliberação de aplicação de lucros e não fixa à assembleia geral a necessidade de aquela ter de ser aprovada por maioria qualificada.<br>
A deliberação social tomada, ora em crise, não afectou a fins que não os próprios da sociedade ré e, do que na petição inicial foi articulado pelos autores, só com muita dificuldade aliada a muita benevolência seria possível concluir que visou a satisfação de fins particulares de uns em prejuízo de outros sócios ou de interesses da própria sociedade (isto é diverso de afirmar que a efectiva aplicação venha a ser a deliberada, mas para o caso de desvio em prejuízo quer da sociedade quer dos autores com benefício de ou dos sócios que aprovaram a proposta, há meios de reacção próprios; o que, no presente caso se discute, é a deliberação em si, não o que de «aproveitamento, má utilização ou desvio» se venha a verificar - são coisas distintas).<br>
Segundo os autores a deliberação careceu de fundamentação.<br>
Existir ou não fundamentação é matéria que se situa no domínio do facto; distinto é o concluir-se que a existente é suficiente ou não, que observa ou não a exigência legal.<br>
Do afirmado pelas instâncias, importam essencialmente dois pontos - o relatório de gestão e contas procede, no capítulo 8, a uma fundamentação analítica da qual a proposta de deliberação e esta em si retiram apoio e ter sido esse relatório distribuído atempadamente, não tendo, apesar de para tal ter sido concedida a palavra a quem dela quisesse fazer uso, os accionistas presentes na assembleia geral pedido qualquer esclarecimento ou feito qualquer intervenção.<br>
Implicitamente, consideraram-se todos eles suficientemente esclarecidos e elucidados, isto é, que o citado relatório fundamentava devidamente a proposta de aplicação de resultados (CSC- 66,2 f)), o que não significava nem podia implicar estar-se de acordo com a proposta.<br>
4.- Finalmente defendem a continuidade do processo ainda por a deliberação poder ser, face ao por si alegado, declarada abusiva.<br>
O abuso de direito deve ser visto como uma válvula de segurança mas o recurso que à sua invocação se vai observando permite questionar se a concreta invocação não constituirá em si abuso.<br>
Com efeito, apesar de se alegar a natureza familiar da sociedade ré e estarem os sócios divididos em duas facções, incompatibilizadas uma com a outra, sendo esta a razão de ser da litigiosidade (cfr., pet. in.- 13 a 16 e 136; cont- 3 a 14), à qual se alia a alegada concorrência empreendida pelo 2º autor descrita no art. 19 da contestação, os autores, em posição social minoritária, não se coibiram de estruturar a acusação de abuso de direito no que, quanto à não distribuição de lucros, terá sido deliberado em outras sociedades associadas da ré (essas deliberações não têm nem podem ser aqui postas em causa).<br>
A circunstância de numa sociedade se formarem maiorias não é sinónimo de abuso de posição de domínio. Há que alegar e demonstrar que, no exercício do seu direito, agiu aquela excedendo manifestamente certos limites (CC- 334) ou que um ou mais sócios que a integram e foram fundamentais para a aprovação da deliberação exerceram o voto de modo que a lei considera abusivo (CSC- 58,1 b)).<br>
Uma deliberação que concretamente aplique os resultados como a em crise é conforme ao Direito e não há que a confundir com o modo como efectivamente os administradores os apliquem. O vício de que a concreta aplicação possa vir a sofrer não infirma a deliberação que fora tomada e dispõem os sócios de meios para se lhe opor e ou responsabilizar aqueles.<br>
Tão pouco se pode retirar da inimizade que parece animar as duas facções que o voto seja exercido tendo em vista não a sociedade mas uma prejudicar a outra.<br>
Desnecessário prosseguir o processo com elaboração da base instrutória.<br>
<br>
Termos em que se nega a revista.<br>
Custas pelos recorrentes.<br>
<br>
Lisboa, 18 de Maio de 2004<br>
Lopes Pinto<br>
Pinto Monteiro<br>
Lemos Triunfante</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
LTLbu4YBgYBz1XKv_Uv_ | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: </font><br>
<font> </font><br>
<font>I - Nas Varas Cíveis da Comarca de Lisboa, "Banco A", em acção com processo ordinário, intentada contra B e mulher C, pediu que, com a procedência da acção, sejam os Réus condenados, solidariamente entre si, a pagar ao Autor a importância de € 19.565,37, acrescida de € 2.154,66 de juros vencidos até ao presente - 19 de Abril de 2002 (data da propositura da acção) - e de € 86,18 de imposto de selo sobre estes juros e, ainda, os juros que, sobre a dita quantia de € 19.565,37, se vencerem, à taxa anual de 16,61%, desde 20 de Abril de 2002 até integral pagamento, bem como o imposto de selo que, à referida taxa, sobre estes juros recair.</font><br>
<br>
<font>Para fundamentar a sua pretensão, invoca um empréstimo concedido ao Réu para aquisição de um automóvel, que o mutuário não pagou as 7ª e seguintes prestações e que o empréstimo reverteu em proveito comum do casal dos Réus, atento até o veículo se destinar ao património comum do casal dos Réus, pelo que a Ré é solidariamente responsável com seu marido pelo pagamento das importâncias referidas na petição.</font><br>
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<font>Citados, os Réus não apresentaram qualquer contestação, pelo que foram declarados confessados os factos articulados pelo Autor, nos termos do artigo 484º, nº 1, do Código de Processo Civil (CPC).</font><br>
<br>
<font>De seguida, foi proferida sentença, segundo a qual a acção foi julgada parcialmente procedente e, em consequência, se condenou o 1º Réu a pagar ao Autor a quantia de € 2.898,57, acrescida de juros, à taxa de 12,61%, desde o vencimento de cada uma das prestações vencidas entre 20 de Agosto de 2001 e 20 de Março de 2002 até integral pagamento, bem como no correspondente imposto de selo sobre os juros de mora, absolvendo-o do restante pedido, e se absolveu a 2ª Ré da totalidade do pedido. </font><br>
<br>
<font>Tendo o Autor interposto recurso, foi, no Tribunal da Relação de Lisboa, proferido acórdão, nos termos do qual se julgou parcialmente procedente a apelação e, consequentemente, se revogou a sentença recorrida na parte em que excluiu do contrato a cláusula 8ª das "Condições Gerais" e, de harmonia com a al. c) desta cláusula e artº 120º-A da T.G.I.S., se condenou o Réu marido a pagar ao Autor juros à taxa de 16,61% sobre as prestações vencidas de 20.08.2001 a 20.03.2002 (por manifesto lapso, escreveu-se 20.03.2001) até integral pagamento, acrescidos do respectivo imposto de selo, confirmando-se, no mais, a sentença recorrida.</font><br>
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<font>Ainda inconformado, veio o Autor interpor o presente recurso de revista, o qual foi admitido.</font><br>
<font> </font><br>
<font>O recorrente apresentou as suas alegações e respectivas conclusões, que podemos sintetizar no seguinte:</font><br>
<font>- Os recorridos foram pessoal e regularmente citados para os termos da acção, não tendo contestado, pelo que não impugnaram o seu casamento, confessando-o, e não impugnaram também o facto de o empréstimo concedido pelo Autor ao Réu ter revertido em proveito comum do casal formado por ambos os Réus, pelo que toda essa matéria se encontra provada, face ao preceituado no artigo 484º, nº 1, do CPC.</font><br>
<font> - A recorrida mulher é, pois, solidariamente responsável, por a importância mutuada ter revertido para o património comum do casal, como ressalta da matéria de facto que, por não impugnada, se tem que ter por confessada.</font><br>
<font>- O acórdão recorrido violou o disposto nos artigos 484º, nº 1, do CPC e 1691º, nº 1, c), do Código Civil.</font><br>
<br>
<font>Pede, assim, que se revogue o acórdão recorrido, substituindo-o por outro que julgue a acção inteiramente procedente e provada e se condene a Ré mulher no pedido formulado na petição inicial.</font><br>
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<font>Não foram apresentadas contra-alegações.</font><br>
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<font>Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.</font><br>
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<font>II - Desde já, diremos que o recorrente não procedeu a uma leitura cuidada do acórdão recorrido, pois, de outra forma, não diria - como diz - que os Senhores Juízes Desembargadores fundamentam a sua decisão de negação de provimento ao recurso de apelação interposto pelo ora recorrente da sentença proferida em 1ª instância que o A. não fez prova do casamento dos RR., ora recorridos, e não alegou factos materiais que permitam concluir que o veículo dos autos adquirido com o produto do empréstimo concedido pela ora recorrente reverteu em proveito comum do casal dos RR., donde a tal alegação ser insuficiente para ser tomada em conta na sentença, devendo a acção ser julgada improcedente.</font><br>
<br>
<font>Por outro lado, pede a condenação da Ré na totalidade do pedido formulado, quando nas instâncias o Réu foi condenado apenas a parte desse pedido e o seu recurso se encontra delimitado - pelas alegações e respectivas conclusões - à possibilidade de haver condenação da Ré, em solidariedade com o Réu, a aceitar-se a existência do proveito comum do casal. </font><br>
<font> </font><br>
<font>É que, ao contrário da 1ª instância, a Relação aceitou que, pelo facto de não haver contestação, ter-se-á de considerar que os Réus são casados um com o outro, não tendo dado como provado - isso sim - a data da celebração do casamento, ou que a Ré C era casada com o Réu B à data em que este celebrou o contrato de mútuo com o Autor, ou o regime de bens do casamento entre ambos, a finalidade para que foi adquirido o automóvel, ou que o empréstimo foi contraído pelo B nos limites dos seus poderes de administração, não ultrapassando os usos e as condições do casal, o seu "standard" de vida.</font><br>
<br>
<font>O que decidiu - pelas razões aí expostas - foi que não estava demonstrado que o empréstimo foi contraído em proveito comum do casal, pelo que, dando provimento ao recurso, quanto ao acréscimo de 4% nos juros (não houve negação de provimento ao recurso, ao contrário do que refere o recorrente), negou tal provimento ao recurso no tocante às demais questões suscitadas, entre elas a do proveito comum do casal, única que agora será submetida à apreciação deste STJ.</font><br>
<br>
<font>III - A situação de facto que releva para apreciação da questão referida ressalta já do exposto, nomeadamente mediante a transcrição do alegado pelo recorrente na petição inicial.</font><br>
<font>No mais, remete-se para a matéria de facto enunciada no acórdão recorrido, nos termos dos artigos 713º, nº 6, e 726º do CPC.</font><br>
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<font>IV - 1. A questão aqui em análise foi objecto de conhecimento, juntamente com a questão da prova do casamento, nos acórdãos de 27.01.2004 e 13.05.2004 (Revistas 4175/03 e 1206/04, respectivamente, desta 1ª Secção), os quais foram subscritos também pelo aqui relator, como 1º Adjunto, pelo que, com a devida vénia, seguiremos de perto o aí explanado.</font><br>
<br>
<font>2. São da responsabilidade de ambos os cônjuges as dívidas contraídas na constância do matrimónio pelo cônjuge administrador, em proveito comum do casal e nos limites dos seus poderes de administração - artigo 1691º, nº 1, c), do Código Civil.</font><br>
<br>
<font>O núcleo da argumentação do recorrente assenta na tese de constituir matéria de facto a afirmação de o empréstimo feito ao Réu ter revertido em proveito comum do casal formado por ambos os Réus, matéria de facto que se encontra provada por confissão (artigo 484º, nº 1, do CPC).</font><br>
<br>
<font> Saber se uma determinada dívida, contraída por um dos cônjuges, foi contraída em proveito comum do casal significa averiguar se o dinheiro ou os bens em cuja aquisição foi aplicado se destinaram a satisfazer interesses comuns do casal.</font><br>
<br>
<font>Como refere Pereira Coelho (Curso de Direito de Família, 1977, págs. 348 e 349), o proveito comum afere-se, não pelo resultado, mas pela aplicação da dívida, pelo fim visado pelo devedor, devendo essa finalidade de beneficiar o casal ser apreciada também objectivamente, tendo em conta o interesse dos cônjuges e da família.</font><br>
<br>
<font>Bem se compreende, pois, que se venha afirmando que a questão de apurar o proveito comum se apresente como uma questão mista ou complexa, envolvendo uma questão de facto e outra de direito.</font><br>
<font>A primeira consiste em averiguar o destino dado ao dinheiro representado pela dívida; a segunda é de valoração sobre se, perante o destino apurado, a dívida foi contraída em proveito comum, preenchendo o conceito legal.</font><br>
<br>
<font>A expressão legal "proveito comum" traduz-se, então, num conceito de natureza jurídica, a preencher através dos factos materiais indicadores daquele destino, a alegar na petição inicial.</font><br>
<font>Trata-se, assim, de proceder à qualificação da dívida, necessariamente através do preenchimento do conceito da lei pelos factos, ou por aplicação daquela a estes, o que compreende questão de direito (neste sentido, acórdãos deste STJ de 29.10.1998 - proc. 98B532; 14.03.2000 - proc. 51/00-1ª; 19.03.2002 - proc. 516/02-7ª; 14.01.2003 - proc. 4346/02-6ª; e 06.02.2003 - proc. 4731/02).</font><br>
<br>
<font>Assim sendo, não se trata de matéria de facto passível de ser adquirida pela confissão ficta prevista no invocado artigo 484º, nº 1, do CPC.</font><br>
<font> </font><br>
<font>3. A alegação de que o automóvel se destinou ao património comum do casal também não releva, pois o problema é o mesmo.</font><br>
<br>
<font>O conceito de património comum é jurídico, desde logo porque anda associado ao conhecimento da data do casamento e respectivo regime de bens, sabido que é que só se pode falar em bens comuns se o casamento for no regime da comunhão geral ou, sendo-o na comunhão de adquiridos, após a celebração do contrato, não dispensando o silogismo judiciário e o recurso a actividade interpretativa (cfr. artigos 1722º a 1732º do Código Civil).</font><br>
<br>
<font>4. Diremos ainda que o proveito comum não se presume, excepto nos casos em que a lei o declarar - nº 3 do citado artigo 1691º do Código Civil.</font><br>
<br>
<font>Por outro lado, aceitando-se que os Réus são casados um com o outro - como aceitou a Relação -, esbarrar-se-ia sempre com a falta de pressupostos que a lei exige para a responsabilidade de ambos os cônjuges por dívidas contraídas por um deles ao abrigo da alínea c) do nº 1 do artigo 1691º.</font><br>
<br>
<font>Com efeito, diversamente do que sucede nos casos contemplados nas alíneas b) e d), em que, verificado o restante circunstancialismo nelas previsto, a dívida geradora da responsabilidade comum pode ser contraída por qualquer dos cônjuges, na situação vertente tal só pode suceder se a dívida for contraída na constância do matrimónio e pelo cônjuge administrador, o que implica, como é óbvio, o conhecimento de que o casamento é anterior à contracção da dívida e que vigora regime diferente do da separação de bens (artigos 1678º, 1690º, nº 2, e 1695º, nº 2, do Código Civil), tudo omitido na petição inicial.</font><br>
<br>
<font>5. Pode, assim, inferir-se que o Autor, ora recorrente, omitiu o ónus de alegar - para provar - os factos de que pudesse concluir-se pelo "proveito comum", enquanto pressuposto da responsabilização de ambos os cônjuges, incumprimento que determina a improcedência da sua pretensão.</font><br>
<br>
<font>Logo, não colhem as conclusões do recorrente, tendentes ao provimento do recurso, pelo que o acórdão impugnado não merece qualquer censura.</font><br>
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<font>V - Podem extrair-se as seguintes conclusões:</font><br>
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<font>1ª - Saber se uma determinada dívida, contraída por um dos cônjuges, foi contraída em proveito comum do casal (cfr. artigo 1691º, nº 1, c), do CC) significa averiguar se o dinheiro ou os bens em cuja aquisição foi aplicado se destinaram a satisfazer interesses comuns do casal.</font><br>
<font>2ª - A questão de apurar do proveito comum apresenta-se como uma questão mista ou complexa, envolvendo uma questão de facto e outra de direito: a primeira consiste em averiguar o destino dado ao dinheiro representado pela dívida; a segunda é de valoração sobre se, perante o destino apurado, a dívida foi contraída em proveito comum, preenchendo o conceito legal.</font><br>
<font>3ª - A expressão legal "proveito comum" traduz-se, então, num conceito de natureza jurídica a preencher através dos factos materiais indicadores daquele destino, a alegar na petição inicial.</font><br>
<font>4ª - Assim sendo, não se trata de matéria de facto passível de ser adquirida pela confissão ficta prevista no artigo 484º, nº 1, do CPC.</font><br>
<font>5ª - A alegação de que o bem adquirido com o empréstimo se destinou ao património comum do casal não releva, dado que o conceito de património comum é jurídico, desde logo porque anda associado ao conhecimento da data do casamento e respectivo regime de bens. </font><br>
<br>
<font>VI - Nos termos expostos, acorda-se em negar a revista, confirmando-se, em consequência, a decisão recorrida.</font><br>
<br>
<font>Custas pelo recorrente.</font><br>
<br>
<font>Lisboa, 19 de Outubro de 2004</font><br>
<font>Moreira Camilo</font><br>
<font>Lopes Pinto</font><br>
<font>Pinto Monteiro</font></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
LTLgu4YBgYBz1XKvo02P | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça <br>
<br>
<br>
"A", propôs execução para entrega de coisa certa contra B, com base na escritura pública lavrada em 92.12.23, a fim de obter a entrega da dependência que ainda mantém na sua posse e faz parte integrante do imóvel cujo direito de propriedade o executado transmitiu a C, que por sua vez o transmitiu à exequente, «reconhecendo o direito» desta.<br>
Embargando, o executado arguiu a ilegitimidade passiva e a activa, a inexequibilidade do título e o caso julgado, e impugnou.<br>
Após contestação, procederam, por saneador-sentença que a Relação confirmou, os embargos com fundamento em caso julgado sendo julgada extinta a execução.<br>
Novo recurso da exequente, concluindo, em suma e no essencial, em suas alegações -<br>
- na acção de reivindicação não se decidiu quem era titular do direito de propriedade sobre a dependência em causa, por falta de prova a apresentar pela autora, pelo que apenas existe caso julgado formal;<br>
- como para efeito da excepção apenas interessa o caso julgado material não há o risco de o tribunal vir a contradizer uma decisão anterior;<br>
- violado o disposto nos arts. 671 e 672 CPC.<br>
Contraalegando, pugnou o executado pela confirmação do acórdão.<br>
<br>
Colhidos os vistos.<br>
<br>
Matéria de facto que as instâncias consideraram provada -<br>
a)- a exequente instaurou, em 01.11.26, contra o executado execução para entrega de coisa certa;<br>
b)- correu termos pelo 7º Juízo Cível do Porto, 2ª Sec., a acção ordinária 5.679/95, em que era autora a ora exequente e réus o ora executado e mulher, em que aquela pedia se a declarasse como legítima proprietária da dependência no logradouro que estes ocupam e se os condenasse a reconhecerem tal direito e a se absterem de quaisquer actos turbadores do seu exercício, e a lhe pagarem indemnização a liquidar em execução de sentença;<br>
c)- por sentença proferida em 97.01.01, confirmada por acórdão da Relação do Porto de 97.07.08, e transitada já, foi julgada totalmente improcedente essa acção;<br>
d)- nessa sentença e acórdão serviram de fundamento à decisão os seguintes factos aí considerados assentes -<br>
1)- a autora é dona e possuidora de um prédio urbano composto de rés-do-chão e andar, destinado a comércio e armazém, sito na rua 9 de Julho - 60, freguesia de Cedofeita, Porto, inscrito na respectiva matriz sob o art. 9732 e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 6660, a fls. 40 do Lº B-19;<br>
2)- a autora adquiriu tal prédio por escritura pública de 92.12.23 a C, achando-se a aquisição definitivamente registada a seu favor desde 93.06.29;<br>
3)- por escritura pública de 85.03.21, os réus venderam a C, um prédio composto por rés-do-chão destinado a comércio e armazém e um parque anexo com sanitários, sito na rua 9 de Julho - 60, Cedofeita, Porto, descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial sob o nº 6660 do Lº B-19 e inscrito na respectiva matriz sob o art. 9732;<br>
4)- no prédio referido em 1) existe um logradouro, onde foram construídas algumas dependências para arrumos e afins, sendo a área do imóvel e logradouro demarcadas por muros em toda a volta;<br>
5)- os réus ocupam um anexo destinando-o a garagem e arrumos, que se localiza no lado norte do edifício referido em 1);<br>
6)- do prédio referido em 1) faz parte um logradouro (referido em 4));<br>
7)- quando os réus venderam a C, o prédio referido em 1) e 3) reservaram para si três anexos;<br>
8)- tal reserva foi temporária quanto a dois anexos;<br>
9)- o anexo referido em 5) foi reservado para os réus naquele negócio a título definitivo;<br>
10)- o facto referido em 9) foi condição essencial para a celebração da escritura que os réus celebraram com a antepossuidora C;<br>
11)- esta sociedade e a autora tiveram conhecimento da referida condição;<br>
12)- os réus entregaram à autora os anexos referidos em 8);<br>
13)- o autora conhece a permanência dos réus no local há dezenas de anos.<br>
<br>
Com o requerimento inicial da execução juntou a exequente fotocópia do acórdão da Relação de 01.06.26, proferido na acção de simples apreciação negativa que C, moveu ao ora executado e sua mulher, a fim de ser declarado que estes lhe venderam na totalidade o imóvel referido na al. d-1) pelo que não são proprietários de qualquer parte nomeadamente da dependência existente no seu logradouro, prédio que esse revendeu à ora exequente por escritura de 92.12.23.<br>
Este acórdão, conhecendo da excepção de caso julgado, negou-a falhar a identidade de sujeitos e julgou procedente a acção apenas contra o ora executado.<br>
<br>
Decidindo: -<br>
<br>
1.- Toda a execução tem por base um título, pelo qual se determina o fim e os limites da acção executiva (CPC- 46,1).<br>
A primeira pergunta que teria de ser colocada era a de saber se fora dado à execução um título com essa força.<br>
O documento junto com a escritura, independentemente de não estar certificado nem se conhecer se a decisão transitara, não podia ser lido apenas na perspectiva da legitimidade (CPC- 56,1). Dele constava um elemento que desde logo permitia questionar da força executiva do título, elemento que acrescia ao da natureza do negócio constante daquele e que já de per si seria suficiente.<br>
A compra e venda não tem natureza constitutiva do direito de propriedade (CC- 879 a) e 408-1), tão só translativa - nemo plus jura quam ipse habeat alium transferre potest.<br>
Quando quem se arroga titular do direito de propriedade não se vê entregue do imóvel havendo quem ocupe sem título uma parte acciona esse terceiro. É a situação característica e própria da acção de reivindicação.<br>
Avançar para a execução sem primeiro convencer da titularidade do direito sobre esse imóvel onde se integra a parte ocupado pelo terceiro e obter a condenação na restituição é prematuro por lhe faltar título com força bastante.<br>
Porém, era exactamente o que a exequente fazia e que o requerimento inicial retratava.<br>
Acresce que, ao juntar documento com vista a justificar a sua legitimidade, permitiu que, através dele, o tribunal se apercebesse que antes houvera uma outra acção, essa a de reivindicação e na qual a ali autora, ora exequente, não lograra convencer o tribunal, sucumbira na sua pretensão.<br>
Mais que excepção de caso julgado e prévio ao seu conhecimento, a inexistência de título executivo, o que era de apreciação oficiosa. Não tendo ocorrido até agora esse conhecimento há que a declarar com a consequência de ineptidão do requerimento inicial da execução. Tal, por não constituir reformatio in pejus, é admissível.<br>
<br>
2.- A acção proposta pela C, que à exequente vendeu o prédio, não tem a virtualidade de substituir a decisão da outra que a então autora, hoje exequente, pretendia ser não só de reconhecimento do direito como ainda condenatória.<br>
A sua eficácia cinge-se à eventual reacção que a compradora (a exequente) pudesse ter face a considerar que o negócio jurídico celebrado entre ambas pudesse padecer de vício e ao efeito que, a partir daí, entendesse dever extrair.<br>
<br>
3.- Finalmente, um simples apontamento, irrelevante este para a solução, interessando apenas para destacar a natureza temerária da litigância pela exequente.<br>
A acção de reivindicação que contra o ora executado e sua mulher intentaram antes naufragou não por inexistência de prova - o que seria suficiente - mas ainda por os réus terem feito prova da sua tese, por terem logrado demonstrar que reservaram para si aquela dependência, da propriedade qual se não demitiram.<br>
<br>
Termos em que, conquanto por fundamentação totalmente diversa, se nega a revista e quanto à execução, por ineptidão do requerimento inicial, se absolve da instância o executado.<br>
Custas pela recorrente.<br>
<br>
Lisboa, 25 de Março de 2004<br>
Lopes Pinto<br>
Pinto Monteiro<br>
Lemos Triunfante</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
8DLYu4YBgYBz1XKvo0lD | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<br>
<br>
<font>"A", porque comproprietária do prédio rústico identificado no art. 1 da petição inicial, propôs contra B e "C", Lª., acção de preferência a fim de, na compra titulada pela escritura pública de 98.12.29, se substituir à ré a quem aquele (comproprietário) o alienou na proporção de ½.</font><br>
<font>Contestando, em conjunto, os réus impugnaram, excepcionaram a ilegitimidade do réu e o abuso de direito e reconveio a ré a fim de pela autora, por ter benfeitorizado o prédio, ser indemnizada na importância de 4.294.193$00, acrescida de juros de mora desde a notificação da ré.</font><br>
<font>Após réplica, improcedeu no saneador a excepção de ilegitimidade e, prosseguindo até final, improcedeu a acção e se teve por prejudicada a reconvenção, por sentença que a Relação confirmou.</font><br>
<font>Mais uma vez inconformada, pediu revista a autora concluindo em suas alegações -</font><br>
<font>- o facto de cada um dos comproprietários ter passado a utilizar exclusivamente parte especificada do terreno não faz extinguir o direito de preferência nem atribui posse exclusiva a cada um deles</font><br>
<font>- como também extingue o direito de preferência o ter o comproprietário negociado a venda da sua quota;</font><br>
<font>- não estão preenchidos os pressupostos do abuso de direito - nem por aqueles factos perdeu a autora a preferência nem a ré tem qualquer boa fé que mereça protecção, já que sempre soube da existência do outro comproprietário do prédio alienado, cabendo a este direito legal de preferência.</font><br>
<font>Contraalegando, defendeu a ré a confirmação do acórdão.</font><br>
<font>Colhidos os vistos.</font><br>
<br>
<font>Nos termos dos arts. 713-6 e 726 CPC remete-se a descrição da matéria de facto para o acórdão recorrido.</font><br>
<br>
<font>Decidindo: </font><br>
<br>
<font>1.- O prédio rústico identificado no art. 1º da p. in. encontra-se registado em nome da autora e do réu na proporção de metade para cada um; em 98.12.29, o réu vendeu à ré a ‘sua’ metade sem antes ter comunicado à autora a sua intenção de vender nem os mais elementos do projecto de venda; há mais de 20 anos que as duas metades estavam ‘fisicamente’ autonomizadas, separadas por marcos, autora e réu possuindo, por si e pelos seus antecessores, possuindo a sua, no seu exclusivo interesse, à vista de toda a gente, sem oposição de quem quer que fosse; a autora prometera vender à "D", S.A, a sua metade sendo esta, desde data não apurada quem aí praticava todos os actos como se sua fosse; a autora dizia que havia vendido à D a «sua» metade e que pretendia fosse lavrada a respectiva escritura pública, razão por que o réu nada lhe comunicou. A área do prédio rústico é de 163.820 m².</font><br>
<br>
<font>Estes, no essencial, os factos provados a partir dos quais as instâncias entenderam que à autora assistia o direito de preferência cujo exercício, todavia, se devia considerar paralisado em virtude do abuso de direito.</font><br>
<br>
<font>2.- A decisão de improcedência da acção não nos merece censura, já o mesmo se não dirá da respectiva fundamentação.</font><br>
<font>Com efeito, as instâncias concluíram que «a posse por cada um dos comproprietários, sem oposição um do outro, das duas partes do prédio há muito separadas, ... se traduziu num estado de coisas duradouro» (fls. 309vº e 261), cada um se comportando como se proprietário fosse da sua metade já concretamente autonomizada.</font><br>
<br>
<font>Na compropriedade, a quota de cada contitular é ideal e o uso da coisa comum por um deles não constitui posse exclusiva ou posse de quota superior à dele, salvo se tiver havido inversão do título (CC 1403, n. 2 e 1406 n. 1 e 3).</font><br>
<font>In casu, apenas dois contitulares a comungarem num único direito de propriedade. A inversão do título de posse, entre eles, apenas se poderia dar por oposição de um ao outro dos contitulares, de uso por um contra o uso que o outro pretendesse fazer da coisa - aqui, a substituição da posse do réu e da autora, cada um como compossuidor comproprietário, para posse, por cada um, em nome próprio e passando esta posse, com o animus de actuar como titular do direito de propriedade sobre a ‘sua’ metade, a ser directamente conhecida do outro compossuidor comproprietário.</font><br>
<br>
<font>In casu, ficou provado o que os réus alegavam na sua contestação - inexistia o direito de preferência por cada um ter adquirido por usucapião a «sua» metade concretamente separada da outra e cada um a tendo possuído com animus possidendi por tempo suficiente e com as características próprias para se consolidar o direito de propriedade respectivo.</font><br>
<font>A materialização há mais de 20 anos e em que cada um passou a possuir, como se sua fosse, mutuamente se privando do uso sobre a totalidade do prédio e limitando-o à metade que lhe ficava demarcada, sem qualquer interferência do outro, metade essa cuja área legalmente permitia a divisão do prédio (portaria nº 202/70 de 21.04) constitui prova indiscutível da inequivocidade da posse que cada um passou a exercer apenas em nome próprio e revela que a oposição ao outro não sofre contestação.</font><br>
<br>
<font>Assim negociaram as ‘suas metades’ o que, face ao mundo do Direito, implicou terem, para estar ainda reconhecida a aquisição do direito de propriedade por usucapião, de fazer lavrar o registo o direito como o de compropriedade.</font><br>
<font>Não havia que, para poder ser reconhecida a inversão do título, tivessem os réus de, na contestação, rotularem correctamente a situação que a matéria de facto por si articulada traduzia. Isso não era obstáculo, aos réus apenas cabia articularem os factos, ao tribunal conhecer do direito (CPC- 664).</font><br>
<font>Conhecendo, a consequência seria negar à autora o direito de preferência reivindicado por si para se ter como substituta da sociedade compradora, a ré - a situação não era subsumível ao art. 1409 CC.</font><br>
<br>
<font>3.- Conquanto pudessem ter requerido a ampliação do objecto da apelação (CPC 684-A n. 1), não o fizeram os réus, pelo que agora na revista não se o pode declarar.</font><br>
<font>As instâncias reconheceram que à autora assistia o direito de preferência (transitou), este o que aquela pretende através desta acção exercer.</font><br>
<font>Resta verificar se o apelo ao abuso de direito, instituto a que recorreram as instâncias, tem in casu justificação e se o efeito é o de paralisar a legitimidade desse exercício.</font><br>
<br>
<font>Este instituto funciona como um escape que permite em situações flagrantes alcançar a justiça material, afirmação que não carece de demonstração tal a abundância do seu estudo pela doutrina e do seu tratamento na jurisprudência a concluírem nesse sentido. Daí que apenas recorramos à noção que nos é dada pelo art. 334 CC e a ligeiras observações aplicáveis ao presente.</font><br>
<br>
<font>Traduz-se no exercício de um direito em que o seu titular excede manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito. Um dos modos de verificação mais frequente constitui o chamado venire contra factum proprium.</font><br>
<br>
<font>O titular do direito exerce-o em contradição com a sua conduta anterior, conduta essa que conduziu a outra parte à convicção de que não seria exercido, se, interpretando-a à luz da boa fé e ou dos bons costumes ou ainda do fim desse direito, fundadamente confiou que assim seria.</font><br>
<br>
<font>Conhecidos os factos acima sintetizados, sabe-se que a autora já então não era titular de direito de preferência, a situação predial de divisão consolidara-se e autonomizadas as «metades» estas passaram a actuar como independentes. A circunstância de, mais tarde, terem levado ao registo predial a situação que existira mas que não era actual não teve a virtualidade de fazer «renascer» um direito extinto já e explica-se apenas por razões jurídicas - ou davam consolidação jurídico-registral à divisão (o registo passaria a reflectir e a publicitar a situação predial real e jurídica) ou procuravam contornar a realidade (e diferiam para terceiros a incumbência de o registo passar a traduzir a realidade que dos negócios viesse a surgir).</font><br>
<br>
<font>O comportamento desse titular induziu essa outra parte a que ele se tinha demitido de exercer esse direito ou de o exercer com determinado alcance e o assumira em termos que não permitiam a quem estivesse de boa fé duvidar dessa posição e, portanto, podendo organizar a sua vida negocial na base dessa convicção legitimamente fundada.</font><br>
<br>
<font>É o comportamento do titular a autorizar a justificar que, com base na convicção dele fundadamente retirada por quem de boa fé, a acção posterior desta pessoa.</font><br>
<font>Prédio rústico com área suficiente para ser fraccionado, em que cada um dois únicos contitulares do único direito de propriedade o possuem não em termos de totalidade mas dividido em duas metades, demarcadas entre si, assim mutua e voluntariamente limitando o poder de facto do outro, metade essa que cada um possuía como se sua fosse e sobre ela cada um realizando negócios jurídicos.</font><br>
<br>
<font>Eram os próprios contitulares quem queria pôr à situação de indivisão - se por si ou se pelos seus antecessores, mas aceite por eles é indiferente.</font><br>
<font>Esta situação criada ou aceite por autora e réu e afirmando aquela que já vendera a sua metade, tendo da compradora - que passara a exercer o poder de facto sobre ela - recebido o preço, e que apenas faltava lavrar a escritura pública, era de molde a justificadamente criar a quem fora contitular e na situação de divisão comungava e possuía a sua metade como se sua fosse a convicção de a autora não exercer o direito de preferência.</font><br>
<br>
<font>Na medida dessa fundada convicção não se lhe impunha dar conhecimento à autora, comunicação que se destinava a possibilitar-lhe exercer o direito de preferência (CC 1409, n. 2 e 416).</font><br>
<font>A lei apenas determina como consequência do abuso de direito a ilegitimidade do seu exercício. Cabe à jurisprudência, face ao concreto caso submetido a litígio, a definição dos termos dessa ilegitimidade.</font><br>
<font>A paralisação do efeito do reconhecimento desse direito impõe-se in casu. Assistia às instâncias fundamento para essa definição.</font><br>
<br>
<font>As consequências que do comportamento da autora, tornando ilegítimo a exercício do direito, possam eventualmente advir para a promitente-compradora no contrato que com a autora celebrou não dizem respeito a esta acção, não têm de aqui ser conhecidas nem têm a virtualidade, por à definição da situação não interessarem, de alterar a solução de ilegitimidade e da definição do efeito desta.</font><br>
<br>
<font>Termos em que se nega a revista.</font><br>
<font>Custas pela autora.</font><br>
<br>
<font>Lisboa, 1 de Fevereiro de 2005</font><br>
<font>Lopes Pinto,</font><br>
<font>Pinto Monteiro,</font><br>
<font>Lemos Triunfante.</font></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
ETLVu4YBgYBz1XKvwUe8 | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<br>
<br>
<font>"A" deduziu à execução para pagamento de quantia certa que o B, lhe move com base em inexigibilidade da obrigação por este, unilateralmente e sem causa, ter rescindido o contrato que com ele celebrou, através da Direcção Regional de Agricultura da Beira Interior (DRABI).</font><br>
<font>Contestando, o embargado alegou factos tendentes a provar que a rescisão teve causa no incumprimento, pelo embargante, do contrato.</font><br>
<font>Prosseguindo, improcederam os embargos por sentença que a Relação confirmou.</font><br>
<font>Novamente inconformado, pediu revista, concluindo, em suma e no essencial, em suas alegações -</font><br>
<font>- em contrário do afirmado no acórdão, a informação a prestar ao B, de qualquer alteração da situação a exploração não tinha que ver com as culturas mas sim com a empresa agrícola em sentido lato;</font><br>
<font>- por nos relatórios de averiguação faltar a sua assinatura, prevista na lei, os mesmos não são válidos;</font><br>
<font>- as instâncias encontraram, para a rescisão do contrato, razões ligadas a falhas técnico -agrícolas altamente discutíveis por serem assinaladas por não técnicos de agricultura biológica, que em lugar algum estão reguladas e que por essa razão não poderiam servir de base à rescisão;</font><br>
<font>- errada a interpretação da cláusula D.2.4 do contrato e violados os preceitos de direito substantivo que regulam a atribuição de ajudas para a Medida 5 Agro-Ambientais emanadas da CEE e transpostas para o direito interno, nomeadamente o Regulamento CEE 2078/92 e Portaria 858/94, de 23.12.</font><br>
<br>
<font>Sem contraalegações.</font><br>
<font>Colhidos os vistos.</font><br>
<br>
<font>Ao abrigo dos arts. 713 n. 6 e 726 CPC remete-se para o acórdão recorrido a descrição da matéria de facto.</font><br>
<br>
<font>Decidindo: </font><br>
<br>
<font>1.- Os recursos não se destinam a conhecer questões novas salvo se de conhecimento oficioso.</font><br>
<font>Os embargos têm a natureza de oposição pelo que neles terá o demandante de deduzir toda a sua defesa, salvo se superveniente, sob pena de preclusão (CPC 489,1).</font><br>
<font>Para a Relação o recorrente concluiu que o relatório não estava por si assinado, sem daí extrair qualquer consequência em termos da sua validade (conclusão C a fls. 223) - mas, embargando nem uma palavra sobre esse assunto.</font><br>
<font>Processualmente não lhe era consentido pretender que fosse conhecido na apelação.</font><br>
<font>Não se trata de questão de conhecimento oficioso. Todavia, independentemente disso e sem ponderar esse motivo, a Relação dela conheceu a afirmou que ‘tal relatório nunca poderia ser’ (por ele) ‘assinado’ e contrariou (fls. 255) a sua afirmação (nova, não levada à contestação) que aquele nunca lhe fora enviado nem lhe fora concedido prazo para o contestar (cit. concl. C a fls. 223).</font><br>
<font>Justificar-se-ia que a Relação o tivesse feito se colocasse a questão em plano diverso - o da natureza da litigância do embargante face ao que referiu nas duas últimas linhas de fls. 255. Porque não o foi, a referência apenas poderá ser tomada como um obiter dicta.</font><br>
<font>De qualquer modo, a circunstância de a Relação se ter pronunciado em nada altera a conclusão de que estava já precludido o direito à sua invocação nem autoriza a que agora, na revista, tal (conclusão 2ª) possa ser conhecido.</font><br>
<br>
<font>2.- Os poderes do Supremo Tribunal de Justiça, porque tribunal de revista e não uma 3ª instância, são, relativamente à decisão do facto, muito limitados, o que aliás o embargante reconhece a fls. 271 das suas alegações.</font><br>
<font>Todavia e embora caracterizasse como «desabafo» não se coibiu de levar à conclusão (a 3ª - 1ª parte) matéria que não tem qualquer enquadramento no disposto nos arts. 722 n. 2 e 729 n. 2 CPC.</font><br>
<font>Dela se não conhecerá, portanto.</font><br>
<br>
<font>3.- As instâncias concluíram que o embargado demonstrou a existência de causas que, conforme o clausulado no contrato, justificavam e autorizaram a sua rescisão (por ele).</font><br>
<font>Só subsidiariamente («... admitindo, por mera hipótese que tais condições tivessem eventualmente contribuído para o não cumprimento, ...» referem a sentença (a fls. 204 vº) e o acórdão (a fls. 255) não ter então cumprido o dever de informar o B, nos termos da cláusula D.2.4..</font><br>
<font>O recorrente preocupou-se em discutir o que fora posto a título subsidiário - e ainda assim dependendo de uma mera hipótese, não de factos reais - silenciando, em suas conclusões, de todo, qualquer questão sobre as causas que justificaram e legitimaram a rescisão do contrato.</font><br>
<font>Talvez a única possibilidade de vislumbrar qualquer, ainda que ténue, ataque seria a tentativa de o encontrar na 2ª parte da conclusão 3ª.</font><br>
<font>Porém, ela é inexpressiva na medida da sua vacuidade e indefinição não se reportando ao concretamente clausulado no contrato nem procurando refutar terem as instâncias considerado não ter o embargante demonstrado que, a ser real o que opôs às causas que justificaram a rescisão (factos 19 a 23, inclusívè, da sentença, a fls. 200), tal fosse determinante do incumprimento e se pudesse estabelecer uma relação de causa-efeito.</font><br>
<font>Daí que, quer pelo agora exarado quer face ao consignado no ponto 2, seja irrelevante continuar a dissecar a 2ª parte da conclusão 3ª.</font><br>
<br>
<font>4.- Acusa o recorrente de o acórdão violar diversos preceitos de direito substantivo.</font><br>
<font>Não só os não concretiza, limita-se a enunciar diplomas (regulamento e portaria) - o que não processualmente correcto - sem que antes levasse às conclusões as questões que permitissem uma tal indicação.</font><br>
<br>
<font>Termos em que se </font><b><font>nega a revista</font></b><font>.</font><br>
<font>Custas pelo recorrente.</font><br>
<br>
<font>Lisboa, 25 de Outubro de 2005</font><br>
<font>Lopes Pinto,</font><br>
<font>Pinto Monteiro,</font><br>
<font>Lemos Triunfante.</font></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
RDLXu4YBgYBz1XKv_kl4 | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font>
<p><font>"A" intentou acção ordinária contra o "B", S.A. e a Companhia de Seguros C, SA, pedindo que os RR sejam condenados a pagar-lhe uma indemnização correspondente a metade da quantia depositada (640.000$00), actualizada para a quantia de 4.167.553$00, atento o tempo decorrido e a desvalorização da moeda resultante da inflação, e juros desde a citação até integral e efectivo pagamento.</font>
</p><p><font>Alegou que:</font>
</p><p><font>- Em 1981, juntamente com o seu filho D, era titular de uma conta de depósito a prazo no montante de 1.280.000$00, no B, entidade bancária que, entre 1.7.1978 e 31.12.1990, foi tomadora de um contrato de seguro a favor de terceiros, celebrado com a então companhia de seguros "E" (a que a ré C "sucedeu"), em que os beneficiários eram os depositantes de contas a prazo do B que aderissem ao seguro em causa, sendo o capital seguro o que resultasse da importância em depósito (tendo como limite máximo 1.000.000$00) e sendo os riscos cobertos a morte e invalidez permanente resultante de acidente ocorrido em qualquer parte do mundo;</font>
</p><p><font>- O A. e o seu filho, enquanto titulares da referida conta de depósito a prazo, aderiram expressamente ao seguro; </font>
</p><p><font>- Em 28 de Agosto de 1981, o A. foi interveniente num acidente de viação, em consequência do qual sofreu lesões que lhe determinaram incapacidade permanente total para o trabalho.</font>
</p><p><font>Os RR contestaram excepcionando a incompetência territorial da Vara Mista de Coimbra e a prescrição/caducidade do eventual direito do A. e, por impugnação, aduzindo, em síntese, que, decorridos 20 anos sobre os factos, já não possuem elementos que Ihes permitam confirmar ou infirmar os factos invocados pelo A. (a existência do depósito a prazo, o seu montante e a adesão do A. ao contrato de seguro).</font>
</p><p><font>O A. replicou.</font>
</p><p><font>No saneador foi julgada improcedente a excepção da incompetência territorial.</font>
</p><p><font>Inconformada com tal decisão, agravou a ré C.</font>
</p><p><font>Foram ainda naquela peça julgadas improcedentes as excepções da prescrição/caducidade.</font>
</p><p><font>Inconformada com tal decisão, apelou a ré C.</font>
</p><p><font>Cumprido o ritualismo legal, foi a final proferida sentença que julgou a acção improcedente, com a absolvição dos RR dos pedidos.</font>
</p><p><font>O A. apelou para a Relação de Coimbra que julgou improcedente a apelação do A. e prejudicado o conhecimento dos recursos de apelação e agravo interpostos pela ré C, confirmando a sentença.</font>
</p><p><font>Recorre agora o A. de revista, tirando as conclusões que se passa a resumir:</font>
</p><p><font>Conclusões: </font>
</p><p><font>1ª- O acórdão recorrido reduz a relação jurídica à mais simples expressão em linha com o que decorre do artº 1185º do CC, sendo que, de acordo com tal entendimento, as obrigações do mandato (aplicáveis aos contratos de prestação de serviços sem regulação específica - artº 1156º do CC) se esgotam no cumprimento das normas especiais do depósito, o que é um contra-senso;</font>
</p><p><font>2ª- A matéria do quesito 1º, impugnada pelo banco B com a alegação do seu desconhecimento, devia ter sido considerada provada, e não controvertida, por se tratar de factos pessoais do réu, que deles devia ter conhecimento (artº 490º, nº 3 do CPC);</font>
</p><p><font>3ª- A tanto não obsta o decurso do tempo, já que só tem relevo liberatório das obrigações contraídas transcorrido que seja o prazo prescricional de 20 anos; </font>
</p><p><font>4ª- O contrato de depósito bancário deve ser interpretado por aplicação e no âmbito das regras do mandato (aplicáveis ao contrato de prestação de serviços, artº 1156º CC) adequadamente compatibiIizadas com as normas referentes à conta corrente mercantil e tendo em atenção as práticas e usos do comércio bancário;</font>
</p><p><font>5ª- Por força das obrigações estabelecidas no art. 1161 b) e d) CC, a conservação dos documentos surge como um imperativo para o banco que presta o serviço ou que pontualmente age como mandatário "stricto sensu", sendo claro que o limite para a obrigação dos bancos de manutenção dos registos de operações e documentos de suporte (ainda que microfilmados com consentimento do credor) não poderá nunca deixar de ser o limite imposto pelo decurso do prazo prescricional, no caso, 20 anos, sob pena de violação da norma que proíbe o encurtamento dos prazos prescricionais legalmente previstos, qual seja o art. 300 do CC;</font>
</p><p><font>6ª- Sobre o banco B impendia, desde logo quanto à informação/confirmação pretendida pelo recorrente relativa a ser o saldo da sua conta, em 27-28/08/81, de 1.280.000$00, o dever a que se reporta o artº 573º do CC, ou seja, o dever de prestar a informação pretendida, devendo encontrar-se em condições de a prestar; </font>
</p><p><font>7ª- Face às obrigações expostas, a recusa do banco B em prestar a informação pretendida, importa a consequência da inversão do ónus da prova no que respeita à matéria do quesito 1º, como decorre do nº 2 do artº 344º do CC; </font>
</p><p><font>8ª- No quadro das normas do mandato, a obrigação de informação decorre da lei, sendo evidente, atentas as obrigações do mandatário ou prestador de serviços (artº 1161º CC) que o banco B teria que estar em condições de prestar as informações solicitadas pelo recorrente e que este não detinha os elementos documentais que permitiriam dispensar tais informações, mostrando-se preenchida a previsão do artº 573º do CC;</font>
</p><p><font>9ª- Assim, competia ao banco B ter provado que o saldo não era o questionado, ou não existia saldo, ou não existia conta, mas nada disso fez, limitando-se a omitir o cumprimento do seu dever legal de informar, para impedir a prova do A. e obter ganho de causa;</font>
</p><p><font>10ª- As precedentes razões aplicam-se também à matéria dos quesitos 3º, 4º e 6º, que poderia ser comprovada pelos documentos que o A. sustenta terem sido preenchidos e entregues ao banco B, que se limitou a alegar o desconhecimento por seguir a prática de destruir a documentação após os prazos estabelecidos nas regras por si mesmo ditadas;</font>
</p><p><font>11ª- Deve pois a matéria dos quesitos 1º, 3º, 4º e 6º ser considerada provada, ou, caso se entenda que o artº 722º, nº 2 do CPC não confere ao STJ poderes para tal, ser ordenada a devolução dos autos à Relação para que aí se readeque o juízo de acordo com o reconhecimento da violação do direito probatório supra invocado;</font>
</p><p><font>12ª- Ao contratar com o banco B o recorrente celebrou não apenas um contrato de depósito bancário tout court, mas um depósito bancário ao qual estava associado, entre outros serviços, o contrato de seguro celebrado entre aquele Banco e a C, podendo o recorrente enquanto beneficiário (que não contratante) do contrato de seguro ("a favor de terceiro"), exigir à seguradora o crédito que tem sobre a mesma (invocando para tanto o contrato de seguro, mas sempre enquanto titular do depósito bancário), podendo de igual modo invocar o incumprimento do contrato de depósito que está na base da existência daquele direito de crédito, dependência tanto mais evidente por o montante da indemnização ser aferido pelo montante depositado à data do acidente e só poder ser exigido pelo beneficiário/depositante; </font>
</p><p><font>13ª- Assim, nos termos do artº 444º, 1 e 2 do CC, as vicissitudes da relação jurídica (contrato de seguro) estabelecida entre o banco e a seguradora C não respeitam ao recorrente, que aí não é parte, mas mero beneficiário e aderente; </font>
</p><p><font>14ª- A matéria de facto não permite afirmar que o B comunicou tempestivamente à seguradora o facto infortunístico gerador da obrigação de pagar a indemnização convencionada, e assim sendo, mesmo a natureza de contrato a favor de terceiro que tem o negócio jurídico dos autos não impede que a seguradora possa opor ao banco B, que consigo celebrou o contrato, a omissão de tal comunicação (artº 449º do CC), mas já no que respeita ao contrato de depósito bancário o recorrente é parte, podendo esperar e exigir da outra parte (o banco B) que aja de acordo com a diligência devida, o que significa que cumpria ao banco B provar, nos termos do artº 799º, 1 CC, que o lapso (falta de comunicação à seguradora) não procedeu de culpa sua, o que não fez; </font>
</p><p><font>15ª- O acórdão recorrido violou, por errada interpretação e aplicação os artºs. 499º, 3 do CPC, 1205º, 1206º, 1156º, 1161º, b) e d), 300º, 573º, 443º,1 ,444º 1 e 2, 799º, 1 e 344º,2 do CC,</font>
</p><p><font>Devendo ser revogado e substituído por outro que julgue a acção procedente contra o réu B, condenando-o no pedido, ou quando assim se não entenda, reconheça a violação das apontadas regras de direito probatório substantivo e adjectivo, ordenando o regresso dos autos à Relação de Coimbra para que aí se readeque o juízo de acordo com o reconhecimento da violação do direito probatório que se invocou.</font>
</p><p><font>Contra-alegaram as RR, pugnando pela manutenção do decidido.</font>
</p><p><font>Corridos os vistos, cumpre decidir.</font>
</p><p><font>A Relação deu como provados os seguintes factos: </font>
</p><p><font>Em 1981, o A. e o seu filho D eram titulares de uma conta de depósito na agência bancária da Ferreira Borges/Coimbra do banco B (A));</font>
</p><p><font>O banco B foi, entre 1.7.1978 e 31.12.1990, tomador de um contrato de seguro a favor de terceiros, celebrado com a então companhia de seguros "E", titulado pela apólice nº 02.013.231 (B)); </font>
</p><p><font>"E", após várias operações de fusão entre companhias de seguros, passou a ser, desde Outubro de 1999, a "Companhia de Seguros C, SA" (C)); </font>
</p><p><font>De acordo com as condições do contrato de seguro referido em B), os beneficiários eram todos os depositantes (pessoas singulares) do banco B, titulares de contas de depósito que vencessem juros, que aderissem ao seguro em causa (D)); </font>
</p><p><font>O capital seguro em caso de depósitos em nome de mais do que um titular era o que resultasse da divisão da importância em depósito, na véspera do acidente, pelo número de titulares, tendo como limite máximo 1.000.000$00 (E)); </font>
</p><p><font>Os riscos cobertos eram a morte e invalidez permanente (total ou parcial) resultante de acidente ocorrido em qualquer parte do mundo (F)); </font>
</p><p><font>No dia 28 de Agosto de 1981, o A. foi interveniente num acidente de viação ocorrido no Lugar de Ribeirinho, Freguesia da Cumeeira, Concelho de Penela (G)); </font>
</p><p><font>Em consequência do qual sofreu lesões que lhe determinaram incapacidade permanente total para o trabalho (H)); </font>
</p><p><font>O A. e o seu filho, enquanto titulares de tal depósito a prazo, aderiram expressamente ao seguro referido nas alíneas B) a F) (2º); </font>
</p><p><font>Em 3.7.1997, o A. reclamou do banco B o capital seguro pelo contrato referido nas alíneas B) a F) (7º). </font>
</p><p><font>Nos quesitos 1º, 3º, 4º e 6º da base instrutória perguntava-se, respectivamente:</font>
</p><p><font>Nos dias 27 e 28 de Agosto de 1981, o autor e o seu filho eram titulares de um depósito a prazo, no montante de 1.280.000$00, no B, na agência bancária da Ferreira Borges/Coimbra ? - (quesito 1º);</font>
</p><p><font>O filho do A., por impossibilidade deste, que se encontrava internado nos HUC, participou de imediato o acidente ao banco B, junto da agência bancária da Ferreira Borges/Coimbra? - (quesito 3º);</font>
</p><p><font>Tendo aí sido informado que só após a incapacidade permanente do seu pai, seria possível accionar a companhia seguradora? - (quesito 4º);</font>
</p><p><font>O A., após a passagem à condição de reformado por incapacidade total permanente, interpelou por várias vezes o banco B e a seguradora, tendo em vista o recebimento do capital seguro pelo contrato referido nas alíneas B) a F)? - (quesito 6º).</font>
</p><p><font>Na resposta ao quesito 1º deu-se apenas como provado o que consta da alínea A) da especificação, e quanto aos quesitos 3º, 4º e 6º foram considerados não provados.</font>
</p><p><font>Sustenta o recorrente que a matéria do quesito 1º devia ter sido especificada e não quesitada, por versar factos pessoais do réu banco B, de que este não podia invocar o desconhecimento sem se sujeitar à consequência contida no artº 490, nº 3 do CPC.</font>
</p><p><font>Defende, por outro lado, que o articulado contrato se resolve como um mandato de depositante ao banco, ou como uma ampla prestação de serviços do banco ao depositante, pelo que, por força das obrigações do artº 1161º, b) e d) do CC, o Banco devia ter conservado os documentos concernentes ao depósito para poder prestar a informação sobre o montante deste na véspera do acidente, pelo que, não os tendo conservado, nem prestado a informação, se deu a inversão do ónus da prova, nos termos do artº 344, nº 2 do CC, com a consequência de ter de ser o banco B a provar que não existia conta, ou não existia nela saldo, ou este era diferente do indicado pelo A..</font>
</p><p><font>Conclui ainda o recorrente que também a matéria dos quesitos 3º, 4º e 6º se deve considerar especificada, por também quanto a ela se verificar a inversão do ónus da prova, pois podia ter sido comprovada pelos documentos que alega ter preenchido e entregue ao banco B e que este destruiu antes de decorrido o prazo prescricional de 20 anos.</font>
</p><p><font>Vejamos.</font>
</p><p><font>Nos termos do artº 490º, nº 3 do CPC, se o réu declarar que não sabe se determinado facto é real, a declaração equivale a confissão no caso de se tratar de facto pessoal ou de que o réu deva ter conhecimento.</font>
</p><p><font>Em tal hipótese, se o facto tiver sido quesitado e na audiência de discussão e julgamento tiver sido julgado não provado, tal não obstaria, antes obrigaria a que o STJ o julgasse provado, por se tratar de facto confessado que deviam ter sido especificado e não quesitado.</font>
</p><p><font>Na verdade, o segmento final do nº 2 do art. 722 do CPC, excepciona essa situação, pois tratar-se-ia de reparar a ofensa de preceito expresso de lei que fixa a força probatória plena da chamada confissão ficta, que se traduz na admissão da veracidade dos factos não especificadamente impugnados, como resulta do artº 490º, nº 3 do CPC. </font>
</p><p><font>Como salienta Teixeira de Sousa (Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lex, 427), é indiscutível que o Supremo se pode servir de qualquer facto que, apesar de não ter sido utilizado pela Relação, se deva considerar adquirido desde a 1ª instância.</font>
</p><p><font>Não é esse, porém, o caso dos autos. </font>
</p><p><font>Desde logo, a acção foi proposta contra o "B", S.A. e a Companhia de Seguros C, S.A..</font>
</p><p><font>Ora, esta última co-ré, como se vê da sua contestação (cfr. designadamente os itens 21º e 22º, a fls. 21), impugnou especificadamente a matéria de facto em referência, que não consubstanciava quaisquer factos pessoais dessa ré ou de que ela devesse ter conhecimento. </font>
</p><p><font>A pretensão do recorrente, de que a matéria de facto constante dos aludidos quatro quesitos se deve ter por provada cai assim por terra.</font>
</p><p><font>Sempre haveria que proceder à aludida quesitação, ainda que, no limite, o banco B porventura não tivesse contestado, visto que a excepção prevista na alínea a) do artº 485º do CPC posterga os efeitos da revelia quando, havendo vários réus, algum deles contestar, relativamente aos factos que o contestante impugnar.</font>
</p><p><font>É certo que o recorrente na revista (como já fizera na apelação) apenas pede a condenação do banco B no pedido, e já não também a condenação da co-ré C, relativamente à qual deixou transitar em julgado a decisão absolutória da 1ª instância.</font>
</p><p><font>Todavia, a circunstância de o recorrente ter restringido a pretensão, em sede de recurso, à condenação do banco B, não significa que a contestação da C deixou de aproveitar ao banco B, suposto que este não deduziu impugnação especificada.</font>
</p><p><font>Não se vislumbra norma substantiva ou adjectiva que obrigue, em tal hipótese, a considerar especificado o que correctamente havia sido quesitado, sujeito à produção de prova e já julgado não provado.</font>
</p><p><font>Mas, ao invés do que pretende o recorrente, afigura-se-nos que o réu banco B impugnou especificadamente a aludida matéria de facto, e que se não verifica a pretendida inversão do ónus da prova por força do artº 344º, nº 2 do CC.</font>
</p><p><font>Na verdade, o banco B alegou o desconhecimento da factualidade alegada pelo A., mas acrescentou que isso resultava da circunstância de, no cumprimento de norma interna do Banco, os documentos terem sido destruídos volvidos mais de dez anos sobre a sua existência, e também por já terem decorrido cerca de 20 anos entre a ocorrência do acidente e a propositura da acção e a citação, por isso escapando aos seus funcionários memória do ajuizado contrato.</font>
</p><p><font>Como salienta Calvão da Silva, (Direito Bancário, pág. 334 a 336), entre a instituição financeira e o cliente depositante estabelece-se uma relação de clientela, uma relação obrigacional complexa e duradoura, assente na estreita confiança pessoal entre as partes (uberrima fides), que pode originar, mesmo no silêncio do contrato, a responsabilidade contratual da instituição financeira imprudente ou não diligente, se não cumprir, entre outros, em consonância com os ditames da boa fé (artº 762º, nº 2 do CC), os deveres de informação ou de protecção dos legítimos interesses do cliente.</font>
</p><p><font>Ora, o que o princípio da boa fé vincula, na feliz expressão de Antunes Varela, é a observância do comportamento que não destoe da ideia fundamental da leal colaboração que está na base do contrato.</font>
</p><p><font>Isso não implica que, no caso vertente, os citados deveres subsistam por prazo superior a 10 anos, ou terminado que seja o prazo do depósito bancário e após o levantamento da quantia equivalente ao dinheiro depositado. </font>
</p><p><font>O depósito bancário constitui um depósito irregular, a que se aplicam as regras do mútuo na medida do possível, estando sujeito às regras do depósito mercantil (artºs 403º a 407º do Código Comercial) e mais disposições aplicáveis, subsidiariamente os estatutos e usos mercantis bancários (Calvão da Silva, ob cit., pág. 347 a 349).</font>
</p><p><font>E o facto de o A. ter aderido ao aludido contrato de seguro, o que lhe foi facultado pelo banco B, não altera a natureza do contrato. </font>
</p><p><font>O acidente de viação ocorreu em 28.8.81 (G)), o A. reclamou do banco B o capital seguro pelo contrato referido em B) a F) em 3.7.1997, portanto quase 16 anos depois do acidente, e a acção foi proposta e o réu citado apenas quase 20 anos após aquela primeira data.</font>
</p><p><font>O banco B aduziu que os documentos internos são destruídos no arquivo central no 11º ano de existência (cfr. o quadro constante de fls. 152), e quando o A. reclamou junto dele o capital seguro pelo contrato já aquele prazo havia sido excedido há vários anos.</font>
</p><p><font>Não se afigura que o banco B tenha infringido culposamente qualquer dever imposto pela boa fé na execução do contratado, não repugnando aceitar como impugnação especificada a alegação do desconhecimento dos factos articulados pelo A. por ter sido destruída a documentação passados mais de dez anos e os funcionários se não lembrarem do contrato, decorridos quase vinte anos sobre o acidente.</font>
</p><p><font>Inexiste a invocada inversão do ónus da prova, nos termos do artº 344º, nº 2 do CC.</font>
</p><p><font>O contrato não obrigava o banco B a conservar intactos os documentos relativos ao depósito bancário por prazo superior a dez anos.</font>
</p><p><font>Não se descortina preceito legal que justifique a obrigatoriedade de conservação dos documentos alusivos ao depósito a prazo por tão dilatado período de tempo.</font>
</p><p><font>Como se refere na sentença da 1ª instância, os artºs 52º e 115º, respectivamente do Cód. do IVA e do Cód. do IRC, apenas obrigam a conservar pelo prazo de dez anos os livros, registos e respectivos documentos de suporte, incluindo, quando a contabilidade é estabelecida por meios informáticos, os relativos à análise, programação e execução dos tratamentos.</font>
</p><p><font>E o artº 40º do Código Comercial (aplicável ao banco B, que é uma sociedade anónima) só obriga o comerciante a arquivar os livros da sua escrituração comercial e demais documentação pelo espaço de dez anos.</font>
</p><p><font>Não se sufraga pois o entendimento de que o prazo prescricional é de 20 anos, e de que o banco B não podia encurtar esse prazo, pois é a própria lei que estabelece para o caso vertente o prazo de 10 anos de guarda dos documentos.</font>
</p><p><font>O banco B não cometeu qualquer violação culposa do contrato e do princípio geral da boa fé, por forma a constituir-se na obrigação de indemnizar.</font>
</p><p><font>Não deixou de cumprir culposamente qualquer dever para com o A., designadamente o dever de informação, nem tornou culposamente impossível a prova por parte do recorrente, que, se tivesse conservado os documentos relativos ao depósito, o podia ter comprovado, bem como o seu montante à data do sinistro (v.g. apresentando um extracto da conta), o que teria permitido a comunicação do acidente e da invalidez dele resultante à ré seguradora, e a obtenção da indemnização devida.</font>
</p><p><font>Termos em que acordam em </font><b><font>negar a revista</font></b><font>, com custas pelo recorrente.</font>
</p></font><p><font><br>
<font>Lisboa, 15 de Março de 2005</font><br>
<font>Faria Antunes,</font><br>
<font>Moreira Alves,</font><br>
<font>Alves Velho.</font></font></p> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
RDLeu4YBgYBz1XKvIksE | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font>Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<br>
<br>
<font>1 - "A" intentou acção com processo ordinário contra B e C, pedindo o reconhecimento pelos réus da qualidade de herdeira da sua falecida mãe e de cabeça de casal da respectiva herança, condenando-se os réus na restituição de fracção que identifica e móveis nela existentes e ainda no pagamento de uma indemnização.</font><br>
<br>
<font>A autora veio ampliar o pedido na réplica e requerer a intervenção principal provocada de D; E; Banco F, SA., o que foi admitido.</font><br>
<font>O processo prosseguiu termos com despacho saneador, dedução pela autora de nova ampliação do pedido e agravos de D, C e B.</font><br>
<font>O Tribunal da Relação negou provimento aos recursos.</font><br>
<br>
<font>Inconformada, recorre D para este Tribunal.</font><br>
<br>
<font>Formula as seguintes conclusões:</font><br>
<font>- Foi requerida pela agravada a intervenção principal provocada da agravante, tendo intervido no prazo facultado para a contestação;</font><br>
<font>- À agravante nem no acto de citação, nem posteriormente foi dado conhecimento do despacho que admitiu a ampliação do pedido;</font><br>
<font>- O acórdão recorrido considerou que o interveniente aceita a causa no estado em que se encontrar, invocando as disposições legais contidas nos artigos 327° n°2 e 322° n°2 do CPC;</font><br>
<font>- O artigo 327° n° 4 do CPC é expresso de que só o interveniente principal provocado que não intervém no prazo facultado para a contestação é que tem de aceitar a causa no estado em que se encontrar;</font><br>
<font>- O interveniente que intervém no processo dentro do prazo é parte principal da causa, tendo na plenitude todos os direitos;</font><br>
<font>- O artigo 322° n° 2 do CPP, referente à intervenção espontânea não tem aplicação no caso de intervenção provocada, em virtude de para esta reger os n°s. 3 e 4 do artigo 327° do CPC;</font><br>
<font>- O entendimento perfilhado no acórdão recorrido retira todo o alcance ao acto de citação, que é o acto em que se chama alguém ao processo para se defender;</font><br>
<font>-Sempre o processo sofreria de nulidade por no acto de citação nem posteriormente ter sido dado conhecimento à agravante de despacho que admitiu a ampliação do pedido - artigo 201° n° 1 do CPC, parte final;</font><br>
<font>- O artigo 327° n°s 2 e 3 do CPC na dimensão normativa de que remete para o artigo 322° n° 2 do CPC, tendo o interveniente que aceitar a causa no estado em que se encontrar é inconstitucional por violação do artigo 20° n° 4 da CRP, que consagra o direito a um processo equitativo, que é aquele em que existe igualdade de armas ab inítio;</font><br>
<font>- Por isso à agravante não pode ser cortado o direito ao recurso com fundamento de ter sido proferido despacho anteriormente à sua intervenção, em virtude de a sua intervenção se ter processado no prazo facultado para contestar;</font><br>
<font>- O acórdão recorrido violou o disposto no artigo 327° n° 3 e 4 a contrario do mesmo preceito, fazendo errada aplicação do artigo 322° n° 2 e 228° n°s. 1 e 3 do CPC;</font><br>
<br>
<font>Não houve contra-alegações.</font><br>
<font>Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.</font><br>
<br>
<font>II - Importa antes de mais delimitar o âmbito do recurso. Está em causa unicamente o agravo interposto pela interveniente D e no que respeita ao despacho que admitiu a ampliação do pedido da autora em sede de réplica.</font><br>
<font>Sendo esse despacho que motivou o agravo é, contudo, mais restrita a problemática a apreciar por este Tribunal, já que no acórdão recorrido se decidiu não ser possível tomar conhecimento da matéria em causa.</font><br>
<font>A questão que se coloca consiste assim em saber se a interveniente pode ou não questionar, mediante recurso, um despacho proferido anteriormente à sua intervenção.</font><br>
<font>O artigo 320° do C. Processo Civil, que corresponde grosso modo ao anterior 351°, estipula que estando pendente uma causa entre duas ou mais pessoas, pode nela intervir como parte principal aquele que, em relação ao objecto da causa, tiver um interesse igual ao do autor ou do réu, nos termos do artigo 27º e 28° e aquele que, nos termos do artigo 30°, pudesse coligar-se com o autor, sem prejuízo do disposto no artigo 31º.</font><br>
<font>Para além desta intervenção espontânea, qualquer das partes pode chamar a juízo o interessado com direito a intervir na causa, seja como seu associado, seja como associado da parte contrária (artigo 325° n°1 do CP Civil), sendo essa intervenção provocada ainda admissível noutras situações que aqui não importa considerar.</font><br>
<font>Procura-se com a intervenção principal permitir a participação de terceiros que sejam titulares de uma situação subjectiva própria, paralela à invocada pelo autor ou pelo réu e quer essa situação seja activa quer seja passiva. Conseguindo a participação de um interveniente evitar-se-á, em princípio, a propositura de mais uma acção sobre a mesma relação jurídica.</font><br>
<font>Sobre os termos em que se processa a intervenção provocada rege o artigo 327° do C. Processo Civil. O chamado é citado para os termos da causa, afim de no prazo de 30 ou 20 dias, conforme a forma de processo, apresentar articulado próprio ou declarar que faz seus os articulados do autor ou do réu, consoante se trate de intervenção do lado activo ou do lado passivo.</font><br>
<font>Se o chamado intervier no referido prazo da contestação pode optar por apresentar o seu articulado ou, pura e simplesmente, aderir aos articulados apresentados pela parte respectiva.</font><br>
<font>Intervindo o citado no processo após esgotado o prazo da contestação, então terá que aceitar os articulados apresentados pela parte a quem se associa e aceitar todos os termos e actos processuais já realizados (artigo 327°n°3 e 4 do CPC).</font><br>
<font>Em concreto, a autora requereu a intervenção principal provocada da ora agravante, o que foi admitido.</font><br>
<font>A chamada, aqui recorrente, apresentou o seu articulado, acrescentando aditamentos ao articulado do réu.</font><br>
<font>Tendo apresentado articulado próprio e no prazo da contestação, o recorrente pode questionar o despacho em causa apesar de proferido antes da sua intervenção no processo. Só teria que aceitar todos os termos e actos processuais já realizados se interviesse após o decurso do prazo concedido.</font><br>
<font>Intervindo através de simples requerimento e para além do prazo, então sim, seria considerada revel relativamente aos actos processuais anteriores ao momento da sua intervenção. Embora sem abordar explicitamente a questão, afigura-se ser este o entendimento do Cons. Salvador da Costa - "Os Incidentes da Instância", 3 ed., designadamente, pág. 119.</font><br>
<br>
<font>No domínio de anterior redacção, o Cons. Lopes Cardoso - "Manual dos Incidentes da Instância", pág. 209, escrevia que a obrigação de "aceitar a causa no estado em que encontrar só funciona, porém, para o interveniente que deduza o incidente mediante simples requerimento de adesão ao articulado de alguma das primeiras partes".</font><br>
<font>Diga-se, aliás, que a intervenção espontânea não pode ser em tudo equiparada à intervenção provocada. São situações diferentes: num caso é a parte que por iniciativa própria vai intervir num processo de que necessariamente tem conhecimento e onde lhe interessa intervir; no outro a parte é chamada a algo que desconhece e de que só tomará, em princípio, conhecimento através da citação. Neste caso existindo articulado próprio apresentado tempestivamente, seria processualmente violento obrigar o chamado a aceitar tudo o que (mesmo que eventualmente errado) tenha sido anteriormente feito.</font><br>
<font>Deve assim ser apreciado o recurso.</font><br>
<br>
<font>Os autos baixarão por isso ao Tribunal da Relação para, se possível pelos mesmos Senhores Juízes, ser analisada e julgada a questão submetida à apreciação do Tribunal.</font><br>
<br>
<font>Pelo exposto, concede-se a revista., diga-se concede-se provimento.</font><br>
<font>Custas pelas recorridas. </font><br>
<br>
<font>Lisboa, 19 de Outubro de 2004</font><br>
<font>Pinto Monteiro</font><br>
<font>Lemos Triunfante</font><br>
<font>Reis Figueira</font></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
rzI3vIYBgYBz1XKvfMj0 | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<font><br>
I - Relatorio</font><br>
<font><br>
1 - A, B e mulher, interpuseram recurso ordinario para o tribunal pleno do Acordão do Supremo Tribunal de Justiça, certificado de folha 6 a folha 10 verso e com data de 3 de Maio de 1984.</font><br>
<font><br>
Invocaram, como acordão-fundamento, o de 15 de Dezembro de 1964, publicado no Boletim do Ministerio da Justiça (BMJ), n. 142, a paginas 369 e seguintes.</font><br>
<font><br>
2 - No acordão recorrido decidiu-se ser o "socio ostensivo" obrigado, num contrato de conta em participação regulado nos artigos 224 a 229 do Codigo Comercial (CC), "a prestar contas da exploração ao "socio oculto", com vista a distribuição de resultados, independentemente da liquidação, em caso de dissolução da conta".</font><br>
<font><br>
No acordão-fundamento decidiu-se que o "socio ostensivo" nunca e obrigado a prestar contas ao "socio oculto".</font><br>
<font><br>
Foi nos termos expostos que o acordão sobre a questão preliminar equacionou a questão de direito e a oposição.</font><br>
<font><br>
3 - Os recorrentes alegaram sobre o fundo da questão e propoem a formulação de um assento no sentido oposto ao do acordão recorrido, ou seja, nestes termos:</font><br>
<font><br>
"Antes da publicação do Decreto-Lei n. 231/81, de 28 de Julho, desde que nada tivesse sido pactuado no sentido de tal prestação de contas ser obrigatoria, o socio ostensivo de uma conta em participação não era obrigado a prestar contas ao socio oculto."</font><br>
<font><br>
4 - Os recorridos entendem não existir oposição relevante para a formulação do assento e, no caso de assim não se considerar, propoem uma norma contraria a sugerida pelos recorrentes.</font><br>
<font><br>
5 - O Meritissimo Procurador-Geral-Adjunto tambem entende não existir a referida oposição, mas para o caso de tal questão não proceder propõe a seguinte redacção para o assento: "No dominio dos artigos 224 a 229 do Codigo Comercial, independentemente de estipulação contratual, o socio oculto pode, na vigencia do contrato, exigir do socio ostensivo a prestação de contas."</font><br>
<font><br>
II - Discussão e fundamentação:</font><br>
<font><br>
A) Existencia de oposição relevante.</font><br>
<font><br>
1 - Nos termos do artigo 766, n. 3, do Codigo de Processo Civil (CPC), nada impede que o tribunal pleno, nesta altura, venha decidir no sentido contrario ao acordão que julgou preliminarmente a invocada oposição.<br>
Assim, vejamos se os recorridos e o Ministerio Publico (MP) tem razão quanto a não oposição dos dois acordãos.</font><br>
<font><br>
O argumento invocado para alterar a tese do acordão de folhas 19 e seguinte e somente este:</font><br>
<font><br>
"Enquanto no caso do acordão recorrido a conta em participação estava em plena vigencia quando os socios ocultos exigiram que os socios ostensivos prestassem contas, no aresto que se apresenta com solução oposta<br>
(15 de Dezembro de 1964) o contrato de conta em participação fora ja dissolvido por decisão judicial." Apesar de ser exacta a apontada diferença, ela não teve qualquer influencia na solução de cada um dos casos. E a melhor forma de comprovar esta afirmação consiste na comparação entre as conclusões de um e do outro dos recursos, uma vez que o tema decidido assenta sobre elas, tal como resulta dos artigos 684, n. 3, e 690 n. 1, do Codigo de Processo Civil.</font><br>
<font><br>
Desta maneira, quer no acordão-fundamento, quer no acordão recorrido, as conclusões das alegações dos respectivos recursos resumiram-se, ao fim e ao resto, a seguinte: nem dos artigos 224 a 229 do Codigo Comercial, nem de qualquer outra disposição legal, resulta que o socio ostensivo ou associante de uma conta em participação tenha a obrigação de prestar contas ao outro socio ou associado, pois não administra bens alheios.<br>
No primeiro acordão julgou-se procedente esta conclusão e, por tal motivo, revogou-se a decisão da 2 instancia que sustentava tese juridica oposta; no segundo acordão julgou-se improcedente a mesma conclusão e, assim, confirmou-se a tese juridica que ja vinha sendo propugnada pelas instancias.<br>
2 - Segundo o modelo classico para a resolução do tema da oposição, e costume exigir-se coincidencia no chamado silogismo judiciario: a premissa maior identifica-se com a norma juridica aplicavel; a premissa menor e a situação de facto, e a conclusão a sentença final.</font><br>
<font><br>
Ora, esta coincidencia de silogismo judiciario verifica-se nos dois acordãos em analise: a premissa maior e constituida pelas mesmas normas (artigos 224 a 229 do Codigo Comercial); a premissa menor identifica-se igualmente, na medida em que em ambos os arestos estava em causa a necessidade invocada pelo autor de saber ou conhecer o saldo (positivo ou negativo) de operações de "deve e haver" estabelecidas entre aquele e o reu (no primeiro caso, o requerente expressamente afirmou, desde o inicio, não pretender a liquidação, mas tão-somente o apuramento do saldo das contas que expressassem as relações de "deve e haver"; no segundo caso, o autor e o reu apenas discutiram se, antes da liquidação de conta, existia a possibilidade de conhecer o saldo), finalmente, a conclusão foi diferente nos dois processos.</font><br>
<font><br>
3 - Pelo exposto e salvo o merecido respeito, e meramente literal ou formal o argumento do Ministerio Publico quando salienta que no primeiro acordão a conta em participação estava ja dissolvida e que no segundo esta estaria em vigor. Meramente formal ou literal porque "dissolução" não equivale a "extinção".<br>
A primeira, ao contrario da segunda, e um efeito e não um facto juridico. Desde a dissolução ate a extinção ou liquidação mantem-se as relações juridicas entre os contraentes ate se chegar ao apuramento final dos respectivos direitos (1) e se no novo diploma regulador do contrato de associação em participação (2) foi utilizado o termo extinção em vez de dissolução, isso aconteceu apenas porque, dada a experiencia da nossa doutrina e jurisprudencia, era de recear que, mantendo-se a segunda expressão, tal concorresse para equiparar este contrato especial com o das sociedades comerciais, o que foi considerado inconveniente (3).<br>
Parece, assim, ter ficado demonstrada a inutilidade (para o efeito de os dois acordãos se considerarem não contraditorios) do facto de no primeiro a conta em participação ja estar dissolvida, embora não liquidada, e de no segundo ainda não ter ocorrido aquela dissolução.</font><br>
<font><br>
4 - O que acaba de ser referido concretiza ou exemplifica o pensamento legislativo quando, substituido em 1961 o Codigo de Processo Civil de 1939, se alterou no artigo 765 a expressão "dois acordãos opostos sobre a mesma questão de direito" para "dois acordãos que, relativamente a mesma questão fundamental de direito, assentam sobre soluções oposta". Com efeito, o sentido da alteração foi assim explicado:</font><br>
<font><br>
"O Supremo tem recusado a admissão do recurso em casos em que se julga manifesta a oposição dos acordãos sobre a mesma questão essencial de direito, a pretexto de diferenças de pormenor que nunca sera dificil descortinar entre diferentes especies de facto.</font><br>
<font><br>
So para vincar expressamente a ideia - que ja estava, alias, no pensamento do legislador de 1939 - de que a oposição, que serve de fundamento ao recurso, existe sempre que os acordãos marquem posições diferentes em relação a mesma questão fundamental, se deu nova redacção a parte introdutoria do artigo. Quer isto dizer que, para apreciar a oposição invocada pelo recorrente, o tribunal tem de separar, nas questões decididas pelos acordãos, aquilo que e o nucleo essencial do problema juridico solucionado do que não passa de mero acidente ou pormenor sem relevancia para a solução firmada num e noutro."(4)</font><br>
<font><br>
Por assim ser, não se entende muito bem como e que o ilustre magistrado do Ministerio Publico sustenta ter sido incidental a afirmação feita nos acordãos sobre a circunstancia de a "prestação de contas" ter sido pedida "durante a vigencia do contrato". E que, conforme ja expos, e esta a questão essencial ou fundamental decidida de maneira diversa nos dois arestos em causa.</font><br>
<font><br>
Nestes termos, verificam-se os tres pressupostos indispensaveis para se concluir pelo preenchimento do exigido na segunda parte do artigo 763, n. 1, do Codigo de Processo Civil: nos dois acordãos e identica a situação de facto; em ambos houve expressa resolução de uma questão de direito, e a oposição respeita as decisões e não aos seus fundamentos. Por outro lado, os dois acordãos foram proferidos no dominio da mesma legislação (artigos 224 a 229 do Codigo Comercial) em processos diferentes e ninguem pos em duvida o transito em julgado do acordão-fundamento.</font><br>
<font><br>
Assim, ha que conhecer e decidir sobre o objecto do recurso.<br>
B) A questão a decidir:</font><br>
<font><br>
1 - Os recorrentes, nas suas alegações de folhas 23 e seguintes, mostram-se surpreendidos por ainda não terem conseguido fazer triunfar a sua tese, ou seja, a inexistencia legal, no contrato de conta em participação, da obrigação de prestar contas por parte do chamado socio ostensivo relativamente ao denominado socio oculto. Vejamos, pois, a questão com o possivel detalhe.</font><br>
<font><br>
2 - Como se trata de justificar um assento, parece aconselhavel tentar esboçar uma construção dogmatica, sem esquecer, como e obvio, o caso concreto a decidir.</font><br>
<font><br>
No ultimo balanço conhecido e bem fundamentado sobre a controvertida questão da natureza juridica da conta em participação (5) alinharam-se assim as duas correntes: a favor da tese identificadora com o instituto societario pronunciaram-se Adriano Antero, Barbosa de Magalhães, Cunha Gonçalves, Costa Nora, Rocha Souto e alguma jurisprudencia; contra esta identificação apontam-se Veiga Beirão, J. M. Barbosa de Magalhães, Jose Tavares, Galvão Telles, Raul Ventura e alguma jurisprudencia.</font><br>
<font> Recentemente, surgiu um importante acordão do Supremo Tribunal de Justiça (relatado pelo ilustre conselheiro Oliveira Carvalho), bem como uma desenvolvida anotação de Vaz Serra (6). Enquanto o acordão considera a conta em participação como "um contrato sui generis e não uma sociedade perfeita e regular", ja Vaz Serra e de parecer que ela e uma sociedade por satisfazer aos requisitos que o artigo 980 do Codigo Comercial exige para esse efeito. Este professor, que, a proposito da larga investigação que precedeu o actual Codigo Comercial, tão exaustivamente descreveu o contrato da sociedade civil, afirma que tanto o associante (impropriamente tambem designado por socio ostensivo) como o associado (incorrectamente designado por socio oculto) "se obrigam a contribuir com bens ou serviços (acaso de pouca importancia por parte do associado) para o exercicio em comum de certa actividade economica, a fim de repartirem os lucros resultantes dessa actividade".</font><br>
<font>3 - Surpreende como Vaz Serra, tendo lido com tanta atenção o estudo de Raul Ventura (7), a ponto de, com todo o rigor que lhe e conhecido, fazer extensas transcrições deste ultimo, não ter considerado a critica certeira formulada a corrente a que aderiu.<br>
Com efeito, Raul Ventura denuncia o vicio de raciocinio da tese em referencia nestes termos sugestivos:<br>
A nossa doutrina tem tido - ou parece ter tido - apenas em vista hipoteses em que cada uma das partes destina certos bens a associação, mas cai num circulo quando, por um lado, considera essa destinação juridicamente consistente numa colocação dos bens em comum porque a conta em participação e uma sociedade e, por outro lado, qualifica a conta em participação como sociedade porque ha colocação dos bens em comum.<br>
Embora a tese de Vaz Serra não incorra no apontado circulo vicioso, o certo e que tem em vista apenas as hipoteses em que cada uma das partes destina certos bens a associação, o que, perante o nosso enquadramento legal (artigo 224 do Codigo Comercial), não e exacto. Se o associado efectua uma contribuição, ja o mesmo não sucede com o associante, que se limita a interessar aquele nos seus ganhos e perdas.<br>
Assim, estes ou estas pertencem ao comerciante que faz interessar neles outra pessoa. Sendo assim, os ganhos e perdas são obtidos por uma qualquer via que permita ao associante considera-los seus e não se esta a ver que esse meio prescinda da titularidade sobre os seus bens patrimoniais (8).<br>
Acresce que tambem falta a conta em participação outro dos requisitos exigidos por lei para a caracterização de um contrato como de sociedade: e o exercicio em comum de certa actividade economica.<br>
De facto, exercicio em comum não e seguramente o exercicio de uma actividade por uma so pessoa, embora tenha em vista interesses de uma outra ligada aquela por um negocio juridico (9).<br>
Ha ainda quem veja na fundamentação do Assento de 9 de Maio de 1952 ("o processo estabelecido nos artigos 1122 e seguintes do Codigo de Processo Civil e o meio proprio para a liquidação da conta em participação") a consagração da tese da sociedade, mas apos a critica de Galvão Telles (10) ja ninguem sustentara esse ponto de vista.<br>
4 - Excluida a tese da sociedade, vejamos agora a sustentada pelo acordão do Supremo referido no n. 2: a conta em participação constitui um contrato sui generis e não uma sociedade perfeita e regular, pertencendo os bens que juridicamente lhe estão afectos ao associante ou participe, como resulta do seu regime juridico.<br>
A solução ou caracterização do acordão aproxima-se mais da tese sustentada por Galvão Telles (11) e que assim foi resumida por Raul Ventura: se a conta em participação não e uma sociedade, tem semelhanças com as sociedades e, em particular, com as comerciais, e tanto naquela como nestas ha mais de uma pessoa com interesse nos resultados aleatorios de uma actividade mercantil, visto que a todos tocara, em termos que alias podem variar, uma parte desses resultados.<br>
Do confronto entre as duas teses (sociedade ou negocio juridico atipico) verifica-se, porem, não existir uma total oposição entre ambas: enquanto os defensores da caracterização como sociedade terminam por dizer tratar-se de uma sociedade de natureza especial, os que perfilham a opinião negativa procuram aplicar a conta em participação, em toda a medida possivel, o regime das sociedades. E esta especie de conciliação ou de "abrandamento dos efeitos" tem um objectivo claro: procurar o preenchimento das lacunas da regulamentação legal da "conta" atraves dos preceitos reguladores das sociedades. Todavia, como refere Raul Ventura, quer uma quer outra das teses não resolve satisfatoriamente o problema ou, antes, não consegue correctamente o citado objectivo, pois "admitida a especialidade da conta em participação relativamente as sociedades, para cada ponto omisso deveria perguntar-se se a especialidade não repele a analogia e assim se voltara a abrir as questões que se julgava ter fechado" (12).<br>
5 - Do exposto, parece mais aconselhavel seguir a tese ou a analise de Raul Ventura: face ou perante o conceito portugues de sociedade (atras referido), a associação em participação não e uma sociedade. Ora, constituindo este conceito um elemento fixo imposto pelo legislador ao interprete, aquela "conta" não pode ser sociedade (13). Mas, então, o que sera? Fundamentalmente e para cobrir todas as modalidades deste negocio juridico-mercantil, existem tres elementos para o caracterizar: a actividade economica de uma pessoa, participação de outra pessoa nos lucros ou perdas daquela actividade, e a estrutura associativa.<br>
Alias - e isto e fundamental -, estes tres elementos respeitam o artigo 224 do Codigo Comercial, que procura definir a associação em participação. Desta maneira, parece ser a melhor opção a que identifica esta "conta" com um tipo de contrato de caracter associativo. Como e sabido, o contrato associativo contrapõe-se ao contrato comutativo, porque neste, ao contrario daquele, cada uma das partes sabe que, a surgir efeito o contrato, da e recebe e quanto da e quanto recebe. No contrato associativo (ou aleatorio) "as partes tem em vista uma possibilidade de ganho ou perda, no sentido de possibilidade de so receber ou so dar, ou receber mais ou menos do que se da" (14).<br>
6 - Como ja se disse, o problema da caracterização da "conta" tem interesse para o preenchimento das lacunas e a questão a decidir, ja que os artigos 224 a 229 do Codigo Comercial (hoje revogados pelo Decreto-Lei n. 231/81, de 28 de Julho) eram omissos sobre o problema a decidir. Se se tivesse optado pela caracterização como sociedade, o problema estava resolvido, na medida em que o artigo 118, n. 4, do Codigo Comercial [hoje revogado pelo artigo 3, n. 1, alinea a), do Decreto-Lei n. 262/86, de 2 de Setembro, que aprovou o Codigo das Sociedades Comerciais], e expresso em obrigar todo o socio a prestar contas justificadas do mandato social. Mas, configurando a "conta" com um contrato associativo, a solução tambem se afigura igual, pois "tem de prestar contas todo aquele que trata de negocios alheios ou de negocios proprios e alheios" (15). Com efeito, todos os preceitos da lei substantiva ou adjectiva que expressamente obrigam a prestação de contas constituem simples aplicação ou revelação de um principio geral (16). Ora, na associação em participação existe igualmente uma gerencia que, por definição legal e exercida em nome proprio mas no interesse comum; o associante (socio ostensivo) administra mas não representa, porque a lei não da projecção a "conta" para com terceiros (17); o mesmo associante, nas relações externas, não se apresenta como "gerente", mas nas internas o interesse comum serve para aferir a sua actividade. Assim, o "socio ostensivo" trata efectivamente de negocios proprios e dos do "socio oculto", ou, antes, administra no interesse de ambos (e evidente que o que se acaba de referir nada tem com a errada opinião de existir um fundo patrimonial comum nas relações internas de associante e associado).<br>
7 - O acordão-fundamento (15 de Dezembro de 1964) argumenta assim: a) Não se encontra nos artigos 224 a 229 do Codigo Comercial ou em qualquer outra disposição legal a determinação de o socio ostensivo de uma conta em participação ser obrigado a prestar contas; b) Pelo contrario, o artigo 228 indica que apos a dissolução se segue a liquidação; c) Admite-se que entre os associados de uma conta em participação possa existir um fundo comum, mas a sua divisão tem de realizar-se no processo de liquidação, como consta dos fundamentos do Assento de 9 de Maio de 1952, e esta hoje consagrado legalmente no artigo 1131 do Codigo de Processo Civil.<br>
Que dizer?<br>
8 - A primeira parte do primeiro argumento (não regularem o caso os artigos 224 a 229 do Codigo Comercial) esta certa, mas tudo o resto, salvo o merecido respeito pelos dois ilustres conselheiros que fizeram vencimento, não se pode admitir.<br>
Em primeiro lugar, como se viu no n. 6, constitui principio geral que quem trata de negocios alheios e obrigado a prestar contas e ninguem duvidara de que o associante, alem de tratar do seu interesse, tambem trata dos interesses daquele que chamou a participar (associado).<br>
Depois o artigo 228 do Codigo Comercial não indica o que se refere no dito acordão. O que impede a interposição de uma fase de prestação de contas? O conceito de dissolução, utilizado para este caso de "conta em participação", tem conotação com o contrato da sociedade, mas não envolve a identificação daquela com este pelos fundamentos ja mencionados atras, acrescentando-se agora ser o argumento profundamente errado, visto partir de "uma simples coincidencia de palavras para determinar a natureza juridica de um instituto" (18). Ora, tendo-se demonstrado a não analogia da "conta" com o contrato de sociedade, a dissolução para um contrato associativo (tese defendida) tem significado diverso do utilizado para o direito das sociedades. De qualquer forma, mesmo que se identificasse dissolução com extinção, ficariam ainda a existir relações entre os contraentes da conta em participação para se chegar ao apuramento final dos respectivos direitos (conferir o n. 3 da secção A desta II parte) e, por assim ser, o "socio ostensivo" (associante), como se justifica atras, fica obrigado a prestar contas ao "socio oculto" (associado). Desta maneira, tambem não tem razão, salvo o merecido respeito, Alberto dos Reis (19).<br>
Por outro lado, o tema em debate não consiste em saber se a dissolução se segue necessaria e exclusivamente a liquidação, tal como se explicou quando se tratou da oposição entre os dois acordãos (o recorrido e o anterior).<br>
Resta o argumento descrito na alinea c) do n. 7 anterior: assinale-se, desde ja, não existir qualquer fundo comum entre associante e associado. A este respeito nunca se atentou devidamente no artigo 224 do Codigo Comercial; aqui se diz expressamente que os "ganhos ou perdas" pertencem ao "socio-ostensivo".<br>
Consequentemente, a doutrina do mencionado assento, hoje consagrada no artigo 1131 do Codigo de Processo Civil, apenas diz o que la esta e nada mais: serem aplicaveis a liquidação da conta em participação, com as necessarias adaptações, as disposições da liquidação em beneficio dos socios. Ora uma destas adaptações tem de ser a resultante da inexistencia de patrimonio comum. Tambem aqui se devera acentuar não ser este o tema a decidir, como deriva do que se refere na parte da oposição motivadora do assento a proferir.</font><br>
<font>9 - Um outro aspecto importante, alias arredado pelo douto acordão recorrido, urge ponderar, qual seja o de saber se o Decreto-Lei n. 231/81, de 28 de Julho (20), pode ser considerado, na parte reguladora do contrato da associação ou participação, como interpretativo da lei antiga (artigos 224 a 229 do Codigo Comercial).<br>
Segundo Baptista Machado (21), para que uma lei nova seja realmente interpretativa são necessarios dois requisitos:<br>
A solução do direito anterior seja controvertida ou pelo menos incerta;<br>
A solução definida pela nova lei se situe dentro dos quadros da controversia e seja tal que o julgador ou o interprete a ela pudessem chegar sem ultrapassar os limites impostos a interpretação e aplicação da lei.<br>
Ora, o diploma de 1981 prescreve expressamente no seu artigo 31 a obrigação do "socio ostensivo" (associante) prestar contas ao "socio oculto" (associado) e, por outra banda, esta solução não so sera controvertida, como vimos, na lei anterior, como tambem a ela se podia chegar, neste dominio da lei velha, sem romper ou ultrapassar os limites mencionados quanto a realização do direito.<br>
Julga-se, pois, a nova lei como interpretativa do direito anterior e, como tal, integra-se, nos termos do artigo 13 do Codigo Comercial, na lei interpretada.<br>
III - Decisão.<br>
Perante os fundamentos expostos na II Parte deste acordão, nega-se provimento ao recurso, com custas pelos recorrentes, formulando-se o seguinte assento:<br>
" No contrato de conta em participação, regulado pelos artigos 224 a 229 do Codigo Comercial, o associante (socio ostensivo) e obrigado a prestar contas ao associado (socio oculto), salvo havendo convenção em contrario".<br>
</font><br>
<font>Lisboa, 2 de Fevereiro de 1988</font><br>
<br>
<font>Jose Meneres Pimentel - Soares Tome - Salviano de Sousa - Cesario Dias Alves - Cura Mariano - Fernandes Fugas - Abel Delgado - Jose Saraiva - Jose Calejo - Antonio Poças - Jose Domingues - Pinheiro Farinha (com a declaração de que não considerou o Decreto-Lei n. 231/81 interpretativo do direito anterior) - Melo Franco - Solano Viana (voto o assento com a declaração de que entendo não dever considerar-se o Decreto-Lei n. 231/81 como lei interpretativa do direito anterior) - Joaquim Figueiredo - Pedro de Lima Cluny - Silvino Villa Nova - Almeida Ribeiro - Licinio Caseiro - Frederico Batista - Julio dos Santos - Rodrigues Gonçalves - Manso Preto - Pinto Gomes - Gama Prazeres - Gama Vieira - Almeida Simões<br>
- Alcides de Almeida.</font></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
_zIjvIYBgYBz1XKv8KMx | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam, em conferencia, neste Supremo:<br>
A- Com o fundamento de que eles não respeitaram uma clausula de exclusividade exarada em contrato-promessa de compra e venda de fracção autonoma (loja) em Centro Comercial, com isso lhe causando prejuizos, A, casado, comerciante, residente em Leceia, Barcarena, Oeiras, demandou<br>
1)- B, industrial, casado, residente na Amadora; e,<br>
2)- C, residente no Cacem, pedindo que: seja declarada ilicita a autorização dada pelo 1 ao 2 para montar e operar comercialmente em laboratorio fotografico nas lojas ns. ... do Centro Comercial ..., na Amadora; seja condenado o 2 a acabar com esse laboratorio e a retirar do local todos os materiais e equipamentos com que funciona; e, finalmente, sejam ambos os reus solidariamente condenados a pagarem-lhe a quantia de 2500000 escudos.<br>
B- Contestaram os reus separadamente, opondo-se aos direitos invocados pelo autor.<br>
Logo no saneador o Senhor Juiz, apreciando o pedido, julgou a acção improcedente e dos pedidos absolveu os reus.<br>
Recorreu o autor, mas a Relação confirmou a decisão da<br>
1 Instancia. Por isso, recorre o mesmo autor para este Supremo pedindo que, na concessão da revista, se revogue o acordão da Relação, julgando-se inteiramente procedente a acção, porque nele se ofende o disposto nos artigos 406, n. 1, 483,<br>
490, 497, n. 1, 364, 221 e 222, todos do Codigo Civil, pois: a clausula de exclusividade, abrangendo, segundo a vontade das partes, a actividade de laboratorio fotografico e que foi respeitada pelos respectivos contraentes durante 2 anos, enquanto acessoria de outro negocio incluindo compra e venda, não esta legalmente sujeita a forma especifica, sendo valida e eficaz entre as partes mesmo que seja so verbal ou firmada em documento diferente da escritura publica; mas, ainda que sujeita estivesse a forma especifica, incluindo escritura publica, nem por isso seria nula por falta de forma desde que fosse, como foi no caso presente, confessada pelas partes (n. 2 do artigo 364 do Codigo Civil). O artigo 221 do mesmo Codigo refere-se as estipulações verbais, não se aplicando por isso as estipulações acessorias escritas; violando conscientemente a clausula de exclusividade, ambos os reus se constituiram na obrigação de por termo a sua violação e de indemnizar o recorrente.<br>
Contraria e a posição dos recorridos, defendendo mesmo o B a ilegalidade da clausula de exclusividade nos termos do artigo 13, n. 1 do Decreto-Lei n. 422/83, de 3 de Dezembro.<br>
Colhidos os vistos, importa decidir.<br>
A questão essencial posta neste recurso e a da validade ou invalidade de clausula ou estipulação de exclusividade apos a feitura da escritura de compra e venda da loja entre o recorrente e o recorrido B.<br>
Se a validade for a solução aceite ou a adoptar, surgira, então, a questão da procedencia, ou não, dos pedidos formulados pelo autor.<br>
Note-se, de imediato, que ninguem apos obstaculo a apreciação do fundo ou merito da causa nesta fase.<br>
Todos entendem, pois, que estão assentes os factos necessarios e suficientes para a decisão definitiva.<br>
Saliente-se mesmo, que numa 1 e anterior revista este<br>
Supremo ordenou ja a baixa dos autos a 2 Instancia para melhor esclarecimento e ampliação da materia de facto.<br>
O que foi feito, seguindo-se-lhe agora esta revista.<br>
E como a decisão de facto e da competencia exclusiva das Instancias (artigo 729 do Codigo de Processo Civil) teremos agora de decidir sem alterar o que vem assente quanto a situação material.<br>
E ela vem descriminada pela Relação da forma seguinte:<br>
- entre o autor e o reu B foi, em 16-1-84, celebrado um contrato-promessa de compra e venda (documento de folhas 10-12), pelo qual este prometeu vender ao primeiro que, por sua vez, prometeu comprar, a loja n. 50, piso 01, do Centro Comercial "...", na Amadora; na clausula 3 desse contrato esta exarado que "nos pisos 0 e 01, destinados a comercio e a cinema, a exploração hoteleira ou similar, reserva-se a exclusividade das actividades comerciais do tipo artigos desportivos, ourivesaria, optica medica, fotografia e cabeleireiro para homem e/ou senhora"; e, na clausula 4, onde se inclui a promessa de compra e venda, diz-se que a loja e para a actividade comercial fotografica, não podendo nela praticar por si, ou por outrem, outras actividades iguais as identificadas com exclusivo na clausula anterior, salvo havendo previo e expresso acordo dos outros comproprietarios dos pisos 0 e 01; o autor e o reu B quiseram, ao celebrar o contrato-promessa, que a venda se fizesse nas condições de mais ninguem, alem do autor, poder exercer, no<br>
Centro Comercial, a actividade comercial de fotografia; e nesta se incluia a actividade de laboratorio fotografico; em cumprimento do contrato-promessa foi, em 5-2-85, celebrada a escritura de compra e venda da loja atras referida e de outra fracção (folhas 14-16); nesta escritura não se remete para os termos e clausulas do contrato-promessa, nem a este se faz qualquer referencia e, por outro lado, a venda e feita sem quaisquer condições ou clausulas, nomeadamente a de exclusividade da actividade comercial de fotografia; nem sequer, pela escritura, se fica a saber da existencia do contrato-promessa; o autor não tem laboratorio fotografico e por isso, quanto a revelação, recebe o material a revelar e envia-o a um laboratorio especializado; entre os reus foi celebrado o contrato-promessa de arrendamento, onde se ve, na clausula 4, que as lojas a arrendar ao reu C se destinam a especialidade de laboratorio fotografico, prestação de serviços, equipamento de ofset e redução e ampliação de fotocopias, constando da clausula 5 que nas mesmas lojas não pode o reu C praticar a comercialização de materiais fotograficos ou de video, computadores, bem como alterar as especialidades autorizadas na clausula<br>
4; o aspecto da exclusividade pretendido pelo autor e constante do contrato-promessa era essencial para ele.<br>
No entanto, e não constando ela do contrato definitivo, não se mostra que as partes a quisessem manter e a tivessem acordado, ainda que verbalmente, aquando da celebração da escritura, ou posteriormente.<br>
Fundando-se a Relação, para interpretar a declaração negocial relativa a promessa da venda da loja com o beneficio de exclusividade de uma certa actividade, na vontade real das partes, que tem por detectada, e manifesto que se coloca no plano de facto a atribuição do sentido normativo daquela declaração (artigo 236, n. 2 do Codigo Civil), estando-nos, por isso, vedado censurar, por qualquer forma, a decisão da Relação, ja que a questão dos criterios legais (artigos 236 e 238 do mesmo Codigo) se não põe sequer em tal hipotese.<br>
Ainda que dela se discorde teremos, pois, de aceitar a decisão da Relação neste ponto.<br>
Esta, pois, assente que, alem de ser essencial para o promitente comprador a exclusividade, era ainda intenção dos outorgantes (promitentes) que no mesmo<br>
Centro não fosse permitida a actividade de fotografia em mais loja alguma; e, ainda, que na loja em causa não se exercesse outra actividade comercial que não aquela expressa na promessa.<br>
Isto e, a estipulação de exclusividade não respeitava so pessoalmente ao reu promitente vendedor, a compromisso seu e pessoal de não exercer ele a actividade visada; mas, mais que isso, ele procuraria não consentir que outrem exercesse ali tal actividade.<br>
Havia como que uma diminuição ou limitação da liberdade de fruição de todas as lojas do Centro, incluindo a da prometida vender. O que punha o promitente vendedor a responsabilizar-se mesmo por prestações negativas de terceiros.<br>
Assim, isto caracterizava a venda prometida da loja, não se ficando pelo mero beneficio ao comprador. Este, alias, tambem assumia o compromisso de não exercer na loja comprada outra actividade que não a da exclusividade.<br>
Em suma, a estipulação da exclusividade passava, na intenção e vontade dos estipulantes, de um mero acessorio da promessa; era bem mais que isso, tendo-se por um elemento essencial no negocio prometido. Tão essencial como qualquer dos elementos integrantes do mesmo.<br>
Não estaremos propriamente perante aquilo a que na doutrina se costuma chamar de servidões pessoais (res servit personnae), e certo; mas estamos, todavia, face a algo que, embora com natureza puramente obrigacional, se vai um pouco alem disso para recair sobre a liberdade normal na fruição dos espaços comerciais proprios do comerciante. Não se trata de mero arrendamento ou constituição de oneração provisoria ou temporaria.<br>
Significa isto, sem duvida, que a razão de ser determinante da forma exigida para a compra e venda de imoveis (escritura publica) não pode deixar de ser aplicada a este tipo de estipulação de exclusividade - ela envolve interesses que merecem ponderação como a alienação.<br>
Sendo assim, porque na escritura de compra e venda da loja, em cumprimento do contrato-promessa, nada consta sobre essa estipulação e não ha sequer qualquer alusão aos termos da promessa, temos que essa estipulação<br>
(feita na promessa) - mesmo que a tivessem querido manter (o que se ignora) - sempre (para valer definitivamente) estara ferida de nulidade, tal como aconteceria com a propria venda na falta de escritura<br>
(cfr. artigos 220, 221 e 875, do Codigo Civil), não podendo a falta de documento (exigido «ad substantiam: e não apenas «ad probationem:) ser substituida por qualquer outro meio de prova, designadamente a confissão (artigo 364, n. 1, do Codigo Civil).<br>
Face a esta nulidade - e ate inexistencia se se considerar não provada a sua manutenção no contrato definitivo - não pode o autor dela servir-se para nessa estipulação apoiar qualquer direito contra os reus. O que so por si justifica a improcedencia da acção e nos leva a concluir que o acordão em apreço não ofende as disposições legais apontadas, improcedendo, pois, os fundamentos da revisão.<br>
Mas ha ainda outras razões legais que necessariamente levam tambem a improcedencia da causa quanto a ambos os reus.<br>
A)- Quanto ao reu C:<br>
E certo que as partes podem, nos limites legais, fixar livremente o conteudo dos contratos, bem como o conteudo positivo ou negativo das prestações a que se obrigam - cfr. artigos 405, n. 1 e 398, do Codigo Civil.<br>
Mas tambem e certo que ninguem, sem poderes de representação, pode obrigar outrem. E se se responsabilizar por actos de terceiro, não pode obrigar este a cumprir nem a responder pelo incumprimento; so o proprio autor do compromisso pode responder por qualquer indemnização.<br>
Pois bem.<br>
A estipulação de exclusividade convencionada entre o autor e o reu B e para o co-reu C «res inter alios:, não se lhe impõe nem tem quanto a ele qualquer eficacia; so o autor, como outorgante, pode responder por ele, e com base nela, perante o reu B e este perante o mesmo autor.<br>
O reu C e terceiro quanto a ele e não representa, nem e sucessor, do B; e tal estipulação, para mais não constando de documento autentico nem de registo, e ineficaz quanto a terceiros.<br>
E indiferente que o C soubesse, ou não, dessa estipulação. Como estranho a ela não tinha nada que respeita-la. Tem, sim, e que cumprir o convencionado com o B e não se alega sequer que haja causado quaisquer prejuizos a alguem por incumprimento do arrendamento que tomou e nos nos termos em que este lhe foi dado.<br>
Por isso, não pode o autor servir-se do que teria convencionado com o B para exigir deste reu C que ponha termo a actividade do seu laboratorio fotografico e que o desmonte, como pretende, e para dele exigir qualquer indemnização. Esta, com o fundamento invocado, so do B poderia ser exigida, se fosse devida.<br>
B)- Quanto ao reu B:<br>
E manifesto que, não se estendendo ao co-reu C a eficacia de «exclusividade: nem podendo este ser sancionado por causa dele e com base nela, não pode ao B aplicar-se a declaração da ilicitude da autorização dada para a montagem do laboratorio fotografico com a finalidade de cerrar as actividades dele e desmonta-lo; ou seja, não pode quanto a ele proceder pedido que atinja ilegalmente o co-reu C.<br>
Isso apenas poderia ser reconhecido para o efeito de responsabilizar o B por indemnização dos danos causados por inobservancia de estipulação. Para nada mais.<br>
So que não basta o incumprimento, em si, a violação do contrato ou de lei, so por si, para gerar o direito a indemnização. Esta pressupõe a existencia de prejuizo causado pelo incumprimento e pela violação - artigos<br>
798 e 483 (que o recorrente aponta), do Codigo Civil.<br>
E quanto a isso nada vem provado ou esta mesmo articulado por forma a poder provar-se. Não e so questão de quantificação (o que daria lugar, se faltasse, a condenação iliquida) e, antes disso, de verificação da existencia dos danos. Esta não pode ser articulada por mera alusão abstracta, tem que ser articulada especificamente.<br>
Alias, considerando que o autor não tem laboratorio fotografico onde faça revelações (que manda fazer fora) e que o reu C apenas, em fotografia, tem laboratorio, não concorrendo, pois, com o autor em nada, não se ve de onde possa ter havido descredito comercial e aproveitamento do prestigio grangeado.<br>
O que imporia, portanto e tambem, a improcedencia da acção quanto a este reu.<br>
Termos em que se nega a revista, tambem por outras razões alem das do acordão recorrido, com custas pelo recorrente.<br>
Lisboa, 30 de Junho de 1992<br>
Joaquim de Carvalho,<br>
Beça Pereira,<br>
Martins da Fonseca.<br>
Decisões impugnadas:<br>
I- Sentença de 86-07-03 do 1 Juizo Civel de Lisboa;<br>
II- Acordão de 88-11-03 da Relação de Lisboa.</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
aTL_u4YBgYBz1XKvh3Hk | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br>
1. CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS, S.A. requereu, em 5 de<br>
Fevereiro de 1996, no Tribunal Judicial de Seia, a declaração de falência de B, Lda, nos termos do artigo 8 n. 1, alíneas a), b) e c) do CPEREF, aprovado pelo Decreto-Lei n. 132/93, de 23 de Abril, solicitando, nomeadamente, a citação da Requerida - na pessoa dos seus gerentes C ou D - e dos principais credores, que identificou.<br>
Citada a Requerida, depois de várias diligências, na pessoa do seu gerente E, e cumprido o demais ritualismo legal, sem que tivesse sido deduzida oposição, foi decretada a falência da Sociedade B, por sentença de 21 de Junho de 1996, publicada no Diário da República, III Série, de 23 de Julho de 1996.<br>
2. Em 23 de Setembro de 1996, o gerente F, alegando não ter sido "notificado para os termos deste processo", "ao arrepio do que dispõem os artigos 15 ns. 2 e 3 e 20 do CPEREF e 201 e 205 do Código de Processo Civil", veio requerer que fosse "anulado todo o processado a partir da entrada do requerimento de falência em juízo".<br>
3. O Excelentíssimo Juiz, por decisão de 8 de Novembro de 1996, indeferiu tal pretensão, salientando que "a lei apenas determina que se proceda à citação do devedor, nesse caso a B" e que esta fora citada na pessoa do seu gerente E, e acrescentando que inexistia qualquer normativo a impor que "fosse dado conhecimento da pendência da acção" ao Requerente F.<br>
4. Este, inconformado, agravou.<br>
E com êxito, pois a Relação de Coimbra, por Acórdão de 8 de Julho de 1997 - embora com um voto de vencido -, revogou o despacho impugnado, "para que em seu lugar, a Meritíssima Juíza outro profira a atender a nulidade processual invocada e a mandar cumprir o acto omitido de citação do recorrente e de outros titulares da gerência de B, Lda. , para os termos do processo", - após ter ponderado:<br>
Há "uma desarmonia entre as normas dos artigos 148 e 150 e a do artigo 20 do CPEREF".<br>
"[...] Deste modo, julgamos, em suma, que a norma citada do artigo 20 deve ser interpretada em sentido lato, ou seja, abarcando, no caso de ser pedida a falência da Sociedade ou pessoa colectiva, a obrigatoriedade da citação de todos os titulares do respectivo órgão de gestão.<br>
Desta feita, omitindo-se como se omitiram, aquelas citações dos gerentes responsáveis pela imputada situação de insolvência, estaremos confrontados com a nulidade prevista no artigo 194, alínea a), do Código de Processo Civil, nulidade essa insanável e que acarreta a anulação de todo o processado a partir da citação por via postal da empresa requerida, na pessoa do seu sócio gerente E".<br>
5. Irresignada, recorreu, agora, a CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS para este Supremo Tribunal, pugnando pela revogação desse Acórdão, com fundamento na violação dos artigos 10, 20, 25, 122, 126 e 129 do CPEREF e 201 do Código de Processo Civil, tendo culminado a alegação com estas sintetizadas conclusões:<br>
I - O CPEREF " não contém nenhuma disposição legal que obrigue à citação, a título pessoal, dos gerentes da empresa falenda", nem admite "a interpretação extensiva segundo a qual" eles "deveriam ser, a título pessoal, citados para a acção de falência".<br>
II - "A citação dos gerentes da empresa falenda violaria o princípio da celeridade processual dos processos de falência".<br>
III - "O CPEREF prevê outras situações que dispensam a citação pessoal dos interessados e que, em comparação da pessoa dos gerentes, mais justificariam que essa citação ocorresse, como é o caso dos sócios de responsabilidade ilimitada de sociedade ou os sócios de cooperativa e até da própria pessoa a ser declarada falida".<br>
IV - "O legislador pressupõe que quando a empresa é citada para a acção, todos os seus gerentes ficam a tomar conhecimento da existência da acção e do teor, sentido e alcance da mesma".<br>
V - "Os gerentes de uma sociedade por quotas têm o dever de diligência e de solidariedade, no sentido de dar conhecimento a todos os gerentes da Sociedade de todos os factos com relevância para a actividade da mesma, nomeadamente a existência de processos judiciais de falência pendentes".<br>
VI - "O gerente, Sr. F, aqui recorrido, não alegou quaisquer factos que, por motivo da sua não citação, tivessem tido influência 'no exame ou na decisão da causa'", nem tais factos existiriam, pois "adentro do processo de falência nenhuns bens foram apreendidos e vendidos".<br>
VII - "Os gerentes de uma empresa falenda não têm qualquer legitimidade para intervir nas assembleias de credores e não podem opor-se à acção de falência e à sentença que a declare".<br>
VIII - "O gerente, aqui recorrido, já tinha conhecimento do processo da falência desde que a empresa foi citada e tinha conhecimento da sentença de falência desde, pelo menos, a data em que tal foi dado a conhecer no Diário da República, III Série, ou seja, desde 23 de Julho de 1996".<br>
IX - "As 'limitações' constantes do artigo 148 do CPEREF para os gerentes das empresas declaradas falidas não constituem uma alteração do seu estado civil".<br>
6. O Recorrido contra-alegou.<br>
7. O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto, neste Supremo, advogou o provimento do agravo, por entender que o artigo 20 do CPEREF não deve ser interpretado extensivamente.<br>
Foram colhidos os vistos.<br>
8. A questão - única - que importa resolver é esta:<br>
Antes da proferida sentença a decretar a falência de uma sociedade por quotas, todos os titulares da gerência devem ser pessoalmente citados "para deduzirem a sua defesa", como se decidiu no Acórdão recorrido?<br>
Respondemos negativamente.<br>
Vejamos.<br>
9. O processo de falência aplica-se a empresas insolventes inviáveis (artigos 1 n. 2, 6, 8 n. 3, 23 n. 1 e 25 ns. 3 e 4 do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência, aprovado pelo<br>
Decreto-Lei n. 132/93, de 23 de Abril - são deste Código todos os preceitos que se indicarem sem menção de proveniência) e a outros devedores insolventes que não sejam titulares de empresas (artigo 27).<br>
Em relação a empresas insolventes, o processo de falência é um meio residual que só deverá ser usado quando não se reputa possível a recuperação.<br>
Verificado "algum dos factos referidos nas alíneas a), b) e c) do n. 1" do artigo 8, qualquer credor pode requerer a falência da empresa que não considere economicamente viável (n. 3), devendo identificar na petição "os titulares dos órgãos da administração da empresa" ou requerer que essa indicação seja prestada "pelo próprio devedor" (artigo 15 ns. 2 e 3).<br>
10. Requerida a falência - processo que tem carácter urgente (artigo 10 n. 1) -, se não houver motivo para indeferimento liminar da petição, o juiz mandará citar o devedor e os restantes credores para, nomeadamente<br>
"deduzir oposição".<br>
O devedor e os 10 maiores credores conhecidos são citados pessoalmente e os demais são chamados "por edital" e "com anúncios" no D.R. e num jornal diário de grande circulação (artigo 20 ns. 1, 2 e 3).<br>
Se o devedor for uma Sociedade por quotas (situação que aqui cabe considerar), será citada na pessoa de um dos seus gerentes - por meio da carta registada com aviso de recepção ou através de funcionário judicial (artigos 228-A n. 2 e 238-A n. 1 do Código de Processo Civil, na redacção anterior à última reforma) -, ainda que a representação pertença cumulativamente a mais do que um (artigo 228-B do mesmo Código).<br>
Para facilitar a citação da Sociedade, a lei contenta-se com a citação na pessoa de um dos seus representantes, partindo do pressuposto de que daí não advirá prejuízo para a sua defesa, por não ser crível que "a pessoa citada, dada a sua responsabilidade administrativa, deixa de dar conhecimento do facto aos outros representantes e de tomar as providências necessárias para que os interesses do corpo colectivo sejam devidamente defendidos em juízo" (cfr. Alberto dos Reis, "Comentário", volume II, página 624).<br>
A norma do referido artigo 228-A é, pois, imperativa, prevalecendo sobre as estipulações contratuais em contrário, e está em consonância com o n. 3 do artigo 261 do C.S.C., quando dispõe que "as notificações ou declarações de terceiros à sociedade podem ser dirigidas a qualquer dos gerentes, sendo nula toda a disposição em contrário do contrato de sociedade".<br>
Passivamente, cada um dos gerentes representa, assim, separada e plenamente, a sociedade por quotas, reputando-se o conhecimento por um dos gerentes como conhecimento pela sociedade e por todos os demais gerentes (cfr. Raul Ventura, "Sociedades por Quotas", volume III, páginas 194/195), atento o seu "dever de diligência" (artigo 64 do C.S.C.).<br>
11. Convém acentuar, no entanto, que o devedor poderá não ser citado, no início da acção de falência. Ponto é que seja "considerada inconveniente a sua imediata audição" (artigo 20 n. 4).<br>
Com efeito, perante o teor da petição, nada obsta a que o juiz tome a iniciativa de considerar desvantajosa a audição do devedor, declarando-o expressamente no despacho inicial.<br>
Simplesmente, o alcance prático da dispensa dessa prévia audição é diminuto, na medida em que, através da citação edital dos credores (artigo 20 n. 3), "será sempre possível ao devedor tomar conhecimento do decurso da acção, ainda que lhe não seja possível intervir nela", possibilitando-se-lhe "a oportunidade da realização de manobras de ordem vária que, precisamente, se pretendia evitar com a dispensa da citação" (cfr. L. Carvalho Fernandes e João Labareda, "Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e da Falência - Anotado", página 89).<br>
12. Findo o prazo para a oposição e reconhecida a situação de insolvência, o juiz ordenará o prosseguimento da acção e, se nenhuma oposição tiver sido deduzida, declarará, acto contínuo, "no mesmo despacho a falência do devedor" (artigo 122).<br>
A sentença declaratória da falência, que deverá pronunciar-se, nomeadamente, sobre os pontos enunciados no n. 1 do artigo 128, é logo registada oficiosamente na Conservatória do Registo Comercial e publicitada por editais e por anúncios no Diário da República e num dos jornais mais lidos na comarca.<br>
A declaração de falência de sociedade priva imediatamente a falida, pelos órgãos que a representam, "da administração e do poder da disposição dos seus bens" (artigo 147 n. 1) e implica a inibição dos seus gerentes "para o exercício do comércio, incluindo a possibilidade de ocupação de qualquer cargo de titular de órgãos de sociedade comercial ou civil, associação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa" (artigo 148 n. 1).<br>
Mas, se os gerentes carecerem "absolutamente de meios de subsistência, e os não puderem angariar pelo seu trabalho", poderá ser-lhes arbitrado um subsídio, "a título de alimentos e à custa dos rendimentos da massa falida" (artigo 150 n. 1).<br>
Saliente-se, ainda, que, com a declaração de falência da sociedade, os gerentes ficam obrigados a apresentar-se pessoalmente no tribunal, "a fim de prestarem os esclarecimentos necessários", sempre que tal lhes seja determinado pelo juiz ou pelo liquidatário (artigo 149).<br>
13. A declaração de falência, por conseguinte, para além dos efeitos que se projectam "no campo processual", também produz múltiplos efeitos substantivos, "mesmo no plano do direito privado", tanto no património do falido como nos negócios por ele anteriormente celebrados, e interfere, ainda, com o seu estado pessoal.<br>
Limitações ou restrições que, como vimos, valem quer quando o falido é uma pessoa singular quer quando é uma sociedade, "com a particularidade natural" de, neste caso, elas se repercutirem nos seus administradores ou gerentes (cfr. Dr. Carvalho Fernandes, "Efeitos Substantivos da Declaração de Falência", in Direito e Justiça - Revista da Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa, volume IX, 1995, Tomo 2, páginas 19 e 20; J. Oliveira Ascensão, "Efeitos da<br>
Falência sobre a Pessoa e Negócios do Falido", in Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, volume XXXVI, 1995, n. 2, página 322; e Lebre de Freitas, "Apreensão, Restituição, Separação e Venda de Bens no Processo de Falência", nesta última Revista, Volume e Tomo citados, página 373).<br>
14. De todo o modo, ao invés do preconizado pela Relação, nunca haveria justificação para que os gerentes, enquanto tais, tivessem de ser citados, pessoalmente, para responder à matéria da petição do requerente da falência da sociedade.<br>
É que, por um lado, a lei só fala na citação do devedor (artigo 20 n. 1, alínea a), e 123 n. 3).<br>
Ora, devedor é a sociedade que contraiu as dívidas e cujo estado de falência se pretende ver judicialmente declarado.<br>
E não também os seus gerentes.<br>
Depois, porque, citada a sociedade na pessoa de um dos gerentes, a lei pressupõe que todos os demais ficam a conhecer a existência do processo de falência (cfr. n. 10, in fine).<br>
Por outro lado, a exigência, mediante "interpretação extensiva" do artigo 20, da citação de todos os gerentes da sociedade - alguns deles porventura no estrangeiro ou ausentes, momentaneamente, em lugar desconhecido - conduziria, as mais das vezes, ao arrastar penoso do processo de falência, pondo em causa a sua natureza urgente e a celeridade que a lei pretende imprimir à sua tramitação.<br>
Além disso, se é permitida a dispensa de prévia citação do próprio devedor (e, quando se trata da Sociedade por quotas, esta seria citada na pessoa de um dos gerentes) seria de todo em todo incompreensível que o intérprete exigisse a efectiva citação de todos os gerentes, a título pessoal.<br>
Finalmente, ficando os gerentes sujeitos a obrigações em tudo similares às do falido, tem de se lhes reconhecer, isso sim, o direito da intervenção no processo em defesa dos seus próprios interesses, deduzindo, desde logo nomeadamente, embargos à sentença falimentar, nos termos do artigo 129 (apesar da sua letra aparentemente restritiva) - à semelhança do que sucedia, expressamente, com o artigo 1289 do Código de Processo Civil, hoje revogado - e recorrendo da sentença que os decidir (artigo 228).<br>
15. De realçar, ainda, que a severidade e o rigor da inibição imposta no artigo 148 - que parece abranger todos os gerentes em exercício de funções, ao tempo da declaração de falência de sociedade - são atenuados pelo mecanismo do artigo 238, ao permitir que, no próprio processo, seja proferida decisão a decretar a cessação dos efeitos da falência.<br>
Efectivamente, a despeito de terminologia usada - "cessação dos efeitos da falência em relação ao falido"<br>
- é incontroverso que o artigo 238 (cfr., aliás, a alínea d) do seu n. 1) é aplicável "genericamente aos titulares dos órgãos próprios de cada tipo de pessoa colectiva", atingidos pelos efeitos da falência, ex vi do n. 1 do artigo 148 (cf. L. Carvalho Fernandes e João Labareda, op. cit., páginas 357 e 507; L. Carvalho Fernandes, Revista citada, página 30; e J. Oliveira<br>
Ascensão, Revista citada, página 326).<br>
Assim, segundo o artigo 238, a pedido do interessado, v. g. do gerente - e sem que se exija o decurso de qualquer prazo - os efeitos decorrentes da declaração de falência podem ser levantados, desde que, produzidas as provas oferecidas, o juiz chegue à conclusão de que o requerente "agiu no exercício da sua actividade com lisura e diligência normal".<br>
16. Em face do exposto, não sendo exigível a citação do Recorrido Sergio Crivelli - gerente da falida -, dando-se provimento ao agravo, revoga-se o Acórdão impugnado, para ficar a subsistir o decidido na 1. instância.<br>
Custas, nas instâncias e neste Supremo, pelo Agravado.<br>
Lisboa, 3 de Março de 1998.<br>
Silva Paixão,<br>
César Marques,<br>
Fernando Fabião.<br>
Decisões impugnadas:<br>
I - Tribunal Judicial de Seia - Processo n. 22/96<br>
II - Tribunal da Relação de Coimbra - Processo n. 410-A/97.</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
aDInvIYBgYBz1XKve6o- | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br>
<br>
O Banco Fonsecas e Burnay, E.P., intentou acção com processo ordinário contra A e mulher B, pedindo que estes fossem condenados a pagar-lhe 2253600 escudos, correspondentes ao capital e juros de mora vencidos, e, ainda nos juros vincendos, à taxa anual de 22%, acrescida da sobretaxa de 2%, até efectivo pagamento.<br>
E fundamentou o pedido no facto de, na sequência de proposta feita pelo réu, lhe ter descontado duas letras de câmbio, na importância de 486000 escudos cada uma, ambas com vencimento em 30-04-82 e oneradas com a taxa de juros de 22%. As letras tinham sido sacadas pelo réu e aceites por Divitel - Distribuidora Metálica e Acessórios para a Construção, Lda.. O réu obrigou-se a pagar a quantia correspondente ao valor descontado na data do vencimento das letras. E a responsabilidade da ré pelo pagamento advinha do facto de o réu ser comerciante e se presumir que a divida foi contraída no exercício do seu comércio.<br>
Os réus contestaram excepcionando a prescrição nos termos do art. 70 da Lei Uniforme sobre Letras e Livranças, a litispendência e caso julgado, a sua própria ilegitimidade e a incompetência em razão do território do tribunal de Anadia onde a acção foi proposta, impugnaram, também, factos alegados pelo autor, disseram que este havia recebido 100000 escudos por conta do capital em dívida e que os juros não podiam ir além da taxa de 6% ao ano; e requereram o chamamento à autoria da mencionada sociedade Divitel<br>
- Distribuidora Metálica e Acessórios para a Construção, Lda..<br>
A autora respondeu pronunciando-se pela improcedência de todas as excepções e, relativamente ao chamamento à autoria, disse não atingir a finalidade que com ele se pretendia alcançar.<br>
Foi indeferido o chamamento à autoria e, no despacho saneador, julgadas improcedentes todas as excepções.<br>
Os réus interpuseram recurso deste despacho, admitido como agravo a subir oportunamente.<br>
Apenas se inquiriram, por carta precatória, as duas testemunhas arroladas pelo autor,pois, em audiência de julgamento, os réus prescindiram da inquirição das que haviam oferecido.<br>
Foi proferida sentença que, julgando, em parte, a acção procedente, condenou os réus a pagar ao autor 872000 escudos e juros de mora até efectivo reembolso, nos termos seguintes:<br>
Sobre 486000 escudos à taxa anual de 15%, de 30-04-82 a 18-05-83, à taxa de 23% até 24-04-87, e de 15% a partir desta última data;<br>
Sobre 486000 escudos à dita taxa de 15%, de 30-04-82 a 18-05-83; e à taxa de 23% até 30-04-86;<br>
E sobre 386000 escudos, à taxa de 23% de 30-04-86 a 24-04-87, e à taxa de 15% desde esta ultima data; sendo tudo acrescido da sobretaxa de 2%. Os réus apelaram e nas alegações limitaram o recurso de agravo<br>
à decisão proferida sobre a excepção da prescrição; no tocante à apelação, pediram a sua absolvição do pedido por alteração das respostas dadas ao questionário, dizendo, também, que não haveria lugar ao pagamento de juros por não ter sido provada qualquer taxa.<br>
A sentença veio, porém, a ser integralmente confirmada, pois se negou provimento ao agravo e à apelação.<br>
Recorrem, agora, os réus de revista, limitando o recurso às questões da prescrição e do abuso do direito e formulando as seguintes conclusões: o direito que o autor intenta exercer está prescrito, quer em relação à divida de capital quer à divida de juros e quer em relação ao réu quer à ré que não interveio em qualquer das operações cambiárias, pelo que foi violado designadamente o disposto nos artigos<br>
300, 301, 303,304, 305, 306, 310 e 317 do Código Civil; por outro lado o exercício do direito por parte do autor, conforme se acha claramente demonstrado nos autos, transpõe os elementares limites da equidade e colide frontalmente com os princípios da boa-fé e do seu destino social e económico, revelando-se a todas as luzes a anormalidade de tal exercício; e ao não se atender ao invocado abuso do direito, aliás de conhecimento oficioso, violou-se o artigo 334 - por manifesto lapso escreveu-se 33 do Código Civil, devem, pois, ser absolvidos do pedido ou, quando assim se não entenda, deve, apenas, o réu ser condenado a pagar o capital, absolvendo-se o mesmo de pagar os juros, por assim ser de equidade.<br>
Por seu turno, o autor alega no sentido da improcedência do recurso.<br>
Estão dados como provados pelas instâncias os seguintes factos: para financiamento da sua actividade mercantil, o réu marido propôs ao Banco autor o desconto de duas letras de câmbio no valor de 486000 escudos cada uma, com vencimento em 30-04-82; as letras foram aceites por Divitel - Distribuidora<br>
Metálica e Acessórios para Construção, Lda., e sacadas pelo réu marido; as operações de desconto foram aprovadas pelo autor, que pôs à disposição do réu marido a importância correspondente ao valor descontado deduzidos que foram os prémios e comissões legais; na data do vencimento das letras, o montante de capital em dívida era de 972000 escudos, quantia que os réus não pagaram apesar das diligências feitas pelo autor nesse sentido; o réu marido obrigou-se a pagar a quantia em divida na data do vencimento dos títulos.<br>
Sustentam os réus que o direito do autor, tanto em relação à divida do capital como à dos juros, se encontra prescrito, sendo certo que a ré não interveio em qualquer das obrigações cambiárias, e indicam como tendo sido violadas as disposições de vários artigos do<br>
Código Civil.<br>
Desde a contestação que os réus pugnam pela aplicação do disposto no artigo 70 da Lei Uniforme sobre Letras e Livranças, segundo o qual as acções do portador contra os endossantes e contra o sacador prescrevem num ano, a contar da data do protesto feito em tempo útil, ou da data do vencimento se se tratar de letra contendo a cláusula "sem despesas".<br>
No entanto, não lhes assiste razão.<br>
A presente acção não é cambiária. Antes tem como causa de pedir relativamente ao réu, o contrato de desconto bancário que este celebrou com o autor.<br>
Porém os réus entendem que, verificada a prescrição a que alude aquele artigo 70, prescrito estará, igualmente o direito do autor a exigir a quantia que pede com base no dito contrato de desconto de letras de câmbio.<br>
Ora este contrato vem sendo considerado como um contrato misto de mútuo mercantil e de dação "pro solvendo" pelo qual o Banco adianta ao portador da letra, que lha endossa a importância correspondente ao seu valor, deduzidas as quantias devidas pela antecipação feita - neste sentido, entre outros os acórdãos deste Supremo Tribunal de Justiça, de 24-01-84 no Bol. 333 pag. 483 e de 30-04-85, no Bol. 346, pag. 275.<br>
À dação "pro solvendo" se refere o artigo 840 do Código Civil, dispondo que, se o devedor efectuar uma prestação diferente da divida, para que o credor obtenha mais facilmente, pela realização do valor dela, a satisfação do seu crédito, este só se extingue quando for satisfeito, e na medida respectiva - n. 1, e que, se a dação tiver por objecto a cessão de um crédito ou a assunção de uma dívida, presume-se feita nos termos do número anterior - n. 2.<br>
O contrato de desconto assume, assim autonomia - as letras são, pelo endosso, entregues ao descontador para facilitar a cobrança - pelo que nada impedia o autor de, com base nele, accionar o réu.<br>
E utilizando-se, como causa de pedir, esse contrato, pondo de lado a relação cartular, não é aplicável o disposto no artigo 70 da mencionada Lei Uniforme, como igualmente vem sendo decidido, pelo que a prescrição da obrigação cambiária nada tem a ver com a presente acção<br>
- além dos já citados ainda o acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 25-02-88, no Bol. 374 pag. 479 no mesmo sentido os Profs. Ferrer Correia, Lições de Direito Comercial, vol III, pag. 52, e Fernando Olavo,<br>
Desconto Bancário, pag. 196.<br>
Pelo que não foram violadas as disposições do Código Civil apontadas pelos recorrentes - artigos 300, 301, 303, 304, 306 e 317. Designadamente quanto ao artigo 300, pois se trata de obrigações distintas, com prazos de prescrição próprios e diferentes, pelo que tal disposição sempre seria aqui inaplicável; e ao artigo 317 por se não ver qualquer ligação entre ele e o que se discute nesta acção.<br>
Nas suas alegações e no que respeita aos juros , dizem os réus que o prazo da prescrição se iniciou em 30-04-82, data do vencimento das letras; e, tratando-se de juros legais, devem considerar-se prescritos os vencidos para além dos últimos cinco anos ao tempo da citação dos réus. Pelo que estariam prescritos os juros legais desde 30-04-82 até 02-11-82.<br>
Só que, no recurso que interpuseram para o Tribunal da Relação os réus não levantaram esta questão já que se limitaram a afirmar na alínea f) das suas alegações do recurso de apelação - ver fls. 117 v. - que, como não foi provada a taxa de juro, o tribunal não deveria tê-los condenado a pagar quaisquer juros.<br>
E, como é jurisprudência uniforme, não podem ser levantadas, em recurso para este Supremo Tribunal, questões novas, ou sejam, as que não foram objecto de apreciação nos tribunais de instância - ver, por todos, os acórdãos do S.T.J. de 19-10-78 no Bol. 280, pag. 290, e de 30-11-78, no Bol. 281, pag. 268.<br>
Também só agora a ré levanta a questão de o autor não ter junto prova documental do casamento dos réus e de não ter logrado provar o proveito comum do casal.<br>
Sobre este ponto, para além de ser, igualmente, uma questão nova, sempre se dirá que ambos os réus, ao contestar a acção, em parte alguma alegaram não serem casados um com o outro nem agora o afirmam.<br>
E o autor, na petição inicial, faz referência expressa aos artigos 15 do Código Comercial e 1691 n. 1, d) do Código Civil, pelo que beneficia da presunção estabelecida nessas disposições. E quem tem a seu favor a presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz - artigo 350 n. 1 do Código Civil.<br>
Estabelece o artigo 334 deste último Código que é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.<br>
Mas não se vê como o autor tenha no caso concreto, abusado do direito que lhe assiste.<br>
Logo porque foi o réu quem não satisfez ao que se obrigara, uma vez que não pagou a quantia em dívida na data do vencimento. Pelo que, se os réus entendem que já não podem fazer valer, com êxito, qualquer acção contra a Divitel, Lda., só de si podem queixar, por não terem pago ao autor em tempo útil.<br>
Depois porque, como acima se disse nada impedia o autor de optar pela invocação do contrato de desconto para demandar os réus, em vez de fazer uso da acção cambiária.<br>
Termos em que se nega a revista, com custas pelos recorrentes.<br>
Lisboa 3 de Dezembro de 1991.<br>
César Marques,<br>
Beça Pereira,<br>
Castro Mendes.<br>
I - Sentença de 89-11-23 do Tribunal de Anadia.<br>
II - Acórdão de 90-10-23 da Relação Coimbra.</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
azIHvIYBgYBz1XKv53zm | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br>
I. A, B, C, D,E e F propuseram esta acção, emergente de acidente de viação, pela comarca de Santarém, contra "Companhia de Seguros ..., S.A.,".<br>
Basicamente, os autores invocaram um acidente de viação ocorrido em auto-estrada, por força do aparecimento de um cão; atribuindo a responsabilidade<br>
à concessionária das auto-estradas e, daí, à ré seguradora, pediram a condenação desta a pagar, "pelo menos": aos quatro primeiros autores, 28452050 escudos; aos dois últimos autores, 13124044 escudos; e juros legais a partir de 4 de Novembro de 1991 até à data do pagamento (fls. 2 e seguintes).<br>
A ré contestou (fls. 103 e seguintes).<br>
A folhas 249 e seguintes, foi proferida sentença, julgando a acção improcedente.<br>
B "e outros, demandantes" apelaram (fls. 256).<br>
Mas a Relação de Évora, através do Acórdão de fls. 254 e seguintes, confirmou a sentença.<br>
Novamente inconformados, os apelantes recorreram, da revista, para este Supremo (fls. 262). E alegando, concluíram (fls. 277 e seguintes):<br>
1) Em 26 de Novembro de 1991 (aliás, não foi Novembro mas, sim, Outubro) cerca das 16h00, ocorreu um acidente de viação ao Km. 72,9 da AE1, em Póvoa de Santarém, no concelho e comarca de Santarém;<br>
2) Ao Km. 72,9 da AE1, surgiu um animal de raça canina a atravessar a faixa de rodagem quando o veículo EX por aí circulava;<br>
3) O cão foi embater no rodado direito do veículo EX, enrolando-se sob o mesmo, estraçalhado pelo seu enrolamento entre o rodado direito da frente e o respectivo guarda-lamas do mesmo lado, o que lhe causou a morte;<br>
4) Devido à situação atrás descrita, o condutor acabou por perder o domínio do EX;<br>
5) Acabando por embater nos railes centrais da AE1;<br>
6) E capotou de seguida;<br>
7) Com esta factualidade provada na 1. instância, o Mmo. Juiz julgou a acção improcedente, com a "alegação" de que os autores não lograram provar que, à "Brisa", seja imputável, a título de omissão de obrigação, por inexistência ou insuficiência de provas, tenha tido culpa relativamente à produção do acidente;<br>
8) E ainda, "pasme-se", por não se ter provado que o animal de raça canina que causou o acidente tivesse aparecido na faixa de rodagem devido a qualquer falta por parte da concessionária "Brisa", nomeadamente no bom estado de conservação das vedações;<br>
9) Da hipotética não prova de um facto positivo não pode concluir-se a prova do facto contrário, isto é, da não prova de que as vedações não estavam em bom estado de conservação não pode concluir-se a prova de que a "Brisa" não violou o enquadramento legal existente para o efeito, ou seja, o n. 1 da base XXXV, n. 2 da base XXXIX, que o Decreto-Lei 315/91 "aprova o normativo legal" do contrato de concessão da construção, conservação e exploração outorgada à "Brisa", onde estão, inequivocamente, tipificadas as obrigações da concessionária, nomeadamente a escolha, da sua responsabilidade, da tomada de todas as medidas, em devido tempo, para impedir o tipo de acesso à AE, como o do caso em apreço;<br>
10) Trata-se de uma doutrina aceite sem qualquer discussão, quer na doutrina portuguesa, quer na dos Países da "Comunidade Europeia";<br>
11) Aliás, seria deveras estranho que, não provando os autores, um facto que lhes era favorável, como o Mmo. Juiz fundamentou na sua decisão, este pudesse concluir a prova do facto contrário, que a ré não só não provou, como nem sequer alegou, e que lhe interessava fazê-lo;<br>
12) O douto Acórdão recorrido, em princípio, concorda "timidamente" com a fundamentação da sentença recorrida;<br>
13) Pretendendo vencer essa "timidez" (insegurança)", ao reforçá-la, ou melhor, até sobrepô-la com a argumentação da falta de política legislativa para este tipo de situação, remetendo a questão para fora do âmbito dos Tribunais;<br>
14) Valha-nos os Tribunais "superiores";<br>
15) Pois o douto Acórdão da Relação de Évora, também ele, não poderia ter concluído como concluiu, pois isso significa alterar não só as respostas obtidas em sede de 1. instância, como dar como provado aquilo que o Tribunal de 1. Instância não ousou considerar provado;<br>
16) Como já se disse, o douto Acórdão recorrido pretendeu encontrar-lhe outra justificação que é a fundamentação da ausência de política legislativa;<br>
17) Salvo o devido respeito, este entendimento também não tem cabimento, porquanto a lei, à luz dos preceitos já invocados, define, inequivocamente, as obrigações contratuais cometidas à concessionária "Brisa";<br>
18) É, pois, absolutamente claro que, à "Brisa", está cometida a responsabilidade de tomar, em devido tempo, todas as medidas necessárias para impedir o tipo de acesso à via da AE, como o em questão, já que a escolha dessas medidas é da sua inteira responsabilidade, uma vez que o contrato, em relação a esta matéria, ou seja, obrigações de resultado (bases XXXV e XXXIX) assim o prevêem e presumem;<br>
19) Relativamente aos danos sofridos pelos recorrentes, a douta decisão da Relação de Évora reconhece-lhes toda a sua gravidade e de todos os seus elevados danos patrimoniais e não patrimoniais;<br>
20) Danos, estes, que são da responsabilidade da recorrida "..., S.A", que é responsável pelas consequências do acidente por via do contrato de seguro titulado pela apólice emitida para o efeito, pelo qual assumiu a responsabilidade civil emergente de todos os danos causados a terceiros que circulam naquela via-AE1, resultantes do acidente ocorrido nas circunstâncias de modo e de lugar como o em apreço;<br>
21) Isto porque é inequívoco que a presença de um cão na faixa de rodagem de uma AE supõe um risco imprevisível para o utente da AE que, ao pagar a portagem, torna a concessionária obrigada, pelo normativo invocado, entre outras a garantir a ausência de circulação de animais naquela via;<br>
22) Não provou, nem alegou, a recorridas razões diferentes às obrigações impostas à concessionária que tivesse por objecto, precisamente, evitar aqueles riscos;<br>
23) E vamos mais longe; nem o eventual argumento de caso fortuito ou força maior pode ser, aqui, invocado como argumento exculpatório, já que a concessionária não cumpriu aquilo a que está obrigada: impedir, através das condições adequadas, a incursão da circulação de pessoas e animais nas AE;<br>
24) E, como se referiu, quer a sentença quer o Acórdão aqui recorrido deram como provada a ocorrência de danos graves - patrimoniais e não patrimoniais, nos recorrentes - emergentes do acidente de viação, na AE aqui em questão, resultantes da travessia imprevista de um cão naquela via, que foi embater, da forma já descrita, no veículo EX;<br>
25) Por tudo o que se referiu, o douto Acórdão da Relação de Évora não poderia ter concluído, como concluiu, ao pretender dar como provado aquilo que a 1. instância considerou provado por exculpabilidade da concessionária "Brisa" mas, antes, argumentando a sua fundamentação na falta de política legislativa para esta questão;<br>
26) Porém, mesmo admitindo que a Relação possa alterar a matéria em apreço, através da inoperância a partir de outra fundamentação, a verdade é que o douto Acórdão recorrido continua a carecer da razão;<br>
27) A exculpabilidade da concessionária não pode, pois, fundar-se na ausência de política legislativa, padecendo o seu entendimento de falta de adequação de todo o enquadramento jurídico-normativo para a matéria em apreço, já citado;<br>
28) Em síntese de tudo o que se vem referindo, não pode, seguramente, julgar-se pela exculpabilidade da concessionária "Brisa" e, como tal, de responsabilidade civil, por todos os danos ocorridos, da recorrida seguradora;<br>
29) De qualquer forma, seria de todo insustentável a conclusão a que chegou o douto Acórdão da Relação de Évora;<br>
30) Relativamente aos danos emergentes, por provados e reconhecidos de elevada gravidade, é adequada a apreciação daquele mesmo Acórdão, já que aceita isto expressamente.<br>
Finalizando, repetindo, mais uma vez, as linhas básicas da sua argumentação e acrecentando referência ao artigo 26 do Código da Estrada de 1954 e ao artigo 483 do Código Civil, as recorrentes pedem revogação do Acórdão recorrido.<br>
Houve breve, mas directa, contra-alegação, no sentido de improcedência do recurso (fls. 293).<br>
Foram colhidos os vistos legais (fls. 295/295 v.).<br>
II. O Acórdão recorrido assentou no seguinte circunstancialismo (fls. 255):<br>
1) Cerca das 16h00 de 26 de Outubro de 1991, na Auto-Estrada do Norte, AE1, ao Km. 72,9 em Póvoa de Santarém, o veículo automóvel ligeiro misto EX, propriedade de B, conduzido por E circulava pela mencionada via;<br>
2) Seguia no sentido Porto-Lisboa, pela metade direita da auto-estrada, na sua faixa de rodagem mais à direita, consoante o seu sentido de marcha e, ao chegar àquele local, procedente de local ignorado, surgiu um animal de raça canina a atravessar a faixa de rodagem quando o veículo, por aí, circulava;<br>
3) Sendo o cão embatido pelo automóvel, enrolando-se sob o mesmo, de que resultou ter ficado totalmente estraçalhado, acabando por ter morte imediata;<br>
4) Devido ao embate e enrolamento do animal sob o veículo, o condutor acabou por perder o domínio do mesmo, o qual foi embater nos railes centrais da AE1, acabando por capotar;<br>
5) Uma das menores que circulavam no veículo foi cuspida do mesmo, ficando prostrada na berma;<br>
6) Antes de embater no separador central da AE1, o veículo EX deixou no pavimento um rasto de travagem de 20m. em diagonal para a esquerda;<br>
7) Depois de colidir no separador central, o mesmo veículo percorreu uma distância de 40m. em diagonal<br>
à protecção metálica do lado direito da via atento o seu sentido de marcha e, depois de colidir com essa protecção metálica, ainda percorreu 31m.;<br>
8) O veículo EX era ligeiro misto, todo o terreno, marca Range Rover ;<br>
9) A autora B tinha, à data do acidente,<br>
29 anos, a autora D 3 anos e o autor E 31 anos;<br>
10) Os autores A e B são pais da autora C, nascida em 4 de Novembro de 1985, e da D nascida em 9 Fevereiro 1988;<br>
11) A ré "..." é seguradora da responsabilidade civil da "Brisa-Auto Estradas de Portugal, S.A.", pelas indemnizações que, de conformidade com a lei, lhe possam ser exigidas como civilmente responsável pelos prejuízos e/ou danos causados a terceiros, na sua qualidade de concessionária da exploração, conservação e manutenção da "AE - Norte", troço Aveiras de Cima - Santarém - Torres Novas, nos termos da apólice 28096, até ao montante de 150000000 escudos por sinistro e por ano;<br>
12) Em consequência do acidente, o veículo EX ficou, praticamente, destruído, de tal modo que a sua reparação não é, economicamente aconselhavél; estava, completamente, novo, havia sido adquirido em 30 de Outubro de 1990 por 5621599 escudos e apenas tinha percorrido cerca de 5500 Kms;<br>
13) Na altura do acidente, o seu valor comercial era de 5000000 escudos;<br>
14) A sua reparação, por desmontar, foi orçada em 3500000 escudos; aos salvados, foi atribuído o montante de 500000 escudos (por ostensivo lapso, no Acórdão recorrido parece ler-se 5000000 escudos - fls. 256);<br>
15) O autor A é administrador de empresa;<br>
16) A proprietária do veículo EX, desde 20 de Outubro de 1991 e, pelo menos, até 26 de Novembro de 1992, esteve privada da sua utilização;<br>
17) A autora B despendeu 11935 escudos no transporte em ambulância do local do acidente para o Hospital de Santarém e, deste, para o Inglês, em Lisboa;<br>
18) A autora B, proprietária do veículo EX, seguia no mesmo como passageira, à retaguarda, conduzido por E e, em resultado do acidente e dos ferimentos que apresentava, foi transportada ao Hospital de Santarém, de onde foi transportada e na mesma data, para o Hospital Inglês, em Lisboa;<br>
19) Em consequência do acidente, sofreu uma ferida incisiva no lábio superior na região naso-labial direita, com 3 cm. de comprimento e com secção total do músculo orbicular dos lábios, ferida incisa do mento vertical, com 2 cm. de comprimento, múltiplas abrasões da face, nariz e testa, abrasão e perda de substância de tecidos moles na região dorsal da mão direita, múltiplas abrasões nas regiões articulares dos membros inferiores, traumatismo da coluna cervical e fractura dos arcos costais 9, 10 e 11, em razão das quais foi submetida a intervenção cirúrgica sob anestesia geral com duração aproximada de 02h30, só vindo a ter alta hospitalar em 30 de Novembro de 1991, mas prosseguindo em regime de convalescença pós - operatória, apoiada por fisioterapia das lesões cicatriciais;<br>
20) Mas, apesar de todos os tratamentos a que se submeteu, são de prever cicatrizes do lábio e mento;<br>
21) Apresenta cicatrizes definitivas com dano estético muito ligeiro;<br>
22) A B, em consequência dos ferimentos e tratamentos a que foi submetida, sofreu dores;<br>
23) A autora C também era transportada como passageira no veículo e, em consequência do acidente, sofreu abrasão extensa da região nadegueira direita e coxa direita, que lhe causaram dores;<br>
24) A autora D também sofreu "as lesões descritas no documento de fls. 7" (deve-se ter querido dizer documento n. 7), sendo transportada, igualmente, como passageira, no veículo, sendo aquelas uma abrasão muito profunda da hemiface esquerda com perda de substância, abrasões superficiais da testa, nariz e lábio, múltiplas feridas incisas da coxa direita com perda de substância, ferida incisa e abrasão do joelho esquerdo e múltiplas escoriações nas regiões articulares dos membros superiores e inferiores e, em razão delas, em 26 de Outubro de 1991, foi submetida a uma cirurgia que demorou cerca de 4 horas, sob anestesia geral, em que foram efectuadas suturas e pensos nas feridas e aborções cutâneas;<br>
25) O autor E, condutor do veículo, também sofreu danos patrimoniais, em consequência do acidente e despendeu, em tratamento,<br>
502944 escudos;<br>
26) O autor E, em consequência do acidente, sofreu lacerações e perda de substância do 4. e 5. dedos da mão esquerda, feridas incisas e perda de substância do 4. e 5. dedos da mão direita e escoriações várias nos membros superiores e, em consequência destas lesões, foi submetido a uma intervenção cirúrgica, em 26 de Outubro de 1991, sob anestesia geral, em que foram suturadas as feridas das mãos e efectuados retalhos de deslizamento para cobertura das áreas com perda de substância localizadas nos 4. e 5. dedos de ambas as mãos e, ainda, inserido um fio de Kirsner no 5. dedo da mão esquerda, acabando por ter alta hospitalar em 27 de Outubro de 1991, prosseguindo em tratamento pós- -operatório em regime ambulatório;<br>
27) Apresenta limitação dos movimentos de extensão da 2. articulação inter-falângica do 5. dedo da mão direita (articulação em flexão permanente) e ligeiro desvio, para dentro, do eixo da última falange do<br>
5. dedo da mão esquerda, a que corresponde uma desvalorização de 2%;<br>
28) Apresenta, ainda, amputação da falange digital do 4. dedo da mão esquerda, cicatrizes hipertróficas do 4. dedo da mão direita e do 4. e 5. dedo da mão esquerda;<br>
29) As sequelas anátomo-funcionais conferem-lhe uma incapacidade geral permanente parcial de 5%;<br>
30) O autor E, em consequência das lesões que sofreu e dos tratamentos que lhe foram ministrados, teve dores;<br>
31) A autora F também seguia como passageira no veículo acidentado conduzido pelo E;<br>
32) A autora F gastou, em tratamentos,<br>
5100 escudos;<br>
33) A autora F, em consequência do acidente, sofreu um traumatismo da coluna cervical, tendo sido submetida a tratamento clínico adequado, prosseguindo o mesmo em regime de tratamento ambulatório;<br>
34) A autora F, em consequência das lesões e do tratamento, sofreu dores;<br>
35) O autor A e a autora B, pelos tratamentos desta e das suas filhas C e D, pagaram 1369115 escudos;<br>
36) O autor A, à data do acidente, encontrava-se em Itália;<br>
37) G esteve alojado no Hotel Tivoli, em Lisboa, desde 28 de Outubro de 1991 a 5 de Novembro de 1991 e, com a estadia, despendeu 390265 escudos;<br>
38) E, com a estadia em Lisboa, no Hotel Tivoli, desde 28 de Outubro de 1991 a 5 de Novembro de 1991, despendeu 393100 escudos.<br>
III. Da perspectiva genérica:<br>
Quantas vezes temos dito que, frequentemente, as seguradoras não agem de acordo com a sua função e protelam injustificadamente as causas, prejudicando a oportuna realização dos direitos das pessoas lesadas.<br>
Mas tudo tem limites.<br>
O caso vertente é um daqueles em que é patente a razão da seguradora (recorrida), espelhada na singela, mas adequada, contra-alegação; enquanto que a autores, aliás no uso de direitos processuais e, sem dúvida, vítimas de um acontecimento malfadado, acrescentam aos seus incontroversos padecimentos, mais um recurso que, tendo de ser julgado conforme a lei, mormente substantiva, aplicável e os factos disponíveis, não permite atribuir-lhes indemnização.<br>
Porventura o permitiria outro tipo de seguro, de cariz pessoal, mas não é isso que está em causa.<br>
Há casos em que cidadãos objectivamente prejudicados por certos acontecimentos têm dificuldade em compreender as decisões judiciais, quer por força dos seus compreensíveis traumatismos, quer porque o conhecimento geral das leis cada vez mais é uma ficção - mas os Tribunais estão, por elas, limitados (artigo 206 da Constituição) - quer porque desvalorizam algo que é determinante: os Tribunais não são adivinhos ou arbitrários: só podem julgar conforme os factos provados no respectivo processo.<br>
Não podem pôr-se a inventar como teriam sido os factos; estão limitados pelos que as partes logram provar, quantas vezes menos do que acontecem. Mas pôr-se a adivinhar não devem, nem podem, sob pena de tudo se transformar numa completa insegurança do comum das pessoas. Isso é ainda mais patente num Tribunal, como este, que, por princípio, não julga de facto.<br>
Expliquemo-nos mais concretamente, ainda que procurando dizer, apenas, o necessário e suficiente.<br>
IV. Do enquadramento jurídico básico:<br>
Nada é possível decidir, se nos perdermos em conjecturas ou perturbações, aliás compreensíveis, perante respeitáveis estados dolorosos.<br>
Mas, assim como o médico, antes de optar por uma terapêutica, tem de fazer um diagnóstico e, tanto quanto for adequado ao casuismo da situação, comunicá-lo-à ao doente, também os Tribunais se perderão em circunlóquios inoperantes se não começarem por definir o que tem de ser o enquadramento do problema a resolver.<br>
Ora, aqui, estamos no campo da responsabilidade civil extra-contratual (que seria relativa à "Brisa") a qual, a confirmar-se, se teria transferido, contratualmente, para a respectiva seguradora.<br>
Isto implica que se tenha presente algo que é tão simples quanto importante e de pacífico entendimento: no estádio actual legislativo português, em princípio, só há responsabilidade civil se se verificarem, simultaneamente, estes elementos: facto; ilicitude; dolo ou culpa; dano; nexo de causalidade. Também como é, comummente, sabido, só é possível exigir responsabilidade sem prova de culpa nos casos excepcionais previstos nas leis (o que não é o caso vertente): artigo 483 do C. Civil; v.g. Prof. A. Varela, "Das Obrigações em geral", I - 2. edição, 403 e seguintes).<br>
Porventura se deveria caminhar mais afoitamente para a protecção do lesado e, portanto, para a responsabilidade objectiva ou, pelo menos, para mais situações de presunção de culpa (que também não é o caso "sub judice"). Mas as leis são como são e todos as devemos observar e cumprir.<br>
V. O que há neste caso:<br>
Manifestamente, o doloroso caso vertente evidencia, seguramente, elementos significativos do instituto da responsabilidade civil.<br>
Aliás, nem se discutem vários factores a que, genericamente, já aludimos: quer o facto, ou seja, o acidente, motivado pelo aparecimento de um cão; quer a contrariedade à lei consistente neste aparecimento (artigo 26 n. 2 do C. Est. de 1954); quer os danos, muito significativos; quer o nexo de causalidade entre o evento e os danos.<br>
Relembremos, então que os pressupostos da responsabilidade civil são exigíveis cumulativamente.<br>
E que, não se discutindo dolo, nem sendo caso (excepcional) de responsabilidade objectiva, resta saber se o facto é imputável, à "Brisa", a título de culpa.<br>
VI. Terá havido culpa da "Brisa"?<br>
VI.1- Claro que a "Brisa" é uma pessoa colectiva ou, seja, juridicamente, um ente autónomo, que não é pessoa humana. Mas, por isso mesmo, quando se pergunta se houve culpa da "Brisa", questionamo-nos sobre se as pessoas humanas que agem, ou devem agir, em seu nome, procederam culposamente.<br>
Tudo está, a este respeito, no aparecimento do canídeo na auto-estrada aludida. Isso é imputável, a título de culpa, à "Brisa"?<br>
Ao insistirem nesta hipótese, junto do S.T.J., as recorrentes incorrem em uma perspectiva inadequada porque, pensando na linha do que já referimos, se afastam do enquadramento básico, desde logo dos limitados factos que ficaram provados acerca do evento, sabido como é que o S.T.J., por princípio, não é, tecnicamente, uma 3. instância, não lhe competindo julgar de facto, salvo situação excepcional que a lei prevê e não vem ao caso (artigo 729 do C.P.C.).<br>
Por outro lado, e como não é demais frisar, mesmo os termos das bases aprovadas pelo Decreto-Lei 315/91, de 20 de Agosto, não prescrevem responsabilidade objectiva, nem sequer inversão do ónus da prova, como pareceria ser a tese das doutas alegações dos recorrentes.<br>
Nem sequer podemos fazer como os romanos, optando pelo diferimento do "non liquet". Temos de decidir na base das regras sobre ónus da prova, designadamente estas:<br>
Artigo 342 do C. Civil:<br>
"1. Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado.<br>
2. ...<br>
3. ..."<br>
Artigo 487 do C. Civil:<br>
"1. É ao lesado que incumbe provar a culpa do autor da lesão, salvo havendo presunção legal de culpa.<br>
2. ..."<br>
Artigo 516 do C.P.C.:<br>
" A dúvida sobre a realidade dum facto e sobre a repartição do ónus da prova revolve-se contra a parte a quem o facto aproveita".<br>
Rios de tinta têm corrido para se dissertar sobre o que é e como apurar culpa.<br>
De todo o modo, a culpa reflecte, sempre, um juízo de reprovação de alguém, que fez o que não devia ou não fez o que devia, tudo, naturalmente, conjugado com os demais pressupostos da responsabilidade civil (entre outros, v.g., Prof. A. Varela, obra citada, 442 e seguintes).<br>
Daqui decorre, em linha recta que, só poderia imputar-se o aparecimento do canídeo à "Brisa" se se devesse a acção ou omissão desta o aparecimento daquele cão exactamente conforme o alcance das normas especiais que as recorrentes citam: as bases XXXV n. 1 e XXXIX n. 2 do texto aprovado pelo Decreto-Lei 315/91, de 20 de Agosto.<br>
É que nós não estamos a tratar de abstracções ou de estudos académicos.<br>
Temos de solucionar um caso concreto.<br>
VI. Repete-se, estamos no campo da culpa.<br>
Logo e embora, decerto, na base das obrigações da concessionária a que se reportam aquelas bases legais, os autores, ora recorrentes, tinham ónus de prova dos actos ou omissões da "Brisa" contrários àquelas obrigações, conectados com o aparecimento do canídeo.<br>
Não se confunda o aparecimento do canídeo com acto ou omissão da "Brisa". Claro que o canídeo não surgiu do céu ou do inferno! O problema é saber se dispomos de elementos que permitam atribuir à "Brisa" aquela situação. Por exemplo: Está provado que alguém da "Brisa" viu o cão e o deixou na auto-estrada.<br>
Está provado que a "Brisa" não efectuou vigilância da auto estrada? Está, ao menos provada falta ou inadequada vedação? E tenha-se o realismo para reconhecer que fazer vigilância não é - porque nada o impõe - ter, permanentemente, vigilantes, à vista uns dos outros, em todas as auto-estradas.<br>
Ora, nada, no elenco factual disponível, permite imputar à "Brisa" o aparecimento do canídeo. Até poderia ter sido escorraçado pelo seu dono como, malfadadamente, acontece. Poderia ter surgido dos mais diferentes sítios. Como? Não sabemos.<br>
A "Brisa" não fez vigilância? Não se sabe.<br>
Repete-se: não se confunda o evento com a sua causa.<br>
Mesmo quanto a vedação, nada indica que não estivesse em termos adequados ou que algo que assim não fosse podia ter sido verificado oportunamente.<br>
VI. 3. Tudo vem, afinal, a radicar na base LIII n. 1 aprovada pelo Decreto-Lei 315/91 que, aliás, os próprios recorrentes citam: este normativo remete a problemática da responsabilidade civil, no âmbito da concessão à "Brisa", para os "termos da lei", o que vale dizer para as regras gerais, donde não haver responsabilidade objectiva, nem sequer inversão do ónus de prova decorrente daquelas bases, no caso em apreço.<br>
A norma através da qual haveria inversão do ónus de prova seria uma outra que os recorrentes nem citam: o artigo 493 n. 1 do C. Civil: quem tiver a detenção de animal é responsável pelo danos que este provoque, salvo se provar que não teve culpa ou que os danos teriam ocorrido mesmo que não houvesse culpa sua. É uma responsabilidade "ex re", contrária ao que resultava do C. Civil de 1867 (Conselheiro Abel Delgado, "Da responsabilidade Civil por danos causados por coisas ou animais", 16; Profs. A. Lima e a A. Varela, "Anotado", I - 4. edição, 495).<br>
Independentemente destas considerações, dizer que o cão veio de uma vedação é algo que não tem qualquer base nos factos provados de que dispomos; como é certo que a base XXIII n. 11 alínea a) das regras a que nos temos referido fala de vedação em extensão e não em altura ou material e, portanto, só isso exigiria uma concretização que não foi feita para algo se poder inferir. Aliás, nessa base, estar-se-ia perante juízo de facto e, como tal, da competência das instâncias (cfr. Prof. A. Varela, M. Bezerra e S. Nora, "Manual de Processo Civil", 2. edição, 408).<br>
De todo o modo, repete-se, nada, no elenco factual disponível, indica qualquer tipo de deficiência na vedação (ou onde).<br>
Aliás, para além de considerações genéricas quanto a obrigações da concessionária, nem a petição dos autores indicava já qualquer omissão ou acção concreta, parecendo que entendiam que, à luz da legislação aplicável, o evento consistente no aparecimento do animal se confundia com outro pressuposto da responsabilidade civil, a imputação à concessionária.<br>
E tal não é confundível.<br>
Outrossim, não se trata, nem poderia tratar-se, de se considerar assente que não houve falha da "Brisa"; trata-se, sim, de que não ficou, facticamente, assente que tivesse havido. É um problema jurídico de ónus da prova, conforme já frisado, posto que, para além do n. 1 do artigo 493 do C. Civil, neste campo, não temos possibilidade, "lege constituta", de nos basearmos em inversão de ónus da prova, tanto quanto resulta da lei que nos compete observar.<br>
Respeitando embora qualquer outro entendimento, à luz da lei portuguesa, a procedência desta acção exigia factualidade demonstrativa de imputação concreta do evento à "Brisa", ao menos através de algo genérico, mas real, em que pudesse radicar a ocorrência. Ou seja, por exemplo, se tivesse ficado provada deficiência de vedação ou não vigilância, porventura poderia ter sido extractado um juízo de facto. Mas não é o caso.<br>
VII. Resumindo, para concluir:<br>
1. Não evidenciada situação de responsabilidade objectiva ou de inversão de ónus da prova, o lesado tem ónus de prova de factos que permitam imputar o evento, a título de culpa, ao alegado lesante.<br>
2. Não se pode confundir o evento com a imputação do mesmo.<br>
3. O aparecimento de um cão numa auto-estrada, à luz da lei portuguesa, só por si, sem o mínimo indício fáctico da razão desse aparecimento, não permite assacar responsabilidade à "Brisa", mormente quando nada nos diz que a "Brisa" não cumpriu o que lhe competia, designadamente quanto a vedações e vigilância exigíveis.<br>
VIII. Donde, concluindo:<br>
Acorda-se em negar provimento ao recurso.<br>
Custas pelos recorrentes.<br>
Lisboa, 12 de Novembro de 1996.<br>
Cardona Ferreira.<br>
Herculano Lima.<br>
Aragão Seia.</font> | [0 0 0 ... 0 1 0] |
CDIfvIYBgYBz1XKvEZ7S | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br>
A Sociedade de Combustíveis Tomarense, Lda., instaurou, no Tribunal Cível da comarca de Lisboa, contra a<br>
Petrogal - Petróleos de Portugal, E.P., acção com processo ordinário na qual pede a condenação da ré a pagar-lhe de indemnização 120000000 escudos, acrescida do que se vier a liquidar em execução de sentença, como valor global das indemnizações a que ela autora possa vir a ser condenada em consequência de despedimento de empregados seus pela cessação dos respectivos contratos de trabalho a que a ré deu causa.<br>
Fundamenta o que pede, a autora, dizendo, em síntese, que tendo ela por único objectivo social o comércio de combustíveis e lubrificantes, começou a exercer por tempo indeterminado as funções de agente central da<br>
Sacor (antecessora, juntamente com a Cidla, da ré), nas<br>
áreas de vários concelhos que enumera, competindo-lhe promover a instalação da rede de revenda de combustíveis líquidos e lubrificantes, manter a sua organização e assegurar a respectiva eficiência contribuindo para o lançamento e expansão dos produtos<br>
Sacor.<br>
Para dar execução a tal objectivo, ela autora teve de criar uma pesada estrutura que lhe saiu muito dispendiosa.<br>
A ré, porém, depois de ter vindo a criar as maiores dificuldades à autora, acabou por, em 7 de Janeiro de<br>
1979, denunciar unilateralmente o respectivo contrato, pretendendo deixá-la apenas com funções de revenda na região de Tomar, com o que, além de tornar inútil a estrutura criada e de lhe ter feito perder clientela, a colocou na situação de ter de dispensar grande número de empregados, a quem terá de pagar indemnizações.<br>
Mesmo na área de Tomar a ré incumpriu o contrato.<br>
É por isso que a ré terá de indemnizar a autora pelos danos sofridos e lucros cessantes, que computa em 120000000 escudos, acrescida esta importância das indemnizações que ela autora tenha de pagar aos seus empregados.<br>
Contestando, a ré negou que a autora alguma vez tivesse tido o exclusivo das vendas dos seus produtos nas áreas por ela referenciadas, e dizendo que o contrato realmente celebrado entre as duas foi apenas o de fornecimento à autora de lubrificantes e combustíveis para revenda, fornecimentos que esta não pagava pontualmente, até que a dívida atingiu tal montante que a ré teve necessidade de lhe suspender os fornecimentos.<br>
Acrescentou a ré que o seu saldo credor é de 74510384 escudos e que, além disso, a autora retém em seu poder diverso material que a ré lhe confiou em regime de comodato, no valor de 1155940 escudos e vinte centavos que a autora lhe deveria restituir logo que cessassem as relações comerciais entre ambas, o que não fez.<br>
Pede a ré a improcedência da acção e deduz pedido reconvencional no sentido de a autora ser condenada a pagar-lhe a quantia de 75666324 escudos e vinte centavos ou, em alternativa, e à escolha da autora, o pagamento da dívida de 74510384 escudos e a restituição do material aludido.<br>
Com réplica, tréplica e quadrúplica em que as partes mantiveram as suas versões, seguindo a acção seus trâmites normais, havendo recurso do saneador e do despacho que indeferiu a sua reclamação da especificação e questionário, já findos, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente e parcialmente procedente a reconvenção, sendo a ré absolvida e a autora condenada a pagar àquela 74370965 escudos e a entregar-lhe o material que ela lhe entregou.<br>
A autora recorreu mas na Relação foi negado provimento<br>
à apelação e confirmada a sentença recorrida.<br>
Pede agora revista, a mesma, formulando na respectiva minuta, as conclusões seguintes:<br>
1 - Estão provados diversos factos que evidenciam existir entre a autora e a ré a partir de 1946, um contrato de características que escudem do ponto de vista da intervenção da autora, o simples contrato de revenda ou de concessão, visto ter sido a própria autora a instalar a rede de revenda e a lançar e expandir os produtos da ré;<br>
2 - Verifica-se, também, que as próprias partes apelidaram o dito contrato de agência, e consideraram que a autora era titular de uma das agências centrais da ré (e suas antecessoras);<br>
3 - As características da autora como agente da ré mais se acentuaram quando, a partir de 1976, em parte da zona de actuação da autora esta deixou de efectuar, em nome próprio, revenda de produtos da ré para passar a efectuar as cobranças das vendas directamente efectuadas pela ré aos clientes, recebendo a autora como representante comercial da ré as mesmas comissões que anteriormente auferia como revendedora;<br>
4 - Porque, entretanto, prosseguiram os fornecimentos de combustível à autora por parte da ré para revenda na parte residual da sua área geográfica, nada impedia que as condições e regimes contratuais fossem diversos em ambas essas situações, regendo-se os primeiros pelas normas do contrato de agência e os segundos pelas do contrato de fornecimento;<br>
5 - Daí que o corte de fornecimentos efectuado pela ré<br>
à autora em consequência do atraso de pagamentos, não implicasse, em qualquer caso, justificação para que a primeira pudesse denunciar o contrato que vigorava na<br>
área referida na 3 conclusão, sendo certo, todavia, que a ré sendo ela própria a causadora das dificuldades que impediam a autora de pagar pontualmente - ou melhor, nas novas condições, mais gravosas, impostas unilateralmente pela ré nem sequer tinha justificação para impor à autora o corte de fornecimentos;<br>
6 - Tem de considerar-se, assim, que a denúncia do contrato por parte da ré e que acabou por liquidar toda a intervenção da autora na venda de produtos daquela, e a consequente perda das comissões de venda e de cobrança, foi injustificada e confere à autora o direito de ser convenientemente ressarcida;<br>
7 - A indemnização devida tem fundamento legal nas normas que regulam o contrato de Agência; Porém, subsidiariamente, sempre a mesma seria devida por força do disposto no artigo 245 do Código Comercial ou mesmo como consequência da violação unilateral do contrato-promessa por parte da ré - artigos 410 e 483 n. 1 do Código Civil;<br>
8 - E tem como medida o prejuízo sofrido pela autora em virtude de ter deixado de receber da ré as aludidas comissões de venda;<br>
9 - Ao decidir de modo contrário o Acórdão recorrido e a sentença da 1 instância violaram, entre outros, o disposto nos normativos citados na 7 conclusão, devendo ser revogados e julgada procedente a acção.<br>
A recorrida contra-alegou no sentido de ser negado provimento ao recurso e confirmado o Acórdão da<br>
Relação.<br>
Cumpre apreciar e decidir, havendo para tal de expor os factos dados como provados na Relação e que são os seguintes:<br>
A autora e as antecessoras da ré Petrogal - Sacor e<br>
Cidla - celebraram em 1946 contrato pelo qual a autora tinha na área geográfica dos distritos de Santarém,<br>
Castelo Branco e Leiria, isto é, nos concelhos de<br>
Torres Novas, Constância, Castanheira de Pêra, Ferreira do Zêzere, Sertã, Sardoal, Vila de Rei, Oleiros, Mação,<br>
Ansião, Alvaiazere e Tomar, o direito de revenda de alguns produtos do seu comércio; combustíveis, óleos, lubrificantes e gás (alínea A) da especificação);<br>
Até 1 de Julho de 1976 os produtos acima referidos eram fornecidos a crédito à autora que os revendia na área dos concelhos referidos na alínea A) (alínea B) da especificação);<br>
A ré concedia à autora para pagamento dos produtos fornecidos a crédito, o prazo de 30 dias a contar da facturação dos mesmos (alínea b));<br>
Por contrato de 12 de Julho de 1976, autora e ré reciprocamente, prometeram celebrar um contrato de agência conforme documento de folhas 14 a 23 dado como reproduzido (alínea D));<br>
A partir de 1 de Julho de 1976 os combustíveis vendidos pela ré à autora passaram a ser vendidos directamente pela ré à rede de revenda, postos abastecedores situados nos concelhos referidos na alínea A) (alínea<br>
E));<br>
Fora da sede de revenda autora e ré mantinham o anterior sistema de esta continuar a vender àquela para revenda incluindo os óleos e - lubrificantes (alínea<br>
F));<br>
A autora, pelas vendas efectuadas pela ré nos termos constantes da alínea E) continuava a receber as mesmas comissões que anteriormente vinha auferindo e que eram de 184 escudos por metro cúbico de gasolina super ou normal e 40 escudos por metro cúbico de gasol (alínea<br>
G));<br>
Dentro da modalidade de comercialização referida nas alíneas E) e G) a autora limitava-se a receber na rede de revenda os pagamentos devidos à ré e a remeter-lhos no prazo de 10 dias a contar daquele recebimento<br>
(alínea H));<br>
Quanto à modalidade de venda referida na alínea F) mantinha-se sem qualquer alteração (alínea I);<br>
A partir de 1 de Janeiro de 1979 o acórdão deixou de exercer a actividade referida nas alíneas E), G) e H) conforme documento de folhas 49 e 50, dado como reproduzido (alínea J)), não recebendo da rede de revenda os pagamentos devidos à ré e portanto não os remetendo (alínea H));<br>
Por virtude do facto referido na alínea J) a autora manteve reduzidas à área da cidade de Tomar as funções próprias de revendedor (alínea L));<br>
O volume total de vendas dos clientes que eram da autora representou, pelo menos em 1979, a quantia de 367138275 escudos (alínea M));<br>
A ré recebeu da autora três cheques, pelo menos, no valor total de 10917568 escudos e 30 centavos, com datas de 3 e 19 de Fevereiro de 1979 (alínea N));<br>
A autora enviou a ré Petrogal uma garantia bancária no valor de 20000 contos (alínea O));<br>
Dado por reproduzido o documento de folhas 39 a 48, inclusivé, quanto à cobrança de gás (alínea P));<br>
Por força do contrato celebrado com a ré, em 1946, a autora promoveu a instalação da rede de revenda, iniciando contactos prospectórios, formando os respectivos quadros e aprovando o desenvolvimento das vendas (resposta ao quesito 1);<br>
Promoveu o lançamento e expansão dos produtos da Sacor e Cidla, antecessoras da ré, quer na rede de revenda, quer na rede geral de consumidores (resposta ao quesito<br>
2);<br>
E prospectou consumidores, futuros clientes quer da sua rede de revenda quer genericamente dos produtos Sacor e<br>
Cidla (resposta ao quesito 3) e ainda publicitou as duas marcas (resposta ao quesito 4);<br>
A autora, em nome, por conta e para a ré diligenciou junto da administração local, pela obtenção de licenças alvaráz e autorizações, relacionadas com o comércio dos seus produtos (resposta ao quesito 6);<br>
O contrato referido na alínea 2) nunca chegou a ser celebrado porque quer a autora, quer a ré não aceitaram as condições que, mutuamente eram postas (resposta ao quesito 10);<br>
A ré prometeu à autora que a cessação do contrato de<br>
1946 seria acompanhada e seguida de medidas que evitassem a sua inviabilidade (resposta ao quesito 11);<br>
Em 27 de Maio de 1980 a ré cortou à autora o fornecimento de produtos do seu comércio (resposta ao quesito 17);<br>
A ré exigiu à autora o pagamento da quantia em dívida referente a facturas de fornecimento que lhe fez e que deviam ser entregues pela autora à ré, antes de 21 de<br>
Maio de 1980 sendo 76860657 escudos e 20 centavos o saldo devedor da autora à ré nessa data (resposta ao quesito 18);<br>
A ré, em consequência da alteração contratual que passou a vigorar em 1 de Janeiro de 1979 compensou a autora, facultando-lhe o pagamento da quantia de 20000 contos, parte dos débitos em 3 anos, sem juros conforme documento de folhas 49 a 50 (resposta ao quesito 19);<br>
A autora não efectuou pagamentos, nos prazos acordados com a ré (resposta ao quesito 20);<br>
A ré suspendeu os fornecimentos à autora, em 31 de<br>
Dezembro de 1978 porque a autora deveria efectuar à ré o pagamento de 11132855 escudos (resposta ao quesito<br>
21);<br>
Apesar das insistências da ré, a autora só satisfez pagamentos parciais (resposta ao quesito 22);<br>
Por isso, a ré suspendeu à autora definitivamente o fornecimento a crédito de óleos, combustíveis e lubrificantes (resposta ao quesito 24);<br>
A ré, durante os anos de 1977 a 1980, entregou à autora diversas partidas de combustíveis, óleos e lubrificantes no valor de 74370965 escudos (resposta ao quesito 25);<br>
Apesar das insistências da ré, a autora não lhe entregou ainda a quantia de 74374950 escudos (resposta ao quesito 26);<br>
A autora tem em seu poder material que a ré lhe confiou (resposta ao quesito 27);<br>
A autora, em virtude das alterações contratuais de 1 de<br>
Janeiro de 1979, deixou de receber as comissões referidas na alínea g) em montante indeterminado (resposta ao quesito 30);<br>
A autora como já se viu, fundamentou a acção na denúncia, por parte da ré, de um contrato de agência.<br>
Na 1 instância e depois de se analisarem os elementos e características do contrato de agência, conclui-se que da análise dos factos provados se via que nenhum contrato desse tipo fora celebrado.<br>
Na Relação chegou-se também, à conclusão de que o circunstancialismo revela que o contrato entre a autora e a ré (antecessoras) não era de agência.<br>
Recapitulemos, englobando-os e sintetizando-os, os factos que se provaram que ora interessam:<br>
1 - Em 1946, a autora e as antecessoras da ré Petrogal celebraram um contrato pelo qual aquele tinha, em determinada área geográfica, o direito de revender alguns produtos destas - combustíveis, óleos e lubrificantes.<br>
2 - Tais produtos, até 1 de Julho de 1976, eram fornecidos a crédito à autora pelo prazo de 30 dias, a contar da facturação.<br>
3 - Em 12 de Julho de 1976, autora e ré acordaram, por contrato, celebrar um contrato de agência, mas este contrato nunca chegou a ser celebrado porque não houve acordo entre aquelas.<br>
4 - A partir de 1 de Julho de 1976 os combustíveis passaram a ser vendidos directamente pela ré à rede de revenda mas a autora continuava a receber as mesmas comissões que antes vinha auferindo.<br>
5 - Porém, fora da rede de revenda autora e ré mantinham o sistema anterior, de esta continuar a vender àquela para revenda, incluindo óleos e lubrificantes.<br>
6 - Na modalidade referida em 4, a autora recebia na rede de revenda os pagamentos devidos à ré e a esta os remetia no prazo de 10 dias.<br>
7 - A partir de 1 de Janeiro de 1979 a autora deixou de exercer a actividade referida em 4 e 6, não recebendo portanto, da rede de revenda os pagamentos devidos à ré e portanto, não lhos remetendo.<br>
8 - Em 27 de Maio de 1980 a ré cortou à autora o fornecimento de produtos do seu comércio, definitivamente, sendo certo que em 31 de Dezembro de<br>
1978 suspendera já os fornecimentos, devido à autora lhe dever a quantia de 11132855 escudos.<br>
9 - O corte definitivo de fornecimentos da ré, à autora, foi motivado pela dívida desta àquela.<br>
Vê-se, assim que houve um contrato que vigorou desde<br>
1946 até 1 de Julho 1976 e, a partir desta data, havia um outro acordo com duas vertentes:<br>
Assim, passou a ser a ré a vender directamente os combustíveis à rede de revenda; fora dessa rede de revenda manteve-se o sistema anterior de a autora continuar a revender os produtos que a ré lhe vendia.<br>
Quer dizer, o contrato de 1946, a partir de 1 de Julho de 1976 ficou reduzido pois que a autora comprava à ré os produtos que só podia revender fora da rede de revenda.<br>
Pretende a autora que o contrato de 1946 era um contrato de agência que mais se acentuou nas suas características em virtude das alterações a partir de<br>
1976.<br>
O contrato de agência, anteriormente ao Decreto-Lei n.<br>
178/86, de 3 de Julho não se encontrava regulado na nossa lei, apesar de antes o Decreto-Lei n. 297/75, de<br>
22 de Agosto definisse, no seu artigo 2, n. 2, aliás, em termos pouco rigorosos e correctos, como agentes comerciais os que, possuindo organização comercial e trabalhando por conta própria, praticam actos de comércio mediante mandato, em nome de uma ou mais entidades nacionais ou estrangeiras, não efectuando vendas ao público consumidor.<br>
Outra definição surge no artigo 1 do Decreto-Lei n.<br>
175/76 de 3 de Julho, segundo a qual agência era o contrato pelo qual uma das partes se obriga a promover, por conta de outra a celebração de contratos, em certa zona ou determinado círculo de clientes de modo autónomo e estável e mediante remuneração.<br>
A doutrina e jurisprudência definiam o contrato de agência ou representação comercial, como o acordo pelo qual uma das partes, o agente, assumia com carácter permanente, por tempo determinado ou não, o encargo de promover, em nome e por conta de outrem, mediante remuneração, a conclusão de contratos em determinada zona.<br>
Na definição dada pelo artigo 1 do Decreto-Lei n.<br>
178/86, de 3 de Julho que regulamenta, desde a sua entrada em vigor, em 3 de Agosto de 1986, o contrato de agência, este contrato é aquele pelo qual uma das partes se obriga a promover por conta da outra a celebração de contratos em certa zona ou determinado círculo de clientes, de modo autónomo e estável e mediante retribuição.<br>
Como se vê esta definição é coincidente com a consagrada antes pela doutrina e jurisprudência e igual<br>
à do artigo 1 do Decreto-Lei n. 175/76, atrás citado.<br>
Vê-se assim, que são elementos essenciais do contrato de agência:<br>
- A obrigação de promoção de contratos a cargo do agente;<br>
- Por conta de outrém, o principal;<br>
- A delimitação territorial ou subjectiva da actuação do agente;<br>
- A autonomia do agente;<br>
- A estabilidade do vínculo;<br>
- A obrigação de pagamento de retribuição a cargo do principal.<br>
A actividade do agente não é pois, celebrar contratos mas, sim, estimular, promover, que eles se celebrem.<br>
Por outro lado ele, agente, actua não por si mas por conta alheia.<br>
Os actos que ele pratica, nos seus efeitos têm por destino a esfera jurídica do principal.<br>
No entanto, o agente, apesar de actuar por conta de outrém, o principal, goza de autonomia ao realizar a prestação a que se encontra obrigado.<br>
O agente é, em suma, um empresário independente, um intermediário independente.<br>
Esta característica afasta o contrato de agência das relações de trabalho subordinado.<br>
O carácter estável do vínculo afasta como sendo de agência uma actividade ocasional, na promoção de um ou outro contrato.<br>
É essencial a onerosidade do vínculo, não sendo admissível que o agente não seja remunerado.<br>
Conforme dispõe o n. 1 do artigo 37 do diploma referido, "O disposto (no mesmo) aplica-se aos contratos em curso à data da sua entrada em vigor...".<br>
É pois, de todo evidente, que o Decreto-Lei n. 178/86 não pode ser aplicado aos factos provados na presente acção visto que, a partir de Maio de 1980 cessaram os "negócios" entre ré e autora.<br>
De qualquer forma há que apurar se entre autora e ré existia ou não um contrato de agência desde 1946 e alterado em 1976.<br>
Quanto a nós e face aos factos provados, é evidente que não existia tal contrato.<br>
Entenderam as instâncias que existiu sim, desde 1946 até Julho de 1976, um contrato de concessão ou de representação comercial.<br>
O concessionário distingue-se do agente pois aquele, embora tenha de comum com este a colaboração com a empresa a estabilidade, o direito de exclusividade, do pré-aviso e da indemnização, se caracteriza pela actuação em nome próprio, pela aquisição da propriedade de mercadorias, pela compra para revenda, pelo risco da comercialização, pelo direito exclusivo de venda dos bens que adquiriu, em determinada zona territorial e pela vinculação a prestar assistência para venda aos clientes.<br>
E não repugna aceitar o entendimento, dado ao contrato, pelas instâncias.<br>
Diz a autora ter sido ela quem instalou a rede de revenda e expandiu os produtos da ré, o que excede as características de um simples contrato de revenda ou concessão.<br>
Provou-se, de facto, ter sido a autora quem, por força do contrato que celebrou com a ré, promoveu a instalação da rede de revenda e promoveu o lançamento e expansão dos produtos da ré.<br>
Tal porém não é relevante para classificar o contrato entre ambas como de agência.<br>
Inúmeros exemplos há de comerciantes que para venderem produtos de determinada marca investem quantias, mais ou menos elevadas, em promoções e lançamento desses produtos e em instalações novas para expor e vender os mesmos, sem para tal terem outro título do que revendedores.<br>
O facto das próprias partes darem o nome de agência a um contrato só por si não releva para que se classifique como tal o mesmo contrato.<br>
São os factos provados e só esses que têm de ser interpretados pelo julgador, o qual é livre na qualificação daqueles - artigo 664 do Código de<br>
Processo Civil.<br>
As alterações verificadas em 1976 não revelam a acentuação das características da autora como agente da ré, visto que antes o não era.<br>
O que se passou a partir de 1976 foi que a autora continuou a revender, fora da rede de revendas, produtos da ré nas condições anteriores desde 1946.<br>
Por outro lado, a ré passou a vender directamente à rede de revenda, sendo a ré que nessa rede recebia os pagamentos devidos a ré e a esta os remetia em 10 dias.<br>
Trata-se aqui de uma mera prestação de serviços por parte da autora à ré, remunerada por esta.<br>
A reforçar o entendimento de que não existia contrato de agência o facto de em 12 de Julho de 1976 autora e ré terem acordado na celebração de tal contrato.<br>
A culpa da não celebração não pode ser imputada à ré pois se apurou, apenas, que tal sucedeu por quer uma parte quer a outra não aceitaram as condições mutuamente postas.<br>
No que respeita às alterações contratuais ocorridas em<br>
Julho de 1976, não geram as mesmas obrigação alguma para a ré pois os factos provados não revelam que houvesse imposição delas à autora, tudo revelando que as aceitou.<br>
Antes do Decreto-Lei n. 178/86, a orientação da jurisprudência o contrato de agência regia-se pelas disposições dos contratos afins de entre eles avultando o mandato, especialmente do mandato comercial.<br>
São essas as disposições aplicáveis também, ao contrato de concessão.<br>
Quer o contrato de agência quer o de concessão, por tempo indeterminado, eram livremente revogáveis mas no caso de denúncia ou revogação injustificada, sem justa causa, haveria obrigação de indemnizar os prejuízos sofridos - artigo 245 do Código Comercial.<br>
Os factos provados (respostas aos quesitos 18, 19, 20,<br>
21, 22 e 24) demonstram bem ter havido justa causa para que a ré denunciasse o contrato deixando de fornecer à autora os seus produtos definitivamente em 1980.<br>
Não existia fundamento legal para a ré indemnizar a autora.<br>
Resumindo: O contrato pelo qual alguém revende produtos fornecidos por outrém a crédito, ainda que esse revendedor tenha feito investimentos na promoção do lançamento e expansão dos produtos e haja instalado uma rede de revenda não é de agência se esse alguém é quem vende os produtos directamente e em nome próprio.<br>
Se o revendedor ou concessionário não paga apesar de instado, quantias elevadas a quem lhe vendeu os produtos há justa causa para denunciar o contrato existente.<br>
Em face de todo o exposto nega-se a revista e confirma-se o Acórdão recorrido.<br>
Custas pela autora.<br>
Lisboa, 9 de Março de 1993.<br>
Carlos Caldas,<br>
Cura Mariano,<br>
Sampaio da Silva.<br>
Decisões impugnadas:<br>
I - Sentença de 89.06.05 do 3 Juízo, 2 Secção do<br>
Tribunal Cível de Lisboa;<br>
II - Acórdão de 91.10.10 da Relação de Lisboa, 6<br>
Secção.</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
5zIJvIYBgYBz1XKvUn01 | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça<br>
"Socripor - Sociedade do Sul para Criação e Comercialização de Porcos, Lda." deduziu embargos a execução movida pelo "Banco Fonsecas & Burnay", os quais vieram ser parcialmente julgados procedentes, decidindo-se que a execução teria por base o capital de 271065951 escudos e setenta centavos, acrescido dos juros contados pelas taxas resultantes da Portaria n. 807-U1/83, de 30 de Julho, e Avisos do Banco de Portugal, sendo os vencidos em 31 de Dezembro de 1989 de 46626394 escudos.<br>
Inconformada com esta decisão, apelou, sem êxito, a embargante para o Tribunal da Relação de Lisboa.<br>
Uma vez mais inconformada, recorreu ela para este Tribunal, formulando nas suas alegações as conclusões seguintes:<br>
1.- com a execução dos autos, o recorrido pretendeu o cumprimento das obrigações emergentes do financiamento efectuado à recorrente, promovendo-a para o pagamento dos créditos emergentes do financiamento concedido, incluindo capital e juros remuneratórios e compensatórios.<br>
2.- o acórdão recorrido considerou legítimo o exercício do direito do recorrido decorrente da resolução do contrato de financiamento.<br>
3.- ora, o exercício do direito de resolução é incompatível com o exercício de um direito emergente da execução do contrato.<br>
4.- por outro lado, o acórdão recorrido nem sequer apreciou uma das questões que lhe foram submetidas e que se prendem com a análise do direito do Banco recorrido em promover à execução relativa a prestações não vencidas à data da propositura da acção, em clara omissão de pronúncia.<br>
5.- a recorrente alegou que à relação jurídica dos autos se não aplica o disposto no artigo 781, do C.CIV., porquanto em causa está um contrato de execução continuada e ao qual se referem as várias prestações acordadas;<br>
6.- e a verdade é que no âmbito dos factos provados nos autos, não ficou demonstrado a existência de um acordo entre as partes no sentido de que a mora no pagamento de uma das prestações de reembolso determinasse a imediata exigibilidade das demais. Ao contrário, do acordo estabelecido resulta que a mora teria como consequência um agravamento consubstanciado numa sobretaxa de juros.<br>
7.- assim, os factos provados impõem a conclusão de que não foi convencionada a perda do benefício de prazo, sendo que na falta de convenção das partes não se aplica o regime do artigo 781, supra citado, quanto às prestações vincendas, visto que está em causa um contrato de financiamento celebrado entre a recorrente e o recorrido que determina a estipulação de dívidas periódicas consubstanciadas em operações de amortização, inerentes à execução continuada do contrato.<br>
8.- não ficou demonstrado o incumprimento definitivo, e a resolução do contrato por parte do recorrido, que pretende executar o acordo na perspectiva do seu cumprimento.<br>
9.- ao julgar, como o fez, a decisão recorrida violou, entre outros, os artigos 781, 779, 808 e 693, do citado Código Civil.<br>
O recorrido pugna nas suas contra-alegações pela confirmação do acórdão recorrido.<br>
O Exmo. Procurador-Geral Adjunto, quanto à questão agora em apreciação, nada requereu.<br>
Foram colhidos os vistos legais.<br>
Tudo visto. Cumpre decidir.<br>
As instâncias, no que se refere à questão de fundo, deram por assentes os factos seguintes:<br>
1.- por escritura de 4 de Maio de 1983, a executada, ora recorrente, constituiu hipoteca sobre o prédio denominado "Serrano", sito na freguesia e concelho de Castro Verde, a favor do recorrido;<br>
2.- em 13 de Janeiro de 1984, foi celebrada uma escritura de reforço daquela hipoteca, nos termos dos documentos de folhas 11 a 24.<br>
3.- no decurso das negociações, concedeu o recorrido à recorrente um empréstimo de 271065951 escudos e setenta centavos, para saneamento financeiro, a longo prazo e mediante facilidades em conta (docs. fls. 25-28);<br>
4.- em conformidade com o acordado, foi, em 30 de Abril de 1987, a conta da recorrente D.O. creditada daquela importância.<br>
5.- a recorrente não procedeu ao pagamento de qualquer amortização do capital nas datas dos vencimentos, nem posteriormente, como, finalmente, nunca liquidou juros;<br>
6.- em 8 de Novembro de 1987, a recorrente não procedeu à liquidação do prémio vencido, tendo, em 31 de Março de 1988, o recorrido despendido 76950 escudos na liquidação do prémio.<br>
7.- a quantia referida na alínea D) da especificação destinava-se a regularizar o montante em dívida, até então, recorrente.<br>
8.- o recorrido referiu à recorrente que, em 31 de Dezembro de 1989, o saldo da conta era de 317692345 escudos e setenta centavos a favor do recorrido.<br>
Estes os factos essenciais a partir dos quais devem ser apreciadas as questões suscitadas pela recorrente, tendo sempre presente que o objecto do recurso é delimitado pelas conlusões formuladas nas respectivas alegações.<br>
A propósito destas conclusões, importa, antes do mais, salientar que se mostra manifestamente irrelevante a afirmação da recorrente de que "o exercício do direito de resolução é incompatível com o exercício de um direito emergente da execução do contrato" (conclusões 3. e 8.).<br>
Com efeito, como resulta do requerimento executório, o que está em causa nestes autos não é a resolução do contrato de mútuo celebrado entre a recorrente e o recorrido, mas o seu cumprimento por parte daquela.<br>
Daí que sejam também irrelevantes as considerações da recorrente sobre a mora e o incumprimento definitivo, como pressupostos da resolução do referido contrato.<br>
Mas, postas estas notas prévias, vejamos qual o verdadeiro problema posto à nossa consideração.<br>
Ambas as partes estão de acordo que o Banco recorrido concedeu à recorrente um empréstimo do valor de 271065951 escudos e setenta centavos, cujo pagamento devia ser feito em doze amortizações. E mais estão de acordo que, na data convencionada para o pagamento da 1. amortização, a recorrente não liquidou o respectivo capital, nem os respectivos juros.<br>
Em virtude desse não pagamento, o recorrido, com o apoio das instâncias, entende que se tornaram imediatamente exigíveis todas as restantes amortizações. E daí que tenha promovido a execução do valor global do mútuo.<br>
É contra esta pretensão do recorrido que se insurge a recorrente, alegando, essencialmente, que, tratando-se de dívidas periódicas consubstanciadas em operações de amortização, não é de aplicar o disposto no artigo 781, do Código Civil.<br>
Vejamos se alguma razão lhe assiste.<br>
Como é sabido, aquele disposto corresponde à do artigo 742 do código anterior, sempre se tendo entendido que "vencimento imediato significa exigibilidade imediata" (Código Civil anotado de Pires de Lima).<br>
E, com aí se afirma, cai na previsão do referido dispositivo as obrigações emergentes de um empréstimo com cláusula de amortização.<br>
No mesmo sentido, vai o Prof. Antunes Varela (Das obrigações em geral, II, pág. 53) ao afirmar que se trata de "obrigações cujo objecto, apesar de globalmente fixado, se reparte em várias fracções, cujo cumprimento se distribui ao longo do tempo. Ao contrário, porém, do que sucede nas obrigações de prestação continuada e de trato sucessivo, em que o tempo exerce uma influência essencial na fixação da prestação debitória, nas obrigações liquidáveis em prestações o objecto está determinado desde a constituição da dívida, e só o seu pagamento (cumprimento, ou liquidação como lhe chama o artigo 781), em regra para facilidade do devedor, é repartido por fracções.<br>
Ora, no caso em apreço estamos precisamente perante uma só obrigação, cujo pagamento foi facilitado ao devedor, repartindo-se em fracções periódicas o respectivo valor global.<br>
Contrariamente ao que afirma a recorrente, não se trata de várias dívidas distintas perante o mesmo credor, mas uma só dívida, cujo pagamento foi fraccionado em benefício do devedor. E muito menos de uma obrigação de prestação continuada, já que o decurso do tempo nenhuma influência exerce sobre a fixação da prestação debitória.<br>
Impõe-se, deste modo, concluir que se deve aplicar ao caso dos autos o disposto no citado artigo 781.<br>
O que implica a improcedência da pretensão da recorrente.<br>
Finalmente, quanto à arguida omissão de pronúncia, imputada ao acórdão recorrido, apenas se dirá que ficou bem expressa nesta decisão a imediata exigibilidade das prestações não vencidas à data da propositura da execução, o que conduz ao natural indeferimento dessa arguição.<br>
Pelo exposto, nega-se a revista, confirmando-se o acórdão recorrido.<br>
Custas pela recorrente.<br>
Lisboa, 1 de Outubro de 1996.<br>
Herculano Lima.<br>
Aragão Seia.<br>
Lopes Pinto.</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
5zILvIYBgYBz1XKvY4BL | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br>
1. O autor propôs esta acção, nos termos do Art. 1241 do CPC no Tribunal Judicial de Santo Tirso, contra:<br>
"Administrador da falência de Pereira Campos & Ca.<br>
Lda" e contra "credores da massa falida".<br>
Basicamente, o autor disse que celebrou, com a falida, contrato-promessa, atráves do qual esta prometeu vender e, o autor, comprar uma fracção predial; mais tarde, soube que havia hipoteca a favor do "Crédito Predial Português"; o autor considera-se com direito<br>
à aquisição desse bem. O autor pediu: que fosse proferida sentença que substitua a declaração negocial da falida e que declare ser, o autor, dono da fracção predial identificada; que fosse proferida sentença "pela qual essa fracção seja vendida e entregue ao A., livre de quaisquer ónus ou encargos"; que a mesma fracção fosse separada dos bens da massa falida; que, se assim não fosse entendido, se declarasse que o autor, atento incumprimento do contrato-promessa por parte da falida, tem direito a indemnização de 9600000 escudos; que tal crédito fosse reconhecido e graduado em 1. lugar; que se declarasse que o autor tem direito de retenção sobre a dita fracção predial, até ser pago do seu crédito.<br>
Contestou a massa falida de "Pereira Campos e Ca.<br>
Lda.", através do respectivo administrador (fls. 12 e segs.).<br>
O autor requereu a intervenção principal do "Crédito Predial Português" (fls. 16).<br>
Este contestou (fls. 21 e segs.).<br>
A fls. 34 v. e segs., foi proferido saneador - sentença, atráves do qual o direito de acção foi julgado caduco e os réus foram absolvidos do pedido.<br>
O autor apelou.<br>
Mas a Relação do Porto, através do Acórdão de fls.<br>
55 e segs., confirmou a decisão da 1. instância.<br>
Novamente inconformado, o autor recorreu, de revista para este Supremo (fls. 61). E, alegando, concluiu (fls. 72 e segs.), aliás sem a perspectiva sintética adequada a conclusões:<br>
1) O douto Acordão recorrido, ao apreciar o pedido de execução específica, entende que o disposto no n. 2 do artigo 1241 do C.P.C. está sujeito ao regime de caducidade previsto no seu n. 3;<br>
2) E confirmou a decisão da 1. instância por, à data da instauração desta acção (16 de Dezembro de 1992), "já haver caducado há muito o prazo de um ano previsto no n. 3 do artigo 1214";<br>
3) Salvo o devido respeito, não se verifica caducidade do direito do recorrente relativamente ao pedido de execução específica e de separação;<br>
4) O artigo 1237 n. 1 alínea a) do C.P.C. não é aplicável<br>
à acção de que o autor lançou mão, designadamente para o caso do pedido formulado sob os ns. 1, 2 e 3 da petição;<br>
5) Ao pedido de execução específica e de separação quanto à fracção C em apreço, não se aplicam os prazos previstos nos ns. 1 e 3 do artigo 1241 do C.P.C., na redacção dada pelo artigo 50 do Decreto- -Lei 177/86;<br>
6) Tal preceito distingue, claramente, o direito de reclamação de créditos e o direito à restituição e separação de bens;<br>
7) O prazo de um ano previsto no n. 3 do artigo 1241 apenas tem aplicação ao direito de reclamação de créditos - no caso dos autos, só subsidiariamente invocado - atenta a remissão do n. 3 tão somente para o n. 1 daquele artigo;<br>
8) Tal restituição não se estende ao direito à restituição ou à separação de bens prevista no n. 2 do mesmo artigo;<br>
9) O artigo 1241 do C.P.C estabelece regimes diferenciados no respeitante à caducidade, diferenciação que passou para o artigo 205 do Decreto-Lei 132/93;<br>
10) Dos direitos reclamados pelo autor só o formulado sob os ns. 4, 5 e 6 da petição é direito de crédito, pelo que, em relação a esse pedido, subsidiariamente feito, é que procederia a excepção de caducidade;<br>
11) Quanto ao pedido formulado sob os ns. 1, 2 e 3 da petição, não se verifica caducidade do direito de acção do recorrente;<br>
12) Já que o prazo de caducidade previsto no n. 3 do artigo 1241 do C.P.C. é inaplicável à restituição e separação de bens, sendo de aplicação restrita à reclamação de créditos;<br>
13) O douto Acórdão recorrido viola, por erro de interpretação e aplicação, o artigo 830 do C.CIV. e os artigos 1237 e 1241 do C.P.C.<br>
Finalizando, o recorrente pede a revogação do Acórdão recorrido e a improcedência da excepção de caducidade quanto ao pedido de execução específica e de separação relativamente à fracção predial aludida "com todas as consequências legais".<br>
Não constam contra-alegações.<br>
Foram colhidos os vistos legais (fls. 76/76 v.).<br>
II. O Acórdão recorrido assentou no seguinte circunstancialismo (fls. 56):<br>
1) A presente acção foi instaurada em 16 de Dezembro de 1992;<br>
2) A falência de "Pereira Campos e Ca. Lda." foi decretada em 1 de Junho de 1988;<br>
3) O recurso da sentença que decretou tal falência foi julgado deserto por decisão de 8 de Junho de 1989;<br>
4) A decisão referida em 3 foi notificada aos interessados em 30 de Junho de 1989.<br>
III. Conforme é, pacificamente entendido, em princípio, as conclusões de quem recorre limitam a intervenção do Tribunal "ad quem" - tal é aflorado, designadamente, nos artigos 684 e 690 do C.P.C.<br>
É que haveria uma eventual questão que teria que ver com o termo "a quo" e o decurso do prazo de reclamação de créditos fixado na declaração de falência, que não chegou a ser discutida.<br>
Curiosamente, todos os intervenientes e as instâncias tiveram como aplicável à problemática da caducidade os normativos do C.P.c., como o artigo 1241, o que está certo, posto que esta acção foi proposta em<br>
16 de Dezembro de 1992 e, depois, toda a gente atendeu, tanto quanto se infere, ao momento do trânsito da sentença de declaração de falência, sem se atentar em que esse é o regime do artigo 205 do subsequente código aprovado pelo Decreto-Lei 132/93, de 23 de Abril, conforme segmento legal novo, não constante do artigo 1241 do C.P.C., bem sendo entendível que, nesse tempo, o termo "a quo" do prazo normal de reclamação e daí, o cômputo do subsequente prazo de caducidade do artigo 1241 do C.P.C., poderia depender da publicação no jornal oficial determinada pelo artigo 1181 n. 2 do C.P.C.<br>
Aliás e estranhamente, destes autos, nem consta qual o prazo normal fixado, na sentença, para reclamações de créditos (artigo 1181 n. 1 do C.P.C.).<br>
Contudo, considerando que, sobre essa problemática, nem o recorrente evidencia algo ou levanta qualquer dúvida; evitando protelamento que se perspectiva como inútil; vamos partir do princípio, reflectido no Acórdão recorrido e nas alegações do recorrente, de que não só passara o prazo de reclamações de créditos fixado na sentença, como estava ultrapassado o prazo de um ano, para efeitos do n. 3 do artigo 1241 do C.P.C.<br>
IV. Como assim, ficamos com a única verdadeira questão reflectida nas extensas conclusões do recorrente:<br>
O prazo de um ano a que se reportava o n. 2 do artigo 1241 do C.P.C. (hoje, n. 2 do artigo 205 do Código aprovado pelo Decreto-Lei 132/93) abrangia pedido de execução específica e de separação, do bem, da massa falida?<br>
V. Vejamos os três primeiros números do artigo 1241 do C.P.C., cuja última redacção decorreu do artigo 50 do Decreto-Lei 177/86, de 2 de Julho:<br>
"1. Findo o prazo para as reclamações, é possível ainda reclamar novos créditos, se o credor provar que a falta oportuna de reclamação não foi devida a culpa sua.<br>
2. A restituição ou a separação de bens pode também ser pedida findo o prazo da reclamação.<br>
3. A reclamação de novos créditos nos termos do n. 1 só pode ser feita no ano seguinte ao da declaração da falência.<br>
4. ....".<br>
Como já se disse, esta matéria tem, hoje, assento no artigo 205 do Código aprovado pelo Decreto-Lei 132/93, de forma que suscita idêntica dificuldade de similitude de raciocínio:<br>
"1. Findo o prazo das reclamações, é possível reconhecer ainda novos créditos, bem como o direito<br>
à separação ou restituição de bens, por meio de acção proposta contra os credores, efectuando-se a citação destes por éditos de 14 dias.<br>
2. A reclamação de novos créditos, nos termos do número anterior, só pode ser feita no prazo de um ano subsequente ao trânsito em julgado da sentença de declaração de falência.<br>
3. ...".<br>
Parecem resultar, dos autos, duas leituras da lei, ambas, a nosso ver, inadequadas, salvo o devido respeito: por um lado, identificando duas situações a que as leis, antiga e actual, dão tratamento diferente; por outro, não verificando que só na forma os pedidos do autor são diferentes já que, na essência, são semelhantes.<br>
Ou seja, o Acórdão recorrido, em termos decisórios, acaba por não ser alterável, mas por razões diferentes das que assumiu.<br>
Expliquemo-nos.<br>
VI. Não teriam qualquer sentido o n. 3 do artigo 1241 do C.P.C. ou o n. 2 do artigo 205 do Código de 1993, ao referirem-se às reclamações de créditos, e não ao direito de restituição ou separação de bens, se não reflectissem tratamentos jurídicos diferentes, face à abrangência global daqueles normativos.<br>
Alías, neste particular, o texto do artigo 1241 do C.P.C. ainda era mais indubitável, com a sua expressa referência, no n. 3, apenas à hipótese do n. 1 (reclamação de créditos), enquanto que o direito a restituição ou separação de bens aparecia no n. 2.<br>
Face a isto, ou a lei tem aquele mínimo de compreensibilidade que deve reconhecer-se-lhe (n. 3 do artigo 9 do C. Civil), ou haveria um desacerto total na lei.<br>
É, mesmo, dos casos mais patentes de cabimento correcto do argumento "a contrario sensu", do qual resulta que o prazo de caducidade do n. 3 do artigo 1241 do C.P.C. não abrangia o direito cujo alcance directo ou imediato fosse a restituição ou separação de bens, tal como veio, também, a reflectir-se no artigo 205 do código de 1993.<br>
Neste ponto, o recorrente tem razão. Mas, daí não se segue que o recurso proceda. É que não podemos "tomar a núvem por Juno", impondo-se entender o rigor das diferentes hipóteses e, mais ainda, a essência dos pedidos do autor.<br>
Vamos por partes, ainda que tão sinteticamente quanto possível.<br>
VII. Percebe-se, perfeitamente, que o artigo 1241 do C.P.C. (como o artigo 205 do código de 1993) tratasse diferentemente os casos de reclamações de créditos, dos de restituição e separação de bens.<br>
Há que não confundir hipóteses cujos pressupostos são diferentes.<br>
E tão simplesmente diferentes quanto isto:<br>
Nas reclamações de créditos estão, por natureza, em causa, direitos obrigacionais ou creditícios (ainda que, de um direito creditício possa resultar, indirecta ou mediatamente, uma entrega).<br>
Os casos de restituição ou separação de bens já pressupõem direitos reais dos reivindicantes, ora plenos e exclusivos (restituição), ora co-existentes com direitos do próprio falido (separação) - cfr. Cons.<br>
Sousa Macedo, "Manual de Direito de Falências", 11,<br>
327; Cons. Gama Prazeres, "Código dos Processos Especiais de Recuperação de Empresa e de Falência",<br>
143).<br>
Daí que as situações de restituição e separação, assentes em direitos reais, tivessem e tenham normatividade específica - v.g. artigos 1237 e 1239; código de 1993, artigos 201 e 203.<br>
VIII - Constatado que o recorrente tem razão quanto à aplicação do prazo de caducidade do n. 3 do artigo 1241 do C.P.C. apenas aos casos ditos de reclamação de créditos, isto é, aqueles em que o reclamante se baseia em direito creditício ou obrigacional, e não em direito real justificativo de reivindicação, resta saber qual a roupagem jurídica adequada às figuras a que o autor fez apelo para desencadear o seu pedido principal (3 primeiros números do n. 36 da petição), já que ele próprio reconhece, como decerto não poderia deixar de ser, que não teria qualquer margem para discutir o seu pedido subsidiário).<br>
Não nos podemos deixar influenciar, literalmente, pelo pedido de que a fracção predial questionada "seja separada dos bens da massa falida". Não são as palavras que esclarecem a situação; é a concreta causalidade.<br>
Como flui do que já se expôs, o que releva, para o efeito em causa não é uma consequência de eventual procedência do núcleo do pedido ou, por outras palavras, um resultado mediato da causa de pedir. O que releva<br>
é a causa de pedir e, daí, o (não um) pedido nuclear.<br>
Em verdade e tal como já se reflectiu, de uma situação meramente obrigacional, pode resultar direito à entrega de uma coisa que até poderá ter de ser separada de algo.<br>
Mas isso é um simples reflexo e não é, daí, que resulta a tipificação da causa.<br>
Lembremo-nos, só a título de exemplo, de que, no contrato de mútuo, o mutuante tem direito à oportuna restituição de "outro tanto do mesmo género e qualidade" do que entregou, sem que isso deixe de significar, directamente, direito obrigacional (artigo 1142 do C. Civil).<br>
IX. O que o autor pediu, basicamente, foi uma declaração que transferisse a propriedade sobre uma fracção predial, o que pressupõe seguramente e em elementar lógica, que o direito real em causa não lhe pertence.<br>
Obviamente, se já o tivesse, não teria de pedir, como pediu, uma decisão constitutiva mas, sim, meramente declarativa.<br>
E o seu pedido nuclear está correcto porque, de um contrato-promessa, mesmo de compra e venda, resultam, por natureza, obrigações, ou seja, direitos creditícios, direitos a condutas dos outros contraentes. O que vale dizer que o "quid" sobre o qual incide a obrigação, designadamente, do promitente-vendedor, corresponde, a um "facere" (v.g. prof. A. Varela, "Das Obrigações em Geral", 1-3. edição, 259).<br>
Só excepcionalmente um contrato-promessa pode ter eficácia real, o que pressupõe 3 requisitos "sine qua non", num caso como o vertente: escritura pública; vontade das partes; registo (cfr. artigo 413 do C. Civil, antes e depois do Decreto-Lei 379/86, de<br>
11 de Novembro; P. Lima e A. Varela, "Anotado, 1-4. edição, 386/388). E, em termos da causalidade, a situação não é esta.<br>
Ficamos, pois e apenas, com uma situação creditícia.<br>
Toda a problemática causal invocada pelo autor não leva a mais que não seja uma possível situação de natureza obrigacional.<br>
Assim sendo, fica fora de dúvida a manifesta aplicabilidade, ao caso vertente, da regra sobre caducidade do n. 3 do artigo 1241 do C.P.C. (hoje, n. 2 do artigo 205 do código aprovado pelo Decreto- -Lei 132/93).<br>
E é por estas razões de Direito - e não tanto pelas que constam do Acórdão recorrido - que este recurso não pode proceder.<br>
X. Resumindo, para concluir:<br>
1. O n. 3 do artigo 1241 do C.P.C. só se aplicava, tal como o n. 2 do artigo 205 do código aprovado pelo Decreto-Lei 132/93 só se aplica, a situações de reclamações de créditos; e não a casos em que o peticionante reivindica restituição ou separação de bens com base, directa ou imediata, em direito real.<br>
2. Contudo, as situações emergentes do alegado contrato- -promessa dão origem a direitos de simples carácter obrigacional, já que as partes ficam com um dever de "facere"; a perspectiva só poderá ter uma "nuance" diferente nos casos excepcionais - não adequados à causalidade da hipótese vertente - de eficácia real da promessa.<br>
3. Logo, situações normais, como a "sub judice", emergentes do contrato-promessa, estão sujeitas à regra de caducidade do direito de acção a que se reportam as normas aludidas.<br>
XI. Donde, concluindo:<br>
Acorda-se em negar provimento ao recurso.<br>
Custas pelo recorrente.<br>
Lisboa, 16 de Abril de 1996.<br>
Cardona Ferreira,<br>
Oliveira Branquinho,<br>
Herculano Lima.</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
YzIHvIYBgYBz1XKv2nzj | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça:<br>
I - A e mulher B intentaram a presente acção de processo comum, na forma ordinária, contra C e mulher D, pedindo o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre um prédio rústico e a condenação solidária dos réus a pagarem-lhes a quantia de 2399400 escudos, correspondente ao valor dos pinheiros cortados pelo réu marido nesse prédio e a diversos outros danos, com actualização desse montante de acordo com a inflação e com juros legais desde a citação.<br>
Contestou apenas a ré, por excepção e impugnação, e seguiram-se os demais articulados.<br>
Procedeu-se a julgamento e, pela sentença de fls. 149 e seguintes, foi a acção julgada em parte procedente, com a declaração do direito de propriedade dos autores e a condenação solidária dos réus a pagarem-lhes a quantia de 1443000 escudos, acrescida de juros de mora desde 26 de Maio de 1992 até integral pagamento.<br>
Os réus apelaram dessa sentença e, com esse recurso, subiram os agravos interpostos pela ré do despacho de fls. 66, onde se decidiu que "a alegada falta de citação do réu não pode ser arguida pela ré mas apenas pelo réu e, tendo o mandatário da ré procuração do réu... e não a arguindo, alguma razão terá para o fazer", bem como do despacho saneador, no ponto em que considerou as "partes legítimas".<br>
O segundo desses agravos foi declarado deserto, na Relação, por falta de alegações (fls. 183).<br>
Pelo acórdão de fls. 185 e seguintes, negou-se provimento ao outro agravo e confirmou-se aquela sentença.<br>
Neste recurso de revista, os réus formulam as seguintes conclusões:<br>
- verifica-se nos autos o litisconsórcio necessário entre os recorrentes;<br>
- apenas a ré D foi citada regularmente para os termos da acção;<br>
- ela arguiu, oportunamente, a falsidade da certidão de fls. 37, tendo por isso sido mandado instaurar procedimento criminal contra o funcionário judicial e a recorrente;<br>
- o réu C só interveio nos autos após a sentença condenatória, "pois só então foi notificado de uma peça processual";<br>
- o despacho de fls. 66, bem como o de fls. 74, devem ser revogados na parte em que consideram aquele réu como regularmente citado;<br>
- devem ser anulados todos os actos posteriores à citação da ré D;<br>
- foi violado o disposto nos artigos 194, 195, 201, 480 e 484 do Cód. P. Civil.<br>
Os autores, por sua vez, sustentam a improcedência do recurso.<br>
II - Objecto do recurso:<br>
O recurso de apelação foi interposto pelos réus "apenas... para obter a subida do recurso de agravo interposto... do despacho que considerou o recorrente C ... regularmente citado para os termos da acção" (fls. 176), não tendo pois sido suscitada controvérsia sobre o mérito da causa, apreciado na sentença da 1. instância, a qual só seria afectada, de modo indirecto, pela anulação do processado decorrente de falta de citação do réu C.<br>
Nas conclusões da alegação do presente recurso, é posta também em causa essa falta de citação e pretende-se a revogação dos despachos de fls. 66 e 74, de que foram interpostos pela ré os já referidos recursos de agravo.<br>
Verifica-se, porém, que o agravo interposto do despacho saneador, de fls. 74, onde as partes foram julgadas legítimas e se considerou ter sido "o réu marido citado regularmente...", foi julgado deserto na Relação, por despacho transitado em julgado (fls. 183).<br>
Subsistiu assim apenas o agravo do despacho de fls. 66, no qual se decidiu, em relação à citação do réu, que "a alegada falta de citação... não pode ser arguida pela ré, mas apenas pelo réu e tendo o mandatário da ré procuração do réu... e não a arguindo, alguma razão terá para o fazer", pelo que só foi aí posta em causa a legitimidade da ré para arguir a falta de citação do marido.<br>
Deste modo, porque nas conclusões da alegação não se alude sequer a essa questão da legitimidade, o presente recurso está, em bom rigor, destituído de objecto.<br>
Apesar disso, e porque no acórdão recorrido se apreciou a questão daquela falta de citação, a qual se excluiu com o fundamento de que dependeria de arguição de falsidade da certidão de citação, não deixa de se proceder aqui à reapreciação dessa questão.<br>
III - A situação de facto, com relevo para o efeito em causa, é a seguinte:<br>
Em 26 de Maio de 1992, o funcionário judicial certificou ter citado ambos os réus e da respectiva certidão constam as assinaturas deles (doc. de fls. 37).<br>
Em 7 de Julho de 1992, foi apresentada contestação, apenas em nome da ré D (fls. 38).<br>
Com essa contestação, foi junta procuração passada, na mesma data, por ambos os réus ao advogado que subscreveu esse articulado (fls. 45).<br>
A ré alegou, na contestação, que apenas ela foi citada (fls. 38 v.) e, na tréplica (mandada desentranhar, mas que se manteve no processo - desp. de fls. 66), que o réu C não se encontrava presente no acto da citação, tendo sido ela quem escreveu na certidão a assinatura do marido (fls. 61).<br>
IV - Quanto ao mérito do recurso:<br>
A certidão de citação dos réus, de fls. 37, lavrada pelo funcionário judicial competente, é um documento autêntico, que faz prova plena dos factos nele atestados "com base nas percepções" desse funcionário, designadamente das assinaturas dos citandos (artigos 362 n. 2 e 371 n. 1 do Cód. Civil).<br>
Esta força probatória "só pode ser ilidida" com base na falsidade do documento (artigo 372 do mesmo Código).<br>
A arguição da falsidade do acto da citação está regulada nos artigos 369 e seguintes do Cód. P. Civil: deve ser arguída dentro de oito dias a contar da intervenção do réu no processo; incumbe ao arguente requerer a citação dos funcionários que hajam intervindo no acto; e é instruída e julgada em separado da causa, a qual se suspende logo que se mande seguir o incidente.<br>
Daqui decorre que, nesta hipótese, o incidente deve ser requerido por apenso à causa principal (cfr. artigo 360 n. 5 do cit. Código) e que a legitimidade para a sua dedução cabe ao próprio réu a quem respeita a falsidade, por ser a "parte prejudicada" e por se contar o respectivo prazo desde a sua intervenção no processo (A. Reis, no Cód. P. Civil Anot., I, pág. 571).<br>
No caso presente, não ocorreu tal arguição, com observância das aludidas formalidades processuais, o que seria suficiente, só por si, para que não pudesse ser atendida.<br>
De qualquer modo, e mesmo entendendo-se que a pretensa falsidade da citação do réu poderia ter sido arguida pela própria ré, o certo é que o respectivo incidente não foi deduzido, por qualquer deles, no prazo legal de 8 dias a contar da sua intervenção no processo.<br>
Essa intervenção não tem de ser pessoal, pois as partes intervêm nos processos, em regra, através dos seus mandatários judiciais, cujos actos se repercutem na esfera jurídica daquelas, bastando assim, para o efeito em causa, a intervenção do advogado.<br>
Ora, a ré interveio no processo com a contestação, apresentada pelo seu mandatário, e limitou-se a alegar aí que apenas ela foi citada, o que não equivale, de modo algum, à arguição da referida falsidade; esta só teria sido arguída, na tréplica, ao invocar-se o facto de a assinatura do marido ter sido escrita por ela, mas isto ocorreu em 6 de Outubro de 1992 (fls. 61), dois meses depois daquela intervenção, ou seja, depois de decorrido o prazo legal de 8 dias.<br>
Em relação ao réu C, também ele interveio no processo na data da apresentação da contestação, uma vez que foi então junta procuração passada por ambos os réus ao advogado que subscreveu esse articulado, e esse réu só terá invocado a falsidade da sua citação nas alegações do recurso de apelação (a entender-se, por simples hipótese, que esse seria meio processual adequado para tal efeito).<br>
Na verdade, não tem sentido, salvo o devido respeito, dizer-se, como se diz nas alegações do presente recurso, que aquele réu "não teve qualquer intervenção formal na acção até ser notificado da douta sentença...", pois essa intervenção ocorreu através da notificação feita ao advogado já constituído no processo desde a contestação, nos mesmos termos em que tiveram lugar as notificações de todos os actos anteriores.<br>
De resto, e ainda que, também por simples hipótese, tivesse sido aquela a primeira intervenção do réu no processo, nada impediria a arguição do incidente de falsidade no prazo legal de 8 dias, independentemente da interposição do recurso de apelação, uma vez que essa arguição só estaria excluída, neste processo, depois do trânsito em julgado da decisão final, como resulta do disposto nos artigos 370 n. 2 e 771 alínea f) do Cód. P. Civil.<br>
Em conclusão:<br>
A "intervenção do réu no processo", como início do prazo de 8 dias para arguição da falsidade da sua citação, não pressupõe uma intervenção pessoal do réu, sendo suficiente a que tiver lugar através de advogado, designadamente pela junção ao processo, no decurso do prazo de contestação, de procuração passada pelo réu a esse advogado (artigo 369 n. 1 do Cód. P. Civil).<br>
Pelo Exposto:<br>
Nega-se a revista.<br>
Custas pelos recorrentes.<br>
Lisboa, 12 de Novembro de 1996.<br>
Martins da Costa.<br>
Pais de Sousa.<br>
Machado Soares.</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
ODL2u4YBgYBz1XKvvGQM | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br>
<br>
1. A, advogado, intentou acção declarativa, com processo ordinário, em 28 de Março de 1995, contra a Administração do condomínio de um prédio em Lisboa, representada por B, e demais condóminos que identificou, pedindo que se declarasse "nula ou anulável a Assembleia" realizada em 23 de Janeiro de 1995, alegando, nomeadamente, que, além de não ter sido para ela notificado, não constava da acta a ordem de trabalhos, pelo que era ilegal.<br>
2. Após contestação em que foi invocada, designadamente, a caducidade do direito de acção - e réplica, foi elaborado o despacho saneador - relegando para final o conhecimento de tal excepção - e organizada a peça condensadora.<br>
Efectuado o julgamento foi proferida sentença a decretar a procedência de excepção de caducidade do direito de acção e a absolver todos os Réus do pedido. Inconformado com tal decisão, o Autor apelou.<br>
Sem êxito, contudo, pois a Relação de Lisboa confirmou o sentenciado.<br>
3. Ainda irresignado, o Autor recorreu da revista, pugnando pela revogação do Acórdão recorrido - com fundamento na violação, por erro de interpretação e de aplicação do disposto nos artigos 484, 511 e 661 n. 1, alínea d), 1. parte do Código de Processo Civil, 1432 ns. 4 e 6 do Código Civil e 13 e 20 da Constituição da República Portuguesa - e pela consequente eliminação da "alínea J) da especificação" e condenação dos Réus no pedido, tendo culminado a sua alegação, com estas conclusões:<br>
I) "Na anulação da assembleia, tem que se alegar factos, que demonstrem as ilegalidades praticadas na mesma e essas ilegalidades são verificadas na respectiva acta, pelo que, como a mesma não foi enviada, o Autor estava impossibilitado de impugnar a assembleia antes de saber o conteúdo da mesma".<br>
II - "A acta só foi enviada ao Autor em 14 de Março de 1995, depois de este a solicitar, data em que soube que a assembleia se realizou, pelo que o administrador ocultou elementos, para evitar que o Autor se defendesse em tempo oportuno".<br>
III - "Foi dado como provado, que a acta da assembleia impugnada foi enviada ao Autor, mas não se provou que foi enviada nos 30 dias posteriores à realização da assembleia, cujo ónus competia ao Réu, se pretendia provar a caducidade".<br>
IV - "No douto Acórdão recorrido fundamentou-se a caducidade apenas com base no disposto no artigo 1432 n. 4 do Código Civil, quando o Autor nunca foi informado se a primeira assembleia se realizou, nem recebeu a acta da mesma e nem da que se realizou uma semana depois, mas essas disposições devem ser conjugadas com o n. 6 do mesmo artigo, sob pena de inviabilizar a impugnação dos ausentes".<br>
4. Não houve contra-alegações.<br>
<br>
Foram colhidos os vistos.<br>
<br>
5. O âmbito do recurso, relembra-se, é determinado em face das conclusões da alegação do recorrente, abrangendo, por isso, tão-só, as questões aí colocadas, como decorre claramente do estatuído nos artigos 684 n. 3 e 690 n. 1 do Código de Processo Civil (são deste Diploma todos os preceitos citados sem menção de referência).<br>
São as conclusões da alegação do recorrente que delimitam o objecto do recurso, razão por que o tribunal ad quem apenas pode apreciar as questões que nele sejam vertidas.<br>
6. Por outro lado, como se sabe, este Supremo, como tribunal de revista, só conhece, ao menos em princípio, de matéria de direito (artigo 26 da L.O.T.J. e artigo 729 n. 1).<br>
Assim, não funcionando como uma 3. instância, a definição da matéria de facto necessária para a solução do litígio pertence às instâncias, cabendo à Relação neste capítulo, a última palavra.<br>
Tal significa, pois, que o Supremo Tribunal de Justiça não conhece de questões de facto, não dá como provados ou não provados os factos, cuja apreciação incumbe às instâncias. Qualifica-os, tão-somente.<br>
Esta regra comporta unicamente as excepções contempladas na parte final do n. 2 do artigo 722 do Código de Processo Civil, pelo que este Supremo apenas pode alterar a decisão da 2. instância, quanto à matéria fáctica, quando tiver havido "ofensa duma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova".<br>
Ora, não se vendo que possa existir qualquer ofensa do apontado tipo - que, aliás, o Autor não concretiza -, o comando do n. 2 do artigo 722 não pode, obviamente, funcionar.<br>
Acentua-se, ainda, que o Autor pretende que seja eliminada a alínea J) da especificação, quando a verdade é que tal peça processual não contempla qualquer alínea J)!<br>
Daqui resulta que a factualidade relevante considerada assente pela Relação tem de permanecer inalterada e para a qual se remete (artigos 713 n. 6 e 726).<br>
7. A despeito do que se escreveu em 5, poderíamos considerar-nos dispensados de apreciar a pretensa nulidade do Acórdão, agitada apenas no "corpo" das alegações, decorrente de não terem sido apreciadas as conclusões 4. a 7." que, no fim de contas, acabam por ser reproduzidas "ipsis verbis" nas conclusões da alegação da revista.<br>
De todo o modo, sempre adiantaremos duas breves considerações.<br>
Segundo o estatuído nas disposições conjugadas dos artigos 668 n. 1, alínea d) - 1. parte - e 716, o acórdão é nulo quando "deixa de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar".<br>
Esta nulidade, em directa conexão com o comando ínsito no n. 2 do artigo 660 - que impõe o dever de "resolver todas as questões que as partes tenham submetido" à apreciação do tribunal, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras -, é a mais frequentemente invocada pela confusão que constantemente se faz entre questões a decidir e argumentos produzidos na defesa das teses em presença (cfr. Jacinto Bastos, "Notas ao Código de Processo Civil", volume III, páginas 228 e 247).<br>
Questões, para este efeito, são, desde logo, as que se prendem com o pedido e a causa de pedir. São, em primeiro lugar, "todas as pretensões processuais formuladas pelas partes, que requerem decisão do juiz, qualquer que seja a forma como são deduzidas (pedidos, excepções, reconvenção)", mas como tal "podem ser ainda consideradas, quer os pressupostos processuais de ordem geral, quer os pressupostos específicos de qualquer acto (processual) especial, quando realmente debatidos (controvertidos ou questionados) entre as partes" (cfr. A. Varela, R.L.J. 122, página 112; Alberto dos Reis, "Anotado", volume V, página 142; e Anselmo da Costa, "Direito Processual Civil Declaratório", volume III, 1982, página 142).<br>
Mas o que não pode é confundir-se questões - repete-se - que os litigantes submetem à apreciação do tribunal com as razões (de facto ou de direito), os argumentos, os pressupostos em que a parte funda a sua posição na controvérsia.<br>
8. Em face destes princípios é incontroverso que o Acórdão recorrido não padece do vício de omissão de pronúncia, tanto mais que o conhecimento da questão da caducidade do direito de acção (que havia sido suscitada na contestação do Réu B e que aproveitou aos demais, por imperativo da alínea a) do artigo 485 do Código de Processo Civil) e a solução que lhe foi dada prejudicou a decisão de todas as demais.<br>
9. Respiguemos, então, os factos relevantes provados. Por carta que o Autor recebeu, o Administrador do condomínio enviou-lhe convocatória para a Assembleia de condóminos a realizar no dia 16 de Janeiro de 1995, sem indicação de outra data para nova reunião, no caso de aquela não se poder efectuar por falta de quorum.<br>
O Autor teve conhecimento do dia, hora e local da Assembleia mas não compareceu.<br>
Por falta de quorum, a Assembleia não se realizou, tendo sido logo marcado o dia 23 de Janeiro de 1995 para uma nova.<br>
Neste dia 23 de Janeiro de 1995, o Autor voltou a não comparecer, mas atingiu-se quorum deliberativo, por estarem presentes condóminos que representavam mais de um quarto do valor total do prédio.<br>
A acta da reunião de 23 de Janeiro de 1995, contendo as deliberações tomadas, foi remetida ao Autor, não tendo ficado provado, porém, que o tivesse sido no prazo de 30 dias.<br>
10. Perante esta factualidade, a questão fulcral a decidir é a de saber se se operou a caducidade do direito de acção de impugnação das deliberações tomadas em 23 de Janeiro de 1995, sabido que a presente acção foi intentada em 28 de Março de 1995.<br>
Para tanto, importa ter em conta o que dispõem os artigos 1432 e 1433 do Código Civil (na redacção que lhes foi dada pelo Decreto-Lei n. 267/94, de 25 de Outubro, entrada em vigor em 1 de Janeiro de 1995 e, por conseguinte, aqui aplicável), no que ao caso interessa.<br>
De harmonia com o preceituado no artigo 1432, se não comparecer o número de condóminos suficiente para se obter vencimento na assembleia devidamente convocada e se na respectiva convocatória não tiver sido desde logo fixada outra data, considera-se convocada nova reunião para uma semana depois, na mesma hora e local, "podendo neste caso a assembleia deliberar por maioria de votos dos condóminos presentes, desde que estes representem, pelo menos, um quarto do valor total do prédio" (n. 4), devendo as deliberações "ser comunicadas a todos os condóminos ausentes, por carta registada com aviso de recepção, no prazo de 30 dias" (n. 6).<br>
Por seu turno, o artigo 1433 prescreve no seu n. 1 que "as deliberações da assembleia contrárias à lei ou a regulamentos anteriormente aprovados são anuláveis a requerimento de qualquer condómino que as não tenha aprovado", acrescentando no seu n. 4 que o direito de propor a acção de anulação caduca, no caso de não ter sido solicitada assembleia extraordinária, no prazo de 60 dias sobre a data da deliberação.<br>
11. Ora, compaginando a primitiva redacção do artigo 1432 e 1433 com a nova, facilmente constatamos que, com o Decreto-Lei n. 267/94, o legislador introduziu alterações significativas, tanto no capítulo da convocação e funcionamento da assembleia de condóminos, como no da impugnação das respectivas deliberações. <br>
Assim, enquanto que, antes, se, nomeadamente, não comparecesse o número de condóminos suficiente para se obter vencimento, havia sempre lugar à convocação de nova reunião dentro dos 10 dias imediatos (antigo n. 3 do artigo 1432), hoje, nessa eventualidade, não há lugar, como vimos, à convocação de nova reunião. Se a primeira convocatória for omissa neste aspecto, a nova reunião considera-se convocada para uma semana depois (actual n. 4 do artigo 1432).<br>
Depois, quanto à caducidade do direito de propor a acção anulatória, deixou de distinguir-se entre condóminos presentes e condóminos ausentes.<br>
No domínio do anterior n. 2 do artigo 1433, o prazo de caducidade era sempre de 20 dias, contando-se, no entanto, para os presentes, da deliberação e, para os ausentes, da comunicação da deliberação.<br>
Agora, contudo, não tendo sido solicitada assembleia extraordinária, a caducidade do direito de acção de anulação opera, sempre, tanto para os condóminos presentes como para os ausentes -, no prazo de 60 dias contados da data da deliberação (vigente n. 4 do artigo 1433).<br>
O que significa que, actualmente, como pondera Rui Vieira Miller, os condóminos faltosos terão "de cuidar diligentemente de se informar sobre se teve ou não lugar a assembleia e se novo dia foi efectivamente designado" (cfr. "A Propriedade Horizontal no Código Civil", 3. edição, 1998, página 272) e terão, de igual modo, de diligenciar no sentido de conhecerem o teor das deliberações, para, se o desejarem, poderem impugná-las no prazo dilatado de 60 dias (repare-se que o primitivo prazo de 20 dias foi alargado) sobre a data da deliberação. Não da comunicação da deliberação, como primitivamente se estipulava.<br>
12. Logo, tendo as deliberações tomadas em 23 de Janeiro de 1995 sido impugnadas apenas em 28 de Março de 1995, data da propositura da presente acção, é incontroverso que, por já terem decorrido mais de 60 dias, o direito de propor a acção de anulação já havia caducado.<br>
De salientar, portanto, que, ao invés do preconizado pelo Autor, pouco importa considerar a pretensa conjugação dos ns. 4 e 6 do artigo 1432.<br>
É que, decisivo é o estatuído no n. 4 do artigo 1433, regulador do prazo de caducidade do direito de acção, normativo que o Autor pretende escamotear.<br>
Só um apontamento final.<br>
Embora o Autor impute ao Acórdão recorrido - secamente, diga-se - a violação do artigo 20 da Constituição da República (onde se consagra o "acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva"), o certo é que, in casu, ela não ocorre.<br>
Com efeito, o Acórdão limitou-se a concluir que o direito de acção já não podia ser exercido por virtude do prazo de caducidade do n. 4 do artigo 1433.<br>
É manifesto, assim, que a impossibilidade de recurso a juízo, com êxito, surgiu como resultado da negligência do Autor em propor a acção (talvez por não ter atentado na alteração da lei ocorrida escassos dias antes da deliberação) e não do próprio Acórdão, que se limitou a extrair as consequências legais desse seu comportamento negligente.<br>
13. Pelo exposto, não sendo o Acórdão impugnado passível de qualquer censura, nega-se a revista, condenando-se o Autor nas custas.<br>
<br>
Lisboa, 11 de Janeiro de 2000.<br>
<br>
Silva Paixão,<br>
Silva Graça,<br>
Francisco Lourenço.<br>
<br>
1. Juízo Cível de Lisboa - Processo 137/95 - 2. Secção. <br>
Tribunal da Relação de Lisboa - Processo 341/99 - 1. Secção.</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
njInvIYBgYBz1XKvm6pI | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça (STJ).<br>
<br>
I - Relatorio:<br>
1. Em 7 de Dezembro de 1987, A e marido B propuseram contra C e marido D uma acção declarativa com estas pretensões: a) ser a autora declarada como dona de determinada fracção autonoma situada na rua de Entrecampos, Lisboa); b) condenação dos reus a reconhecerem aquele direito de propriedade e a entregarem-lhe a fracção em causa; c) condenação dos reus "a pagarem aos autores a indemnização que se vier a liquidar em execução de sentença pelos prejuizos causados em virtude da abusiva ocupação".<br>
2. Essencialmente, os autores alegaram ter sido doada a demandante, pelos seus pais, a referida fracção; ser esta casada sob o regime da comunhão de adquiridos; ter sido celebrado entre um anterior dono do andar (E) e o pai da re (F) contrato de arrendamento para habitação; ter findado este acordo contratual com o falecimento do locatario, ja que os reus foram viver para o andar menos de um ano antes daquela morte e possuirem casa propria; sem qualquer titulo mantem-se os demandados na casa em questão.<br>
3. Os reus, na contestação, alegaram viver com o pai da demandada desde 1977; ter este falecido em 6 de Dezembro de 1979; não possuirem casa propria, pois aquela a que os autores se reportam seria apenas para armazenarem alguns moveis; o pai da autora, após o falecimento do locatario (pai da re), continuou a receber dos demandados a renda, sabendo que aquele morrera; so em Abril de 1984 os autores recusaram receber aquela retribuição. A seguir, alegaram erro na forma de processo e deduziram reconvenção para a hipotese da acção proceder (condenação dos autores a pagarem a quantia de 1700 contos a titulo de benfeitorias realizadas no andar).<br>
4. Os autores responderam as excepções e ao pedido reconvencional. No despacho saneador, o Excelentissimo Juiz entendeu ser o processo proprio. Organizada especificação e elaborado questionario, procedeu-se ao julgamento dos factos em 10 de Julho de 1989. A sentença, com data de 21 de Outubro seguinte, deu acolhimento as tres pretensões dos autores (a indemnização, fundada na ocupação ilegitima, a partir de 7 de Dezembro de 1979 e a liquidar).<br>
Consequentemente, negou o pedido reconvencional, ou melhor, entendeu que este improcedia.<br>
5. Mediante apelação dos reus, a segunda Instancia, por acordão de 21 de Fevereiro de 1991, confirmou a sentença, tendo fixado esta materia: a)- os autores são donos da fracção sita na rua de Entrecampos, Lisboa; b)- por escrito de 21 de Dezembro de 1953, o então dono do andar deu-o de arrendamento a F, pai da re, pela renda de 1100 escudos por mes; c)- o pai da re faleceu a 6 de Dezembro de 1979; d)- em data indeterminada de 1979, entre Abril e 6 de Dezembro, quando aquele F se encontrava doente, os reus foram viver para o andar, nele permanecendo; e)- entre 16 de Fevereiro de 1977 e 27 de Maio de 1981, o reu prestou serviço no Hospital Militar Principal; f)- entre 3 de Novembro de 1978 e 3 de Fevereiro de 1986, a re prestou serviço naquele mesmo hospital como medica anestesiologista e, em virtude dessas funções, era chamada a qualquer hora do dia ou da noite para prestar, ali, a sua actividade medica; g)- algumas vezes, em datas não determinadas, foram efectuadas chamadas para o andar dos autores; h)- algumas vezes, em datas não determinadas, anteriores a Abril de 1979, os reus e seus filhos tomaram refeições e pernoitaram no andar dos autores; i)- apos o falecimento do pai e sogro dos reus, estes procederam ao pagamento das rendas do andar a porteira do predio; j)- em Abril de 1984, a porteira, obedecendo a instruções dos autores, recusou-se a receber a renda do andar, que os reus depositaram na Caixa Geral de Depositos, em 9 de Abril de 1984.<br>
6. Na presente revista, os reus formulam estas conclusões: a)- "O facto de o senhorio ter recebido rendas dos recorrentes, nas condições constantes destas alegações, configura a hipotese prevista no artigo 1049 do Codigo Civil, aplicavel analogicamente ao caso vertente"; b)- " os recorrentes não agiram com culpa"; c)- " Os recorridos não provaram que tivessem sofrido prejuizos pela ocupação do andar por parte dos recorrentes, não tendo tal materia constado da especificação ou do questionario, nem das respostas aos quesitos"; d)- "Não ha obrigação de indemnizar, por não se verificarem os pressupostos da responsabilidade civil"; e)- "O douto acordão recorrido violou ou, salvo o devido respeito, não fez correcta interpretação, designadamente, do disposto nos artigos 483, 1111 e 1049 do Codigo Civil.<br>
Os recorridos procuram sustentar a decisão impugnada.<br>
II - Fundamentos:<br>
1. Como se ve do "relatorio", estamos perante uma acção de reivindicação, tal como se encontra definida no artigo 1311 do Codigo Civil (CC): reconhecimento do direito de propriedade e restituição da coisa. Nada impede, no entanto, que, ao abrigo das regras validas no dominio do direito processual civil (artigo 470 do Codigo de Processo Civil), o autor da reivindicação junte aos dois pedidos referidos no citado artigo 1311 um pedido de indemnização) confere Pires de Lima e<br>
Antunes Varela, com a colaboração de Henrique Mesquita, Anotado, volume III, 2 edição, paginas 113 e Revista da Legislação e Jurisprudencia, ano 116, pagina 16, nota 2, estudo este de autoria de Antunes Varela). Foi este o esquema petitorio utilizado pelos autores, sendo certo que os reus nunca contestaram o direito da autora relativo a propriedade do andar, ja que esta fez juntar certidão do registo predial comprovativa da aquisição, fixando, por esta forma, a presunção derivada da lei (artigo 1268 do Codigo Civil e 8 do Codigo de Registo<br>
Predial, então em vigor).<br>
2. Como tambem se ve do acordão (respectivo "relatorio", os reus, não contestando o direito de propriedade, impugnaram o dever de entrega da coisa com base numa solução obrigacional derivada de serem sucessores do primitivo arrendatario do andar reivindicado. Os demandados invocavam o artigo 1111, n. 1, do Codigo Civil, pois a re era filha do primitivo arrendatario e alegava ter vivido com ela ha mais de um ano. So que esta alegação (viver com o primitivo arrendatario ha mais de um ano) não se provou, tendo ficado demonstrado o contrario: "entre Abril e 6 de Dezembro de 1979" e que os reus foram viver com o arrendatario, falecido, como tambem ficou apurado, nesta ultima data. Desta maneira, o arrendamento não se transmitiu para a re.<br>
3. Todavia, tal como se verifica da primeira conclusão, os recorrentes não insistem, perante a materia de facto dada como provada, na tese da transmissão pura e simples do direito ao arrendamento.<br>
Agora, o raciocinio juridico e outro, tendo ficado provado que, apos o falecimento do pai e sogro dos reus, estes procederam ao pagamento das rendas do andar a porteira do predio e que em Abril de 1984 a mesma porteira, obedecendo a instruções dos autores, recusou-se a receber a renda, seguir-se-ia a conclusão de, durante mais de quatro anos, a dona do predio (fracção) não se ter oposto a tal recebimento.<br>
Acrescentam ainda não ser verosimil "que o senhorio da casa dos autores so tivesse tido conhecimento da morte do seu inquilino apos o decurso do periodo de quatro anos". E fazem apelo ao disposto no artigo 722, n. 2, do Codigo de Processo Civil, pois "os documentos constantes dos autos-recibos assinados pelo senhorio ou por procurador deste o falam por si".<br>
4. Ora, este novo percurso juridico (ja salientado perante a Relação) não tem consistencia, salvo o merecido respeito devido as subartes da alegação.<br>
Pelo Codigo Civil, a locação não dependia de qualquer forma, com excepção de alguns tipos de arrendamento, que não o de habitação. So que, nos termos do artigo 1088 do Codigo Civil, no caso do arrendamento ser valido independentemente do titulo escrito e este não existir, o arrendatario so podia invocar o contrato desde que existisse recibo de renda. Todavia, o novo arrendamento celebrado entre os reus e os autores, posteriormente ao falecimento do primitivo arrendatario, ter-se-ia consumado depois de 6 de Dezembro de 1979. Vigorava, então, o Decreto-Lei n. 188/76, de 12 de Março. Este diploma conferiu ao arrendatario a faculdade de, quando não fosse observada a forma, optar pela nulidade ou pela manutenção do contrato, enquanto o locador e o proprio tribunal teriam de ignorar o vicio formal (confere Meneses Cordeiro, Francisco da Costa Fraga e outros, Novo Regime do Arrendamento Urbano, Anotado, 1990, folhas 58). No caso concreto, o arrendatario não teria optado pela nulidade (ao contrario), pelo que o arrendatario existiria. So que assim não e, por apenas ficar provado terem os reus, apos o falecimento do primitivo arrendatario, efectuado "o pagamento das rendas do andar a porteira do predio". Não ficou provada a existencia de recibos (os autores impugnaram a assinatura nos mesmos, dizendo que a mesma não lhes pertencia) nem foi feita a prova de novo arrendamento por qualquer outro meio.<br>
5. Alias o novo raciocinio dos recorrentes (exposto no n. 3 precedente) e contraditorio; por um lado, dão a entender tratar-se de novo arrendamento (não provado, como ja se tentou demonstrar) e, por outro, parecem sustentar a transmissão do direito ao primitivo arrendamento (o que e manifestamente de arredar, pelo que ja se disse no nº 2 precedente).<br>
6. Agora, importa considerar a materia das restantes conclusões, ou seja, o problema da responsabilidade civil geradora de indemnização.<br>
Antunes Varela (cit. anotação da Revista de Legialação e Jurisprudencia) mencionando um autor alemão, afirma que, em regra, a reivindicação não se resume com a simples restituição da coisa, ja que o possuidor pode ter tirado desta vantagens que tenha de repor. E o caso concreto, tal como resulta do que ficou provado; os reus, sem qualquer titulo, ocupam a casa da autora desde 6 de Dezembro de 1979. Consequentemente, praticavam um acto ilicito, cujas consequencias ainda se mantem. Por outro lado, a culpa existe, ja que invocaram, sem razão, a sucessão no direito ao arrendamento ou um novo contrato não provado. Isto integra a culpa em sentido restrito, pois os demandados podiam e deviam ter agido de modo diferente, pois não provaram qualquer circunstancia impeditiva da não violação do direito dos autores sobre a propriedade do andar (direito absoluto) Finalmente o dano e o nexo de causalidade entre este e o facto; o dano consiste em terem tirado vantagens de uma coisa sem qualquer titulo (a referida reposição das vantagens) e o nexo ninguem o contestou.<br>
III - Decisão:<br>
Com os fundamentos expostos, nega-se a revista, confirma-se o acordão impugnado e condena-se os recorrentes nas custas.<br>
Lisboa 27 de Novembro de 1991.<br>
Meneres Pimentel,<br>
Brochado Brandão,<br>
Cura Mariano (vencido em parte quanto a indemnização, ja que, em meu entender existe um prazo da ocupação, correspondente a renda do anterior contrato de arrendamento, sendo que o senhorio não provou que o locado valesse mais e so então haveria outro prejuizo).<br>
Decisões impugnadas:<br>
I - Sentença de 21 de Outubro de 1989 do 14 Juizo Civel de Lisboa;<br>
II - Acordão de 21 de Fevereiro de 1991 da Relação de Lisboa.</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
ZDIDvIYBgYBz1XKvcnen | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça:<br>
I. - Em processo de expropriação por utilidade pública, em que é expropriante a Junta Autónoma de Estradas e era indicado como expropriado A, os herdeiros habilitados deste, B e outros, interpuseram recurso da decisão arbitral.<br>
Em resposta, a expropriante suscitou a questão prévia da nulidade de todo o processo, por falta de indicação do pedido.<br>
No despacho de folhas 77, decidiu-se não se conhecer do recurso, por esse motivo, o que veio a ser confirmado pelo acórdão da Relação de folhas 104 e seguintes.<br>
Neste novo recurso de agravo, os expropriados pretendem a revogação daquele acórdão e formulam, em resumo, as seguintes conclusões:<br>
- a decisão arbitral não respeitou os critérios definidos pelo artigo 28 do Código das Expropriações, o que constitui nulidade, nomeadamente a prevista no artigo 668 n. 1 alínea d), do CPC;<br>
- o requerimento de interposição do recurso dessa decisão aponta tal nulidade e, pelo menos nessa parte, o recurso devia ter sido admitido, nos termos do n. 3 do citado artigo 668;<br>
- esse requerimento não deve ser equiparado à petição inicial das acções cíveis, sendo mais lógico integrá-lo na estrutura própria dos recursos, dada a natureza jurisdicional daquela decisão arbitral;<br>
- pelo que respeita ao quantitativo da indemnização, ficou claro, na resposta à excepção deduzida pelo expropriante, que o valor pretendido era de 10000000 escudos, coincidente com o atribuído àquele requerimento;<br>
- a decisão recorrida reconheceu a inaplicabilidade ao caso dos autos do artigo 83 n. 2 do Código das Expropriações de 1976.<br>
O Ministério Público, por sua vez, sustenta dever negar-se provimento ao recurso.<br>
II - Situação de facto:<br>
A declaração da utilidade pública da expropriação foi publicada no D. Rep., II. Série, de 23 de Maio de 1989 (folhas 28).<br>
A, indicado como expropriado, faleceu em 25 de Julho de 1988 (folhas 45).<br>
B e outros foram habilitados, como seus herdeiros, por decisão de 23 de Outubro de 1995 (proc. apenso).<br>
Na decisão arbitral, de 30 de Dezembro de 1991, fixou-se<br>
à parcela a expropriar o valor de 1998610 escudos (folhas<br>
19 a 24).<br>
O processo foi recebido no tribunal em 19 de Maio de 1992 (folhas 2).<br>
Em 20 de Maio de 1992, proferiu-se decisão a adjudicar a parcela à expropriante e a ordenar a notificação das partes.<br>
Em 8 de Junho de 1992, foi junto um requerimento, com assinatura ilegível, a interpor recurso da decisão arbitral (folhas 36).<br>
Nos despachos de folhas 37 e 40, considerou-se que esse requerimento apresentava vícios que "comprometem a sua validade", designadamente "quanto à identificação do requerente", e que era necessária a constituição de advogado.<br>
Junta em seguida a certidão de óbito do expropriado, ordenou-se a suspensão da instância.<br>
Os herdeiros habilitados do expropriado vieram então "corrigir o requerimento de interposição de recurso da decisão arbitral" e alegaram que "as razões da discordância são, no essencial, as seguintes: a decisão arbitral não respeitou os comandos legais contidos no artigo 28 do Decreto-Lei 438/91 ... porque, tratando-se de expropriação parcial, não foi calculado separadamente o valor e o rendimento totais do prédio e os valores e rendimento da parte compreendida e da não compreendida na expropriação, além de não ter sido também calculada a depreciação da parte sobrante do prédio; os valores atribuídos são manifestamente inferiores aos reais, não tomaram em consideração circunstâncias importantes, como ...; a parte sobrante ... ficou carecida de vedação e acessos". (fls. 51 e seguintes).<br>
Na parte final desse requerimento, consta: "valor: dez milhões de escudos".<br>
No despacho de folhas 60, os recorrentes foram convidados a apresentar conclusões, o que fizeram, coincidindo essas conclusões com aquela alegação anterior (folhas 63 a 67).<br>
No despacho de folhas 68, o recurso foi admitido "liminarmente ..., uma vez que está devidamente formulado com alegações e conclusões ...", e considerou-se ter sido interposto em tempo porque o respectivo prazo apenas se iniciou "após a notificação da decisão que habilitou os herdeiros do expropriado A, pré-falecido ...".<br>
Na resposta, a expropriante alegou a nulidade de todo o processo, por falta de indicação do pedido (folhas 70).<br>
Notificados para se pronunciarem, os recorrentes vieram alegar que se não verifica tal nulidade mas que "para efeito de correcção, se for julgada necessária, indica-se o montante de dez milhões de escudos, coincidente, aliás, com o valor atribuído ao requerimento de interposição de recurso e dele constante".<br>
III - Quanto ao mérito do recurso:<br>
É aqui aplicável o Cód. Exp. de 1991, por estarem em causa apenas questões processuais (como aliás se decidiu no acórdão recorrido, com a concordância de ambas as partes), e, na medida em que se tiver como pertinente, também o<br>
CPC é aplicável sem as alterações introduzidas pelos Decretos-Lei ns. 329-A/95, de 12 de Dezembro, e 180/96, de<br>
25 de Setembro, dado o disposto nos seus artigos 16 ns. 1 e 4, respectivamente.<br>
O problema fundamental que vem suscitado respeita à falta de indicação do pedido no requerimento de interposição do recurso da decisão arbitral, que é o de folhas 51 e seguintes (e não o de folhas 36, como parece ter-se entendido no acórdão recorrido), uma vez que, como se salientou no despacho de folhas 68, o prazo para essa interposição apenas se iniciou com a notificação da decisão que julgou habilitados os herdeiros do expropriado inicialmente indicado no processo mas já então falecido.<br>
No acórdão recorrido (como na decisão da 1. instância) julgou-se ter havido aquela falta de indicação do pedido e que ela integra a nulidade de todo o processo, nos termos do artigo 193 n. 1 alínea a) do CPC, por se configurar o aludido requerimento como uma petição inicial, mas, salvo o devido respeito, não é de manter essa decisão.<br>
O processo de expropriação por utilidade pública desdobra-se em duas fases distintas: uma fase administrativa, em que se visa o acordo das partes ou a fixação da indemnização por arbitragem; e uma fase judicial, iniciada com o recurso da decisão arbitral e destinada, essencialmente, à reapreciação do valor da indemnização.<br>
O Cód. Exp. não prevê a aplicação subsidiária do CPC mas, tratando-se de um processo especial, este é regulado, sucessivamente, pelas suas próprias normas, pelas disposições gerais e comuns e pelas regras do processo ordinário (artigo 463 n. 1 do CPC).<br>
Deve notar-se, porém, que aquele primeiro diploma contém uma regulamentação minuciosa do processo expropriativo, o qual reveste natureza peculiar, e, por isso, a aplicação subsidiária das normas do processo civil só deverá ter lugar quanto aos seus princípios essenciais ou quando se mostre indispensável e compatível com o regime específico deste processo.<br>
Pelo artigo 56 do citado Cód. Exp., "no requerimento da interposição do recurso da decisão arbitral, o recorrente exporá logo as razões da discordância, oferecendo todos os documentos, requerendo as demais provas e designando o seu perito".<br>
Este recurso, que se destina a uma apreciação global da questão da indemnização devida ao expropriado, seguindo-se-lhe uma ampla fase instrutória e de discussão, tem natureza diversa dos recursos ordinários em processo civil, que são simples recursos de revisão, nos quais só excepcionalmente é admissível a apreciação de questões novas e a produção de prova está limitada a certos documentos.<br>
Por outro lado, aquele requerimento de interposição do recurso tem algumas afinidades com a petição inicial de uma acção, na medida em que com ele se inicia a fase judicial do processo de expropriação, mas não se trata, em rigor, de articulado dessa natureza, pois o processo expropriativo abrange também a sua fase administrativa e aquele requerimento é apenas um meio de oposição à decisão arbitral, de carácter jurisdicional. Aliás, dada essa função de oposição, a qualificação porventura mais rigorosa, em termos de articulados, seria antes a de uma contestação.<br>
De qualquer modo, mesmo que se atribua ao requerimento de interposição do recurso a natureza duma petição inicial, a falta de indicação do montante da indemnização a que o recorrente julga ter direito não integra nulidade de todo o processo, nos termos previstos nos artigos 193 n. 2 alínea a) e 288 n. 1 alínea b) do CPC.<br>
O citado artigo 56 do Cód. Exp. apenas impõe ao recorrente, além da indicação das provas e do seu perito, a exposição das "razões da discordância" com a decisão arbitral. A pretensão imediata do recorrente, com essa discordância, é o prosseguimento do processo, para o efeito de vir a ser fixada a "justa indemnização" e, normalmente, ele indicará o montante que entenda ser devido, em substituição do constante da decisão arbitral, mas o citado artigo 56 não lhe exige essa indicação, mostrando-se suficiente a alegação de que, pelas razões invocadas, a indemnização deve ser superior à que foi considerada naquela decisão.<br>
Tal indicação poderá até ser inconveniente, na medida em que prive o recorrente de pedir montante superior, revelado ou justificado pela nova avaliação, e o momento mais apropriado para esse efeito será mesmo o das alegações previstas no artigo 63 do citado Código.<br>
No requerimento de folhas 51 e seguintes, os recorrentes deram cumprimento ao disposto no citado artigo 56, ao alegarem, embora de forma sumária, diversas razões no sentido de que "os valores atribuídos são manifestamente inferiores aos reais ...", pelo que nada impedia o recebimento do recurso.<br>
Outro fundamento que pode ser invocado resulta do disposto no artigo 569 do CCIV, onde se determina que "quem exigir a indemnização não necessita de indicar a importância exacta em que avalia os danos ...".<br>
O dever de pagar o valor da coisa expropriada não se traduz numa simples obrigação pecuniária, a qual tem por objecto inicial uma prestação em dinheiro, mas numa dívida de valor ou numa verdadeira obrigação de indemnização.<br>
Além de ser essa a expressão legal, ela está de harmonia com a realidade jurídica, que é a reparação de uma forçada privação de bens, pelo que lhe são aplicáveis as disposições gerais sobre tal obrigação, na medida em que não forem incompatíveis com as regras próprias da lei das expropriações.<br>
Uma dessas disposições é, seguramente, o citado artigo 569, e, pela sua aplicação ao recurso da decisão arbitral, o recorrente não tem de pedir a fixação da indemnização numa quantia determinada, sendo bastante uma formulação idêntica à que consta do requerimento de folhas 51 e seguintes.<br>
Finalmente, nota-se que, mesmo a ter-se como exigível, no requerimento de interposição do recurso, a indicação de certo montante, essa exigência teria sido satisfeita pelos recorrentes.<br>
Tal indicação não está submetida a fórmulas rigorosas ou sacramentais, bastando que se possa deduzir, com suficiente segurança, dos termos usados.<br>
Ora, na parte final daquele requerimento escreveu-se "valor: dez milhões de escudos" e esta expressão, conjugada com o texto do requerimento, tem o claro significado ou alcance de que a pretensão dos recorrentes era a de a indemnização dever ser fixada nesse montante.<br>
Em conclusão:<br>
No requerimento de interposição de recurso da decisão arbitral, pelo expropriado, este não tem de formular o pedido de fixação da indemnização em determinado montante (artigo 56 do Cód. Exp. e 569 do CCIV.).<br>
Pelo exposto:<br>
Concede-se provimento ao recurso.<br>
Revoga-se o acórdão recorrido, bem como a decisão de folhas 77 e seguintes, a qual deve ser substituída por outra em que se receba o recurso interposto, seguindo-se os demais termos do processo de expropriação.<br>
Sem custas, por isenção da recorrida (artigo 2 n. 1 alínea a) do Código das Custas).<br>
Lisboa, 27 de Maio de 1997.<br>
Martins da Costa,<br>
Pais de Sousa,<br>
Machado Soares.</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
vjL2u4YBgYBz1XKvbGPv | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br>
<br>
Por apenso à execução com processo sumário n. 369-B/96 do 1. Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, instaurada pela Junta Autónoma dos Portos do Norte contra A, Limitada, vieram o Ministério Público, B, C, D, E, F e G deduzir reclamação de créditos, nos montantes de 46500 escudos e juros de mora, 2378428 escudos e juros, 1224034 escudos e 70 centavos e juros, 1050075 escudos e juros, 888376 escudos e 50 centavos e juros de mora, 1099825 escudos e 50 centavos e juros, 1085937 escudos e juros, respectivamente.<br>
Admitidas liminarmente as reclamações, não surgiu qualquer impugnação dos créditos reclamados.<br>
No saneador-sentença, reconhecendo-se os créditos reclamados, foram os mesmos graduados da forma seguinte:<br>
1. Custas e despesas judiciais reclamadas;<br>
2. Quantia exequenda;<br>
3. Quantias reclamadas pelos tripulantes do navio.<br>
Inconformados, os tripulantes, os referidos B e outros interpuseram recurso, que foi admitido como apelação.<br>
O Tribunal da Relação do Porto, pelo acórdão de folhas 99 e seguintes, datada de 17 de Maio de 1999, julgou improcedente o recurso, confirmando aquela sentença.<br>
Ainda não conformados, os mesmos reclamantes e recorrentes interpuseram recurso de revista, em cuja alegação formulam as conclusões seguintes:<br>
a) As "taxas de estacionamento e acostagem" em que se consubstancia a quantia exequenda não podem ser enquadradas na expressão (quaisquer outros) "direitos de porto" a que alude o n. 4 do artigo 578 do Código Comercial;<br>
b) Devendo esta expressão ser objecto de uma interpretação restritiva que efectivamente a limite dentro dos parâmetros de que sejam verdadeiros direitos dos portos;<br>
c) O crédito exequendo consubstancia-se também nas taxas de estacionamento e acostagem do "..." que se viessem a liquidar desde 1 de Outubro de 1996 até à sua largada definitiva do porto comercial de Viana do Castelo;<br>
d) O navio "..." foi objecto de um primeiro arresto decretado por decisão judicial de 2 de Agosto de 1996;<br>
e) Pelo que, após esta data, e nem que essa fosse a vontade da proprietária do "..." - ou dos seus tripulantes -, este navio não podia largar do porto comercial de Viana do Castelo;<br>
j) Daí que tais "taxas de estacionamento e acostagem" não poderão ser cobradas ao "..." -, isto é, cobradas sobre o seu próprio valor -, após aquela mesma data do primeiro arresto judicial que foi decretado;<br>
g) Pelo que, a partir dessa mesma data, não existirão esses "direitos de porto" da entidade exequente;<br>
h) E, assim, o crédito exequendo não poderá ser enquadrado no aludido n. 4 do artigo 578 do Código Comercial;<br>
i) Ao caso sub judice e, portanto, aos recorrentes é aplicável o regime especial (de privilégios creditórios) previsto no artigo 12 da Lei n. 17/86, de 14 de Junho;<br>
j) Conforme o disposto no artigo 574 do Código Comercial, os créditos designados no artigo 578 desse Código apenas preferem a qualquer privilégio geral ou especial sobre móveis, mas desde que estabelecido no Código Civil;<br>
l) Os créditos dos ora recorrentes são emergentes de contratos de trabalho e, por isso, gozam dos privilégios estatuídos no artigo 12 da aludida Lei n. 17/86;<br>
m) Não é correcta, nem é lógica nem tem ainda qualquer fundamentação na letra nem no espírito da aludida lei a conclusão - necessariamente assumida pelo sentido da decisão do douto acórdão recorrido - de que esse específico normativo (artigo 12) dos privilégios creditórios apenas seria aplicável aos trabalhadores com salários em atraso que tivessem rescindido ou suspendido os seus contratos de trabalho;<br>
n) Seria de uma total incompreensão e ilógica que essa Lei tivesse vindo consagrar diversos efeitos jurídicos especiais para combater a chaga social dos salários em atraso que então se verificava, e depois não se aplicasse um desses efeitos jurídicos especiais (os privilégios creditórios do seu artigo 12) a todos os salários em atraso em conformidade com o disposto no seu artigo 3, mas apenas a alguns;<br>
o) Além de, através dessa interpretação, se criar uma totalmente inexplicável e injusta discriminação entre trabalhadores que igualmente tivessem os "salários em atraso" nos termos do seu artigo 3: os que tivessem rescindido ou suspendido os seus contratos de trabalho e os que não o tivessem feito por não terem querido usar dessa mera faculdade concedida pela mesma Lei;<br>
p) Essa possibilidade (faculdade) de rescisão ou suspensão dos contratos de trabalho é apenas um dos "efeitos jurídicos especiais" previstos nessa lei e tal como também o é o previsto no artigo 12 sobre os privilégios creditórios aí estatuídos;<br>
q) No mesmo sentido concorre o elemento "histórico" de interpretação e atendendo aos dois projectos da lei (e respectivas declarações de voto) dos dois partidos políticos que estiveram na origem desse artigo 12 dessa Lei 17/86;<br>
r) A aplicação do artigo 578 do Código Comercial aos créditos laborais dos trabalhadores marítimos (tripulantes de navio) e a aplicação do disposto nos artigos 737 e 747 do Código Civil a todos os demais créditos laborais emergentes dos contratos de trabalho de todos os demais trabalhadores (de todos os outros sectores de actividade), constitui uma violação do princípio da igualdade consagrado no artigo 13 da Constituição da República Portuguesa;<br>
s) E, designadamente, conduz a um tratamento diferenciado e, assim, a uma discriminação - dos trabalhadores marítimos face a todos os demais trabalhadores igualmente vinculados às suas entidades empregadoras por (juridicamente) idênticos contratos de trabalho -, a que se opõe o n. 2 desse artigo 13 da C.R.P.;<br>
t) O artigo 578 do Código Comercial nesse particular aspecto em questão da valoração dos contratos de trabalho e do "trabalho" e dos "trabalhadores", acha-se perfeitamente em contradição com toda a nova ordem jurídica portuguesa (constitucional e ordinária), um todo necessariamente harmonioso e coerente;<br>
u) A graduação das quantias reclamadas pelos ora recorrentes em segundo lugar e, assim, à frente da quantia exequenda, resulta ainda da consideração e aplicação ao caso sub judice - e atenta toda a sua factualidade específica do conhecimento geral das pessoas -, dos mais elementares princípios do direito, da justiça, equidade e moral;<br>
v) Violou-se, assim, no douto acórdão recorrido, por errada interpretação e aplicação da lei substantiva, o disposto nos artigos 574 e 578 do Código Comercial, artigos 737 e 747 do Código Civil, artigo 1, 2, 3 e 12 da Lei n. 17/86, de 14 de Junho, e artigo 13 da Constituição da República.<br>
Contra-alegando, o recorrido Instituto Portuário do Norte, anteriormente Junta Autónoma dos Portos do Norte, pugna pela manutenção do julgado.<br>
Cumpre decidir.<br>
Os factos considerados provados pela Relação são os seguintes:<br>
A executada A, Limitada foi condenada, no âmbito do processo n. 369/96, no pagamento à Junta Autónoma dos Portos do Norte da quantia de 674894 escudos e nas taxas de estacionamento e acostagem do seu navio "..." que se vierem a liquidar desde 1 de Outubro de 1996 até à sua largada definitiva do porto comercial de Viana do Castelo, à razão de 277000 escudos por mês, acrescida do IVA à taxa legal de 17 por cento e dos juros que se vencerem à taxa legal de 2 por cento ao mês, bem como na quantia que resultar da aplicação às importâncias vencidas e vincendas do coeficiente de actualização que vier a ser fixado para o porto comercial de Viana do Castelo relativamente às taxas de estacionamento e acostagem;<br>
No âmbito do processo de execução 369-B/96 que esta moveu àquela, foi convertido o arresto do navio "..." em penhora;<br>
Tal arresto havia sido decretado em 13 de Dezembro de 1996, nos autos 369-A/96, tendo sido efectuado no dia 13 de Janeiro de 1997, o executado foi accionado pelo Ministério Público para pagamento de custas resultantes do processo 369/96, tendo-se efectuado a competente penhora do navio "..." no dia 7 de Julho de 1997 (processo n. 369-C/96);<br>
A execução n. 369-C/96 foi sustada por despacho de 7 de Outubro de 1997;<br>
A A, Limitada foi condenada, no âmbito de acção declarativa de condenação 604/96 que correu seus termos no Tribunal do Trabalho do Círculo Judicial de Viana do Castelo, no pagamento das quantias descritas a folha 19 dos autos, aqui dadas por integralmente reproduzidas, aos reclamantes B, C, D, E, F e G;<br>
Tais quantias resultaram de créditos salariais emergentes de contrato de trabalho a termo certo, quantias essas de que a citada A, Limitada se encontrava devedora;<br>
Executada esta por aqueles, foi penhorado o navio supra referido no dia 28 de Novembro de 1997;<br>
Esta execução foi sustada por despacho de 14 de Janeiro de 1998.<br>
Tem ainda de considerar-se provado, nos termos da sentença proferida pelo Tribunal do Trabalho, certificada a folhas 13 e seguintes, que os ora recorrentes foram admitidos ao serviço da ré A, Limitada na embarcação "..." para exercerem as funções de comandante, segundo e terceiro pilotos, chefe de estação de rádio, ajudante de motorista e ajudante de maquinista.<br>
Postos os factos, entremos na apreciação do recurso.<br>
Sabido que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões insertas na respectiva alegação, a questão fulcral a decidir consiste em saber se os créditos dos recorrentes gozam do privilégio creditório concedido pelo artigo 12 da Lei n. 17/86, de 14 de Junho ou se, pelo contrário, tais créditos e a quantia exequenda deverão ser graduados segundo o figurino do artigo 578 do Código Comercial.<br>
As instâncias efectuaram a graduação dos créditos de harmonia com o disposto no referido artigo 578 do Código Comercial, afastando a aplicação da Lei n. 17/86.<br>
Contra este entendimento insurgem-se os ora recorrentes.<br>
Sem razão, porém, o fazem.<br>
Efectivamente, o disposto no artigo 12 da Lei n. 17/86 é inaplicável ao caso dos autos.<br>
Em primeiro lugar, tal lei rege apenas o não pagamento pontual do salário devido aos trabalhadores que o recebam em Portugal por empresas que laborem no País. Não é o que se passa com os ora recorrentes, que eram, tripulantes estrangeiros de um navio também estrangeiro.<br>
Em segundo lugar, como resulta do disposto nos artigos 2 e 3 da Lei n. 17/86, o privilégio creditório concedido pelo artigo 12 da mesma Lei respeita somente aos créditos dos trabalhadores que hajam rescindido o contrato ou suspendido a prestação de trabalho. Não é o caso dos autos, pois os ora recorrentes tinham contratos de trabalho a prazo certo, que não foram rescindidos ou suspensos.<br>
Os privilégios creditórios sobre os navios, incluindo os salários dos tripulantes, estão previstos e graduados no artigo 578 do Código Comercial.<br>
Com a publicação do decreto-Lei n. 47344, de 25 de Novembro de 1966, que aprovou o novo Código Civil, colocou-se a dúvida de saber se as disposições do Código Comercial sobre privilégios creditórios continuavam ou não em vigor.<br>
"Mas, consoante escreve Fernando Olavo, Col. Jur., ano IX, tomo 5, página 15, como esse Código só veio revogar legislação civil, nos precisos e expressos termos do artigo 3 do mesmo diploma, é de ver que os privilégios e a legislação especial a que o artigo 8 n. 1 (do Decreto-Lei n. 47344) se refere são apenas os de natureza civil, não os de natureza comercial.<br>
Por isso é hoje líquido que o citado artigo 578 e outros do Código Comercial sobre privilégios creditórios se mantêm vigentes".<br>
Preceitua o referido artigo 578 do Código Comercial. As dívidas que têm privilégio sobre o navio são graduadas pela ordem seguinte:<br>
4. Os direitos de tonelagem, faróis, ancoradouro, saúde pública e quaisquer outros do porto;<br>
6. As soldadas do capitão e tripulantes.<br>
A proprietária do navio "...", de que os ora recorrentes eram tripulantes, foi condenada a pagar à Junta Autónoma dos Portos do Norte as taxas de estacionamento e acostagem até à largada definitiva do navio do porto comercial de Viana do castelo.<br>
Como bem diz a recorrida, "direitos do porto são precisamente os direitos conferidos às administrações portuárias pela entrada e permanência de navios nas suas áreas de jurisdição.<br>
Estando o navio estacionado e acostado no porto de Viana do Castelo terá o seu dono de satisfazer as taxas fixadas para o efeito.<br>
E não se diga que tais taxas não são devidas após o arresto do navio. É que quem deu causa ao arresto foi a proprietária do navio, sendo sua obrigação fazer cessar tal providência para o navio poder sair do porto.<br>
Enquanto o navio se mantiver acostado, a administração portuária tem direito a receber a respectiva taxa.<br>
Estando a quantia exequenda abarcada pelo n. 4 do artigo 578 do Código Comercial, a graduação de créditos operada nas instâncias mostra-se conforme à lei, não havendo qualquer alteração a efectuar.<br>
Será, porém, o referido artigo 578 do Código Comercial inconstitucional por violar o princípio da igualdade consagrado no artigo 13 da Constituição?<br>
A resposta é negativa.<br>
Como é sabido, o princípio da igualdade impõe um tratamento igual a situações de facto iguais e um tratamento desigual relativamente a situações desiguais. Trata-se de proibir o arbítrio, não sendo admissíveis dois tratamentos diferentes para duas situações iguais.<br>
A situação dos trabalhadores em geral e a situação dos tripulantes de um navio não são iguais. Enquanto aqueles estão ligados a uma empresa vista no seu conjunto, estes estão ligados ao navio, visto como um património autónomo. O regime laboral destes tem de ter em conta as especificidades do navio, designadamente a sua mobilidade, pelo que bem se compreende que os créditos portuários sobre o navio prevaleçam sobre os créditos salariais dos respectivos tripulantes.<br>
O acórdão recorrido fez, pois, uma correcta interpretação da lei que aplicou ao caso dos autos, não merecendo qualquer censura.<br>
Termos em que se nega a revista.<br>
Custas pelos recorrentes.<br>
<br>
Lisboa, 25 de Janeiro de 2000<br>
Tomé de Carvalho,<br>
Silva Paixão,<br>
Silva Graça.<br>
<br>
1. Juízo do Tribunal de Viana do Castelo - P. 360-D/96.<br>
Tribunal da Relação do Porto - P. 410/99 - 6. Secção. </font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
vzIovIYBgYBz1XKv16xG | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de<br>
Justiça:<br>
A Sociedade de Construções Ritas Limitada propôs contra os réus B e mulher C esta acção com processo ordinário pedindo a condenação dos réus a pagarem à A. a quantia de 549482 escudos e juros de mora à taxa de 23 por cento ao ano sobre 454916 escudos, proveniente de trabalhos de acabamento que a A., na actividade de carpintaria e afins que exerce, executou na vivenda dos réus, na Rua ..., em Barcelos, e os réus não pagaram.<br>
Contestaram os réus alegando que a A. não executou todos os trabalhos contratados, aceitando que devem apenas a quantia de 454916 escudos. Em reconvenção, pedem que a A. lhes pague 468000 escudos de madeira de pinho tratado, propriedade dos réus e que a A, dissipou em proveito próprio, operando-se a compensação e condenando-se a A. a pagar aos réus a diferença de 13083 escudos e 70 centavos e ainda indemnização pelo incumprimento do contrato, a liquidar em execução de sentença.<br>
Replicou a A. impugnando o pedido reconvencional e concluindo como na petição. Treplicaram os réus mantendo sua anterior posição.<br>
Proferido o saneador e elaborados a especificação e o questionário, procedeu-se a julgamento, e o Tribunal Colectivo respondeu aos quesitos (folhas 105 e verso) e, por fim, foi proferida a sentença julgando improcedentes todos os pedidos reconvencionais e condenando-se os réus a pagarem à A. as quantias de 385278 escudos e 80 centavos, com juros a 23 por cento ao ano até 29 de Abril de 1987, e 15 por cento até integral pagamento, mais 69637 escudos e 50 centavos.<br>
Da sentença apelaram os réus, mas o Tribunal da Relação do Porto confirmou a sentença (folhas 146-150 verso).<br>
Novamente inconformados, trazem os réus esta revista para o Supremo, concluindo deste modo:<br>
1 - O contrato realizado entre A. e apelantes deverá ser classificado como contrato misto de empreitada e depósito<br>
2-3) A A. não cumpriu a obrigação prevista no artigo<br>
1187, alinea c) do Código Civil, já que deixou de restituir aos réus 4 m3 de madeira, o que gera a obrigação de indemnizar nos termos dos artigos 798 e 799 do Código Civil 4-5-6) A A. não cumpriu culposamente o contrato de empreitada acordado com os recorrentes. Pelo que estes viram diminuido o valor do imóvel e tiveram que adquirir mais madeira para completar a obra que à A. competia. O prejuízo indemnizável compreende o dano emergente e o lucro cessante (artigos 798 e 564 do Código Civil)<br>
7-8-9) A responsabilidade da A. decorre do facto de não se ter provado, que nos termos do artigo 488 do Código Civil, fixou-se a inimputabilidade da A., aplicando assim à responsabilidade obrigacional da A. o disposto nos artigos 798, 799 e 483 do Código Civil.<br>
Deve, assim, ser julgado procedente parcialmente o pedido constante das alíneas B1 e B2 do pedido reconvencional, com referência a 4 m3 e nessa proporção e valor, e provado o pedido da alinea B3 do pedido reconvencional<br>
10-11) Sendo a A. quem se encontra em mora, não deverão os recorrentes ser condenados em juros. Mas, se o fossem, só poderiam se-lo quanto à diferença do seu crédito para com o da A. (valor liquido) e sempre após sentença<br>
12 -Ao decidir o contrário, a sentença (sic) recorrida violou as disposições citadas.<br>
Não houve contra-alegações.<br>
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.<br>
II<br>
São os seguintes os factos dados como provados nas instâncias:<br>
1 A autora dedica-se à actividade de carpintaria e afins.<br>
2 No exercício dessa actividade, foi a A. solicitada pelos réus para efectuar trabalhos de acabamentos numa sua vivenda construida na Rua Tras-das-Freiras, em Barcelos<br>
3 Em virtude de tal solicitação, a A. realizou determinados trabalhos na vivenda dos réus, quer aplicando materiais propriamente ditos, quer serviços de pessoal seu assalariado<br>
4 Estes serviços eram pagos à hora, fornecendo os réus madeira necessária<br>
5 Para esse fim, a A., através do seu gerente, efectuou o cálculo da madeira de pinho tratado, necessário para as obras a efectuar no soalho, forro, rodapés, escadas, alizares, aros, orlas de portas, porta de entrada, armários, ripas e vigas, num total de cerca de 19 m3<br>
6 O réu marido, acompanhado do gerente da A., deslocou-se a Marinha Grande onde adquiriu os 19 m3 da referida madeira, no valor de 669852 escudos e 30 centavos, IVA incluido<br>
7 A realização dos trabalhos e aplicação dos materiais referidos foram contabilizados de acordo com os factores de folhas 4, 5 e 6, no montante global de 454916 escudos e 30 centavos, IVA incluido<br>
8 Pelos réus não foi entregue à A., até ao momento, qualquer quantia para pagamento desse montante<br>
9 A A. deixou de efectuar as seguintes obras contratadas: resguardo dos corredores, das escadas de serviço e da sala superior, forro da área do jardim e varanda da frente, da casa de banho principal, metade do tecto da sala superior e todos da parede desta e ainda do terraço, rodapés das salas de jogos, hall da entrada, armários e em toda a sala superior alizares das janelas da casa de banho e caixas de estores, aros de divisões das salas superiores e da casa de banho do quarto superior, todos os armários da cozinha, forno, frigorifico e dispensa, vigamento da sala superior e acabamento de janela, corrimão da escada principal,toda a maquinaria da cozinha e da porta, envidraçado da escada principal e de serviço, todas as sanefas da sala, garagem, escritório, quartos, balcão do bar, armários e portas.<br>
10 A madeira adquirida na Marinha Grande foi transportada para as oficinas da A., em Barcelos, nos fins de 1984<br>
11 Em principios de 1986, o réu marido mandou juntar toda essa madeira, ainda não aplicada na obra<br>
12 Foi junta essa madeira, tendo sido computada a extinta na obra e a que se encontrava na oficina, na volumetria global de cerca de 2,5 m3, que passou a ficar à exclusiva guarda dos réus<br>
13 Foram aplicados pela A., na casa dos réus, cerca de<br>
12 m3 de madeira oriunda da Marinha Grande, tendo sido o desperdício correspondente a 20 por cento<br>
14 A madeira aplicada nas obras em segundo lugar (não pela A.), apresenta, na sua maior parte, um contraste com a aplicada pela A., muitos nós como consequência de galhos de àrvores, apresentando ainda nalguns pontos fendas abertas por deficiência de tratamento e secagem, e sendo menos nobres na cor e exibindo nalguns pontos, especialmente junto aos encaixes das tábuas, sinais de deterioração, apresentando ainda menor densidade por ter crescimentos maiores.<br>
15 Da madeira aplicada nas obras em 2 lugar (não pela<br>
A.) apresenta, na sua maior parte, um contraste com a aplicada pela, digo Da madeira adquirida na Marinha Grande, os réus resolveram desaproveitar toda a madeira que não tivesse a mesma cor, ou que apresentasse galhos e fendas<br>
16 E dos referidos 19 m3 da madeira, os réus retiraram ainda parte de boa qualidade para mandar construir umas estantes para a farmácia, denominada "A minha Farmacia" sita em Barcelos, sendo certo que, para tal, foi retirado cerca de meio m3 de madeira oriunda da Marinha<br>
Grande<br>
17 Os réus concluiram a obra com madeira de qualidade inferior, em parte, aplicando uma volumetria global de cerca de 3,5 m3, tendo sido o desperdicio correspondente a cerca de 20 por cento<br>
Estes os factos dados como provados.<br>
III<br>
Examinemos, agora, as conclusões dos réus recorrentes.<br>
A 1 delas é de que o contrato em causa, entre a A. e os réus, deve ser qualificado como contrato misto de empreitada e depósito.<br>
Será assim?<br>
Empreitada é o contrato pelo qual uma das partes se obriga à outra a realizar certa obra, mediante um preço<br>
(Artigo 1207 do Código Civil). Como sublinham os comentadores, essencial para que haja empreitada é que tenha por objecto a realização duma obra. Na "empreitada" atende-se ao requisito do resultado (realizar certa obra) e ao critério da autonomia. E essencial é também o preço como retribuição acordada entre as partes. Confere Professores P. DE LIMA e ANTUNES VARELA - Código Civil Anotado, vol II, 3 edição, páginas 787 a 790.<br>
Ora, não foi por isso que A. e réus ajustaram no caso em apreço. O que aconteceu foi que, numa vivenda que os réus construiram em Barcelos, foi a A. (que se dedica a carpintaria) solicitada a efectuar trabalhos de acabamentos, e a A., aceitou-o aplicando materiais propriamente ditos e utilizando serviços do seu pessoal assalariado. Serviços esses que eram pagos à hora, fornecendo os réus madeira necessária (ns. 1 a<br>
5 da factualidade descrita em II supra).<br>
A realização dos trabalhos e aplicação dos materiais foram contabilizados de acordo com os factores de folhas 4, 5 e 6, no montante global de 454916 escudos e 30 centavos, IVA incluido, e pelos réus não foi entregue à A. qualquer quantia para pagamento desse montante (ns. 7 e 8 dos factos em II supra).<br>
Logo, não pode o contrato em causa qualificar-se de "empreitada", pois não tem ingredientes desta.<br>
Depósito é o contrato pelo qual uma das partes entrega<br>
à outra uma coisa para que a guarde e a restitua quando for exigida (artigo 1185 do Código Civil). Um dos traços característicos do contrato de depósito é o da obrigação da restituição da coisa recebida em depósito quando exigida pelo depositante : Confere P. DE LIMA e ANTUNES VARELA, no Código Civil Anotado, vol II, 3 edição, páginas 756-757.<br>
Ora, conforme a factualidade provada, o gerente da A. e o réu marido foram a Marinha Grande onde o réu adquiriu 19 m3 da madeira para a aplicar em acabamentos de carpintaria, na sua atrás referida vivenda de<br>
Barcelos (ns. 5 e 6 dos factos, em II supra). Assim sendo, se a madeira adquirida pelo réu era para ser aplicada em acabamentos de carpintaria na sua vivenda, nunca o contrato em causa podia ser o de "depósito", pois traço caracteristico neste contrato é a restituição da coisa entregue em depósito, a qual é impossivel quando essa coisa se destina a ser aplicada em trabalhos de carpintaria a executar numa vivenda.<br>
Logo, não pode qualificar-se o contrato em causa como "depósito", nem tem ingredientes deste<br>
Conclusão: o contrato em questão nem é típico de empreitada, nem de depósito, nem é misto de empreitada e depósito como pretendem os recorrentes na sua conclusão 1.<br>
Do que se trata, de acordo com a factualidade descrita em II e análise agora feita, é de contrato de prestação de serviços regulado no artigo 1154 do Código Civil, como bem se qualificou no acórdão recorrido, acrescentando-se que ele "não chegou a terminar por motivos não apurados, não se podendo assim determinar qual dos contratantes foi o culpado pela rotura do acordo celebrado" - vide acórdão recorrido, a folhas 150.<br>
Improcedente a conclusao 1 e tendo em conta o que acabou de se transcrever do acórdão recorrido, a folhas 150, prejudicado fica o conhecimento das demais conclusões dos recorrentes. E não pode concluir-se - como pretendem os réus recorrentes - que a A. esteja em mora (vide conclusão 10, a folhas 168). Porque - repita-se - não se tendo apurado os motivos porque o contrato não chegou a termo, não pode determinar-se qual dos contraentes foi o culpado pela rotura do acordo celebrado.<br>
As quantias em que os réus foram condenados têm base factual no facto especificado na alínea G, a qual se reporta às facturas de folhas 4, 5 6 e 7 dos autos (folhas 32 verso). Daí que a sentença tenha condenado em juros de mora com fundamento que consta do acórdão recorrido, na parte final de folhas 150.<br>
Termos em que improcede o recurso.<br>
IV<br>
Face a todo o exposto, nega-se a revista.<br>
Custas pelos recorrentes.<br>
Lisboa, 25 de Setembro de 1991.<br>
Vassanta Tamba,<br>
Meneres Pimentel,<br>
Brochado Brandão.<br>
Decisões impugnadas:<br>
- Sentença da Comarca de Barcelos de 89.05.19;<br>
- Acórdão da Relação do Porto de 90.04.17.</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
zzIDvIYBgYBz1XKvtXdT | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br>
"A" requereu a declaração de falência de "B", alegando, essencialmente, dispor de um crédito de FRF 876.132,40, acrescido de juros de mora à taxa legal de 15% e, tendo requerido a respectiva execução, veio a saber que a requerida havia trespassado a "C, pelo preço de 10000000 escudos e vendido também diversos equipamentos por 46397000 escudos, com a intenção de fazer desaparecer a totalidade do seu património, não carecendo de outros meios para cumprir as suas obrigações.<br>
Após oposição da requerida e corridos os ulteriores trâmites legais, veio a ser proferida sentença a julgar improcedente o pedido.<br>
Apelou, então, a requerente, sem êxito, para o Tribunal da Relação do Porto.<br>
Ainda não convencida, recorre agora para este Tribunal, formulando nas suas alegações as conclusões seguintes:<br>
1. - a recorrente encontra-se impossibilitada de cumprir pontualmente as suas obrigações, facto comprovado pelo não pagamento das suas responsabilidades, o que consubstancia uma situação de insolvência - artigo 3 do Decreto-Lei 132/93, de 23 de Abril;<br>
2. - dispõe o n. 3 do artigo 8, do mesmo diploma legal, que pode a falência ser requerida por qualquer credor, quando a não considere economicamente viável, sempre que a falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento, revele a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações;<br>
3. - o mesmo Decreto-Lei, na 2. parte do n. 2 do artigo 25 consigna que, havendo prova de qualquer dos pressupostos legalmente exigidos, deve o Juiz declarar reconhecida a situação de insolvência e ordenar o prosseguimento da acção, nos termos requeridos;<br>
4. - a requerida não cumpriu as suas obrigações para com o requerente e demais credores;<br>
5. - a requerida, logo após a requerente ter proposto a competente acção declarativa de condenação para pagamento dos seus créditos, trespassou, pelo preço de 10000000 escudos, o estabelecimento onde tinha a sua sede e exercia a sua principal actividade, bem como vendeu a dinheiro diverso equipamento e viaturas, pelo preço de 46397000 escudos;<br>
6. - a requerida foi condenada e multada por litigância de má fé no âmbito daquela acção, por ter procedido sem a exigível lisura, em conduta visivelmente destinada a entorpecer a acção da justiça;<br>
7. - a requerida opõe-se ao pedido de falência, alegando ser proprietária de vários bens no valor aproximado de 155000 contos. Mas não logrou provar tal facto;<br>
8. - encontra-se a requerida na impossibilidade de solver as suas obrigações, dada a inexistência de bens e a falta de crédito;<br>
9. - violou, deste modo, o acórdão recorrido o disposto nos artigos supra citados.<br>
O Exmo. Procurador-Geral Adjunto pugna, mui doutamente, pela confirmação do acórdão recorrido.<br>
Foram colhidos os vistos legais.<br>
Tudo visto. Cumpre decidir.<br>
E decidindo.<br>
As instâncias deram por assentes os factos seguintes:<br>
1. - a requerente, ora recorrente, é uma empresa que se dedica à comercialização de carnes;<br>
2. - a requerida encontra-se registada na 3. Conservatória do Registo Comercial do Porto;<br>
3. - no exercício da sua actividade, a requerente forneceu<br>
à requerida, a solicitação desta, diversas mercadorias;<br>
4. - estes fornecimentos constam das facturas n. 1466, de<br>
1 de Fevereiro de 1991, vencida em 23 de Fevereiro de 1991, no valor de FRF 242249,20, n. 357, emitida em 15 de Fevereiro de 1991, vencida em 11 de Março de 1991, no valor de FRF 227378,10 e n. 112, emitida em 8 de Fevereiro de 1991, vencida em 2 de Março de 1991, no valor de FRF 259959,10;<br>
5. - a requerida efectuou dois pagamentos, no valor de FRF 50000, cada um, em 14 de Maio de 1991 e 27 de Maio de 1991, como parte do pagamento do valor das respectivas facturas;<br>
6. - a requerida, apesar de interpelada por diversas vezes pela requerente, não pagou a quantia de FRF 629587,40;<br>
7. - a requerente propôs contra a requerida uma acção com processo ordinário, tendo esta sido condenada a pagar à requerente a quantia de 876132,20, acrescida de juros de mora à taxa legal de 15%, contados desde 2 de Abril de 1992 e até efectivo pagamento, sobre FRF 629586,40, na multa de 5 UC,s e 25000 escudos de indemnização, como litigante de má fé;<br>
8. - a requerida interpôs recurso de apelação daquela sentença, tendo a requerente exigido a prestação de caução de 22298440 escudos, correspondente ao valor da condenação, recurso que veio a ficar deserto por falta de alegações;<br>
9. - a requerida trespassou a "C" pelo preço de 10000000 escudos, com os elementos integrantes e livre de qualquer passivo, incluindo o direito ao arrendamento;<br>
10. - e vendeu a dinheiro à mesma sociedade, pelo preço de 46397000 escudos, diversos equipamentos e viaturas.<br>
Estes os factos essenciais a ter em consideração na apreciação das questões suscitadas pela recorrente, tendo sempre presente que aquela apreciação se deve manter dentro das seguintes coordenadas fundamentais: o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente nas respectivas alegações; este Supremo, como tribunal de revista, apenas conhece, em princípio, de matéria de direito.<br>
Postas estas notas prévias, vejamos se alguma razão assiste à recorrente.<br>
Entende ela que a requerida, por não ter pago uma dívida de determinado montante e ter alienado alguns bens, se encontra em situação de inviabilidade económica e de cumprir pontualmente as suas responsabilidades.<br>
Temos, à face da lei vigente, por demasiado ligeiro este raciocínio.<br>
Com efeito, como resulta do artigo 1 n. 2 do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência (a seguir, designado por CPEREF) e, aliás, se salienta doutamente no acórdão recorrido, o verdadeiro e único fundamento da declaração de falência da empresa é a sua inviabilidade económica.<br>
E bem se compreende que assim seja, pois, atento o grave problema nacional e europeu do desemprego, existente à data (e ainda existente) em que o Decreto-Lei 132/93, de<br>
23 de Abril, aprovou aquele Código, o objectivo primordial a atingir pela nova regulamentação era evitar a situação de falência das empresas, sabido, como é, que falência é sinónimo de desemprego.<br>
Muito mais que defender os credores, importava proteger as empresas em situação difícil, retardando o mais possível a declaração de falência.<br>
Dentro desta filosofia, e certamente para reforçar a obtenção daquele objectivo, o legislador, embora reconhecendo aos credores o direito de pedirem a declaração de falência, limitou a existência desse direito a situações bem delimitadas, restringindo-as aos casos que aponta no artigo 8 n. 3, do referido Código.<br>
Mas sendo assim, constituindo essas situações o pressuposto factual do direito de pedir a declaração de falência, evidente é que ao respectivo titular compete fazer a sua prova (artigo 342 n. 1, do Código Civil).<br>
Atento o quadro factual fixado pelas instâncias, vejamos se se verifica alguma daquelas situações.<br>
A este propósito, vem provado, essencialmente, o não pagamento, por parte da requerida, de uma dívida no valor de 22298440 escudos de que é credora a recorrente e trespasse de um estabelecimento, no valor de 10000000 escudos e venda de alguns bens, no valor de 46397000 escudos.<br>
Ora, quanto à dívida não paga, nada foi apurado relativamente à impossibilidade da requerida de satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações; e, quanto ao trespasse e venda de alguns bens, também nada se apurou relativamente a um eventual propósito da requerida de se colocar nessa mesma situação.<br>
Isto é, os referidos factos do não pagamento, trespasse e venda de bens, desacompanhados do facto essencial da subsequente impossibilidade da requerida de cumprir a generalidade das suas obrigações, são manifestamente insuficientes para o efeito pretendido da declaração de falência.<br>
E, como à recorrente competia fazer a sua prova, óbvio é que só ela deve sofrer o respectivo gravame.<br>
Entretanto, esforça-se ela por mostrar que essa "impossibilidade de cumprir a generalidade das obrigações" resulta da simples aplicação das regras gerais da experiência comum.<br>
Trata-se, contudo, de um esforço inglório.<br>
Na verdade, uma dívida do montante apontado pode, em termos de dificuldades económicas, significar muito ou nada, tudo dependendo da dimensão do devedor. Para uma multinacional não significará mais do que um grão de areia, enquanto que para um pequeno empresário pode significar um grande pedregulho...<br>
Ignorada, no caso em apreço, a dimensão da requerida, nada se pode inferir, no plano das regras da experiência comum, do facto do não pagamento da apontada dívida.<br>
E o mesmo se pode afirmar quanto aos demais factos apurados, sendo manifestamente irrelevante a condenação da requerida como litigante de má fé, para daí deduzir qualquer propósito dela em se colocar em situação de impossibilidade de cumprir as suas obrigações.<br>
Aquela condenação tem natureza meramente processual e as suas consequências esgotaram-se com a aplicação das respectivas sanções e posterior cumprimento.<br>
Finalmente, mostra-se dispicienda a afirmação da recorrente de que a requerida não logrou provar a sua viabilidade económica, como alegou, pois, não tendo aquela recorrente provado nenhum dos fundamentos de facto do invocado direito de pedir a declaração de falência, não importa averiguar aquela viabilidade económica.<br>
Improcedem, deste modo, todas as conclusões formuladas pela recorrente.<br>
Pelo exposto, acorda-se em negar a revista, confirmando-se o acórdão recorrido.<br>
Custas pela recorrente.<br>
Lisboa, 13 de Maio de 1997.<br>
Herculano Lima,<br>
Aragão Seia,<br>
Lopes Pinto.</font> | [0 0 0 ... 0 1 0] |
MDIDvIYBgYBz1XKvUXfd | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br>
A e mulher B, demandam C, D, E e mulher F, e Caixa Geral de Depósitos, com dedução, na acção, desde logo, de incidente de falsidade com citação de G, ajudante do Cartório Notarial de Oeiras, todos com os sinais dos autos, pedindo que:<br>
- seja declarada falsa e de nenhum efeito a procuração junta a fls. 45-46;<br>
- o autor e a ré D sejam declarados únicos e universais herdeiros de E;<br>
- se declarem nulas e de nenhum efeito ou anuladas as escrituras públicas indicadas nos artigos 15, 18 e 20 da pet. in.,<br>
- sendo restituídos à herança os bens deixados pelo A, e<br>
- cancelando-se todos os registos de aquisição e hipoteca que, após a data dessas escrituras, sobre eles versarem;<br>
- se declarem sem efeito aquelas escrituras públicas;- se condene a ré C a pagar à herança, se impossível for a recuperação dos imóveis, uma indemnização correspondente ao seu valor;<br>
- se condenem os réus E e mulher, se impossível for a recuperação do imóvel do artigo 18, a pagar à herança uma indemnização correspondente ao seu valor;- se condenem as rés C e D a pagar à herança uma indemnização pelos prejuízos causados a liquidar em execução de sentença, pedido que ampliaram, ampliação que foi admitida, para - - reconhecer-se que os imóveis indicados nos artigos<br>
12 a 14 da pet. in. se não transmitiram à ré C através das escrituras referidas no artigo 15 desse articulado, pois que a "procuração" de fls. 45-46 em que A "constituiu" sua procuradora a ré C, irrevogável por passada no interesse da própria mandatária, não existe ou é falsa ou sofe do vício de falta de consciência da declaração e de usura, procuração que foi utilizada, já após a morte do A, nas aludidas compras e vendas, as quais são ainda simuladas, além de negócios contrários à lei.<br>
Contestando, os réus e o citado Henriques impugnaram, concluindo pela improcedência da acção (os primeiros) e do incidente (todos).<br>
Prosseguiu o processo até final, tendo por sentença de que os autores apelaram, sem êxito, a acção e incidente sido julgados improcedentes, absolvidos os réus e condenados aqueles como litigantes de má fé, por decaírem no incidente.<br>
De novo, inconformados pedem os autores revista, concluindo, em suma e no essencial, em suas alegações:<br>
- as escrituras de venda outorgadas em benefício da ré C foram por esta levadas a efeito já depois da morte do vendedor tendo nelas declarado que este vivia na sua (daquela) residência;<br>
- o vendedor não recebeu os preços dos prédios constantes das escrituras (2200, 225 e 175 contos), sendo que um foi depois vendido por 5000 contos e os restantes avaliados em 40514400 escudos;<br>
- para as escrituras a ré utilizou a procuração que lhe dava poderes para vender a si mesma todos e quaisquer móveis e imóveis e que pelo subscritor fora considerada irrevogável;<br>
- para os efeitos do mandato poderem sobreviver à morte do mandatário, indispensável era que além do mandatário houvesse interesse do mandante, sendo que o interesse deste se integra numa relação jurídica vinculativa, que não é o caso;<br>
- a Relação deu muito valor ao facto de ter aparecido o contrato-promessa que não deixa de ser confuso;<br>
- sendo que os bens do A, adquiridos pela ré C através daquelas escrituras, tinham já passado para a esfera patrimonial dos herdeiros daquele, a ré se em consciência se achasse na posse dum contrato- -promessa deveria ter exigido a estes o seu cumprimento, e não mentir dizendo que ele lhe vendia os bens e que se encontrava em sua casa;<br>
- a procuração já caducara e a lei que regula a procuração, no que respeita à preservação dos interesses do mandatário, apenas se refere à revogabilidade e não<br>
à caducidade;<br>
- o réu E e os elementos que actuaram no expediente do empréstimo pela ré Caixa tinham obrigação de investigar as circunstâncias em que o primeiro negócio de aquisição foi feito;<br>
- foi violado o disposto nos artigos 262, 269, 1057,<br>
2131, e 2025, com referência aos artigos 280 e 294 C.C.,<br>
- devendo as escrituras indicadas nos artigos 15 e 18 da pet. in. ser julgadas nulas e nenhum efeito, com a necessária comunicação ao registo predial, revogando-se o acórdão recorrido.<br>
Contra alegando, defenderam os réus a confirmação do julgado.<br>
Colhidos os vistos.<br>
Matéria de facto que as instâncias consideraram provada: a)- o autor A e a ré D são filhos de A e de H; b)- A faleceu às 2 horas de 25 de Setembro de 1985 no estado de divorciado; c)- na Conservatória do Registo Predial de Oeiras encontra-se inscrita:<br>
- pela apresentação n. 16 de 16 Fevereiro de 1982 a aquisição por compra a favor de A da fracção identificada pela letra D, correspondente ao rés-do- -chão esquerdo do prédio sito em Oeiras, ali descrita sob o;<br>
- pela apresentação n. 22 de 12 de Janeiro de 1986, a aquisição por compra da aludida fracção a favor da ré C;<br>
- pela apresentação n. 16 de 27 de Agosto de 1986, a aquisição dessa fracção por compra a favor do réu E, convertida em definitivo pela apresentação n. 10 de 28 de Janeiro de 1987; d)- na mesma Conservatória encontra-se inscrita:<br>
- pela apresentação n. 34 de 2 de Março de 1982, a aquisição por compra a favor de A da proporção de 2/6 do lote de terreno para construção, com a área de 3.758,50 m2, designado por lote 3, no sítio do Mato da Torre, freguesia de S. Domingos de Rana,<br>
Cascais, prédio esse ali descrito sob a apresentação n. 23.040 do L. B-73;<br>
- e pela apresentação n. 36 de 17 de Maio de 1983, a aquisição por compra a favor de A, da proporção de 1/6 do aludido lote de terreno; e) - em 16 de Setembro de 1985, A prometeu vender e a ré C prometeu comprar a fracção autónoma aludida na alínea c) e os lotes de terreno mencionados na alínea d), mediante a contrapartida monetária de 8000000 escudos, conforme cópia do escrito de fls. 148 e seguintes; f)- A na data em que celebrou o contrato de fls. 148 e seguintes, já havia recebido da ré C a quantia de 8000000 escudos; g)- em 13 de Dezembro de 1985, a ré C vendeu a si própria na qualidade de procuradora de A:<br>
- a fracção referida na alínea c) por 2200000 escudos, conforme cópia da escritura de compra e venda de fls.<br>
28 e seguintes;<br>
- os 2/6 do lote de terreno mencionado na alínea d) por 225000 escudos, conforme cópia da escritura de compra e venda de fls. 34 e seguintes;<br>
- o 1/6 do lote de terreno mencionado na alínea d) por por 175000 escudos, conforme cópia da escritura de compra e venda de fls. 40 e seguintes; h)- nas escrituras mencionadas na alínea g) consta ser A "residente na mesma casa da outorgante" e ter recebido os preços nelas referidos; i)- em 20 de Setembro de 1985, no rés-do-chão esquerdo do n. 6-A da Praceta de Malange, em Oeiras, perante G, ajudante do Cartório Notarial de Oeiras, A declarou constituir sua procuradora a ré C a quem concedeu "os poderes necessários para vender a quem e pelo preço que entender, podendo a mandatária ser a própria compradora, e, por isso, fazer negócio consigo mesmo, todos e quaisquer bens móveis e imóveis, podendo receber o preço ou dá-lo como já recebido por ele mandatário, dar quitação, outorgar e assinar as competentes escrituras ou promessas de compra e venda, requerer nas Conservatórias do Registo Predial quaisquer registos prediais, provisórios ou definitivos e tudo o mais que necessário se torne ao mencionado fim. O mandante considera esta procuração irrevogável nos termos da Lei por ser passada no interesse da própria mandatária", conforme certidão junta a fls. 45-46; j)- em 11 de Dezembro de 1986, a ré D, como procuradora da ré C, vendeu ao réu E a fracção autónoma aludida na alínea c) pela importância de 4150000 escudos, conforme cópia da escritura de venda de fls. 48 e seguintes; l)- em 11 de Dezembro de 1986, os réus E e mulher constituiram a favor da ré Caixa hipoteca sobre essa fracção, conforme cópia da escritura de fls. 54 e seguintes; m)- A e a ré C viveram durante cerca de 20 anos como se fossem marido e mulher; n)- aquando da aquisição por A do prédio referido na 2. parte da alínea d), existiam neste algumas edificações, onde foram, posteriormente, efectuadas obras de reconstrução e ampliação iniciadas por aquele e completadas após a sua morte; o)- a parte do terreno aludida na 2. parte da alínea d) e na alínea e), ocupada por A é murada e tem um furo artesiano; p)- apesar do preço referido na escritura mencionada na alínea j) ser de 4150000 escudos, a quantia real e efectivamente recebida foi de 5000000 escudos; q)- em 20 de Setembro de 1985, A estava acometido de um adenocarcinoma próstático generalizado que lhe provocava um grande sofrimento; r)- A sabia assinar; s)- A dedicava ao autor afecto e dedicação; t)- em Agosto de 1982, quando já se encontrava doente e em grande sofrimento, A foi visitado pelo autor; u)- a ré D prometeu enviar ao autor para França cópias das escrituras celebradas por A e outros documentos respeitantes aos bens do mesmo; v)- a venda mencionada na alínea j) foi esboçada, tratada e acompanhada pela ré D; x)- aquando da venda referida na alínea j), os réus E e mulher desconheciam a existência de qualquer vício que, eventualmente, a afectasse.<br>
Decidindo:-<br>
1.- A 1. instância considerou estar-se face a uma procuração "suspensa" ou "isolada" (no que aceitou a tese de Januário Gomes in "Em tema de revogação do mandato civil", p. 242) e que não regulando a lei (CC-265) o destino da procuração quando o representado morre se deve aplicar por analogia o disposto no artigo 1175 CC; e, porque se trata de procuração irrevogável passada também no interesse da representante (ela poder vender a si mesma determinados imóveis em cumprimento de um contrato-promessa anterior que unia representante e representado e cuja contrapartida monetária já tinha sido recebida por este), não caducou a procuração (ressalva daquele artigo 1175), pelo que os contratos de compra e venda não são ineficazes.<br>
A Relação, quer por os defensores da existência de uma relação-base (tendo-a in casu como a de mandato) da procuração não terem recorrido quer por os autores não discordarem da qualificação operada na decisão de que recorriam, recusou poder conhecer da qualificação; de seguida, considerou que se verificava uma alteração - inadmissível - da causa de pedir, não sendo a caducidade de conhecimento oficioso (CC-333,1 e 2) porque, enquanto alicerçavam o pedido na falsidade da procuração agora o faziam na sua caducidade; não obstante, confirmou a tese da não-caducidade da procuração e consequente validade e eficácia dos negócios jurídicos celebrados pela ré C no uso da procuração, o que tornou irrelevante saber se esta ilidiu ou não o notário, afirmando que o vendedor se encontrava a residir na mesma morada, e, porque a ré Caixa apenas tinha que se preocupar com a segurança na constituição da hipoteca e se não provou negligência na actuação desta e dos réus E e mulher, confirmou a sentença.<br>
Alegando, os autores negam que a procuração fosse no interesse comum do representado e da representante, sendo ele apenas referido para a revogabilidade da procuração (CC-265,3), nada dispondo a lei para a sua caducidade nem lhe sendo ou podendo ser aplicáveis as regras do mandato, caducidade que, além da falsidade da procuração, na petição inicial (artigos 40-42 e 48) invocaram; e porque se trata de venda de bens alheios (CC-2.025) e porque houve negligência dos réus E e mulher, e Caixa, deve proceder a acção revogando-se a acórdão recorrido.<br>
2- A qualificação jurídica que as partes emprestem aos factos não vincula o tribunal pelo que este não pode escusar de a ela proceder (CPC-664). Daí que a Relação, dissentissem ou não os autores, na sua apelação, da qualificação operada na sentença não podia deixar de se pronunciar e retirar as consequências inerentes.<br>
Causa de pedir é o concreto facto jurídico de que emerge o direito do autor, o facto real que este concretamente alega para justificar o pedido, para legalmente fundamentar a sua pretensão. É indiferente que o autor o "rotule" ou não; importa conhecer, pela análise da petição inicial, o que concretamente se alegou.<br>
Desse articulado resulta que os autores, além da falsidade da procuração, fundamentaram o seu pedido na caducidade desta, daí fazendo derivar o efeito de que, na altura das vendas, os bens eram alheios, não integravam senão a herança ilíquida e indivisa por morte do A, nos termos do artigo 2025 CC.<br>
E quando procederam à ampliação do pedido (fls. 399 v-400), ampliação admitida (fls.422 a 424) por constituir um mero desenvolvimento do pedido inicial (restituição à herança dos bens deixados pelo A), pretenderam se reconhecesse que os imóveis se não transmitiram à ré C através das vendas.<br>
Este efeito tanto pode resultar de um como do outro fundamento.<br>
Assistia legitimidade aos autores, e continua a assistir, para alicerçarem o seu recurso na por si alegada caducidade da procuração e que viram decidida desfavoravelmente.<br>
3- Ponto fulcral da revista - pela morte de A extinguiu-se a relação jurídica que entre ele e a ré C se estabeleceu com a procuração que lhe conferiu?<br>
O Supremo Tribunal de Justiça não conhece do facto, aceita-o, em princípio, tal como vem definido pelas instâncias. In casu, não ocorre qualquer das circunstâncias que legitimam a imiscuição do STJ na esfera reservada às instâncias.<br>
É para os factos considerados provados que a solução de Direito terá de ser encontrada.<br>
Pelo documento de fls. 45-46, intitulada de "procuração", verifica-se que A quis recorrer à cooperação da ré C para a alienação dos seus bens, conferindo-lhe poderes representativos para o efeito. É nesse acto, em si, de concessão, que não no documento, que consiste o da procuração (CC-262).<br>
A concessão da representação voluntária tem de ter um fundamento, uma relação que lhe subjaz, mas com ele não se confunde. Seja ele uma relação de mandato (a representação não é essencial ao mandato) seja outra relação, nem a representação é este fundamento nem este<br>
é aquela. Ainda quando coexistam mandato (CC-1157 e ss) e representação (CC-258 e ss), eles não se "comportam como as duas faces da mesma relação jurídica" (Ferrer Correia in Estudos Jurídicos II, p. 6), não se confundem.<br>
Como refere este autor, a causa da representação<br>
é a procuração, "o acto de concessão de poderes representativos, o assentimento do representado à representação" (p. 6), a sua preexistente declaração de vontade relativamente a certos negócios jurídicos a realizar pelo representante.<br>
A procuração é um negócio jurídico autónomo, uma declaração unilateral de vontade que procede do representado e é dirigida a um terceiro, este o outro sujeito do negócio representativo, é, no dizer de Ferrer Correia, "alguma coisa de exterior ao contrato subjacente" (p.19). A procuração não necessita do consentimento do representante embora o dever de agir do procurador não se possa conceber sem a cooperação da sua vontade; contudo, esse dever de agir não se fundamenta na procuração mas procede do negócio causal (p.29); a vinculação do representado que do acto procuratório resulta é perante o terceiro (a quem provocou a confiança na legitimação do procurador - para com ele realizar em seu nome determinado negócio - e na correspondência à sua vontade de autorização representativa) e não perante o representante (p.30).<br>
4- Como causa da declaração de vontade do A alinham-se os seguintes factos - a convivência marital de cerca de 20 anos entre ele e a ré C, até à data da morte daquele, e o consequente estabelecimento de um clima de confiança e consideração mútuas e de uma relação de comunhão, e o contrato-promessa pré-existente, do qual o promitente-vendedor (A) já recebera da promitente-compradora (a ré C) a totalidade da contrapartida acordada.<br>
Se existisse apenas o primeiro facto como causa da declaração de vontade do representado haveria que concluir que se estaria face a procuração "isolada".<br>
Todavia, existe um outro facto e esse leva a questionar se a causa da concessão de poderes representativos à ré C não terá sido um contrato pelo qual o A quis criar a obrigação de aquela praticar por conta dele determinados actos jurídicos o que ela também quis e aceitou, e no interesse de quem foi conferido (só no daquele ou também no desta).<br>
A terminologia empregue na procuração ("mandante",<br>
"mandatária") não é decisiva para se concluir. Na tentativa de reconstrução da vontade do declarante devem ponderar-se sempre as circunstâncias individuais do caso concreto conhecidas do declaratário ou para ele tornadas reconhecíveis (a propósito do artigo 236 CC, cfr. Ferrer Correia in Estudos Jurídicos I, p. 206 a 234).<br>
Dentre as circunstâncias individuais conhecidas pela ré C há que ter ainda presente as relativas ao estado de saúde do declarante e coordená-las temporalmente com os momentos da celebração do contrato-promessa, da outorga do documento-procuração e do óbito do A, bem como não deixar de considerar também a brevidade temporal entre dois actos (contrato-promessa e procuração).<br>
9 dias antes de falecer, A e a ré C, que com ele vivia maritalmente há cerca de 20 anos, celebraram um contrato-promessa no qual aquele lhe prometeu vender e esta lhe prometeu comprar determinados imóveis, estando a contrapartida (preço) devida áquele já por ele recebida.<br>
No contrato-promessa, como destinatária da alienação apenas a ré C tendo-se fixado um prazo máximo de celebração da escritura de compra e venda (3 meses).<br>
O A estava à data acometido de um adenocarcinoma próstático generalizado que lhe provocava um grande sofrimento, doença cuja gravidade e rapidez do desenlace são do conhecimento geral.<br>
É ainda do domínio geral que os contratos são para se cumprir, preferindo a generalidade das pessoas serem elas mesmas a cumpri-lo em lugar de deixar o adimplemento para os seus herdeiros.<br>
Compreende-se pois que A tenha querido expressamente conferir a possibilidade de o seu representante (a ré C) celebrar negócio consigo mesmo (CC-261,1) em cumprimento do contrato promessa, ou seja, de o executar celebrando o contrato prometido tanto mais que os elementos deste estavam previstos naquele e fora já satisfeito o preço. E compreende-se ainda que essa ré se quisesse obrigar a praticar, por conta do representado, o contrato prometido.<br>
Causa da procuração (relação jurídica autónoma) foi in casu um contrato de mandato (CC- 1157). Está-se, pois, aqui face a um mandato representativo (CC-1178).<br>
Não é o facto de na declaração de vontade do A se ler que "o mandante considera esta procuração irrevogável nos termos da Lei por ser passada no interesse da própria mandatária" que a torna irrevogável havendo que conhecer se concretamente ela foi conferida também no interesse desta (P. Lima-A. Varela in CC Anot II/740, chamam a atenção para o facto de os requisitos exigidos nos artigos 1175, 1170-2 e 265-3 serem os mesmos).<br>
A irrevogabilidade tem de "resultar da relação jurídica basilar e, em especial, por ter sido conferido no interesse do mandatário (ou do procurador) ou de terceiro" (Vaz Serra in RLJ 109/127), ou como refere este Supremo nos seus acórdãos de 24 de Janeiro de 1990 (in B. 393/ 592) e 27 de Setembro de 1994 (in CJSTJ ano 1994 tIII pág.<br>
68 "para haver mandato de interesse comum não basta que o mandatário ou o terceiro tenham um interesse qualquer, é necessário que esse interesse se integre numa relação jurídica vinculativa, isto é, que o mandante, tendo o mandatário o poder de praticar actos cujos efeitos se produzem na esfera jurídica daquele, queira vincular-se a uma prestação a que o mandatário ou terceiro tenham direito".<br>
O contrato-promessa é um contrato, tão definitivo, como o prometido, e por ele o promitente vendedor ( o que aqui interessa) obriga-se a uma prestação, a outorga do contrato prometido. In casu, a ré tinha direito a esse cumprimento e a ele quis o A vincular-se.<br>
Estabelecido o mandato no interesse comum do mandante e do mandatário, pelo que não caducou por morte daquele e, não se mostrando revogado pelos herdeiros<br>
(só o poderia ser com base em justa causa - artigo 1170-2), podia-o válida e relevantemente usar a ré C, já que "a caducidade do mandato implica necessariamente como que ficcionar o prolongamento da vida do mandante até ao cumprimento integral da missão atribuída ao mandatário, podendo este, por isso, validamente praticar, em nome do mandante e para além da sua morte, os actos de que fora incumbido" (ac.<br>
STJ de 9 de Março de 1995 in B. 445/462).<br>
Termos em que, embora por diversa fundamentação, se nega a revista.<br>
Custas pelos recorrentes.<br>
Lisboa, 3 de Junho de 1997.<br>
Lopes Pinto,<br>
Ribeiro Coelho,<br>
Torres Paulo.</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
jzLwu4YBgYBz1XKv0l0s | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font> Acordam o Supremo Tribunal de Justiça:<br>
<br>
A, e mulher B, ao abrigo do art. 394 CSC, requereram a nomeação judicial de administrador da sociedade X, de que são accionistas.<br>
Analisada prova documental junta com o requerimento inicial e sem outra diligência, o tribunal nomeou como administrador judicial à requerida o Exº Dr. C.<br>
Notificada a decisão à sociedade, reagiram esta, D e mulher E e F arguindo nulidades da decisão, dela apelando e requerendo a declaração judicial de caducidade da nomeação.<br>
A imensa documentação junta com todos os referidos requerimentos comprova a forte litigiosidade existente e alicerça não só o até aí invocado como o ulteriormente alegado, alimentada por factos ocorridos posteriormente, na pendência desta causa, e carreados para o processo, além de em certa medida explicar a complexidade de que ele se passou a revestir e a sua demora (não compaginável, para a vida da sociedade, com o fim tido em vista ao se estabelecer este meio expedido).<br>
Fechado o parêntesis sobre esta explicação - necessária ao relatório para possibilitar uma exposição tanto quanto possível sintética.<br>
Ouvidos os requerentes, refutaram a existência de nulidades, alegaram a ilegitimidade dos "requeridos" (pessoas singulares) e a ilegal representação da requerida, e afirmaram a inoponibilidade do registo comercial, nomeadamente do deliberado em 00.04.26, cuja suspensão foi cautelarmente pedida.<br>
O sr. administrador judicialmente nomeado veio dar conta das dificuldades opostas à assunção de funções e requereu ao tribunal providência para o poder fazer e, mais tarde, por, apesar de ter sido ordenada a diligência tida por adequada, se manter a mesma situação, pediu a «escusa do cargo para que foi nomeado, cujas funções nunca chegou a assumir».<br>
A sociedade e "requeridos" agravaram dos despachos a ordenar a diligência, do sobre a competência para a executar e do que, deferindo um requerimento dos requerentes, ordenou a efectivação de uma sua notificação em falta.<br>
A sociedade, alegando terem, na assembleia geral de 00.09.25, sido eleitos os corpos sociais, ratificando e confirmando a anterior de 00.04.26, requereu a caducidade da nomeação judicial de administrador.<br>
Opôs-se o requerente ao deferimento do pedido de escusa.<br>
Proferido despacho a indeferir todos os requerimentos apresentados e a não admitir os recursos interpostos - uns e outros, pela sociedade requerida e "requeridos" (aquela, por não terem sido apresentados pelo administrador judicialmente nomeado, único com poderes para a representar; estes, por falta de legitimidade) a conceder a escusa e a não nomear novo por se encontrar eleito um novo Conselho de Administração.<br>
X, S.A., e F, agravaram dos despachos a indeferir todos os requerimentos e a conceder a escusa.<br>
Os requerentes arguiram nulidades aos despachos a conceder a escusa e a não nomear novo administrador, e, subsidiariamente, deles apelaram.<br>
Indeferida a arguição de nulidades, não recebido o recurso interposto por F e recebidos, na espécie de agravo, os interpostos pela requerida e pelos requerentes.<br>
Do despacho que indeferiu a arguição de nulidades agravaram os requerentes.<br>
A Relação, em seu acórdão, alterou a espécie de recurso interposto pela requerida para apelação e dele não conheceu, julgou improcedente a apelação interposta pelos requerentes e, ao agravo, por estes interposto negou provimento.<br>
Pediram revista requerida (recurso que, pelo relator, foi recebido na espécie de agravo) e requerentes, concluindo, em suma e no essencial, em suas alegações -<br>
A)- a requerida -<br>
- o tribunal a quo entendeu que a ora recorrente não tinha legitimidade para recorrer dado ter tido ganho total da causa;<br>
- todavia, no recurso interposto no tribunal de 1ª instância, em apreciação no douto aresto recorrido, a recorrente formulara as seguintes questões -<br>
a) de tal tribunal ter entendido que a recorrente não era parte legítima, em decorrência de uma alegada irregularidade do mandato;<br>
b) de tal tribunal ter acedido a um pedido de escusa do gestor nomeado, quando tal escusa era impossível por o mesmo não ter (reconhecidamente ...) sido empossado;<br>
- isto, embora o acórdão alegue (em manifesta contradição com a realidade processual ...) não se ter questionado no recurso a legitimidade processual e a regular representação da recorrente;<br>
- assim, não se pronunciou sobre matéria formulada no recurso, pese embora a mesma fosse desfavorável à recorrente (v.g. a consideração da ilegitimidade processual da recorrente - por via da sua irregular representação - e aceitação - mesmo que implícita - do empossamento do gestor no cargo);<br>
- assim é evidente a legitimidade da recorrente para interpor o recurso em apreciação na Relação;<br>
- incorreu o acórdão na nulidade prevista no art.668-1 d) CPC, para além de, ao decidir como decidiu, ter uma interpretação da lei inconstitucional (por violação do aludido art. 20 da CRP).<br>
B)- os requerentes -<br>
- mantêm-se os fundamentos de facto e de direito que constam da sentença de 00.05.22 para a nomeação judicial de um administrador;<br>
- os pressupostos para a não nomeação de um novo foi a escusa do antes nomeado e a eleição de um novo Conselho de Administração;<br>
- o primeiro pressuposto não procede pois a nomeação não foi intuitus personnae;<br>
- o segundo não procede pois não houve a aludida nomeação;<br>
- a deliberação tomada na assembleia geral de 00.09.25 foi «renovar e/ou ratificar e/ou confirmar as deliberações tomadas nas assembleias gerais de 17 e 26 de Abril de 2000»;<br>
- no ponto 16 da sentença de 00.05.22 deu-se como provado que nessa assembleia de 26 de Abril não foi tomada qualquer deliberação quanto à eleição dos órgãos sociais para o triénio 2000/3<br>
- pelo que nada se renovou, ratificou ou confirmou;<br>
- no que se refere à decisão proferida de nomeação de um administrador encontra-se esgotado o poder jurisdicional do tribunal recorrido;<br>
- assim, o acórdão recorrido entrou em contradição consigo mesmo,<br>
- além de ter ignorado a natureza declarativa e presuntiva do registo;<br>
- violado o disposto nos arts. 666-1 CPC, 394 CSC e 13, 11 e 14 CRCom.<br>
Contra-alegando, requerentes e requerida defenderam a improcedência dos recursos da parte contrária.<br>
Colhidos os vistos.<br>
Matéria de facto considerada provada pela Relação -<br>
a)- em 00.05.05, foi requerida por A e mulher B nomeação judicial de administrador para a sociedade de que são accionistas X, S.A., com fundamento em que a sociedade não tinha corpos sociais eleitos para o triénio 2.000/2, designadamente conselho de administração, depois de frustradas as assembleias gerais de 00.02.23 e 00.04.26;<br>
b)- foi indicada como pessoa idónea para aquelas funções o gestor judicial e revisor oficial de contas Dr. C;<br>
c)- por decisão de 00.05.22 foi nomeado administrador à requerida a pessoa indicada;<br>
d)- julgou-se assente, além do mais, que a assembleia geral de 00.04.26 não tomou qualquer deliberação quanto à eleição dos corpos sociais da requerida;<br>
e)- a decisão foi notificada aos requerentes e à requerida por carta de 00.05.25 (fls. 203);<br>
f)- logo na sua primeira intervenção processual (fls. 204) a sociedade requerida, pelo auto intitulado seu presidente do conselho de administração (F) representada , este em nome pessoal e 2 accionistas (D e mulher E) arguiram nulidades, requereram a declaração judicial de caducidade da nomeação de administrador e - subsidiariamente - recorreram da decisão de nomeação e juntaram, além de muitos outros documentos, certidão emitida em 00.05.10 pela 2ª Secção da Conservatória do Registo Comercial do Porto, donde consta inscrita, sob a Ap. 05/000428, a designação, em 00.04.26, dos membros dos corpos sociais da requerida para o triénio 2000/2 (fls. 254);<br>
g)- segundo tal inscrição é presidente do conselho de administração F e vogais G e H;<br>
h)- os requerentes foram notificados desta oposição em 00.06.12 (fls. 1259);<br>
i)- em 00.06.14 (fls. 1260 e ss), os requerentes deduziram oposição a tudo o requerido, designadamente à arguição de nulidades, à intervenção das pessoas singulares, pronunciaram-se pela irregular representação da sociedade, quanto à natureza e efeito do recurso por ela interposto e quanto ao registo da deliberação de 00.04.26 - de designação dos corpos sociais da requerida para o triénio 2000/2 - que seria objecto de providência cautelar contra o Exº Conservador;<br>
j)- em 00.06.19 (fls. 1267), o administrador nomeado requereu se lhe assegurassem as condições de segurança necessárias para aceder às instalações da empresa, sem o que não pode exercer minimamente tais funções, pedido que repetiu em 6 de Julho seguinte (fs. 1290);<br>
k)- em 00.06.21 (fls. 1283) os requerentes solicitaram lhes fossem notificados os requerimentos de interposição de recurso e de caducidade da nomeação do administrador, notificação efectuada em 00.06.28 e sobre que os notificados se pronunciaram em 00.07.14 (fls. 1304 a 1307);<br>
l)- em 00.06.20 e 00.09.27 (fls. 1313/14 e 1416/17), alegando estarem frustrados os objectivos que se propusera de entendimento entre accionistas e estabelecimento de condições para uma gestão tranquila, por não existirem condições para o desempenho das funções para que fora nomeado, o Administrador pediu escusa do cargo cujas funções nunca chegou a assumir;<br>
m)- os requerentes pronunciaram-se (fls. 1470) quanto àquele primeiro pedido de escusa, no sentido do indeferimento;<br>
n)- também a sociedade requerida se pronunciou pela não aceitação da escusa (fls. 1418 e 1419) mas porque a nomeação do administrador fora ilegal e jamais ele fora investido no cargo para que fora nomeado; se assim se não entendesse, então devia aceitar-se a escusa e arquivar-se o processo;<br>
o)- este requerimento da sociedade - em que se pronunciava sobre o pedido de escusa de fls. 1313/14, tal como o fizeram os requerentes a fls. 1470/74, não vinha acompanhado de quaisquer documentos (fls. 1418/1419) e foi notificado aos requerentes por carta de 00.10.10 (fls. 1420 vº);<br>
p)- o despacho de fls. 1475/80, além de indeferir todos os requerimentos apresentados e não admitir os recursos interpostos pela requerida e seus acompanhantes, deferiu a escusa pedida pelo Administrador nomeado atentas as razões expendidas e face a este pedido de escusa e por se encontrar eleito um novo Conselho de Administração, decidiu não se justificar a nomeação de qualquer novo administrador;<br>
q)- este despacho foi notificado aos requerentes por carta de 00.17.10 (fls. 1480);<br>
r)- contra ele reagiram os requerentes pedindo, em 00.31.10 (fls. 1489), esclarecimento indeferido por despacho notificado por carta remetida em 00.07.11 (fls. 1496),<br>
s)- arguiram nulidade - em 00.20.11 (ut fls. 1499 a 1502) - por tal despacho ter sido proferido quando decorria o prazo para se pronunciarem sobre o requerimento da sociedade, a fls. 1418/19, e respectivos documentos (como se disse e resulta de fls. 1418/1419, tal requeri-mento não vinha acompanhado de quaisquer documentos) e<br>
t)- subsidiariamente interpuseram recurso de apelação;<br>
u)- por despacho de fls. 1511-1513, notificado em 01.30.01, foi desatendida a arguição de nulidades e admitido o recurso agora dito na al. t);<br>
v)- deste despacho que indeferiu a arguição de nulidade foi interposto o agravo em 01.13.02 (fls. 1535);<br>
x)- por decisão de 01.02.22 (fls. 1565-1567), o Tribunal de Comércio de Vila Nova de Gaia julgou improcedente a providência cautelar de suspensão das deliberações sociais tomadas na assembleia geral da requerida em 00.04.26, referidas na al. f).<br>
<br>
<br>
Decidindo:<br>
1.- Em sede de matéria de facto, impõe-se a rectificação da al. x) porquanto o doc. aí citado é a decisão que indeferiu a providência cautelar de suspensão das deliberações sociais tomadas na assembleia geral da requerida não de 00.04.26 mas de 00.09.25, as referidas na parte final da al. p).<br>
Na assembleia geral de 00.09.25, referida na decisão, foi deliberado renovar, ratificar e confirmar as deliberações sociais tomadas nas assembleias gerais de 00.04.17 e 00.04.26 (acta a fls. 1425 -1449).<br>
<br>
2.- Agravo da requerida -<br>
Reduz-se à invocação de nulidade do acórdão por omissão de pronúncia e a retirar, da argumentação empregue, a conclusão sobre a sua legitimidade para interpor o recurso não conhecido (é, em função art. 710-2 in fine CPC, que pelo agravo se começa o conhecimento dos recursos, sendo que foi o primeiro a ser interposto).<br>
A nomeação judicial de administrador caduca com a eleição do respectivo órgão social como refere o art. 394-1 CSC.<br>
Enquanto não ocorrer a caducidade a sociedade apenas por ele pode ser representada.<br>
Esta afirmação é inteligível se tomada na sua verdadeira dimensão e compreensão.<br>
Se a causa disser respeito ao próprio órgão (a administração) e for anterior à nomeação judicial do administrador a necessidade de usar do direito de acção ou de o fazer prosseguir o processo, assumindo a defesa, reside na própria sociedade - o interesse em agir está nela radicado.<br>
É a sociedade que se encontra em situação objectiva de carência.<br>
Com o interesse em agir não se confunde quer a legitimidade quer a representação em juízo.<br>
Afirmando a sociedade que tem conselho de administração e que por isso não ocorria a situação prevista no art. 394-1 CSC, cabe não ao administrador nomeado a sua representação nessa causa mas àquele a sua representação.<br>
Isto não fica invalidado pelo facto de o nomeado poder ir a juízo dar conhecimento da situação e, face a tal, o tribunal poder alterar a resolução lavrada antes (CPC- 1411,1).<br>
É da sociedade quer o interesse em agir quer a legitimidade; a sua representação cabe ao conselho de administração.<br>
Cabia então ao tribunal, face à prova que for produzida, decidir ou pela manutenção da nomeação ou, se antes concluir que à mesma deixou de haver razão ou que não devia ter tido lugar, se à data tivesse conhecido o facto, pela sua revogação.<br>
E porque um pedido de escusa do nomeado tem como pressuposto que a nomeação se mantém, havia que retirar o efeito devido pela conclusão anterior - se revogada (ou não efectuada uma nova) a nomeação, não havia lugar a apreciar o pedido de escusa; a manter-se a necessidade da nomeação conhecer-se-ia do pedido de escusa, deferindo-o ou negando-o.<br>
Os despachos de fls. 1477/8 e 1479 (o imediatamente a seguir - fls. 1479/1480, não nomeou administrador em substituição do dispensado por se o não justificar já que havia um conselho de administração eleito) são, portanto, incorrectos. Razão assistia à sociedade requerida para o atacar.<br>
A Relação não conheceu do respectivo agravo por falta de legitimidade uma vez que foi parte vencedora (fls. 1528/9) - o administrador pediu escusa, esta foi aceite e o tribunal considerou que se não justificava nova nomeação já que fora eleito novo conselho de administração (1479/80).<br>
Porém, não se trata de falta de legitimidade para recorrer (CPC- 680; ficara vencida na decisão que lhe respeitava) mas de falta de, nesta fase processual, interesse em agir (na acção, rectius, para o recurso enquanto recorrente - cessara a violação do seu direito, deixara de ter necessidade de fazer prosseguir a acção).<br>
A consequência da falta de interesse em agir, tendo-se começado a apreciação pelo seu agravo, era dele não tomar conhecimento.<br>
Se se tivesse começado pela apelação dos requerentes, teria a Relação concluído que, ao confirmar a decisão da 1ª instância, o conhecimento do recurso da requerida ficaria prejudicado (CPC- 710,1).<br>
Apenas se pode falar em omissão de pronúncia juridicamente relevante, se o tribunal, tendo obrigação de se pronunciar o não fez.<br>
Não era, como se viu, essa a situação.<br>
<br>
3.- Revista dos requerentes -<br>
À acção para o exercício dos direitos sociais, aqui nomeação judicial de administrador (CPC- 1484), corresponde processo de jurisdição voluntária (sec. XVII do cap. XVIII do tit. IV do Lº III do CPC).<br>
Rege-se pelas disposições adjectivas gerais dos processos desta natureza (CPC- 1409 a 1411) em tudo o que não for contrariado pelas que lhe são específicas.<br>
Não há que chamar à colação a extinção do poder jurisdicional nos termos do art. 666--1 CPC, mas sim atender às regras próprias daqueles.<br>
A superveniência de circunstâncias (CPC- 1411,2) tanto ocorre se forem posteriores à decisão como se, anteriores, o seu conhecimento pelo tribunal for posterior.<br>
Quando, em 00.05.05, foi proposta a acção os requerentes juntaram certidão do registo comercial datada de 99.11.24 e a acta da assembleia geral da requerida de 00.04.26.<br>
Da primeira não constava a inscrição da eleição dos corpos sociais para o triénio de 2000/2 e relativamente à segunda pronunciavam-se os requerentes no sentido de não ter saído da votação qualquer eleição por se ter verificado um empate a 50%.<br>
Não precedeu a decisão a nomear administrador, de 00.05.22, diligência alguma, tendo então o tribunal, na sua frente, apenas a prova documental junta com o requerimento inicial.<br>
Mais tarde, em 00.06.05, na primeira intervenção da requerida (e dos auto-intitulados requeridos), por ela foi junta certidão actualizada do registo comercial, emitida em 00.05.10, donde consta a inscrição da designação, naquela assembleia geral de 00.04.26, dos membros dos corpos sociais para o triénio de 2000/2.<br>
O conhecimento, pelo tribunal, do registo actualizado é, portanto, posterior à decisão a nomear administrador.<br>
A regularidade e eficácia do registo têm de ser aceites (CRCom- 3 m) e 11) enquanto não for impugnada relevantemente e o meio adequado a tal desiderato não é nem pode ser este processo.<br>
Face à certidão registral de que, à data dispunha, o tribunal não só atendeu à presunção derivada daquela como à interpretação que os requerentes deram à votação em 00.04.26 que, prima facie, apontava para o empate alegado (tendo em conta as participações sociais tal como naquele momento lhe era possível conhecer).<br>
Mas, junta a certidão actualizada do registo comercial, mais que equacionar poder a requerida invocar a deliberação sobre a eleição (CRCom- 13), havia que atender à presunção derivada da inscrição agora conhecida (CRCom- 11), a qual se não mostrava ilidida.<br>
Sendo assim, nem sequer há que aqui equacionar a deliberação tomada na assembleia geral de 00.09.25, além de que para a sua impugnação esta acção não seria o meio processual próprio.<br>
Havendo que revogar a nomeação, não tinha interesse discutir qual o seu carácter, se intuitus personnae ou não.<br>
<br>
<br>
Termos em que se nega provimento ao agravo e se nega a revista.<br>
Custas, dos respectivos recursos, por requerida e requerentes.<br>
<br>
Lisboa, 5 de Março de 2002.<br>
Lopes Pinto,<br>
Ribeiro Coelho,<br>
Garcia Marques.</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
iDICvIYBgYBz1XKv6Xam | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br>
1 - No 3. Juízo Cível da Comarca do Porto, "A, S.A". accionou "B, Limitada" e C e mulher D, atinente a obter a resolução e correlativas consequências do contrato celebrado entre si e a Ré sociedade, sendo o casal Recorrente fiadores.<br>
Os Recorrentes, devidamente citados, não contestaram.<br>
Deu-se cumprimento ao estabelecido no n. 2 do artigo<br>
484 do Código de Processo Civil.<br>
Proferiu-se sentença que julgou a acção procedente.<br>
Em apelação interposta pela Ré sociedade o Douto<br>
Acórdão da Relação do Porto - folhas 53 a 57 - confirmou o decidido.<br>
Daí a presente revista.<br>
2 - A recorrente nas suas alegações conclui em recurso: a) Foi violado o artigo 485 alínea b) do Código de<br>
Processo Civil, porque o recorrente é uma pessoa colectiva de direito privado. b) Foi violado o artigo 485 alínea d) do Código de<br>
Processo Civil, dado que a resolução do contrato deveria ser feita por documento, não existindo qualquer documento escrito a resolver em 15 de Março de 1995, mas sim em 10 de Março de 1995. c) Foi violado o artigo 668 n. 1 alíneas c) e d) do<br>
Código de Processo Civil, em face da contradição entre os factos considerados provados - alíneas f) e g) da sentença - e a carta da requerida de 10 de Março de<br>
1995.<br>
Não houve contra alegação.<br>
3 - Colhidos os vistos, cumpre decidir.<br>
4 - Está provado - artigo 484 n. 1 do Código de<br>
Processo Civil - pela Relação: a) Por contrato celebrado em 7 de Julho de 1993 a<br>
Autora alugou e entregou à 1. Ré os veículos de marca<br>
Mercedes, modelo Benz 250-D - Turbo, matrícula XD-...,<br>
Opel, modelo Astra Lu, matrícula 58-96-BR e Mitsubishi, modelo L300, matrícula XV-..., devidamente equipados. b) Pelo prazo de um trimestre, renováveis por outros sete períodos iguais. c) Mediante os alugueres trimestrais de 741017 escudos, quanto ao veículo XD-..., 200982 escudos quanto ao veículo ...-BR e 101654 escudos quanto ao veículo<br>
XV-... acrescido de I.V.A.. d) Vencendo-se o aluguer ao primeiro dia útil do trimestre a que dizia respeito. e) A 1. Ré não entregou à A. o valor do aluguer referente às renovações de Abril de 1994 a Janeiro de<br>
1995, no valor de 3447230 escudos quanto ao veículo<br>
XD-..., de Abril de 1994, Outubro de 1994 e Janeiro de 1995 no valor de 482708 escudos quanto ao veículo XV-... e de Abril de 1994, Outubro de 1994 e Janeiro de 1995, no valor de 1061531 escudos, quanto ao veículo<br>
...-BR. f) A Autora enviou uma comunicação à Ré, datada de 27 de Fevereiro de 1995 a solicitar o pagamento, restituir à Autora os veículos automóveis e a informar que no caso de manter o incumprimento até 15 de Março de 1995, os contratos ficavam então, desde logo, resolvidos. g) Uma vez que a Ré não o fez, a Autora em 15 de Março de 1995 resolveu os ditos contratos de arrendamento. h) Os 2. Recorrentes subscreveram os termos de Fiança (folhas 6, 7 e 8), mediante os quais se constituíram pessoalmente fiadores e principais pagadores de todas as obrigações resultantes do referido contrato.<br>
5 - Aplicabilidade do n. 1 do artigo 484 do Código de Processo Civil.<br>
Nesta acção com processo ordinário, os Recorrentes devidamente citados não contestaram.<br>
Os efeitos da revelia insertos no artigo 484 n. 1 do<br>
Código de Processo Civil não ocorrerão se o Réu for uma pessoa colectiva - artigo 485 alínea b).<br>
A recorrente sociedade comercial interpreta esta alínea b) no sentido de lhe ser aplicável, dado que na sua redacção não se distingue tratar-se de pessoa colectiva de direito público ou de direito privado.<br>
Não tem razão.<br>
O legislador português não elaborou uma classificação de pessoas colectivas.<br>
Nem tal se justificava.<br>
Mas ordenou-as em três tipos: associações, sociedades e fundações.<br>
Classificação que não tem na sua base um critério unitário - Professor Mota Pinto, Teoria Geral, Página 293.<br>
Quer no Código Civil, quer noutros diplomas, encontra-se frequentemente contraposição entre pessoa colectiva e sociedade.<br>
No Código de Processo Civil temos, por exemplo: artigos<br>
8, 21, 86, 234 n. 3, 276.<br>
Na invocada alínea b) artigo 485 do Código de Processo Civil na expressão pessoa colectiva "cabem apenas, de acordo com a terminologia do Código Civil (artigo 157) as associações que não tenham o lucro económico dos seus membros e as fundações de interesse social - ficando assim excluídas as sociedades, designadamente as sociedades comerciais, por se entender que só as pessoas colectivas, hoc sensu, merecem, pela natureza dos seus fins (utilidade pública) a tutela especial que o artigo 485 consagra" - Manual de Processo Civil - A.<br>
Varela ... 2. edição, Página 349.<br>
Pessoa colectiva que aqui se emprega "no antigo sentido de "pessoa moral", portanto excluindo as sociedades" - D. Proc. Civil, III, Página 129, Professor Castro Mendes.<br>
"Pessoa moral" que já vinha do artigo 15 parágrafo único do Decreto 13979 e do artigo 96 parágrafo único do Decreto 21287, diplomas que antecederam - ver Professor A. Reis, anotado volume III, Páginas 13 e 14.<br>
Tudo porque estando em jogo simples interesses de ordem privada, não há razão alguma para colocar essas pessoas fora do regime geral e comum das pessoas físicas com plena capacidade jurídica.<br>
6 - No douto Acórdão recorrido escreveu-se a folhas 55 e 55/verso.<br>
"A ré, no seu recurso, suscitou duas questões:<br>
1. Se nos presentes autos não tem aplicação o disposto no n. 1 artigo 484 do Código de Processo Civil.<br>
2 - Se existe contradição entre os factos provados e os documentos dos autos.<br>
Com a 1. questão pretende a apelante que, sendo uma pessoa colectiva, não lhe é aplicável o princípio proclamado no artigo 484 n. 1 do Código de Processo<br>
Civil, ex vi, do artigo 485 alínea b) do citado diploma legal".<br>
E por aqui ficou a primeira questão levantada então apelante, que é, como vimos, idêntica à primeira questão aqui levantada.<br>
Só que agora também ataca o regime do artigo 484 através do preceituado na alínea d) do artigo 485.<br>
O que é, pois, uma questão nova, que não se pode tomar conhecimento.<br>
7 - Invoca a recorrente para fundamentar a contradição entre o dado como provado nas alíneas f) e g) da sentença e deste Acórdão em 4 - e a prova documental, a existência de uma anterior carta da recorrida datada de<br>
10 de Março de 1995, onde comunicava a resolução do contrato.<br>
Assim a resolução dos contratos teria sido operada por esta carta de 10 de Março de 1995, cinco dias antes de expirar o prazo e não pela carta de 15 de Março de 1995, como se deu como provado.<br>
Pelo que afirma que esta carta de 15 de Março de 1995 não existe nos autos, pois deles só consta - folhas 32 - a de 10 de Março de 1995.<br>
Não tem razão.<br>
A folhas 32 destes autos não existe qualquer carta.<br>
Dele só constam os factos articulados pela Autora.<br>
Eles foram os referenciados.<br>
E correctamente.<br>
Não havendo contradição como bem se assinalou no douto Acórdão recorrido.<br>
8 - Termos em que se nega a revista.<br>
Custas pelo recorrente.<br>
Lisboa, 26 de Junho de 1997.<br>
Torres Paulo,<br>
Cardona Ferreira,<br>
Herculano Lima.</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
lTInvIYBgYBz1XKvBKlT | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam, em conferencia, neste Supremo Tribunal de<br>
Justiça:<br>
A propos, na Comarca da Marinha Grande, acção sumaria, nos termos do artigo 68 do Codigo da Estrada, contra B e outros pedindo a condenação destes na indemnização de novecentos noventa e cinco mil escudos, acrescida de juros, por motivo de acidente de viação.<br>
Foi a mesma contestada pelos reus por excepção e por impugnação.<br>
Foi requerida a intervenção principal de outros lesados que formularam varios pedidos, todos contestados.<br>
Foi proferido despacho saneador que julgou improcedentes as arguidas excepções de ilegitimidade e de prescrição, sendo tambem elaborados a especificação e o questionario.<br>
Prosseguiu o processo normais tramites. Na audiencia de discussão e julgamento, Autora e intervenientes solicitaram a ampliação do pedido com base na desvalorização da moeda e aumento do custo de vida.<br>
A decisão proferida atribuiu ao A a indemnização de um milhão seiscentos cinquenta mil escudos, acrescida de juros a taxa de 15% a contar do transito da sentença, tendo igualmente atribuido indemnização aos intervenientes.<br>
Do assim decidido interpos recurso o Reu B.<br>
O Tribunal da Relação de Coimbra, no parcial provimento do recurso diminuiu o montante da indemnização concedida ao A para o montante de um milhão duzentos e sessenta e nove mil escudos; diminuiu tambem a concedida a Companhia Imperio.<br>
Recorre a Autora alegando:<br>
1) devem manter-se os valores indemnizatorios fixados em 1 instancia, no montante global de 1650000 escudos;<br>
2) violados foram os artigos 496 n. 1, 273 n. 2 e 663 n. 1 do Codigo de Processo Civil, 565, 804, n. 1 e 806 n. 1 do Codigo Civil.<br>
Contra-alegou o reu B e a interveniente Companhia de Seguros Imperio, que não recorreu, veio pedir a revogação do Acordão recorrido para quanto a ela, ser mantida a decisão da 1 Instancia.<br>
Tudo visto:<br>
O Recorrente, no presente recurso, põe em crise apenas os danos não patrimoniais e o "modus faciendi" quanto a actualização do pedido.<br>
A primeira reivindicação obriga-nos a transcrever a materia de facto demonstrada e com pertinencia.<br>
Assim, estabelecida que foi a culpa exclusiva do reu<br>
B foram estabelecidas para o Autor, as seguintes consequencias:<br>
1- do embate resultaram para o Autor, edema do joelho esquerdo, escoriação na região popliteria, extensa equimose na face interna do braço esquerdo, hematoma na região malar direita, equimose na região palpebrar inferior do lado direito, fractura das porções antero-laterais dos arcos das 3, 6 e 7 costelas esquerdas, com leve descoaptação dos fragmentos e sinais sugestivos de fractura da porção anterior do arco da 6 costela direita, sem descoaptação;<br>
2- estes ferimentos determinaram um periodo de doença de 45 dias, todos com incapacidade para o trabalho;<br>
3- O Autor sofreu fortes dores, teve de andar todo ligado e de ser sujeito a diversos tratamentos medicos;<br>
4- o Autor possui o trabalho numa pequena oficina caseira de pintura de vidros;<br>
5- a sua actividade profissional desenvolve-se não so a nivel de execução interna de serviço da oficina, como tambem na promoção de vendas junto dos clientes;<br>
6- no periodo de doença , o Autor não executou na sua oficina os trabalhos que normalmente executava, tendo sofrido um prejuizo de 50000 escudos;<br>
7- e esteve tambem impossibilitado de proceder a promoção de vendas junto dos clientes.<br>
Por dano entende-se a lesão causada no interesse juridicamente protegido, abrangendo interesses materiais, espirituais ou morais. Como tal, classifica-se o dano em patrimonial e não patrimonial.<br>
O primeiro, abrangendo o dano emergente e o lucro cessante; o segundo as dores fisicas, os desgostos morais, as perdas de prestigio, os complexos de ordem estetica, etc. Sendo embora, este ultimo, insusceptivel de avaliação pecuniaria pode, todavia, ser susceptivel de compensação, constituindo como que uma satisfação.<br>
O artigo 496 n. 1 do Codigo Civil veio consagrar o ressarcimento dos danos não patrimoniais, limitando-o aqueles que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito. Tal ressarcimento deve ser calculado sempre segundo criterios de equidade (artigo 496, 3), tendo em atenção o grau de culpabilidade do lesante, a sua situação economica e a do lesado.<br>
A materia factica, dada como demonstrada, mostra que o<br>
Autor sofreu lesões fisicas de grau medio que o impossibilitaram de trabalhar durante 45 dias; teve fortes dores fisicas, andou ligado e foi sujeito a diversos tratamentos medicos.<br>
Como compensação dos danos não patrimoniais o Autor, na petição inicial solicitou a quantia de duzentos mil escudos.<br>
A primeira instancia, tendo em consideração aqueles factores subjectivos e a desvalorização da moeda valorou aqueles danos na quantia reclamada.<br>
Ja a segunda instancia atribuiu-lhe o valor de cento e cinquenta mil escudos.<br>
De considerar que esta indemnização não visa reconstruir a situação que existia se não tivesse acontecido o evento, antes procura compensar de alguma forma o lesado pelas dores fisicas ou morais sofridas.<br>
Dai que na sua quantificação não caiba o dano de calculo - A. Varela - Das Obrigações em Geral, 1986, pagina 563, pelo que prevalece o criterio da equidade ao determinar a compensação adequada em dinheiro, na altura do encerramento da discussão em primeira instancia, tendo em conta o valor da moeda naquele momento. Assim, não se esta perante actualização mas, alem do mais, na consideração da inflação então existente.<br>
Tendo, pois, em consideração o conjunto das lesões sofridas, as suas consequencias a nivel de dores e de angustia, o momento da realização da audiencia de discussão e julgamento - Dezembro de 1989 e o indice inflacionario então verificado, afigura-se-nos em puro criterio de equidade ser mais justa e adequada a indemnização fixada pela 1 instancia, ou seja, duzentos mil escudos.<br>
Mas, quanto a actualização do pedido formulado?<br>
O Autor no seu pedido inicial somou a quantia de 995000 escudos e juros moratorios a taxa de 15%, a contar da citação. Posteriormente, em plena audiencia de discussão e julgamento - folhas 273 requereu a ampliação daquele pedido, com fundamento na desvalorização da moeda e no aumento do custo de vida.<br>
Sobre este requerimento recaiu despacho relegando para a decisão final a apreciação dos termos da ampliação, nomeadamente o momento a partir do qual a mesma deve ser feita.<br>
Nos termos do artigo 566 n. 2 do Codigo Civil a desvalorização da moeda ou a inflação devem ser tomadas em consideração na determinação do montante da indemnização. Para tanto a alegação das mesmas devera ocorrer ate ao encerramento da discussão em 1 instancia, atraves da ampliação do pedido, na medida em que esta se deve ter como desenvolvimento e consequencia do pedido primitivo - artigo 273 n. 2 do<br>
Codigo de Processo Civil.<br>
Ao solicitar um aumento da indemnização peticionada o<br>
Autor apenas operou desenvolvimento e consequencia do pedido formulado.<br>
So que ao formular o pedido não indicou o momento a partir do qual a actualização devia ser considerada - se do acidente, se da proposição da acção, se da audiencia de discussão e julgamento.<br>
Se tivermos em consideração que o acidente ocorreu em<br>
18 de Março de 1978 e que esta acção so foi proposta em<br>
27 de Maio de 1982, momento em que a inflacção ja dominava todas relações de caracter economico-financeiro, a unica ilação a extrair e a de que o Acordão recorrido fixou. Na verdade, ao formular o pedido, o Autor ja teve ou devia ter tido em consideração a desvalorização da moeda e o aumento do custo de vida, dado serem factos notorios e de evidente influencia no quotidiano dos cidadãos. O que podera conduzir a que se considere a actualização em duplicado, na optica do Recorrente.<br>
O certo e que actualizações e juros se opõem e não podem coexistir no mesmo momento. Dai que afastada aquela a partir do acidente, permanece como foi adoptada no acordão recorrido, a partir da petição inicial. Sucessivamente os juros contar-se-ão a partir do transito da decisão.<br>
Assim sendo, nesta pretensão de recurso ao recorrente falece razão.<br>
Quanto a Companhia de Seguros Imperio, porque não recorreu, este Tribunal nada pode alterar atenta a força de caso julgado.<br>
Termos em que se concede parcial provimento ao recurso condenando os Reus B, Auto Japa -<br>
Comercio Geral de Automoveis, Lda e Companhia Europeia de Seguros, S.A.R.L. - esta ate ao limite de 200 mil escudos - a pagarem ao Autor A a indemnização de um milhão trezentos dezanove mil escudos, acrescida de juros a taxa de 15% ao ano, desde o transito em julgado desta decisão, sendo a condenação em regime de solidariedade.<br>
Custas por Recorrente e Recorridos na proporção de vencido, neste Tribunal e nas Instancias.<br>
Lisboa, 7 de Janeiro de 1992.<br>
Cura Mariano,<br>
Joaquim de Carvalho,<br>
Beça Pereira.<br>
Decisões impugnadas:<br>
I- Sentença de 87.04.30 do Tribunal da Marinha Grande;<br>
II- Acordão de 91.01.08 do Tribunal da Relação de<br>
Coimbra.</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
2zLku4YBgYBz1XKvDVBX | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<br>
<br>
<font>Relatório</font><br>
<br>
<font>No Tribunal Judicial da Comarca de Felgueiras, com uma execução para pagamento de quantia certa, em que figura como exequente, o Banco Empresa-A, S.A. e como executados, AA e BB.</font><br>
<font>Constitui título executivo, uma livrança no valor de 50.000.000$00, emitida em 28/7/92, e com vencimento em 15/2/98, subscrita pela Sociedade Empresa-B, Lda e avalizada pelos dois executados.</font><br>
<br>
<font>Ora, por apenso à dita execução, veio executado AA, deduzir os presentes embargos de executado, pedindo a condenação da exequente/embargada a:</font><br>
<font>- reconhecer que a livrança exequenda visava caucionar o cumprimento de um contrato de empréstimo por crédito, em conta corrente com caução, a curto prazo, com início em 28/7/92 e termo em 28/10/92 ou, se prorrogado, em 28/1/93</font><br>
<br>
<font>- reconhecer que essa livrança foi entregue ao Banco em branco, quanto ao valor e a data de vencimento e só podia ser preenchida, quanto a esses elementos, de acordo com o contrato acima referido ( cof. texto de contrato a fls 20 e 21).</font><br>
<font>- reconhecer que o valor a inscrever na livrança ajuizada só podia ser o que estivesse em dívida em 28/1/93, pela Subscritora.</font><br>
<font>- reconhecer que logo que ocorresse qualquer situação de incumprimento da Subscritora, devia o exequente proceder ao desconto da livrança.</font><br>
<font>- reconhecer que a data da livrança para efeitos de apresentação a pagamento à Subscritora só podia ser a de 28/10/92 ou, havendo prorrogação, a de 28/1/93.</font><br>
<font>- reconhecer que só a falta de cumprimento da obrigação de imediato desconto da livrança, no caso de incumprimento pela Subscritora – pelo menos em 29/1/93 - impediu o exequente de cobrar em devido tempo, da Subscritora, qualquer eventual crédito que sobre ela tivesse. </font><br>
<font>- reconhecer que só a falta de cumprimento da obrigação de imediato desconto da livrança, no caso de incumprimento pela Subscritora – pelo menos em 28/1/93 – impediu o exequente de cobrar em devido tempo, da Subscritora, qualquer eventual crédito que sobre ela tivesse.</font><br>
<font>- reconhecer que preencheu abusivamente a dita livrança, quanto à data e quanto ao valor.</font><br>
<font>- reconhecer que, devendo á livrança ter sido aposta a data de 29/10/92 ou quando muito a data de 28/1/93, sempre está prescrita qualquer acção cambiária contra os avalistas e por isso, contra o que aqui embargante.</font><br>
<font>- reconhecer que tomou conhecimento em 14/10/94 que o embargante deixou de ser sócio da Subscritora </font><br>
<font>- reconhecer que só pelo facto do incumprimento culposo do exequente do contrato celebrado ou pela sua inércia, não recebeu este em tempo oportuno da Subscritora o valor integral do empréstimo.</font><br>
<font> e</font><br>
<font>Alegou em fundamento e resumidamente que subscreveu, como avalista, a livrança exequenda, mas fê-lo nos precisos termos de um contrato de empréstimo, sob a forma de facilidade de crédito, destinado ao financiamento para fundo de maneio da Sociedade Empresa-B, Lda.</font><br>
<font>Tal contrato, celebrado entre o Banco Empresa-A, SA e Empresa-B, Lda, foi contraído pelo prazo de 90 dias, pelo que findou em 28/10/92. O mesmo era automaticamente prorrogável pelo prazo de 90 dias, ou seja, se prorrogado, findaria em 28 de Janeiro de 1993, data em que devia, ser integralmente pago.</font><br>
<font>Se o não fosse o Banco ficava obrigado a descontar imediatamente a livrança, apresentando-a a pagamento à Subscritora, o que não fez.</font><br>
<font>Portanto a preencher a livrança com a data de 15/2/98 e pelo valor de 50.000.000$00, por sua exclusiva responsabilidade, a exequente fê-lo de modo abusivo.</font><br>
<font>A livrança deveria ter sido preenchida pelo menos com a data de 28/1/93, razão porque a acção se encontra prescrita.</font><br>
<font>O embargo contestou</font><br>
<font>Foi elaborado despacho saneador, fixaram-se os factos assentes e organizou-se a base instrutória.</font><br>
<font>Realizado o julgamento, foi lida a decisão sobre a matéria de facto, que não foi objecto de reclamações.</font><br>
<br>
<font>Proferida sentença final, foram os embargos julgados totalmente improcedentes.</font><br>
<br>
<font>Inconformado, apelou o embargante para o Tribunal da Relação, mas a apelação foi julgada improcedente, e mantida a decisão recorrida.</font><br>
<br>
<font>Novamente inconformado, volta a recorrer, agora de revista para este S.T.J., recurso que foi admitido e que cumpre conhecer.</font><br>
<br>
<font>Conclusões</font><br>
<br>
<font>Apresentadas tempestivas alegações, formulou o recorrente/embargante as seguintes conclusões:</font><br>
<br>
<font>6. CONCLUSÕES</font><br>
<br>
<font>1.º - O ora recorrente deduziu embargos de executado contra o exequente Banco – que contra si requerera execução com base em livrança avalizada pelo referido recorrente – alegando que:</font><br>
<font>a) Subscreveu um contrato de caução de um contrato escrito de empréstimo ambos celebrados em 28 de Julho de 1992, sendo o empréstimo feito pelo Banco à sociedade Empresa-B, Lda, na forma de facilidade de crédito a curto prazo, até 50.000.0000$00, conforme se clausulou, por 90 dias prorrogável por igual e único período de 90 dias, e com termo, portanto, em 28/1/1993, pelo que preenchida a livrança com vencimento para 15/2/98 – mais de 5 anos após a data – limite de concessão do empréstimo – foi a mesma livrança preenchida abusivamente e em desconformidade com a natureza do negócio subjacente que era um empréstimo a curto prazo, vencido 180 dias após a abertura da conta;</font><br>
<font>b) não está demonstrado que a sociedade principal devedora o seja pelo valor dado à execução – e por isso não se sabe qual o valor que o embargante pretensamente deve – porquanto a prova da dívida devia fazer-se, conforme o clausulado no citado contrato escrito de empréstimo, através de conta corrente, que o exequente não juntou (alegaria mais tarde que o não fez por tal lhe ser vedado pelas regras do sigilo bancário! – cfr. Acta da audiência de julgamento);</font><br>
<font>c) a livrança só podia ser, aliás, preenchida pelo valor em dívida na data do termo do empréstimo, ou seja, 28/10/1992 ou, se ocorresse a prorrogação prevista, a 28/1/1993 – e não sabe qual esse valor então em dívida;</font><br>
<font>d) a livrança devia ser descontada e apresentada a pagamento à principal obrigada, conforme o clausulado, logo que ocorresse incumprimento –incumprimento esse que se não demonstrou sequer ter ocorrido; muito menos quando; </font><br>
<font>e) Vencendo-se o empréstimo em 28/10/1992 – ou em 28/1/1993 se ocorresse prorrogação – e como, ocorrendo incumprimento, deveria logo a livrança ser descontada e apresentada a pagamento, ela só podia ser preenchida com a data de 28/10/1992 ou 28/1/1993 pelo que apondo-lhe o banco como data de vencimento a de 15/2/1998 ( e de saque a de 28/7/1992) nessa data já estava prescrita a acção contra o subscritor, pelo menos desde 28/1/1996, nos termos dos artºs 77º, 70º da e 71º da LULL.</font><br>
<br>
<font>2.º - Discutida a causa, a factualidade atrás descrita resultou demonstrada no essencial ( cfr. alínea d) e) e f) da matéria de facto dada por provada na sentença ) mas a acção foi julgada improcedente em ambas as instâncias por se ter entendido na primeira instância que:</font><br>
<font>a) o pacto do preenchimento não foi violado, porquanto, por um lado, apesar de o contrato de empréstimo ser a curto prazo e por apenas 90 dias prorrogável, por um período de 90 dias, ele foi sendo sucessivamente prorrogado, e, por outro lado, o banco exequente estava autorizado a fixar à livrança o vencimento que mais lhe conviesse;</font><br>
<font>b) não ocorreu prescrição da acção cambiária porquanto a livrança foi accionada em 24/11/1998 e está datada de 15/ 2/98;</font><br>
<font>e na segunda instância porque havia apenas que discutir os princípios da acção cambiária e não os contratos subjacentes...</font><br>
<font>3.º - As instâncias aplicaram erradamente o direito, pois:</font><br>
<font>a) O clausulado no contrato de caução, subscrito pelo embargante estava intimamente conexionado com o que se clausulou no contrato de empréstimo, por forma tal que a liberdade de preenchimento da livrança que foi pactuada tinha necessariamente como limites o clausulado nesse contrato de empréstimo;</font><br>
<font>b) O contrato de preenchimento foi outorgado entre o banco e os avalistas pelo que, estando-se no domínio de relações imediatas, o banco lhe devia estrita obediência ;</font><br>
<font>c) Tendo o contrato de empréstimo – expressamente denominado de “ crédito em conta corrente com caução – curto prazo” – sido celebrado em 28/7/1992 pelo prazo de “90 dias prorrogável automaticamente por igual período”, ele findou em 28/10/1992 ou, se prorrogando, em 28/1/1993, pelo que, incumprindo que fosse então, o banco devia logo proceder ao desconto da livrança, conforme se clausulou, pelo que só o fazendo em 15/2/98, fê-lo em desconformidade com o pacto e em data em que estava prescrita a obrigação cambiária (art. 77º, 70º e 71º da LULL); </font><br>
<font>d) Tendo o contrato de empréstimo sido celebrado por escrito, mesmo que a empresa nela obrigada e o embargado acordassem na prorrogação do prazo do empréstimo para além de 28/1/1993, tal prorrogação era inoponível ao caucionante – avalista que não a negociou ( nem a prova da alteração do contrato se podia fazer por testemunhas, antes só por escrito nos termos dos art.s 393º e 394º do Código Civil) porque a obrigação do caucionante assume natureza autónoma e própria, sendo totalmente independente da obrigação do devedor principal ( cfr. Vaz Serra, BMJ 71,296 a 303);</font><br>
<font>c) O crédito a curto prazo, como foi negociado distingue-se dos créditos a médio prazo ou a longo prazo, não apenas pelo seu prazo ( que não pode legalmente exceder 1 ano – nos termos do art. 1º do Decreto-Lei nº 199/70 de 20/4) como pelo seu objecto ( visando apenas operações de comercialização ou produção, aprovisionamento de “stocks”, abastecimento prévio, e outras semelhantes);</font><br>
<font>f) não se provou que a principal obrigada devesse ao exequente a quantia inscrita na livrança ajuizada – e essa prova só se podia fazer por conta corrente que o exequente se recusou a juntar aos autos, pelo que não se sabe qual o valor pretensamente devido pelo recorrente.</font><br>
<font>4º - As decisões recorridas violaram, pois, o estatuído nos artºs 405º, 406º, 393º, 394º do Código Civil, 70º, 71º, e 77º da LULL e o Decreto-Lei nº 199/70 de 20/4, artº 1º não podendo manter-se.</font><br>
<br>
<font>Nas contra-alegações, defende o recorrido a confirmação do acórdão sob censura.</font><br>
<br>
<font>Os Factos.</font><br>
<font>São os seguintes os factos tidos por provados pelas instâncias:</font><br>
<br>
<font>Os factos.</font><br>
<font>Face à factualidade assente no despacho de condensação, à decisão sobre a matéria de facto incluída na base instrutória, ao documento de fls. 51 a 56 e ao que consta de fls. 2 da acção executiva está provado que:</font><br>
<font>a) No âmbito da execução para pagamento de quantia certa, com processo ordinário, que o exequente, ora embargado, Banco Empresa-A, SA, com sede em Lisboa e filial no Porto, à Avenida dos Aliados nº 45/69, instaurou, no dia 24.11.98, contra os executados, AA, casado, comerciante, residente em Belos Ares, Mesão Frio, Guimarães, ora embargante, e BB, casado, comerciante, residente na Rua Eugénio de Castro, ..., Hab..., Porto, foi dada à execução uma livrança, emitida com a data de 28.7.92 e com vencimento em 15.02.92 e com vencimento em 15.2.98, com o montante de 50.000.000$00 (alínea A dos factos assentes e fls. 2 da acção executiva);</font><br>
<font>b) Na referida livrança figura como pessoa a quem ou à ordem de quem deve ser paga a quantia nele inserta o Banco Empresa-A, S.A., como subscritora a sociedade Empresa-B, Lda, e como avalistas os executados AA e BB e (alínea B) dos factos assentes); </font><br>
<font>c) A referida livrança não foi paga pelo embargante, nem no seu vencimento, nem posteriormente (alínea C) dos factos assentes);</font><br>
<font>d) Em 28 de Julho de 1992 entre o exequente Banco, por um lado, e Empresa-B, Lda, por outro, foi celebrado um contrato de financiamento, sob a forma de facilidade de crédito, destinado ao financiamento para fundo de maneio da sociedade Empresa-B, Lda, garantido pelos executados, nos seguintes termos e cláusulas:</font><br>
<font>1 – Contrato Empresa-A, SA / Empresa-B, Lda.</font><br>
<font>a) Tipo de contrato: empréstimo, sob a forma de facilidade de crédito, destinado ao financiamento para fundo de maneio;</font><br>
<font>b) Montante: Esc. 50.000.000$00 (cinquenta milhões de escudos);</font><br>
<font>c) Forma: Conta aberta em nome da empresa junto do balcão do Banco de Felgueiras denominada “Crédito em conta corrente com caução-curto prazo”; </font><br>
<font>d) Prazo: 90 dias, prorrogável automaticamente por igual período de tempo, salvo se qualquer das partes solicitasse, por escrito, a sua denúncia, com a antecedência mínima de 30 dias em relação ao termo do prazo fixado; </font><br>
<font>e) Contagem de juros: Contados, dia a dia, sobre o saldo em dívida e debitados trimestralmente na conta de depósito à ordem da sociedade Empresa-B, Lda. que, para o efeito se obrigou a manter essa conta de depósito à ordem provisionada.</font><br>
<font>2 – Contrato Empresa-A/ Avalistas:</font><br>
<font>a) Forma: Uma livrança subscrita como avalistas pelo ora executados, com montante e data de vencimento em branco, ficando o Banco autorizado a preenchê-la pelo valor em dívida na facilidade de crédito e a fixar-lhe o vencimento que mais lhe convier, procedendo ao desconto, sempre que se verificasse qualquer situação de incumprimento pela devedora das obrigações que lhe competem e que atrás foram referidas;</font><br>
<font>b) Juros moratórios: No caso de incumprimento do pagamento do capital e ou juros incidiriam sobre o respectivo montante e durante o tempo em que tal situação de incumprimento se verificasse, á taxa de juro moratória – juros remuneratórios acrescidos da sobre taxa legal – (alínea D) dos factos assentes);</font><br>
<font>e) A livrança subscrita pelo ora embargante e dada à execução foi entregue ao exequente com o montante e a data de vencimento em branco, os quais forma aí expostos pela exequente ( alínea E) dos factos assentes);</font><br>
<font>f) O preenchimento da livrança nos termos indicados na alínea e) foi feito sem que o embargo consultasse o embargante, o qual não foi prevenido da apresentação a pagamento dessa livrança à subscritora ou da falta de cumprimento desta ( resposta ao número 2 da base instrutória); </font><br>
<font>g) Pelo menos até 29/9/94, o embargante aceitou sempre a renovação automática do prazo do contrato referido na alínea d) ( resposta ao número 5 da base instrutória);</font><br>
<font>h) Os juros da conta caucionada foram totalmente liquidados até 15/02/98 ( resposta ao número 6 da base instrutória);</font><br>
<font>i) AA declarou, por escritura pública, no dia 29.09.94, dividir a sua quota no valor nominal de 2.650.000$00 no capital social da sociedade Empresa-B, Lda, em duas quotas, uma no valor de 1.300.000$00 e a outra no valor de 1.350.000$00, e ceder a primeira a BB e a segunda a CC ( Documento de fls. 51 a 56).</font><br>
<br>
<font>Fundamentação.</font><br>
<br>
<font>São várias as questões suscitadas nas conclusões de modo que iremos tratar cada uma delas de per si.</font><br>
<br>
<font>1.ª Questão.</font><br>
<font>- Relação mediatas ou relações imediatas</font><br>
<font>- Natureza jurídica do AVAL.</font><br>
<br>
<font>No douto acórdão recorrido parece ter-se entendido, antes de mais, que o avalista não se encontra colocado no domínio das relações imediatas, isto é, aquelas que ligam os obrigados cambiários directamente à relação subjacente, daí que não poderia utilizar as excepções que se fundam nas relações pessoais, não podendo, por isso, no caso, vir o embargante, discutir o eventual preenchimento abusivo da livrança em causa.</font><br>
<font>De tal posição e da concepção do aval como um acto cambiário autónomo decorreria desde logo a improcedência dos embargos sem necessidade de maiores considerações visto que só à subscritora do título, seria lícito deduzir o tipo de defesa com a correada, no essencial, nos embargos.</font><br>
<br>
<font>Salvo melhor opinião, não pensamos que tal orientação seja de acolher, atento as características específicas do caso concreto.</font><br>
<br>
<font>Antes de mais e sem pretender entrar em grandes considerações sobre a natureza jurídica do aval, diremos, porém que, de acordo com a doutrina e jurisprudência dominantes, a obrigação do avalista é uma obrigação autónoma, ainda que formalmente dependente da obrigação do avalizado, de tal modo que se mantém a primeira, mesmo que seja nula, por qualquer razão a segunda, a menos que a nulidade decorra de vício de forma ( Art. 32º da L. Uniforme). Por isso mesmo se tem entendido que o avalista, ao contrário do que acontece com o fiador ( Art. 637º nº 1 do C.C.) não pode defender-se com as excepções do avalizado, salvo as que importem a liberação ou extinção dessa obrigação. De facto, o aval tem a natureza de uma obrigação de garantia (pessoal) destinada à satisfação do direito do credor ( é acessória – imperfeitamente acessória – da obrigação do avalizado, embora essa acessoriedade não esgote a sua natureza jurídica – o aval não é uma fiança – Cof. Ferrer Correia – Lições, 1996 – 195 e seg.) daí que a princípio da independência entre a obrigação avalizada e a obrigação do avalista, acima referida, não obste a que este oponha ao portador a excepção da liberação por extinção da obrigação do avalizado, desde que o portador seja o mesmo em relação ao qual o avalizado extinguiu a sua obrigação (Col. Vaz Serra, anotação ao Ac. do S.T.J. de 6/11/79 – R.L.J. ano 113- 186).</font><br>
<br>
<font>Por outro lado, a obrigação do avalista, não sendo subsidiária da do avalizado é, porém, solidária ( Art. 47º da L.U.) pelo que se aplicam as regras civis próprias do regime da solidariedade, em tudo que não contrarie o regime e cambiário específico.</font><br>
<font>Assim, o avalista, como devedor solidário, pode defender-se por todos os meios pode pessoalmente lhe competem ou que são comuns a todos os condevedores como determina o Art. 514º nº 1 do C.C.</font><br>
<font>É o que ensina o Prof. Vaz Serra, na anotação citada, onde pode ler-se</font><br>
<font>"O avalista só pode ter contra o credor cambiário meios pessoais de defesa ( L.U. Art. 17º), entre eles, excepções derivadas da relação causal existente entre eles; desta pode resultar que o avalista possa fazer valor também, excepções que caibam ao devedor principal, por derivarem da sua relação causal com o credor cambiário …”</font><br>
<br>
<font>Do exposto parece poder concluir-se, além do mais, que podem ocorrer, relações imediatas entre o credor cambiário e o avalista.</font><br>
<font>Vejamos melhor.</font><br>
<font>Como é sabido, relações imediatas são as que se estabelecem entre sujeitos cambiários imediatos isto é, entre sujeitos que intervieram no título directa e imediatamente, sem intermediação de outros intervenientes, e que, por isso mesmo, estão também ligados pela relação causal ou subjacente às suas posições cautelares.</font><br>
<br>
<font>Ora, no caso dos autos, sabemos que, entre o Banco embargado e a sociedade “ Empresa-B, Lda”, se estabeleceu um contrato de empréstimo, sob a forma de facilidade de crédito, no qual se estipulou também que, a título de caução, a empresa entregaria ao banco uma livrança por si subscrita e avalizada por AA ( o aqui embargante) e BB, livrança essa com o montante e data de vencimento em branco, ficando o lucro autorizado a preenchê-la pelo valor em dívida na facilidade de crédito e a fixar-lhe o vencimento que mais lhe convier, procedendo ao seu desconto, sempre que se verifique qualquer situação de incumprimento das obrigações que lhe competem …( cof. fls 20 e 21, especialmente cláusula 7).</font><br>
<br>
<font>Tal contrato foi outorgado e assinado entre o Banco embargado, como mutuante, a empresa mutuária e os avalistas, estes, nessa expressa qualidade.</font><br>
<br>
<font>Significa esta realidade que, no caso concreto, existe claramente, uma relação causal ou subjacente entre o credor cambiário e os avalistas ( um dos quais o aqui embargante) na qual se estipulou determinado “facto de preenchimento” para a livrança em branco subscrita pela empresa mutuária, facto este que obriga todos os outorgantes, designadamente o Banco embargado e os avalistas.</font><br>
<br>
<font>Estamos, pois, no caso concreto, no plano das relações imediatas, mesmo em relação ao avalista embargante no âmbito dos quais este, como devedor solidário, pode opor ao credor os seus próprios meios pessoais de defesa entre eles a excepção do preenchimento abusivo da livrança avalizada, visto que no plano das relações causais entre eles, o embargado se obrigou ( também) para com os avalistas, a preencher a livrança, nas condições estipuladas na referida cláusula 7.ª do contrato subjacente.</font><br>
<br>
<font>Assim sendo, diferentemente do decidido no acórdão recorrido, pensamos que, no caso concreto, o embargante pode discutir o alegado preenchimento abusivo da livrança exequenda, que avalizou, não obstante a independência da obrigação do avalista em relação à obrigação do avalizado.</font><br>
<br>
<font> 2.ª Questão.</font><br>
<br>
<font>Preenchimento abusivo e Prescrição.</font><br>
<br>
<font>Passemos agora a analisar se, na verdade, o banco desrespeitou o dito facto de preenchimento como quer o embargante e se isso implica a prescrição da obrigação cambiária.</font><br>
<font>Neste plano de discussão, pensamos que não assiste qualquer razão ao recorrente/embargante.</font><br>
<font>Assenta o embargante a sua argumentação nas cláusulas 2.ª e 3.ª ( cof. fls. 20) do contrato documentado nos autos, pois, tratando-se de um empréstimo a curto prazo, outorgado em 28/7/1992, pelo prazo de” 90 dias, prorrogável automaticamente por igual período de tempo, salvo se qualquer das partes solicitadas por escrito, a sua denúncia, com a antecedência mínima de 30 dias em relação ao termo do prazo fixado” a livrança exequenda devia ter sido preenchida, no máximo, em 28/1/93.</font><br>
<font>Foi-o, porém, apenas em 15/2/1998, quando a subscritora deixou de pagar os juros convencionados na cláusula 5.ª e 6.ª, o que na óptica do embargante representa um preenchimento abusivo, numa data em que a obrigação cambiária estava já prescrita nos termos dos Art. 77º, 70º e 71º da L.U.</font><br>
<br>
<font>Antes de mais, dir-se-à que a questão de prescrição a que se referem os Art.s 70º e 77º da L.U. jamais pode ser colocada no caso concreto.</font><br>
<br>
<font>A prescrição conta-se a partir da data do vencimento e essa data é a que consta do título e não aquela que, eventualmente, deveria constar de acordo com o facto de preenchimento. A livrança em causa tem a data de vencimento de 15/2/1998, e ao que resulta da sentença que julgou os embargos, a execução deu entrada no tribunal em 24/11/1998, pelo que não tinha ainda decorrido o prazo prescricional que é de 3 anos.</font><br>
<font>Afinal, em matéria de letras ou livranças em branco, como é o caso, a obrigação cambiária só nasce no momento do preenchimento ( cof. Pinto Coelho) ou pelo menos só nesse momento se torna eficaz.</font><br>
<font>Não há, pois, prescrição, nem poderia haver.</font><br>
<font>O que poderia ocorrer era o preenchimento abusivo em relação à data de vencimento, o que, porém, configura uma situação diferente da prescrição:</font><br>
<br>
<font>Todavia, como se irá ver, também não se verifica o alegado preenchimento abusivo.</font><br>
<font>Repare-se, desde logo, que a cláusula 3.ª do mencionado contrato causal, está longe de ter a clareza pretendida pelo embargante, no sentido de que apenas autoriza uma prorrogação automática do prazo convencionado de 90 dias.</font><br>
<font>Se é certo que a primeira parte da cláusula poderia comportar esse sentido ( sem o impor) por ter sido redigida no singular ( igual período … em vez de iguais períodos …) aponta para sentido diferente a segunda parte, ao fazer depender, a não renovação automática, da denúncia de qualquer das partes.</font><br>
<font>Deste modo, a letra da cláusula comporta perfeitamente o sentido da prorrogação sucessiva, a menos que ocorresse denúncia de qualquer das partes, não prejudicando esse, sentido o facto de se falar em curto prazo, pois, parece-nos óbvio que esse curto prazo está referido ao prazo inicial de 90 dias e não as prorrogações, além de que não seria a classificação ou qualificação deficiente ou incorrecta do contrato pelas partes que alteraria a realidade substancial do negócio.</font><br>
<font>Ora, que foi no sentido da prorrogação sucessiva e automática que as partes interpretaram a cláusula, pensamos que não oferecerá dúvida a ninguém de boa-fé.</font><br>
<font>Na verdade, que outro sentido poderiam ter dado as partes a essa cláusula quanto é certo que, decorridos os 180 dias a que se refere o recorrente não só a subscritora da livrança não pagou o capital, que lhe foi creditado ao abrigo do contrato subjacente, que, entretanto tinha já levantado, como passou a pagar os juros convencionados para a conta caucionada, o que fez até 15/2/98 ( e não consta que se trate dos juros moratórios a que se refere a cláusula 8ª do contrato – fls 21-), o que tudo foi aceite pelo banco embargado?</font><br>
<font>E, convém não esquecer, como ao que parece, esqueceu o embargante que ele próprio, foi, até à escritura de 29/9/94, sócio e gerente da empresa Subscritora da livrança em questão, e que, portanto, nessa qualidade, outorgou o contrato subjacente ( o que igualmente fez, a título pessoal, como avalista), que teve de interpretar, passados que foram os mencionados 180 dias que alega terem sido os correspondentes ao prazo máximo do contrato.</font><br>
<font>O certo é que, decorrido esse prazo, e sendo o embargante o gerente da Subscritora, não se vê que tenha feito seja o que for no sentido de pagar o capital mutuado, como seria até do seu interesse pessoal, dada a sua qualidade de avalista.</font><br>
<font>O que aconteceu, foi que, enquanto gerente da subscritora, se limitou a pagar os juros convencionados, situação que se foi mantendo, mesmo quando o embargante deixou a gerência e a sociedade, até 15/2/98.</font><br>
<font>Esta factualidade, sem mais, revela a nosso ver com bastante clareza que o próprio embargante, como o posterior gerente que lhe sucedeu, assim como o banco embargado, interpretaram a mencionada cláusula 3.ª no sentido de que o prazo de 90 dias estipulado no contrato subjacente à emissão da livrança, se prorrogaria automaticamente por iguais e sucessivos períodos de tempo, desde que não denunciado, por escrito, por qualquer das partes.</font><br>
<br>
<font>Assim, diferentemente, do que alega o recorrente, não se trata destes como provada a alteração de uma cláusula de um contrato escrito (aceitando prorrogações de prazo não estipulados) mas sim de interpretar a cláusula 3ª no sentido atrás referido, sentido esse que o texto comporta perfeitamente ( cof. Art. 393º nº 3 do C.C.).</font><br>
<br>
<font>Aliás, tendo sido esse o sentido que todas as partes outorgantes do contrato quiseram dar à dita cláusula 3ª, é esse o sentido com que ela deve ser interpretada ( Art. 236º do C.C.).</font><br>
<br>
<font>Mas independentemente da exposta interpretação, o certo é que existe uma outra cláusula ( 7 ª) que dispõe directamente sobre as condições acordadas para o preenchimento da livrança /caução avalizada pelo embargante.</font><br>
<font>Constitui essa cláusula, pois, o chamado facto de preenchimento, que, como já vimos obriga todos os outorgantes do contrato subjacente.</font><br>
<font>Ora, segundo tal cláusula, o banco embargado ficou autorizado a fixar à livrança “o vencimento que mais lhe convier” “procedendo ao seu desconto sempre que se verifique qualquer situação de incumprimento por parte de V.Ex.a, das obrigações que lhes competem …”</font><br>
<br>
<font>Interpretando tal cláusula desde logo se verifica que ao contrário do afirmado pelo embargante, não estava o banco obrigado a preencher e descontar imediatamente a livrança dada em caução, no caso de incumprimento do contrato de empréstimo por parte da Subscritora.</font><br>
<font>Tal incumprimento era, evidentemente condição necessária para o preenchimento e desconto da livrança, mas estes actos, designadamente a data do vencimento, ficaram por acordo expresso de todos os intervenientes, na livre disposição de embargado, que apoia no título a data de vencimento que mais lhe convier.</font><br>
<font>Daí que, também por força da dita cláusula 7ª, nunca poderia concluir-se, com a factualidade disponível, ter sido abusivo o preenchimento da livrança em causa, quanto à data de vencimento, por violador do facto de preenchimento, sendo certo que competia ao embargante, que alegou a excepção, o ónus de carrear para o processo, os factos necessários à prova dela. </font><div><font> e</font><br>
<font> 3ª Questão.</font></div><font>Prova da dívida</font><br>
<font>Alega ainda o embargante que não está provada a dívida representada pela livrança, visto que, segundo o clausulado no contrato de empréstimo, a prova da quantia em dívida teria de fazer-se através de conta corrente, que o banco exequente não juntou aos autos.</font><br>
<br>
<font>Não é assim.</font><br>
<font>Em primeiro lugar, em parte alguma do contrato de empréstimo subjacente, se estipulou que a dívida só podia provar-se através de conta corrente.</font><br>
<font>O que se diz, logo na cláusula 2ª (parte final) e é completamente diferente é que “ o extracto da conta emergente do empréstimo será documento bastante para a prova da dívida e da sua movimentação”, o que, evidentemente, não exclui qualquer outro meio de prova de dívida, nem constitui convenção que afaste as regras do ónus da prova. </font><br>
<font>Em segundo lugar, o banco embargado juntou extractos de conta corrente, como se vê de fls 62, 63 e 64, que são prova bastante, que depositou na conta da subscritora a quantia de 50.000.000$00, e que a mesma foi levantada pela dita beneficiária.</font><br>
<font>Mais não tinha de provar.</font><br>
<font>Aliás, o ónus da prova de pagamento (excepção) pertenceria sempre ao embargante.</font><br>
<div><font> 4ª Questão.</font><br>
</div><br>
<font>Apresentação a pagamento.</font><br>
<font>Finalmente alega o embargante, embora em termos pouco precisos que a livrança não foi apresentada a pagamento, daí que não poderia tê-la pago ao inteirar-se do valor da dívida.</font><br>
<font>Não sendo certo que se pretendeu levantar a questão da caducidade de direitos por falta de protesto ou de apresentação a pagamento, trataremos sumariamente a questão.</font><br>
<br>
<font>Como está demonstrado o embargante deu o seu aval à subscritora da livrança ora em execução, respondendo por isso, da mesma forma que a pessoa afiançada ( Art. 77º e 32º da L.U.).</font><br>
<font>Por sua vez, o subscritor de uma livrança é responsável da mesma forma que o aceitante de uma letra (Art. 78º da L.U.) o que significa que é o devedor principal e não uma obrigação de regresso.</font><br>
<font>Portanto, o avalista, respondendo nos mesmos termos que o Subscritor, também não é um obrigado de regresso.</font><br>
<font>Assim, embora a lei imponha ao portador o dever de apresentar o título a pagamento e ao protesto por falta de pagamento, sob pena de caducidade dos seus direitos contra as garantes, essa caducidade não se aplica ao aceitante (devedor principal, em relação ao qual o portador tem, não acção de regresso, mas acção directa), como expressamente declara o Art. 53º da L.U.</font><br>
<font>E assim, se é dispensada a apresentação a pagamento e o protesto quanto ao subscritor de uma livrança, equiparado ao aceitante, da mesma forma é dispensada aquela apresentação e protesto em relação ao avalista do subscritor, visto que responde nos mesmos termos que ele.</font><br>
<font>É, pois, irrelevante a falta de apresentação a pagamento ou a protesto, no caso concreto.</font><br>
<br>
<font> | [0 0 0 ... 0 1 0] |
GTLWu4YBgYBz1XKvw0it | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<br>
<br>
<font>"A" embargou a execução para pagamento de contribuição para as despesas domésticas que B lhe move por a ter como parte ilegítima, inexistir a dívida e por ser seu credor (pagamentos no dobro), concluindo pela improcedência da execução e condenação da exequente, por litigância de má fé, em multa e indemnização de € 10.000.</font><br>
<br>
<font>Contestando, impugnou a exequente, concluindo pela improcedência dos embargos e da oposição à liquidação, e condenação do embargante, por litigância de má fé, em multa e indemnização a liquidar em execução de sentença, mas nunca inferior a € 15.000.</font><br>
<font>Improcederam os embargos por sentença que a Relação confirmou.</font><br>
<font>Inconformado, pediu revista concluindo, em suma e no essencial, em suas alegações -</font><br>
<br>
<font>- a execução está a decorrer sem, antecipadamente, a quantia exequenda se encontrar líquida dados os pagamentos mensais, não totalmente apurados, efectuados pelas entidades pagadoras;</font><br>
<font>- os embargos tiveram por fundamento, além da inexistência da obrigação, a iliquidez,</font><br>
<font>- não tendo o tribunal procedido a indagação oficiosa nem ordenado a produção de prova pericial;</font><br>
<font>- o tribunal não se pronunciou sobre questões que devia apreciar;</font><br>
<font>- a embargada não provou a existência de qualquer dívida;</font><br>
<font>- a penhora somente é aplicável na execução de quantia certa;</font><br>
<font>- nulo o acórdão nos termos do art. 668 n. 1 d) CPC </font><br>
<font>- e violado o disposto nos arts. 807 n. 3 CPC e 342 n. 1 CC.</font><br>
<font>Juntou dois documentos.</font><br>
<br>
<font>Contraalegando, pugnou a exequente pela confirmação do acórdão.</font><br>
<font>Colhidos os vistos.</font><br>
<br>
<font>Matéria de facto que a Relação considerou provada -</font><br>
<font>a) - em 97.07.11, a embargada deduziu contra o embargante acção de contribuição para as despesas domésticas, tendo sido fixada tal contribuição em 250.000$00 mensais;</font><br>
<font>b) - o divórcio entre embargante e embargada foi decretado por sentença transitada em julgado em 00.11.05;</font><br>
<font>c) - por despacho de 02.04.12 na acção executiva de que esta oposição à liquidação e embargos constituem apenso, transitado em julgado, foi decidido que o embargante está obrigado ao pagamento de 52 prestações mensais, no valor de 250.000$00 cada uma, correspondentes ao período que decorreu entre a data em que foi instaurada a acção de contribuição para as despesas domésticas e a data do trânsito em julgado da sentença que decretou o divórcio, perfazendo um total em dívida de 13.000.000$00;</font><br>
<font>d) - notificada a embargada desse despacho, veio aos autos dizer, em 02.05.28, que nessa data a quantia exequenda se cifrava no montante de 8.805.465$00 por lhe terem sido, entretanto, pagos 4.194.535$00.</font><br>
<br>
<font>Decidindo: -</font><br>
<font>1.- Junção de documentos pelo recorrente (fls. 183 a 202).</font><br>
<font>Às suas alegações de recurso juntou fotocópia de dois acórdãos da Relação de Lisboa, proferidos, respectivamente, em 04.10.14 e 04.06.30, relativos ao litígio que o opõe à embargada (aquele, com vista à cessação da sua contribuição para as despesas domésticas e, este, em ordem à sua alteração).</font><br>
<font>Apelando, fizera juntar aos autos o primeiro deles o qual, por irrelevante, foi mandado desentranhar - ut despacho de fls. 160 (despacho não cumprido), sem que dessa decisão tenha agravado.</font><br>
<font>Resolvida, com trânsito, a inadmissibilidade da sua junção.</font><br>
<font>Relativamente ao outro documento é evidente a sua irrelevância - o pedido formulado em nada poderia afectar a determinação da quantia exequenda na medida em que foi balizada no tempo, o qual é anterior ao termo inicial em que o respectivo pedido, se procedente, poderia relevar.</font><br>
<font>Inadmissível a sua junção (CPC 706, n. 1).</font><br>
<br>
<font>2.- Tendo o acórdão recorrido definido que a questão colocada pelo embargante se reconduz essencialmente à extinção da obrigação pelo pagamento, o qual na sua tese foi feito em dobro, e não à sua iliquidez, e tendo-se pronunciado sobre essa questão, não incorreu um nulidade por omissão de pronúncia.</font><br>
<font>Tendo o mesmo acórdão, ao conhecer da acusação de idêntica causa de nulidade que à sentença era feita, afirmado que esta conhecera da questão, embora não sob o nomen juris da iliquidez da obrigação, pronunciou-se considerando irrelevante a qualificação jurídica emprestada pelo embargante (CPC - 664).</font><br>
<br>
<font>3.- O embargante foi condenado, por sentença transitada em julgado, no pagamento de quantia mensal exacta a título de sua contribuição devida para as despesas domésticas.</font><br>
<font>Líquida a obrigação.</font><br>
<font>Porque a obrigação cessou com a dissolução do casamento por divórcio, o tribunal, na execução, considerando o período de tempo durante o qual a contribuição fora devida, decidiu que o valor da quantia exequenda não o poderia ultrapassar; daí, o encontrar o de 13.000.000$00, correspondente a 52 prestações mensais, como valor exequendo máximo.</font><br>
<font>Provada, por decisão transitada, a existência da obrigação.</font><br>
<font>Mas, porque entretanto, houvera entregas parciais, notificou a exequente para liquidar a quantia exequenda. Respondendo ao solicitado, indicou totalizarem essas entregas 4.194.535$00.</font><br>
<font>Líquida a quantia exequenda - 8.805.465$00.</font><br>
<font>Contrariamente ao afirmado pelo embargante não há iliquidez da obrigação.</font><br>
<br>
<font>4.- Opondo-se à liquidação, o embargante não indica facto algum - apenas afirmações vagas, imprecisas, e, porque não apoiadas em qualquer elemento, sem a mínima consistência.</font><br>
<font>Os ónus de alegar e de prova recaíam sobre si e não satisfez, desde logo, o primeiro.</font><br>
<font>Não é lícito ao embargante transferir para o tribunal e transformar em dever os ónus que não satisfez, maxime, o de alegar.</font><br>
<br>
<font>5.- Ainda que se perspectivasse sob outro ângulo - ter sido alegado um facto extintivo, parcial ou total, posterior à sua condenação judicial, a solução executiva não poderia ser diferente.</font><br>
<br>
<font>Com efeito, além da vacuidade da alegação, não fora junto qualquer documento para a prova do facto extintivo, contrariamente ao prescrito pelo art. 814 g) CPC.</font><br>
<br>
<font>6.- Não se compreende se através da conclusão 6ª o embargante pretende reportar-se à sua alegação de iliquidez da obrigação exequenda se à forma do processo de execução.</font><br>
<font>Além da ininteligibilidade da conclusão e de, quer numa quer noutra interpretação, não assistir razão ao embargante, assinale-se que de «conclusão» se não trata já que não tem correspondência com o conteúdo da alegação.</font><br>
<br>
<font>Termos em que se </font><b><font>nega a revista</font></b><font> e se ordena o desentranhamento dos documentos a fls. 183 a 202.</font><br>
<font>Custas pelo recorrente.</font><br>
<br>
<font>Lisboa, 7 de Junho de 2005</font><br>
<font>Lopes Pinto,</font><br>
<font>Pinto Monteiro,</font><br>
<font>Lemos Triunfante.</font></font> | [0 0 0 ... 0 0 1] |
8TLru4YBgYBz1XKv9lhv | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<br>
<br>
<font>Nos autos de reclamação de créditos nº 4-A/92, apensados à execução nº 4/92, a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca de Oeiras, em que é exequente a firma Empresa-A – Sociedade de Construções e Urbanização, L.da e executada a firma Empresa-B, L.da, a Caixa Económica Comercial e Industrial, anexa ao Montepio Comercial e Industrial, Associação de Socorros Mútuos, com sede em Lisboa, na Rua Augusta nºs ... a ..., veio reclamar a verificação, graduação e pagamento do seu crédito, no montante de 74.574.878$00, garantido por hipoteca a seu favor sobre diversas fracções autónomas, entre as quais as fracções “ A”, “D” e “F” ( penhoradas nos presentes autos) do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito em Gafaria, no lote ..., na freguesia de Santa Maria, concelho de Lagos, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lagos, sob o nº 00254.</font><br>
<font>Refere que tal hipoteca se encontra devidamente registada (conforme parte final da cláusula 5.ª, da escritura celebrada em 6 de Agosto de 1991 entre a reclamante e a executada), primeiro provisoriamente e depois tal registo foi convertido em definitivo (conforme certidão de encargos junta aos autos).</font><br>
<font>De seguida, AA, residente na Rua Duarte Pacheco Pereira, ..., ..., Damaia, veio, nos termos do art. 865º do C.P.Civil, reclamar os seus créditos sobre a executada, alegando que: </font><br>
<font>- Por sentença proferida no processo n.º 8947 que correm termos pela 3.ª Secção do 8.º Juízo Cível de Lisboa, transitada em julgado, a executada foi condenada a pagar-lhe a quantia de 8.500.000$00 acrescida dos juros legais desde 16-5-92 até integral pagamento, por incumprimento do contrato de promessa de compra e venda celebrado em 1 de Junho de 1991 e relativo à fracção “D”, que corresponde ao r/c direito do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, designado por lote ..., sito na Gafaria, Freguesia de Santa Maria, Concelho de Lagos, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lagos, sob a ficha n.º 254.</font><br>
<font>- Na mencionada sentença foi ainda reconhecido ao reclamante o direito de retenção sobre a fracção descrita na cláusula anterior para garantia do crédito declarado, 8.500.000$00, e dos juros legais até pagamento efectivo.</font><br>
<font>A executada ainda não pagou ao reclamante a quantia a que foi condenado.</font><br>
<font>Os juros legais vencidos ascendem a 1.062.000$00.</font><br>
<font>Assim, a dívida da executada é de 9.562.000$00, que pretende ver verificada, acrescida dos juros vincendos, e graduado, atentas as regras dos art.s 759º e 755º alínea f) do C.Civil.</font><br>
<font>Ainda, BB, veio reclamar o seu crédito global de 9.700.000$00, acrescida dos juros legais, com fundamento idêntico ao do anterior reclamante.</font><br>
<font>Vieram ainda reclamar, porque pretendem ver verificados e graduados os seus créditos, o Centro Regional de Segurança Social de Lisboa, o Ministério Público, em representação do Estado, por dívida do imposto da sisa e o Banco Empresa-C, S.A..</font><br>
<font>Em despacho fundamentado foi julgada extinta a reclamação da C.R.S.S.L.e improcedente a reclamação do reclamante BB, seguindo as restantes.</font><br>
<font>Em sentença de verificação a graduação de créditos estes foram graduados da seguinte forma:-</font><br>
<font>1.º) Crédito reclamado pelo Ministério Público, relativamente a todas as fracções penhoradas.</font><br>
<font>2.º) crédito reclamado por AA, para ser pago só pelo produto da venda da fracção D.</font><br>
<font>3.º) crédito do reclamante Caixa Económica Comercial e Industrial, para ser pago até ao limite do montante máximo referido no registo, pelo produto da venda das fracções A, D e F; </font><br>
<font>4.º) A quantia exequenda.</font><br>
<font>Inconformada a reclamante Caixa Económica Comercial e Industrial veio apelar para o Tribunal da Relação de Lisboa.</font><br>
<font>Após as alegações terem sido produzidas, foi proferido acórdão, no qual a apelação foi julgada improcedente, confirmando-se a sentença recorrida.</font><br>
<font>Novamente inconformada a recorrente apelante veio interpor recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça.</font><br>
<font>Após recebido o recurso a recorrente apresentou as suas alegações onde tira as seguintes conclusões:</font><br>
<font>1.ª) O art. 755º nº 1, alínea f), do Código Civil confere ao promitente comparador que obteve a tradição da coisa, um direito de retenção sobre o bem imóvel;</font><br>
<font>2.ª) O direito de crédito do promitente comprador, resultante do incumprimento pelo promitente vendedor, do respectivo contrato promessa, prevalece sobre o crédito hipotecário, ainda que a hipoteca apresente registo anterior;</font><br>
<font>3.ª) Tal direito de retenção não é objecto de registo, logo, é um direito que não é publicitado; - </font><br>
<font>4.ª) No caso dos autos, vê-se a recorrente confrontada com um direito real de garantia, não sujeito a registo, com o qual não contava;</font><br>
<font>5.ª) Esse direito de retenção sobrepõe-se à hipoteca constituída e registada em momento anterior, relegando-a para segundo plano;</font><br>
<font>6.ª) O legislador ao querer proteger e defender o interesse de uma das partes na relação jurídica emergente do contrato-promessa, não poderia ter criado normas que sacrificam, efectivamente, de forma injusta e ilegítima, os interesses patrimoniais de terceiros não intervenientes e completamente alheios, por causa que não lhes é imputável, ao contrato-promessa;</font><br>
<font>7.ª) Proteger-se, por esta forma, um direito que não é publicitado é permitir que “ ónus ocultus” afectem a posição jurídica do sujeito que levou o seu acto a registo;</font><br>
<font>8.ª) Está, assim, posto em causa o próprio princípio da segurança do comércio imobiliário; </font><br>
<font>9.ª) À certeza e segurança do direito repugnam os direitos reais de garantia “ ocultos”, isto é, que não são levados a registo; </font><br>
<font>10.ª) Tem o registo predial por finalidade a segurança e protecção dos intervenientes no mercado imobiliário, evitando-se assim os “ónus ocultus” que dificultem o exercício dos direitos legitimados constituídos e registados sobre imóveis; </font><br>
<font>11.ª) Através da via registral evita-se que a segurança do comércio jurídico imobiliário possa vir a ser afectada.</font><br>
<font>12.ª ) A recorrente, credora hipotecária, vê frustrada a confiança no comércio jurídico imobiliário;</font><br>
<font>13.ª) O regime jurídico do direito de retenção concedido ao promitente comprador por força das citadas normas, tudo isto ignora, dado que frustra a legítima confiança que o credor hipotecário deposita no Estado enquanto garante dos seus direitos fundamentais; </font><br>
<font>14.ª) Por força da sentença de graduação de créditos confirmada pelo Tribunal recorrido vai ser pago o crédito do promitente comprador com preferência sobre o crédito da recorrente;</font><br>
<font>15.ª) É uma injustiça para o credor hipotecário sofrer a ofensa dos seus interesses e direitos patrimoniais legitimamente constituídos e registados anteriormente à constituição e invocação do direito de retenção;</font><br>
<font>16.ª) Na sentença dos presentes autos, graduando o crédito do promitente comprador com preferência sobre o crédito da recorrente, verifica-se a existência da violação do princípio da confiança do comércio jurídico, princípio constitucional ínsito no artigo 2º da C.R.P.; </font><br>
<font>17.ª) As normas dos art.s 442º, nº 2 e 755º nº 1, alínea f), ambos do Código Civil, interpretadas e aplicadas no sentido de que o direito de retenção tem preferência sobre a hipoteca registada anteriormente, são materialmente, inconstitucionais por violadoras dos princípios da proporcionalidade, da protecção, da confiança e segurança jurídicas no comércio jurídico imobiliário ínsito no art. 2º da C.R.P.;</font><br>
<font>18.ª) Os Decretos-Lei nºs 236/80, de 18 de Julho e nº 379/86, de 11 de Novembro, são inconstitucionais por regularem matéria respeitante aos direitos e garantias patrimoniais da competência exclusiva da Assembleia da República; </font><br>
<font>19.ª) Para que o Governo pudesse legislar sobre tal matéria necessitava de autorização do ente legislativo competente;</font><br>
<font>20.ª) Não foi concedida a devida autorização;</font><br>
<font>21.ª) Ao fazer inovações sobre essa matéria, sem que para tal estivesse autorizado, houve violação da esfera de competência de outro órgão;</font><br>
<font>22.ª) Verifica-se haver inconstitucionalidade orgânica;</font><br>
<font>23.ª) Sendo inconstitucionais tais diplomas, as normas que delas emanam não podem ser invocadas e aplicadas em qualquer procedimento judicial.</font><br>
<font>Termina a recorrente requerendo que deve ser dado provimento ao presente recurso, pois encontram-se violados os preceitos constitucionais contidos nos art.s 2º, 20º e 165º, alínea b) da C.R.P., pelo que deve ser revogada a decisão recorrida.</font><br>
<font>O recorrido apresentou as suas alegações, onde pugnou pela manutenção da decisão recorrida.</font><br>
<font>Foram colhidos os vistos legais.</font><br>
<font>Cabe decidir.</font><br>
<font>Com interesse para a decisão da causa, para além do que conste do relatório, pela instância recorrida foram considerados assentes os seguintes factos:</font><br>
<font>1.º) Para garantia do capital mutuado, foi constituída, em 6 de Agosto de 1991, uma hipoteca a favor da Caixa Económica Comercial e Industrial sobre diversas fracções autónomas, entre as quais as fracções “A”, “D” e “F” ( penhoradas nos presentes autos) do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito em Gafaria, lote ..., da Freguesia de Santa Maria, Concelho de Lagos, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lagos sob o nº 00254.</font><br>
<font>2.º) Por sentença de 9-10-1992, foi declarado definitivamente não cumprido o contrato promessa de compra e venda outorgado entre a executada e o reclamante AA, tendo aquela sido condenada a pagar-lhe a quantia de 8.500.000$00, acrescida de juros legais desde a citação, sendo-lhe ainda reconhecido o direito de retenção sobre a fracção “D” do referido prédio urbano.</font><br>
<font>Como não foram colocados em crise tais factos dão-se os mesmos como definitivamente assentes, nos termos do disposto nos art.s 722º nº 2 e 729º nº 3 do C.P.Civil.</font><br>
<br>
<font>Do direito aplicável:</font><br>
<font>A) Inconstitucionalidade material das normas dos art.s 442º, nº 2 e 755º alínea f), do Código Civil, interpretadas e aplicadas no sentido de que o direito de retenção tem preferência sobre a hipoteca registada anteriormente, por violadoras dos princípios da proporcionalidade, da protecção, da confiança e segurança jurídicas no comércio jurídico imobiliário ínsitos no art. 2º e 20º da C.R..</font><br>
<font>Vista em abstracto a posição assumida pela recorrente até parece correcta.</font><br>
<font>Porém, não o é, vistas e analisadas os negócios jurídicos donde decorrem os direitos de crédito, que recorrente e recorrida pretendem fazer valer na graduação de créditos, em apreço, em posição de superioridade recíproca.</font><br>
<font>A recorrente, como entidade bancária, tem por objecto da sua actividade a circulação lucrativa do dinheiro.</font><br>
<font>Assim, financiou a executada, a pedido desta, que é uma empresa construtora de imóveis, para lucrativamente vender a terceiros, emprestando-lhe determinada quantia a ser aplicada na construção do prédio, em causa, em regime de propriedade horizontal.</font><br>
<font>Para defesa do capital emprestado a recorrente constituiu hipotecas sobre determinadas fracções autónomas, a expurgar, na altura da venda de tais fracções a terceiros, com o montante da venda, reduzido do lucro do construtor.</font><br>
<font>Temos, pois, que a recorrente, ao conceder o empréstimo à executada, embora escusando-se nas hipotecas registadas, primeiro provisoriamente e depois definitivamente, assumiu o risco da executada não cumprir o contrato de promessa com o terceiro promitente comprador de uma das fracções anteriormente hipotecadas.</font><br>
<font>É evidente, que a recorrente sabia perfeitamente que, se o promitente comprador habitasse na fracção autónoma, que prometeu comprar, face ao incumprimento definitivo da executada construtora e promitente vendedora, aquele ficaria com o direito de retenção sobre tal fracção, até ser pago do direito de crédito decorrente do incumprimento referido – art. 442º nº 2 e 755º nº 1 alínea f), do Código Civil.</font><br>
<font>Assim sendo, é manifesto que a recorrente, desde o início do contrato de empréstimo, que celebrou com a executada construtora, tinha conhecimento perfeito do ónus, que sobre si recaía, pesem embora as hipotecas constituídas, em caso de incumprimento definitivo do contrato promessa de compra e venda por parte da promitente vendedora e sua devedora, dando-se a “ traditio” da fracção autónoma para o promitente comprador.</font><br>
<font>Por tal motivo, não pode agora querer ultrapassar tal ónus mediante pretensão de inconstitucionalidades materiais, que não existem.</font><br>
<font>Mas vejamos a questão sobre a perspectiva da situação económica dos intervenientes nos dois negócios jurídicos em apreço – contrato de mútuo entre a recorrente e a executada e contrato de promessa de compra e venda de imóvel entre a executada e o recorrido -. Não restam dúvidas que a recorrente é uma entidade bancária com saúde financeira suficiente para proceder à efectivação de mútuos com terceiros em quantidade. Só assim atinge a finalidade a que se propôs, ou seja, tirar lucros, e elevados diga-se, dos empréstimos concedidos.</font><br>
<font>É bom de ver, que o lucro, a alma do negócio bancário, leva o mutuante a assumir riscos.</font><br>
<font>Por vezes tais riscos são assumidos sem a devida base de referência, no que diz respeito, à solvabilidade do mutuário. Daí o montante elevadíssimo do crédito bancário mal parado.</font><br>
<font>Em todo o caso, mau grado esta situação se verifique com alguma frequência, todas as entidades bancárias têm suficiente saúde financeira.</font><br>
<font>Essa nota é normalmente a posição do promitente comprador no contrato promessa de compra e venda de uma fracção autónoma.</font><br>
<font>Efectivamente, face aos preços que vêm atingindo os imóveis a maior parte dos compradores não têm o dinheiro suficiente para os comprar.</font><br>
<font>Dão ao promitente vendedor um sinal, que, por vezes é renovado e posteriormente pedem um empréstimo bancário o restante.</font><br>
<font>É bem de ver que se o promitente vendedor – normalmente a empresa construtora na primeira venda – entra em incumprimento definitivo, o promitente comprador, que fique credor do incumpridor, passa a uma situação de grande instabilidade económico-financeira, se a lei não lhe conceder alguma protecção.</font><br>
<font>Face à disparidade de situação económica da entidade bancária e do promitente comprador é visível, no caso dos autos como em todos os outros idênticos, que o legislador, ao beneficiar o promitente comprador com o direito de retenção sobre o imóvel, que ocupa e pretendia compara, até o seu crédito ser pago, mais não fez do que colocar em pé de igualdade, em tornar proporcional, as posições da entidade bancária e do promitente comprador, tornando mais seguro e confiante o comércio jurídico. </font><br>
<font>– A insegurança desse comércio jurídico manifestar-se-ia, sem dúvida, se fosse reconhecida a pretensão da recorrente. Perante a satisfação do crédito do mais forte ficaria praticamente insolvente o menos forte, com reflexos a verificarem-se mais tarde na compra e venda de imóveis.</font><br>
<font>É notória a improcedência da posição da recorrente.</font><br>
<font>Por outro lado, como se refere no Ac. S.T.J. de 15-5-1990: B.M.J. 397º- 478, já desde 1966 que o actual Código Civil confere ao direito de retenção prevalência sobre a hipoteca ainda que esta tenha sido registada anteriormente (art. 759º nº 2 do Código Civil); por isso o Decreto - Lei nº 236/80, de 18 de Julho, ao definir em abstracto um novo caso de direito de retenção, não está a ofender um direito anterior do credor que, no momento da constituição da garantia hipotecária, estivesse seguro da impossibilidade de nenhum outro direito prioritário.</font><br>
<font>No mesmo sentido, o Ac. S.T.J., de 28-1-99, no processo 1061/98, como bem refere o Sr. Procurador Geral da República, Adjunto, a fls. 346. </font><br>
<font>Face ao posicionamento atrás avançado é de concluir a revista improcede no referente à alegada inconstitucionalidade material.</font><br>
<font>Não se mostram violados no acórdão recorrido os art.s 2º e 20º da Constituição da República Portuguesa.</font><br>
<font>B) Inconstitucionalidade orgânica dos Decretos - Lei nº 236/80, de 18 de Julho e nº 379/86, de 11 de Novembro.</font><br>
<font>É da exclusiva competência da Assembleia da República legislar sobre “ Direitos, liberdades e garantias”- alínea b) do nº 1 do art. 165º da C.R. Contudo, os dois diplomas em apreço tratam de matérias, que não contendem com esses direitos, liberdades e garantias fundamentais. </font><br>
<font>As garantias patrimoniais e os direitos neles configurados, embora sejam abrangidos, como todos os outros, nos direitos, liberdades e garantias fundamentais, precisam de regulação jurídica adequada, tendo em conta o momento histórico respectivo, pois são direitos e garantias menores em relação aos fundamentais. </font><br>
<font>Não sendo, pois, as matérias reguladas naqueles diplomas legais da exclusiva competência da Assembleia da República, o Governo não carecia de autorização para legislar sobre elas.</font><br>
<font>Em conclusão: os diplomas legais colocados em crise pela recorrente não sofrem de inconstitucionalidade orgânica.</font><br>
<font>Não se mostra violado o disposto no art. 165º nº 1, alínea b), da C.R.P..</font><br>
<font>Improcede, pois, integralmente a revista.</font><br>
<font>Pelo exposto, nega-se a revista e, em consequência, mantém-se o acórdão recorrido.</font><br>
<br>
<font>Lisboa, 29 de Outubro de 2002</font><br>
<br>
<font>Barros Caldeira (Relator)</font><br>
<font>Faria Antunes</font><br>
<font>Lopes Pinto</font></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
8jL9u4YBgYBz1XKv5W58 | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça.<br>
I<br>
A (e mulher) e B intentaram no Tribunal Cível do Porto, em<br>
6 de Junho de 1991, acção com processo sumário (que passou a ordinário em virtude da reconvenção) contra: C e outros.<br>
Pedindo: a) Se reconheça aos autores o direito de haverem para si, através do exercício do direito de preferência, o prédio que identificam no artigo 6 da petição, considerando-se os autores substituídos, como compradores, às pessoas dos<br>
9s. réus, na escritura de compra e venda realizada em 26 de Abril de 1990, em que outorgaram como vendedores os 8 primeiros réus e como compradores os indicados em<br>
9. lugar. b) Se declare ter existido simulação do preço nessa escritura, declarando-se que o preço real foi de 600000 escudos, e reconhecendo-se aos autores o direito de preferência por esse preço. c) Que, a não se entender assim, seja reconhecido aos autores o direito de preferência pelo preço de 1575000 escudos, declarado nessa escritura. d) Se ordene, em qualquer caso, o cancelamento de qualquer registo porventura feito pelos 9s. réus, com base na mencionada escritura. e) A condenação dos 1. a 8. réus (vendedores) a pagarem<br>
à 2. autora a indemnização que vier a liquidar-se em execução de sentença, pelos prejuízos causados pelo incumprimento da proposta negocial contida na carta de 12 de Novembro de de 1989. f) Se declare, no caso de não ser reconhecido aos autores o direito de preferência, que os mesmos são titulares de um direito de servidão de passagem de carro e tractor, através do referido prédio identificado no artigo 6 da petição, em benefício da parte a bravio do prédio rústico denominado "Sobreiro de Cima", identificado no artigo 1, para acesso a este pelo caminho que descrevem e identificam, condenando-se os 9s. réus a reconhecerem e a respeitarem esse direito.<br>
1. Todos os réus contestaram, por impugnação e excepção; os 9s. réus (compradores) deduziram ainda pedido reconvencional.<br>
Após normal processado, foi proferida sentença, a 27 de Março de 1996, que julgou:<br>
- a acção improcedente, quanto ao pedido de reconhecimento do direito de preferência, por caducidade do direito;<br>
- procedente, no respeitante ao reconhecimento do direito de servidão de passagem, com a consequente condenação dos<br>
9s. réus nos termos deste pedido;<br>
- prejudicado o pedido reconvencional, face ao não reconhecimento do direito de preferência.<br>
2. Inconformados, os autores e os 9s. réus interpuseram recurso de apelação para o Tribunal da Relação do Porto, que por acórdão de 16 de Junho de 1997:<br>
- declarou nula a decisão recorrida, na parte em que não conheceu do pedido de indemnização formulado na transcrita alínea e), e, conhecendo do objecto da apelação nos termos do artigo 715 do CPC, julgou improcedente tal pedido, dele absolvendo os réus;<br>
- confirmou, no mais, a sentença recorrida.<br>
É deste acórdão que os recorrentes - autores e 9s. réus - trazem a presente revista.<br>
3. Ofereceram os autores alegações, em que concluíram:<br>
"I) - Sendo os Autores, ora apelantes, proprietários de um prédio rústico, afecto a cultivo e bravio, com a área de cerca de 9000 m2 gozam do direito de preferência na venda de um prédio rústico contíguo, de lavradio e parte afecta a cultura de mato, pinheiros e eucaliptos, a quem não era proprietário confinante, nos termos do artigo 1380 n. 1 do Código Civil, como aliás não vem posto em causa;<br>
II) - Quer o preço, quer o prazo para o seu pagamento sobretudo se for curto e de montante elevado - são condições essenciais do negócio, dado o seu relevo para a decisão de exercer ou não o direito, e deles deve ser dado conhecimento preciso e rigoroso ao preferente, para que este possa decidir-se;<br>
III) - Não existe identidade entre um projecto de venda em que se refere como preço o montante de 1500000 escudos, com um pagamento inicial de um sinal de 500000 escudos e o restante no acto da escritura, a realizar no prazo máximo de dois meses, e a venda realizada e constante da escritura em que o preço é de 1575000 escudos e é realizada (e o preço, pelo menos na parte excedente ao sinal, pago) cerca de 5 meses depois;<br>
IV) - Não tendo sido oferecida a preferência relativamente<br>
à venda com as cláusulas constantes da escritura - preço de 1575000 escudos e pagamento de 5 meses depois de anunciada a venda - só a partir do conhecimento da venda com essas cláusulas se iniciou o prazo para o exercício do direito de preferência;<br>
V) - O facto de os Autores não terem respondido no prazo de 8 dias à carta em que lhes era oferecida a preferência por um preço e condições de pagamento diferentes daquelas que vieram a ser as que foram observados na escritura é assim irrelevante, e não pode ter levado à caducidade do direito de preferência dos Autores, nos termos do artigo<br>
416 n. 2 do Código Civil, que pressupõe a fiel comunicação das cláusulas do contrato, sendo que, no caso, não só o preço como o prazo de pagamento eram essenciais para os preferentes tomarem a decisão de exercer o seu direito;<br>
VI) - Assim, não se tendo provado que os Autores tivessem tomado conhecimento daquelas cláusulas em momento diferente daquele em que obtiveram a fotocópia da escritura de compra e venda, e tendo a acção sido instaurada no prazo de 6 meses a contar dessa obtenção, é manifesto que lhes assiste o direito de preferência, por o terem exercido dentro do prazo previsto no artigo 1410 n. 1 do Código Civil e terem depositado o preço devido no prazo aí indicado;<br>
VII) - Tendo os 1. a 8. Réus, vendedores, escrito à<br>
2. Autora e recorrente B, oferecendo-lhe a preferência na venda do citado prédio pelo preço de 600000 escudos, e tendo aquela Autora aceitado essa proposta, por carta que lhes dirigiu dentro do prazo de 8 dias, fixado na proposta, esta tornou-se irrevogável depois de recebida pela destinatária, durante o prazo fixado para a aceitação, nos termos dos artigos 230 n. 1 e 229 n. 1 alínea a) (tratar-se-á aqui de um lapso) do Código Civil;<br>
VIII) - Assim, não a tendo os proponentes cumprido, e tendo mesmo tornado impossível a prestação a que se obrigaram, por terem vendido o prédio a outrem, constituíram-se na obrigação de indemnizar pelos prejuízos causados à destinatária, nos termos dos artigos 798 e 801 n. 1 do Código Civil;<br>
IX) - Tais prejuízos resultam necessariamente do facto de a preferente, pela procedência do pedido de preferência, vir a ter que desembolsar 1575 contos pela aquisição do prédio em lugar dos 600 contos constantes da proposta que lhe foi feita e aceitou, ou, no caso de improcedência daquele pedido, ficar privada do prédio que tinha o direito de adquirir por 600 contos;<br>
X) - Tais prejuízos consistem, naturalmente, na diferença entre a situação em que estaria se aquela obrigação fosse cumprida (integrando no seu património o prédio contra o pagamento de 600 contos) e aquela em que se encontra tendo que desembolsar pelo prédio 1575 contos no caso de procedência do pedido de preferência, ou ficando privada do prédio no caso de improcedência daquele pedido);<br>
XI) - Assim, e ao contrário do entendido pelo douto acórdão recorrido, é manifesto que se encontra provada a sua existência e nexo de causalidade com o facto dos referidos Réus, apenas não sendo possível afirmar, neste momento, o seu quantitativo, porque dependente de factos que neste momento se ignoram (procedência ou improcedência do pedido de preferência);<br>
XII) - Consequentemente, deverá o seu quantitativo ser liquidado em execução de sentença, como o permite o artigo<br>
564 n. 2 do Código Civil;<br>
XIII) - Deste modo deve, na procedência do recurso, e revogando o douto acórdão recorrido, ser atribuído aos Autores o direito de preferência invocado, dado não ter caducado, e condenados os 1. a 8. Réus a pagar à 1.<br>
Autora a indemnização que se vier a liquidar em execução de sentença".<br>
Os autores também apresentaram contra-alegações.<br>
4. Por seu turno, os réus - que não deixaram igualmente de oferecer contra-alegações - remataram as alegações com as seguintes conclusões:<br>
"a) Nos presentes autos (que retratam uma "acção de preferência") os Autores - 1. Recorrente também cumulam uma (como que...) "acção de constituição de servidão" (onde eles pedem que sejam declarados "titulares de um direito de servidão de passagem..." - Cf.-. alínea f), do seu pedido), acção esta com uma causa de pedir totalmente diferente, de natureza diversa, de que, assim, resultam pedidos incompatíveis entre si, o que a Lei adjectiva não permite - artigo 470 do C.P.C.; b) O prédio vizinho, dos Autores - 1s. Recorrentes, não é um prédio encravado, tendo frente para a via pública confinante, como resulta expressamente do teor das respostas aos Quesitos 20 e 21 - Cf.: artigo 1550 n. 1 do C.C.; c) Não pode declarar-se o reconhecimento de uma servidão de passagem a favor de um prédio não encravado, como é o caso do prédio dos Autores - 1s. Recorrentes, dado que, para tal "declaração", primeiro tem sempre de se verificar a existência de um prédio encravado e só depois é que se pode reconhecer a existência de uma servidão, ainda que constituída por usucapião; ou seja, aquela primeira condição (existência, ou não, de um prédio encravado) prevalece e releva quanto à segunda (a forma ou o modo como a servidão é - ou foi... - constituída - se por contrato, testamento, usucapião, destinação do pai de família, sentença judicial ou decisão administrativa). d) Não pode haver servidão sem um prédio encravado... Do mesmo modo que, decorrentemente, também não pode declarar-se o reconhecimento de uma servidão de passagem (seja ela constituída por que modo for...) sem igualmente haver, como é por demais óbvio e líquido, um mesmo prédio encravado - o contrário seria um verdadeiro absurdo e/ou contra-senso, que a Lei não concede. Cf.: Artigos 1547 e 1550 n. 1, ambos do Código Civil. e) Também não pode decretar-se o reconhecimento de uma servidão de passagem sem se declarar e descrever convenientemente o modus da sua existência, o seu conteúdo, a maneira do seu exercício e a sua extensão - o que não vem expressa e devidamente enunciado na petição inicial. Por outro lado, f) O prédio dos Réus - 2s. Recorrentes (subordinados), aqui Alegantes, já não é um prédio rústico - mesmo ao tempo da propositura da presente acção (Junho/1991) -, sendo antes de natureza urbana, como se alcança do teor das respostas aos Quesitos 27, 32, e 42 a 52, de modo que o mesmo (prédio) já não pode ser onerado com uma servidão legal de passagem. Cf.: Artigos 204 n. 1, e 1550 n. 1, ambos do Código Civil".<br>
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.<br>
II<br>
O acórdão recorrido deu como assentes os factos que a sentença da 1. instância considerou provados, nos termos que seguem:<br>
Especificação:<br>
"- Os 1s. Autores são titulares da raiz ou nua propriedade, sendo a 2. Autora do respectivo usufruto, de um prédio rústico denominado "Sobreiro da Cruz", parcela de terreno essa destinada a cultivo e em parte bravio, com a área de 9000 m2, sito no lugar da Lomba, freguesia do mesmo nome, Concelho de Gondomar, inserido a favor dos referenciados Autores na respectiva matriz sob o artigo 527 e descrito na C.R.P. de Gondomar sob o n. 0191/160490 - Lomba. (A)<br>
- Prédio esse que confronta, a Sul, com um outro prédio rústico, a bravio, afecto a cultura de mato, pinheiros e eucaliptos, denominado "Forcado", com a área de 4500 m2, inscrito a favor dos 9s. Réus na respectiva matriz no artigo 526 e descrito na C.R.P. Gondomar sob o n. 10436, que aliás confronta também pelo norte com outro prédio rústico dos Autores. (B)<br>
- Ambos os identificados prédios confrontam pelo nascente com estrada municipal. (C)<br>
- Em 12 de Novembro de 1989, os primeiros oito Réus dirigiram à 2. Autora uma carta, dando-lhe conta da sua intenção de venderem o prédio identificado em (B), pelo preço de 600 contos, a pagar nas condições ali referidas (sinal de 100 contos e o restante no acto da escritura) e concedendo-lhe o prazo de 8 dias para declararem se pretendem usar do seu direito de preferência - doc. fls. 20. (D)<br>
- Porque os Autores estavam interessados na sua compra, a Autora, logo em 17 de Novembro de 1989 - respondeu à citada carta dos Autores, (como é óbvio, deve ler-se réus) informando-os pretender usar a faculdade que lhes assistia e pedindo para ser indicado o dia e local para a concretização da transacção, nos termos propostos pelos ditos Réus - doc. fls. 21. (E)<br>
- Porém, em 28 de Novembro de 1989, os Réus em causa escreveram nova carta àquela Autora informando que o valor inicialmente proposto, no montante de 600000 escudos, era um valor desajustado (...); que continuavam interessados na sua venda, mas pelo valor de 1500000 escudos; que tinham uma pessoa interessada, a Sra. Maria José Ferreira (aqui 9. ré); que o preço seria pago da seguinte maneira: sinal de 500 contos e os restantes 1000 no acto da escritura (...) e que esta deverá efectuar-se no prazo máximo de 2 meses, no Cartório Notarial de Rio Tinto - doc. fls. 22. (F)<br>
- Por escritura pública de 26 de Abril de 1990, do cartório notarial de Rio Tinto, os oito primeiros Réus venderam à 9. ré (Maria José dos Santos Ferreira) o terreno denominado "Forcado", a bravio, sito no lugar de Forcado, Lomba, Gondomar, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 526 e descrito na C.R.P. de Gondomar sob o n. 10436, pelo preço global de 1575 contos, que declararam já terem recebido - docs. fls. 23 a 28 (G)<br>
Respostas aos quesitos:<br>
- Partindo da estrada municipal existe um caminho em terra batida, com a largura de cerca de 2,5m, bem marcado pela continuada passagem de rodados de carros e tractores, em dois trilhos paralelos. (1)<br>
- O qual se desenvolve no sentido nascente-poente, de forma aproximadamente paralela à parede em pedra que serve de confrontação entre os prédios identificados respectivamente em (B) e (A). (2)<br>
- A certa altura do seu percurso, percorridos cerca de<br>
50 m., a contar do início, na referida estrada municipal, a aludida passagem bifurca-se em dois ramais, com as mesmas características referidas em (1) (3).<br>
- Seguindo um dos ramais em frente, vai-se desembocar num prédio rústico, pertença de um tal Celestino Ferreira, constituindo o único acesso desse prédio à via pública.<br>
(4)<br>
E o outro inflecte para norte, penetrando no prédio rústico dos Autores, através de uma abertura na parede da vedação. (5)<br>
- Achando-se o respectivo leito calcado e trilhado, e bem diferenciado dos terrenos marginais, para além da dita abertura na parede. (6)<br>
- Desde há mais de 5, 10, 15 e 25 anos que os Autores e seus antecessores passam no referido "caminho" com carros e tractores para acesso à parte bravia do seu prédio. (7)<br>
- Fazendo-o à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém, nomeadamente dos donos do prédio em que a dita passagem se localiza, ininterruptamente, na convicção de exercer um direito próprio e de não lesar direitos alheios. (8)<br>
- E é pela estrada municipal que se faz o acesso à parte cultivada do prédio dos Autores. (9)<br>
- A vantagem da mencionada passagem resulta do facto de, assim, evitar o atravessamento da parte cultivada do prédio dos Autores para atingir a parte bravia, situada mais atrás. (10)<br>
- Os Autores obtiveram prova da escritura pública (de fls.<br>
23 a 28) em 1 de Março de 1991. (11)<br>
- O prédio identificado (B) situa-se entre dois prédios pertença dos Autores. (19)<br>
- Os três prédios em questão têm frente para a via pública. (20)<br>
- E a sobredita estrada municipal, que dá acesso ao dito lugar da Lomba, a partir da EN que segue de Gaia para Castelo de Paiva, abrange o lado norte, ou nordeste, de tais prédios. (21)<br>
- O dito Celestino Ferreira é dono e legítimo possuidor de um prédio, para o interior (sul), sem qualquer ligação à via pública. (23)<br>
- A venda referida em (G) esteve vários meses "anunciada" num café do próprio lugar da Lomba. (26)<br>
- O prédio em causa dá para construção. (27)<br>
- Os Autores não responderam à carta especificada em (F)<br>
(ou seja: a de 28 de Novembro de 1989). (29)<br>
- Os Autores tiveram conhecimento do teor dessa carta.<br>
(30)<br>
- A ré Maria José mandou desbravar a dita parcela do terreno, procedendo-se aí ao corte de sobreiros. (32)<br>
- A Autora B possui residência no lugar da Lomba, onde vão amiúde os seus co-Autores. (34)<br>
- Onde, aliás, deflagrou um incêndio, no Verão de 1990.<br>
(35)<br>
- Estando, nessa altura, presente uma familiar (mãe do Autor A) foi a mesma esclarecida que tal prédio era pertença dos nonos Réus. (36)<br>
- Os oito primeiros Réus resolveram efectuar uma avaliação<br>
à dita parcela de terreno. (38)<br>
- Os nonos Réus pretendem edificar, na parcela de terreno em causa, um armazém industrial, que servisse às "artes" dos mesmos. (42)<br>
- Obra essa há algum tempo iniciada no local, e com projecto aprovado pela Câmara Municipal de Gondomar. (43)<br>
- A qual foi orçada em 2800 contos. (44)<br>
- Por conta do qual os nonos Autores já entregaram e pagaram a quantia de 1300 contos. (45)<br>
- No tocante ao telhado dessa obra, que foi orçado em 1500 contos, os nonos Réus já entregaram e pagaram por conta a quantia de 500 contos. (46)<br>
- Os nonos Réus, ao efectuarem a ligação da água à rede pública, despenderam a quantia de 50176 escudos e 40 centavos. (47)<br>
- E a quantia de 30000 escudos no concernente ao "projecto" e respectiva licença municipal. (48)<br>
- As sisas montaram a 126 contos. (49)<br>
- O custo da escritura pública em referência, pago pelos nonos Réus, cifrou-se em 25460 escudos. (50)<br>
- E pelo registo a seu favor, do prédio em causa, os nonos Réus pagaram, na CRP Gondomar, a quantia de 11450 escudos.<br>
(51)<br>
III<br>
O acórdão recorrido equacionou as várias questões suscitadas nas alegações dos recorrentes - as quais delimitam o âmbito do recurso (artigos 684, n. 3, e 690, n. 1, do CPC) -, para todas elas buscando o enquadramento jurídico julgado adequado.<br>
Uma nota prévia se justificará para dizer que, na sua grande maioria, as alegações ora produzidas neste recurso de revista, acompanham de muito perto, por vezes textualmente, as que foram oferecidas com o recurso de apelação (usa-se mesmo o termo "apelantes"), reproduzindo argumentação sobre a qual a decisão recorrida teve já o ensejo de reflectir e ponderar.<br>
Sem embargo de a (im)procedência do pedido do reconhecimento do direito de preferência se apresentar como prévia e prejudicial (pelo menos quanto ao pedido de reconhecimento do direito de servidão e ao pedido reconvencional formulado pelos compradores), optamos por seguir a mesma (ou próxima) metodologia de abordagem que o acórdão recorrido, porventura ao arrepio de uma aproximação mais lógica.<br>
Vejamos, então, cada uma das questões de per si, começando pelo<br>
RECURSO dos RÉUS<br>
1. Cumulação de Pedidos (reconhecimento do direito de preferência e reconhecimento do direito de servidão de passagem)<br>
A decisão recorrida considerou que esses pedidos são perfeitamente compatíveis, a ambos correspondendo o processo comum, nada obstando, pois, à sua cumulação.<br>
Antes do mais cumpre sublinhar, aliás na linha daquela decisão, que a questão ora em apreço "foi apreciada no saneador (fls. 84), e com trânsito" (com efeito, pode ler-se nesse despacho que inexiste a invocada ilegalidade de cumulação de pedidos, já que o pedido da alínea f) da petição inicial é um pedido de reconhecimento da existência de uma servidão de passagem, que não de "constituição de uma servidão", cabendo ao pedido em causa a forma de processo comum e não a especial).<br>
É óbvio que nunca se poderia afirmar uma incompatibilidade processual entre esses dois pedidos, ambos seguindo a tramitação do processo comum de declaração.<br>
Todavia, com mais rigor se dirá que o referido pedido formulado sob a alínea f) se apresenta claramente como um pedido subsidiário, como ressalta dos próprios termos:<br>
"no caso de não ser reconhecido aos autores o direito de preferência, ser declarado que estes são titulares de um direito de servidão de passagem..." (e assim sendo, excluída fica à partida toda e qualquer incompatibilidade, pois o pedido subsidiário é para ser tomado em consideração somente no caso de não proceder um pedido anterior - artigo 469 do CPC).<br>
2. Servidão de Passagem:<br>
Confirmada foi a decisão da 1. instância na parte em que reconheceu aos autores o direito de servidão de passagem<br>
- de carro e tractor, em benefício da parte a bravio do prédio dominante -, constituída por usucapião, sobre o prédio dos réus.<br>
Réus que se insurgem contra o assim decidido, fundamentalmente por três ordens de razões: a) o prédio onerado já não é um prédio rústico (mesmo ao tempo da propositura da acção), sendo antes de natureza urbana; b) não pode decretar-se o reconhecimento de uma servidão de passagem, sem se declarar e descrever convenientemente o modus da sua existência: o seu conteúdo, a maneira do seu exercício e a sua extensão; c) não pode haver uma servidão, sem um prédio encravado.<br>
Tendo o acórdão rebatido, com acerto, as razões acabadas de sintetizar - no tocante à matéria da alínea a), salientou que o que interessa é a natureza do prédio no momento em que é oferecido à preferência ou em que esta é exercida, e não a sua sorte futura, no que à alínea b) tange, remeteu para as respostas aos quesitos de onde constam esses elementos -, limitar-nos-emos a breves considerações suplementares sobre a matéria da alínea c).<br>
Sobre ela, começa o acórdão por advertir para uma confusão: os autores não pedem a constituição de uma servidão de passagem, mas o reconhecimento de uma servidão de passagem constituída por usucapião, o que não pressupõe a existência de um prédio encravado (também os autores, nas contra-alegações - fls. 287 e 288 - recordam que jamais formularam qualquer pedido de "constituição de servidão", mas tão-só e apenas o de declaração do reconhecimento de uma servidão preexistente, constituída por usucapião).<br>
2.1. Após os artigos 1543 e 1544 do CC nos darem a noção e conteúdo de servidão, dispõe o artigo 1547:<br>
"1. As servidões prediais podem ser constituídas por contrato, testamento, usucapião ou destinação do pai de família.<br>
2. As servidões legais, na falta de constituição voluntária, podem ser constituídas por sentença judicial ou por decisão administrativa, conforme os casos".<br>
Há, pois, que distinguir entre servidões legais e voluntárias: aquelas derivam da lei, enquanto as segundas são constituídas no âmbito da autonomia da vontade.<br>
Só as servidões aparentes podem ser constituídas por usucapião, considerando-se não aparentes as servidões que não se revelam por sinais visíveis e permanentes (artigo 1548).<br>
Os artigos 1550 e 1556 regem sobre servidões legais de passagem, dispondo o primeiro deles sobre a faculdade que o proprietário de prédio encravado tem de exigir a constituição de servidões de passagem sobre os prédios rústicos vizinhos.<br>
2.2. Mas se a situação de "encravado" do prédio é essencial para o exercício desse direito potestativo, visando a constituição de uma servidão legal de passagem, o mesmo já não sucede no que respeita à constituição de uma servidão de passagem por susucapião.<br>
Neste sentido se tem orientado a jurisprudência deste STJ, justificando-se, pela sua pertinência, um apelo mais detalhado ao acórdão de 1 de Fevereiro de 1994, Processo 84430, 1. Secção, de onde se extraem alguns passos mais significativos: na servidão de passagem adquirida por usucapião, a passagem faz-se através da faixa de terreno possuída e que é revelada por sinais visíveis e permanentes (n. 2 do artigo 1548) e não pelo modo e lugar menos inconvenientes para os prédios onerados, como sucede na servidão legal, face ao artigo 1553; pode a servidão de passagem adquirida por usucapião suprir a falta de uma servidão legal nos termos do artigo 1550, mas isso não lhe confere a natureza de servidão legal; as servidões constituídas por usucapião criam um direito de passagem ex novo por ser a usucapião um modo de aquisição originária, nada tendo a ver com o exercício do direito potestativo conferido pelo artigo 1550 (cfr., também, os acórdãos de 16 de Janeiro de 1996, Proc. 87824, de 2 de Outubro de 1997, Proc. 708/96, de 26 de Fevereiro de 1998,<br>
Proc. 780/97 da 2. Secção).<br>
Não colhe, portanto, a argumentação que os réus recorrentes vêm esgrimindo sobre este ponto, desde a<br>
1. instância.<br>
IV<br>
A problemática suscitada pelo recurso dos AUTORES - que, a encerrar as suas conclusões, pedem lhes seja atribuído o direito de preferência (dado não ter caducado), e a condenação dos 1s. a 8s. réus a pagar à 1. autora a indemnização que se vier a liquidar em execução de sentença (conclusão XIII) - revela-se mais delicada e complexa, gerando alguma divergência a nível doutrinal e jurisprudencial.<br>
1. Antes do mais, vejamos as normas legais pertinentes, que podem ser chamadas à colação nesta matéria específica.<br>
Dispõe o artigo 1380 do Código Civil:<br>
"1. Os proprietários de terrenos confinantes, de área inferior à unidade de cultura, gozam reciprocamente do direito de preferência nos casos de venda, dação em cumprimento ou aforamento de qualquer dos prédios a quem não seja proprietário confinante. (...)<br>
4. É aplicável ao direito de preferência conferido neste artigo o disposto nos artigos 416 a 418 e 1410, com as necessárias adaptações".<br>
Estabelece por seu turno o artigo 416:<br>
"1. Querendo vender a coisa que é objecto do pacto, o obrigado deve comunicar ao titular do direito o projecto de venda e as cláusulas do respectivo contrato.<br>
2. Recebida a comunicação, deve o titular exercer o seu direito dentro do prazo de oito dias, sob pena de caducidade, salvo se estiver vinculado o prazo mais curto ou o obrigado lhe assinalar prazo mais longo".<br>
E reza assim o artigo 1410, n. 1:<br>
"1. O comproprietário a quem se não dê conhecimento da venda ou dação em cumprimento tem o direito de haver para si a quota alienada, contanto que o requeira dentro do prazo de seis meses, a contar da data em que teve conhecimento dos elementos essenciais da alienação, e deposite o preço devido nos oito dias seguintes ao despacho que ordene a citação dos réus".<br>
2. Comece-se por sublinhar e reter que a notificação/ /comunicação prevista no transcrito n. 1 do artigo 416 tanto vale para os pactos de preferência como para as preferências legais (mediante remissão feita caso por caso), aspecto em que não se detectam divergências (ver, por todos, Henriques Mesquita, "Obrigações Reais e Ónus Reais", Livraria Almedina, 1990, p. 208, nota 130, e Carlos Lacerda Barata, "Da Obrigação de Preferência",<br>
Coimbra Editora, 1990, p. 19).<br>
2.1. A comunicação para preferir levanta delicados problemas de ordem jurídica, em vários planos, situando-se a maior complexidade - por isso mesmo, compreensivelmente geradora de algumas divergências - a nível da sua natureza jurídica e efeitos.<br>
Denominada "denutiatio" pelo CC italiano, deve ela indicar as "condições propostas por terceiro".<br>
O CC brasileiro fala de "apontação", que deve indicar "preço e vantagens que terceiros oferecem pela coisa".<br>
De várias disposições, a doutrina francesa retira que ela deve indicar as condições aceites por terceiros.<br>
A moderna doutrina alemã chama a este dever de comunicar "deveres de prestação de informação derivados", por nascerem da lei e não de um acordo.<br>
A doutrina italiana, em geral, considera a comunicação como uma proposta contratual, revogável para uns e irrevogável para outros.<br>
2.2. Ocupando-se dos efeitos da comunicação prevista no artigo 416, n. 1 do CC, Vaz Serra (RLJ, ano 101, pp. 233 e ss.), distingue:<br>
- se o contrato não depender de formalidades, a declaração do titular do direito de preferência de que exerce esse direito, aperfeiçoa o contrato, pois representa a aceitação da proposta contida na comunicação;<br>
- se o contrato depender de forma não contida na comunicação e na declaração do preferente, observar-se-ão as regras gerais sobre cumprimento de obrigações sem prazo certo (artigo 777 do CC).<br>
Assim, segundo o Professor que estamos acompanhando, quando a comunicação e a declaração do preferente constarem de documento assinado, ficou concluído entre as partes (proponente e aceitante) um contrato, não de compra e venda de imóvel, mas de promessa de compra e venda.<br>
Essencialmente no mesmo sentido, se pronunciou Mário Júlio de Almeida Costa, "Direito das Obrigações", 6. ed.,<br>
Livraria Almedina, 1994, pp. 373-374: a comunicação prevista pelo artigo 416 assume "ope legis" o carácter de uma proposta de contrato, revestindo a declaração de preferência o significado de uma aceitação; assim, pode o contrato ficar desde logo concluído se as partes manifestam a vontade de uma vinculação definitiva, com observância da forma legal para aquele necessária; quando assim não aconteça, a notificação e a declaração da preferência consubstanciam um contrato promessa, desde que satisfeita a forma exigida.<br>
Sobre este ponto específico, Antunes Varela ("Direito das Obrigações", vol. I, 9. ed., p. 391), considera que se a notificação tiver já o sentido de uma proposta contratual, como normalmente acontece, e o contrato não depender de forma especial, a declaração de querer preferir feita pelo notificado aperfeiçoará desde logo o contrato, valendo como aceitação da proposta (neste sentido, também, a jurisprudência do STJ, como ressalta dos acórdãos de 17 de Abril de 1997, Proc. 820/96, 2. Secção, de 22 de Abril de 1997 e 14 de Janeiro de 1998, respectivamente Proc. 805/96 e 880/97, ambos da 1. Secção).<br>
Segundo Inocêncio Galvão Teles ("Direito das Obrigações",<br>
7. ed., Coimbra Editora, 1997, p. 168), a notificação para preferir e a declaração para preferir formam, pelo seu encontro, um contrato-promessa, desde que na hipótese concreta obedeçam ao formalismo legalmente prescrito para ele, possuindo a primeira o significado de proposta e a segunda de aceitação, corporizando as duas, no seu conjunto, a promessa bilateral ou recíproca de compra e venda.<br>
Acrescente-se que este mesmo Professor, já antes havia ponderado (p. 162):<br>
"Verdadeiramente, a preferência supõe que o obrigado a ela ajustou com terceiro fazer-lhe a venda em determinadas condições e se propõe vender ao titular nas mesmas condições (tanto por tanto). O obrigado à preferência poderá, na prática, seguir caminho mais curto, dirigindo-<br>
-se logo ao beneficiário e manifestando-lhe a intenção de lhe fazer a venda nas condições tais e tais, independentemente de prévio ajuste com terceira pessoa.<br>
Mas nesse caso, em bom rigor, sai-se do âmbito do instituto da preferência e o que se faz é um convite para contratar ou, quando muito, uma proposta de venda ou uma proposta de promessa de venda (consoante a comunicação revista a forma exigida para a venda ou apenas a exigida para a promessa)".<br>
Também Antunes Varela (que desde há muito - RLJ, ano 105, p. 14 - escrevera que a comunicação prescrita pelo n. 1 do artigo 416 constitui uma verdadeira declaração negocial, traduzindo a proposta contratual correspondente ao projecto de venda que o obrigado à preferência leva ao conhecimento do preferente), faz idêntica advertência, ao ponderar que "é preciso não confundir, como na prática sucede muitas vezes, a notificação para preferência com a proposta de contrato que o obrigado à preferência dirija ao preferente antes de ter qualquer projecto ajustado de venda com terceiro. Ocorre, efectivamente, com relativa frequência, que o obrigado à preferência, decidido a contratar em determinadas condições antes de ter qualquer projecto negocial acertado com quem quer que seja, começa por comunicar ao preferente a sua vontade, perguntando-lhe se quer preferir nessas condições, se quer ou não usar do seu direito em tais circunstâncias. Quando assim aconteça, não existe ainda notificação para preferir, mas simples proposta para contratar, independentemente da designação que o autor dê à sua notificação" (ob. cit., 389-390; RLJ, anos 121-360, e 122-305; cfr. também os acórdãos do Supremo de 19 de Junho de 1997, Proc. 889/96, 2. Secção e de 8 de Julho de 1997, Proc. 939/96, 1. Secção).<br>
No mesmo sentido, M. Henriques Mesquita, "Obrigações Reais e Ónus Reais", p. 207, pondera que um pressuposto sempre imprescindível é que esteja projectado, tendo as partes chegado já a completo acordo, um daqueles negócios que origina a preferência e o obrigado à prelação se proponha efectivá-lo.<br>
3. Muitas outras questões se levantam neste domínio, embora nem todas envolvam a mesma ordem de dificuldade | [0 0 0 ... 0 0 0] |
8jLYu4YBgYBz1XKvpEmR | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<br>
<font>"A" e mulher B, C e mulher D, e E e mulher F propuseram acção de reivindicação contra G, H e mulher I a fim de, reconhecido o seu direito de propriedade sobre os prédios rústicos identificados no art. 1º nº 2 a 4 da petição inicial, serem condenados os réus a lhos restituírem livre de pessoas e bens, declarando-se nula a sua venda pelo 1º ao 2º réu celebrada em 95.09.05, titulada por escritura pública, e ordenando-se o cancelamento dos registos prediais feitos com base nesta, e ainda condenados os réus no pagamento de indemnização, a liquidar em execução de sentença, pelos prejuízos decorrentes da ocupação dos prédios.</font><br>
<br>
<font>Contestando, o 1º réu excepcionou a aquisição por usucapião e impugnou, concluindo pela improcedência da acção.</font><br>
<br>
<font>Contestando, os 2º réus impugnaram (por os prédios que possuem serem distintos dos reivindicados) e reconvieram a fim de se reconhecer o seu direito de propriedade sobre os prédios rústicos identificados sob o art. 5º da contestação ou, em alternativa, no caso de a acção proceder, se condenar os autores a lhes pagarem, a título de indemnização por benfeitorias, a soma de 8.325.340$00 acrescidos de juros de mora desde a notificação da reconvenção.</font><br>
<br>
<font>Prosseguindo até final, seus regulares termos e com gravação da prova, procederam, em parte, a acção - só quanto ao prédio inscrito na matriz sob o art. 26-E da freguesia da Pedreira, Tomar - e a reconvenção - só quanto aos prédios inscritos na matriz daquela freguesia sob os arts. 40-E e 10-E, e, no mais, improcederam uma e outra por sentença que a Relação, sob apelação do autores e dos 2º réus, confirmou salvo quanto à restituição do prédio inscrito sob o art. 26-E por continuar na posse dos autores.</font><br>
<br>
<font>De novo inconformados e repetindo precisamente o que para a Relação alegaram, os 2º réus pediram revista a fim de ser revogado o acórdão substituindo-se-o por outro a julgar improcedente a acção e procedente a reconvenção para o que reeditam as seguintes questões - nulidade do acórdão por condenar em objecto diverso do pedido, caducidade do registo da acção, constituto possessório, alteração da decisão de facto, reconhecimento do seu direito de propriedade sobre o prédio matriciado sob o art. 26-E e inoponibilidade da nulidade das vendas judiciais.</font><br>
<br>
<font>Contraalegando, defenderam os autores a confirmação do julgado.</font><br>
<font>Colhidos os vistos.</font><br>
<br>
<font>Decidindo: -</font><br>
<br>
<font>1.- A circunstância de ser legítimo ao Supremo Tribunal de Justiça censurar o uso pela Relação dos poderes que lhe são conferidos pelo art. 712 CPC não autoriza que a natureza de tribunal de revista daquele seja subvertida em 3ª instância.</font><br>
<br>
<font>Verificar se a Relação procedeu e subsumiu correctamente o caso numa das hipóteses aí previstas é distinto de pedir ao STJ que procede ao reexame da prova aqui gravada. Apenas em casos extremos, casos de erro de direito concretamente definidos na lei (CPC - 722, n. 2), é possível ao STJ alterar a decisão de facto.</font><br>
<br>
<font>A Relação, reanalisando a prova, não modificou a decisão de facto. Ao STJ não cabe a censura pelo não-uso dos poderes de alteração nem ocorre situação de erro de direito na apreciação das provas e fixação dos factos materiais da causa.</font><br>
<font>Ao abrigo dos arts. 713 n. 6 e 726 CPC remete-se a descrição da matéria de facto para o acórdão recorrido.</font><br>
<br>
<font>2.- Porque o acórdão, com as correcções que introduziu à sentença, conheceu de todas as questões suscitadas pelos recorrentes e o fez em termos que juridicamente merecem a concordância do STJ seria suficiente remeter para a sua fundamentação o negar-se a revista (CPC - 713, n. 5 ex vi do art. 726), o que se fará sem prejuízo de algumas e singelas observações.</font><br>
<br>
<font>3.- O registo da acção é provisório por natureza, convertendo-se em definitivo à vista da certidão da sentença transitada em julgado (CRP - 3, 92 n. 1 a) e 101 n. 2 b)). Se o tiver sido ainda por dúvidas e estas não tiverem sido removidas, aquela inscrição mantém-se e cumpre a sua função a qual não se liga ao mérito da acção.</font><br>
<br>
<font>O registo predial publicita a situação jurídica do facto registado através do que permite a terceiros actuar em conformidade com a confiança que o conteúdo do registo transmite.</font><br>
<br>
<font>O efeito do registo da acção é o de apenas fazer retroagir os efeitos da sentença à data do registo, este manifesta-se, como refere J, em termos puramente processuais, sem bulir com a validade nem com a ineficácia dos direitos substantivos a ele sujeitos (neste sentido, cfr. o disposto no art. 271 n. 3 CPC sobre a inoponibilidade da sentença quando tenha sido omitido o registo da acção).</font><br>
<font>A sua caducidade (CRP - 92, n. 3) não produz quaisquer efeitos nas relações em litígio entre as partes.</font><br>
<br>
<font>4.- A aquisição (originária) do direito de propriedade por usucapião prevalece sobre a presunção derivada do registo e produz efeitos contra terceiros independentemente de registo pelo que este lavrado em desconformidade com aquela não é oponível pelo beneficiário da aquisição derivada não válida (in casu, a venda de coisa alheia pelo 1º ao 2º réu é nula entre eles e ineficaz versus autores) - CRP - 5, n. 2 a) e 7 e CC 892.</font><br>
<br>
<font>Se a usucapião vale por si (não sendo prejudicada pelas vicissitudes registrais), se o registo é afectado pela invalidade do negócio jurídico (inválido inter partes e ineficaz versus autores) que àquele foi levado, se a nossa ordem jurídica está, neste campo, assente não no registo mas na usucapião, o cancelamento dos registos após o reconhecimento desta e contradizendo-a mais não é que a sua simples consequência.</font><br>
<br>
<font>No caso de usucapião, o momento da aquisição do direito de propriedade é o do início da posse (CC - 1317 c)), a qual, segundo as instâncias perdurava desde há mais de 40 anos. O registo de actos inválidos (inválidos inter partes e ineficazes versus autores) celebrados posteriormente, ainda que vendas judiciais, não prevalece sobre a usucapião e é indirectamente atingido pela invalidade daqueles.</font><br>
<br>
<font>5.- Pelo constituto possessório adquire-se a posse sem necessidade de haver por parte do titular do direito real um acto material ou simbólico que a revele (CC - 1264, n. 1). Este, o alienante, que antes tinha em relação à coisa uma causa possessionis passou a detê-la por uma causa detentionis e o adquirente passou a ser o possuidor.</font><br>
<font>Também há constituto possessório quando o possuidor transfere a sua posse estando a coisa detida por terceiro (CC 1264, n. 2).</font><br>
<br>
<font>Quando em 1990, em venda extrajudicial por negociação particular, o 1º réu comprou o direito à meação de L, na qual se dizia englobado o prédio matriciado sob o art. 26-E, nem aquele era titular do direito de propriedade sobre ele nem se provou que fosse seu possuidor, e, mais que isso e simultaneamente essencial, já o prédio fora originariamente adquirido pelos autores.</font><br>
<br>
<font>Pretender se considere o tribunal e o depositário judicial dos bens possuidores destes é, no mínimo, configurar a função e o papel do tribunal ao longo do processo executivo e quer a penhora quer a venda nesse processo ao arrepio da lei, da jurisprudência e da doutrina.</font><br>
<br>
<font>Como pelo constituto possessório se adquire a posse e não o direito de propriedade (CC 1263 c) e 1317), quando em 95.09.15 o 1º réu o vendeu ao 2º apenas estava a alienar coisa alheia e possuída pelos seus verdadeiros proprietários.</font><br>
<br>
<br>
<font>Termos em que se nega a revista.</font><br>
<font>Custas pelos recorrentes.</font><br>
<br>
<font>Lisboa, 1 de Fevereiro de 2005</font><br>
<font>Lopes Pinto,</font><br>
<font>Pinto Monteiro,</font><br>
<font>Lemos Triunfante.</font></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
yzLZu4YBgYBz1XKv-0qz | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<br>
<br>
<font>"A", propôs contra B, C, D e E, estes 3, todos ...., a fim de se os condenar a solidariamente lhe pagarem 10.741.180$00, acrescidos de juros de mora vencidos, contabilizados estes em 537.058$00, e vincendos, parte da dívida não liquidada de fornecimentos à 1ª ré de fardos de cortiça, e da qual os co-réus são co-responsáveis por os terem negociado já com o objectivo de os não pagarem e constituírem uma nova sociedade, em tudo idêntica à 1ª ré e descapitalizando-a de modo a impossibilitar a liquidação dos fornecimentos.</font><br>
<font>Contestando os réus pessoas singulares, excepcionaram o erro na forma de processo e a sua ilegitimidade e impugnaram, concluindo pela sua absolvição da instância ou do pedido.</font><br>
<font>Após réplica, improcederam no saneador as excepções deduzidas tendo estes agravado por não terem sido julgados partes ilegítimas e, prosseguindo até final, procedeu a acção por sentença que a Relação, sob apelação dos contestantes, após negar provimento ao agravo, revogou absolvendo-os do pedido.</font><br>
<font>Por defender a confirmação da sentença, pediu a autora revista concluindo, em suma e no essencial, em suas alegações:</font><br>
<font>- no exercício das suas funções, os sócios gerentes devem actuar com a diligência de um gestor criterioso e ordenado no interesse da sociedade, praticando os actos necessários ou convenientes ao seu objecto e</font><br>
<font>- têm ainda o dever de, nos 60 dias subsequentes ao incumprimento de uma obrigação que revele a impossibilidade da sociedade satisfazer pontualmente as suas obrigações, requerer a sua falência ou a adopção de medidas de recuperação, se esta for viável; </font><br>
<font>- os factos provados constituem uma inobservância culposa das disposições legais destinadas à protecção dos interesses dos credores sociais e que o património social se tornou insuficiente para satisfação dos respectivos créditos, quando podiam e deviam ter actuado de outra forma;</font><br>
<font>- a conduta dos recorridos foi causa adequada dos danos causados à recorrente, pois cessando a actividade da 1ª ré e constituindo uma nova sociedade, a impediram de gerar receitas para satisfazer o crédito desta;</font><br>
<font>- os recorridos violaram de forma grosseira as regras da boa fé e dos bons costumes, consubstanciando, enquanto gerentes, um abuso da personalidade jurídica da 1ª ré, gerador do direito dos credores a indemnização;</font><br>
<font>- o acórdão recorrido, absolvendo-os do pedido, violou o disposto nos arts. 334 e 371 CC, 64, 78 e 259 CSC e 6 CPEREF.</font><br>
<font>Sem contraalegações.</font><br>
<font>Colhidos os vistos.</font><br>
<br>
<font>Matéria de facto considerada provada pela Relação -</font><br>
<font>a)- a autora dedica-se à actividade de fabrico de rolhas e de compra de fardos de cortiça;</font><br>
<font>b)- a 1ª ré dedica-se à actividade de fabrico de rolhas de cortiça;</font><br>
<font>c)- os 2º, 3º e 4° réus são os sócios gerentes da 1ª ré;</font><br>
<font>d)- no exercício da sua actividade, a autora efectuou à 1ª ré dois fornecimentos de fardos de cortiça, constantes das seguintes facturas:</font><br>
<font>- factura nº 394: 100.000 de 12/19 médio e 20.000 de 13/18 raça, com vencimento em 99.11.30, no valor de 6.130.800$00;</font><br>
<font>- factura nº 411: 98.000 de 12/19 médio, com vencimento em 99.12.06, no valor de 4.930.380$00;</font><br>
<font>e)- os fardos de cortiça foram carregados nas instalações da autora pelos 3° e 4° réus, que os levaram para as instalações da 1ª ré, respectivamente em 99.09.15 e 99.10.20;</font><br>
<font>f)- o preço constante das facturas referidas em d) deveria ser liquidado nas datas dos respectivos vencimentos;</font><br>
<font>g)- para proceder ao pagamento das facturas, a 1ª ré aceitou as seguintes letras -</font><br>
<font>a)- emitida em 99.12.30 e com vencimento em 00.01.30, no valor de 2.025.000$00;</font><br>
<font>b)- emitida em 99.12.30 e com vencimento em 00.01.30, no valor de 2.219.400$00;</font><br>
<font>c)- emitida em 00.01.06 e com vencimento em 00.02.06, no valor de 1.319.101$00;</font><br>
<font>d)- emitida em 00.01.06 e com vencimento em 00.02.06, no valor de 2.430.000$00;</font><br>
<font>e)- emitida em 00.03.06 e com vencimento em 00.04.06, no valor de 1.068.471$00;</font><br>
<font>f)- emitida em 00.03.06 e com vencimento em 00.04.06, no valor de 1.968.300$00;</font><br>
<font>h)- a 1ª ré não pagou as referidas letras na data do seu vencimento, trocando as letras referidas em g) sub-alíneas e) e f) por outras de igual valor;</font><br>
<font>i)- a 1ª ré pagou à autora 120.000$00 mediante o cheque nº 0235951054, datado de 00.01.07;</font><br>
<font>j)- a sociedade "F" pagou à autora as seguinte importâncias mediante os cheques a seguir discriminados:</font><br>
<font>- nº 7695427728, datado de 00.02.01, no valor de 100.000$00;</font><br>
<font>- cheque datado de 00.03.02, no montante de 100.000$00;</font><br>
<font>k)- pela apresentação 17/901120, sob cota 1, encontra-se inscrito na Conservatória do Registo Comercial o contrato de sociedade da 1ª ré no qual consta como sede o lugar de Estrada Velha, Fiães, Santa Maria da Feira, e como objecto, o comércio e indústria da cortiça e sua transformação;</font><br>
<font>l)- pelas apresentações 17/960326, 18/960326, 19/960326 e 20/960326, sob as cotas 2, 3, 5 e 6 estão inscritas na Conservatória do Registo Comercial, as seguintes inscrições:</font><br>
<font>- a transmissão de quota no valor de 54.000$00 a favor do sócio D, por cessão de quota de G, precedida de divisão da sua quota em duas;</font><br>
<font>- a transmissão de quota no valor de 26.000$00 a favor da sócia C, por cessão de quota deste G, precedida de divisão da sua quota em duas;</font><br>
<font>- a transmissão de quota no valor de 54.000$00 a favor do sócio E, por cessão de quota de H, precedida de divisão da sua quota em duas;</font><br>
<font>- a transmissão de quota no valor de 26.000$00 a favor da sócia C, por cessão de quota desta H, precedida de divisão da sua quota em duas;</font><br>
<font>m)- pelas apresentações 23 e 24/960326, sob a cota 10, encontra-se inscrita nessa Conservatória, a alteração parcial do contrato da sociedade em que consta que a gerência fica afecta a todos os sócios, a designação do sócio Dem 96.01.25 como gerente e a forma de obrigar pelas assinaturas conjuntas dos três gerentes;</font><br>
<font>n)- a 1ª ré enviou a carta datada de 99.11.16 na qual declara que "a sede da firma, B, é na Rua Romana, ... Fiães VFR";</font><br>
<font>o)- a rua Romana é a actual denominação do lugar da Estrada Velha;</font><br>
<font>p)- por escritura pública de 99.09.22, os 2º, 3° e 4° réus declararam celebrar um contrato de sociedade sob o tipo de sociedade por quotas com as seguintes cláusulas:</font><br>
<font>"1° A sociedade adopta a firma "F." e tem a sede na rua do Parque, Apartado ... freguesia de Lourosa, deste concelho;</font><br>
<font>§ único - A gerência fica desde já autorizada a mudar a sede social dentro do mesmo concelho ou para concelho limítrofe, bem como abrir ou encerrar agências ou sucursais dentro do território nacional ou estrangeiro.</font><br>
<font>2° constitui objecto da sociedade o exercício da actividade de "indústria de cortiça";</font><br>
<font>5° A gerência da sociedade (...) fica afecta a todos os sócios, desde já nomeados gerentes;</font><br>
<font>§ segundo - Para obrigar a sociedade nos demais actos e contratos é necessária a assinatura conjunta de todos os gerentes;</font><br>
<font>§ terceiro - Consideram-se englobados nos poderes de gerência a compra e venda de veículos automóveis de e para a sociedade e a assinatura de leasing";</font><br>
<font>q)- na escritura referida em p) consta que "exibiram o certificado da firma, passado em 17.8.99, pelo Registo Nacional de Pessoas Colectivas";</font><br>
<font>r)- pela apresentação 21/991008, sob a cota 1 encontra-se inscrita na Conservatória de Registo Comercial a constituição da sociedade referida em p);</font><br>
<font>s)- nos autos de arresto nº 886-A/99 que correram termos no 4° juízo Cível deste tribunal contra a 1ª ré, foram arrestados em 99.11.15 os bens constantes do auto de arresto de fls. 30 a 32, discriminados em oito verbas, tendo a verba nº 1 o valor de 80.000$00, no qual consta a seguinte declaração:</font><br>
<font>- "Neste momento pela Srª C, legal representante da requerida e da F foi dito que os único bens que pertencem à requerida são os constantes na verba nº 1 e que os bens arrestados nas restantes verbas são propriedade da "F";</font><br>
<font>t)- pela apresentação n.o 521/07042000, encontra-se inscrita na Conservatória do Registo Automóvel a favor da F, a propriedade do veículo, matrícula QO, desde 99.10.28;</font><br>
<font>u)- encontra-se inscrita na Conservatória do Registo Automóvel a favor do 4º réu a propriedade do veículo FX;</font><br>
<font>v)- pela apresentação 82/071092, a propriedade do veículo referido em u) encontrava-se inscrito a favor da 1ª ré;</font><br>
<font>x)- pela apresentação 296/030191, a propriedade do veículo referido em v) encontrava-se inscrita a favor da 1ª ré;</font><br>
<font>y)- pela apresentação 43/080699, a propriedade do veículo referido em v) encontrava- -se inscrita a favor de G;</font><br>
<font>w)- em meados de Julho de 1999 os réus dirigiram-se às instalações da autora para adquirir cortiça e apalavraram com o legal representante desta a aquisição de cortiça que veio a ser facturada nos termos referidos em d), alegando que se aproximava o período de férias e que só lhe interessava concretizar o negócio em meados de Setembro;</font><br>
<font>z)- já nessa altura a 1ª ré vinha sentindo dificuldades em pagar a outros fornecedores;</font><br>
<font>a-1)- a obtenção do certificado da firma demora a ser obtido, pelo menos, 3 meses;</font><br>
<font>b-1)- a sociedade F. está a laborar nas instalações onde a 1ª ré laborava, sitas na rua do Parque, freguesia de Lourosa;</font><br>
<font>c-1)- os funcionários da F. Lª, são os mesmos que trabalhavam na 1ª ré;</font><br>
<font>d-1)- a 1ª ré cessou por completo a sua actividade logo após a constituição da F;</font><br>
<font>e-1)- a F, Lª, emitiu os cheques referidos em para pagamento dos fornecimentos referidos em d);</font><br>
<font>f-1)- a 1ª ré não tem instalações na rua Romana, freguesia de Fiães;</font><br>
<font>g-1)- apenas nos primeiros anos da sua existência a 1ª ré teve a sua sede e laborou numas instalações sitas no lugar da Estrada Velha, hoje rua Romana,</font><br>
<font>h-1)- tendo, há vários anos e sem que tivesse efectuado a respectiva alteração no registo, mudado para umas instalações, propriedade dos pais dos 2°, 3° e 4° réus, sitas na rua do Parque, Lourosa onde, de facto, passou a ter a sua sede e a laborar;</font><br>
<font>i-1)- o património da 1ª ré, em 02.06.18, aquando da apreensão efectua-da nos autos em que a mesma foi declarada falida, era constituído pelas oito verbas aí discriminadas;</font><br>
<font>j-1)- os fardos de cortiça adquiridos em 99.10.20 necessitavam de ser cozidos e a ré não tinha capacidade para proceder à sua cozedura no período de 17 dias úteis;</font><br>
<font>k-1)- as máquinas da 1ª ré ocupavam um pavilhão com cerca de 500 m² e em 99.11.15 pela ré C foi proferida a declaração referida em s);</font><br>
<font>l-1)- os veículos com matrícula QO e FX não foram apreendidos no âmbito dos autos de falência que correm termos contra a 1ª ré;</font><br>
<font>m-1)- em 99.11.15, a requerimento de I, o Tribunal Judicial de Santa Maria da Feira procedeu ao arresto de bens da 1ª ré, no total de oito verbas, com o valor global de 1.703.000$00, nomeando depositário um funcionário da requerente, acabando estes por constituírem os únicos bens apreendidos na falência da mesma ré em 02.06.18.</font><br>
<br>
<font>Decidindo: -</font><br>
<br>
<font>1.- Após expressamente confirmar a sentença quando concluiu da violação culposa de normas destinadas à protecção dos credores sociais, por parte dos apelantes, absolveu-os por dos factos provados não se poder considerar que os actos destes, como administradores, foram causa adequada do dano da autora, como credor social.</font><br>
<br>
<font>2.- Quando se questiona o nexo de causalidade, e apenas este constitui o objecto da revista, há que distinguir entre questão de facto, insindicável pelo STJ, e questão de direito, cognoscível esta pelo STJ.</font><br>
<font>A materialidade factícia que integra o nexo causal constitui questão de facto. Já não o é saber se entre ela e o provado como facto existe uma relação de causalidade adequada.</font><br>
<font>A realidade, o facto concreto, determinável no seu conjunto e âmbito, susceptível de juízos empíricos, será causa adequada se em abstracto e em geral se revelar apropriado para provocar o dano (CC- 563).</font><br>
<font>São, pois, dois os momentos a considerar segundo a teoria da causalidade adequada - a existência (a sua fixação) de um concreto facto condicionante de um dano e revelar-se ele em abstracto e em geral apropriado para provocar o dano; ali, matéria de facto mas aqui, questão de direito.</font><br>
<font>3.- Os factos constantes das als. b), e), k) a r), r) a y), b-1) a d-1), f-1) a k-1), i-1), k-1) e m-1) traduzem uma concreta e real sobreposição de facto, que não jurídica, de sociedades (a 1ª ré e F, Lª) de tal forma é a identidade de objecto social, de localização de estabelecimento industrial e de sede, de estatutos, de património social, de gerência e de trabalhadores.</font><br>
<font>Porque a identidade não é jurídica, os credores da 1ª sociedade (a aqui ré) deparam-se com uma situação de facto consumado em que é evidente esta não apresentar liquidez nem solvabilidade económica e financeira que, prima facie, lhe permita a, por si só, cumprir as prestações a que se vinculou e os seus compromissos negociais e sociais.</font><br>
<font>Por outro lado, face à concentração dos factos constantes das als. w), e) e p) num curto período de tempo há que ter presente não terem os réus procurado minimamente desmontar (a nada se propuseram, nada alegaram a esse propósito) - o factor tempo e a conhecida e consabida dificuldade burocrática são-lhes desfavoráveis - o que dos factos alegados, se provados, resultaria (e provados ficaram) e demonstrar que o projecto de constituição da nova sociedade já vinha pensado de muito antes e que a sua constituição naquele momento nada mais traduzia que pura e mera coincidência.</font><br>
<font>O factor tempo ganha relevo ainda num outro aspecto - o negócio entre a autora e a 1ª ré foi gizado em meados de Julho de 99 e a pedido desta apenas entregue a cortiça meses depois (meados de Setembro e meados de Outubro desse ano), sendo que a escritura pública de constituição da F - a nova sociedade - foi celebrada em Setembro desse ano (99.09.22).</font><br>
<font>Necessitando o produto fornecido - cortiça - de 17 dias úteis para ser trabalhada, já então a 1ª ré teria perdido a sua capacidade laboral e transformadora, além de, logo que foi constituída a F, a 1ª ré cessou por completo a sua actividade, ou seja, concretamente já a tinha perdido quando levantou a cortiça.</font><br>
<font>Nenhum dos réus - sociedade e seus sócios gerentes - deu, na altura, a conhecer à autora o projecto em curso nem que através dele se processaria à total descapitalização da ré compradora, o que desde logo afasta a possibilidade de colocar a questão ao nível do risco que uma contratação em si encerra.</font><br>
<font>Os réus pessoas singulares conheciam o estado de insolvabilidade ou quase da 1ª ré e que esta, pelo menos, contemporaneamente (al. z)) ao facto da al. w) se devia ter apresentado à falência ou requerido a recuperação da empresa (as suas alegações na apelação são, a tal propósito, elucidativas, assaz elucidativas e de como muito tardiamente agiu ... e confirmam a conclusão da sentença a fls. 198) - CPEREF - 6 e 3-1 e 2.</font><br>
<font>Se entendiam que não tinha viabilidade económica (CPEREF - 1) ou que a tinha e que era superável a sua ruptura financeira a 1ª ré não devia ter contratado, de antemão uns e outra conheciam que esta não iria cumprir e lesaria a autora.</font><br>
<font>Além da violação culposa dos deveres que sobre os gerentes impendem (CSCom- 259, 252-1 e 64) - indiscutível e plenamente aceite pelos réus pessoas singulares (não requereram a ampliação do âmbito da revista o que, tivessem alegado, lhes seria lícito ao abrigo do art. 684-A CPC), constituem os factos assinalados, no seu conjunto, causa da insuficiência do património social para a satisfação dos respectivos créditos, nomeadamente do reclamado pela autora (CSCom- 78,1).</font><br>
<font>Da articulação das citadas disposições do CSCom resulta que para responsabilizar os gerentes perante os credores sociais não se afastou o requisito da ilicitude da sua conduta e que os actos ilícitos que causem um dano abrangem tanto o ilícito em geral ou comum como o ilícito específico, isto é, que viole obrigações próprias do direito das sociedades.</font><br>
<font>Os recorridos não só violaram os seus deveres como gerentes para com a 1ª ré como perante os seus credores sociais, o que os torna responsáveis pelo cumprimento da obrigação por aquela assumida.</font><br>
<font>A responsabilidade dos réus gerentes é solidária (CSCom- 78,5 e 73-1).</font><br>
<br>
<font>3.- Finalmente, é legítimo questionar se os réus quando negociaram com a autora o quiseram fazer em nome desta, de quem eram gerentes, ou antes se, dela escondendo o propósito que os animava, apenas se serviram do nome da sociedade para efectivamente beneficiarem a que iam constituir e da qual iam ficar gerentes, os únicos gerentes.</font><br>
<font>O conhecimento e discussão desta questão poderia eventualmente interessar a outros aspectos, um dos quais, seria saber se conduziria à responsabilidade também da nova sociedade. Porém, esta não foi demandada nem essa responsabilidade não foi equacionada nos autos.</font><br>
<font>Condenada, com trânsito em julgado, a 1ª ré e correctamente condenados, na sentença, os co-réus.</font><br>
<br>
<font>Termos em que, concedendo-se a revista, se revoga o acórdão recorrido e se mantém a sentença.</font><br>
<font>Custas pelos recorridos.</font><br>
<br>
<font>Lisboa, 23 de Novembro de 2004</font><br>
<font>Lopes Pinto</font><br>
<font>Pinto Monteiro</font><br>
<font>Lemos Triunfante</font></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
vjKlu4YBgYBz1XKvOiYX | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font>ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA</font><a><u><font>[1]</font></u></a><font>:</font>
<p><font> </font>
</p><p><font>AA, treinador de futebol, residente na Rua ..., propôs a presente acção declarativa, com processo comum, sob a forma ordinária, contra BB, jornalista, CC, editor, DD, Diretor do Jornal “Record”, com residência profissional, na ..., e “Edisport – Sociedade de Publicações Desportivas, SA”, empresa proprietária do Jornal “Record”, com sede na ..., pedindo que, na sua procedência, os réus sejam condenados, solidariamente, a pagar ao autor a quantia de €60.000,00, a título de indemnização por danos patrimoniais, e a quantia de €70.000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais, com juros sobre aquela quantia, contados a partir da data da citação, bem assim como a publicar a sentença condenatória, nas páginas do Jornal “Record”/”Revista Dez”, alegando, para o efeito, e, em síntese, que foi atleta profissional de futebol, entre os anos de 1989 e 2002, tendo sido publicada uma notícia, na “Revista Dez”, integrante do Jornal “Record”, na sua edição de sábado, dia 26 de Março de 2005, em cuja capa, em título aposto na sua parte inferior e sobre uma fotografia do autor, se pode ler «Juventus: escândalo de doping», sendo que, no interior da revista, foi publicado um texto, encimado pelo título «Factura por cobrar».</font>
</p><p><font>O autor aparece, assim, ligado ao consumo de «doping» pelos jogadores da equipa de futebol da Juventus de Turim, durante o período em que na mesma foi profissional de futebol.</font>
</p><p><font>Porém, a notícia é falsa, ofendendo, gravemente, a sua honra e consideração pessoal, infligindo-lhe danos de natureza patrimonial e não patrimonial, que enuncia e ascendem ao montante peticionado.</font>
</p><p><font>O réu BB foi o autor do texto, que escreveu na sua qualidade de jornalista, o réu CC era, em Março e Abril de 2005, o editor e adjunto da Direcção da Revista «Dez», o réu DD o Director do Jornal “Record” e da Revista «Dez» e a ré sociedade a empresa proprietária daquele jornal e desta revista.</font>
</p><p><font>Na contestação, os réus concluem pela improcedência da acção, alegando, para o efeito, que o artigo em questão demonstra, precisamente, o não envolvimento do autor no escândalo de «doping» da Juventus, e que, de todo o modo, em relação ao réu DD, não se alega qualquer facto para fundamentar a responsabilidade do mesmo, inexistindo facto ilícito, nem nexo de causalidade entre a sua conduta e os danos alegados pelo autor, nem culpa, até porque foi exercido o direito fundamental de informar.</font>
</p><p><font>A sentença julgou a acção, parcialmente, procedente e, em consequência, condenou os réus DD e “Edisport – Sociedade de Publicações Desportivas, SA” no pagamento ao autor do quantitativo indemnizatório de €38.000,00, sendo €15000,00, a título de danos não patrimoniais, e €23000,00, a título de danos patrimoniais, acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde a data da sentença e até pagamento, e ainda na publicação do extrato da sentença, absolvendo, porém, os réus BB e CC do pedido contra si formulado e os demais da restante parte do peticionado.</font>
</p><p><font>Entretanto, os réus invocaram a nulidade de todos os depoimentos prestados, em sede de audiência de julgamento, relativamente aos quais não houve registo, no sentido de ser repetida a prova testemunhal em causa.</font>
</p><p><font>Tendo-se declarado verificada a nulidade derivada da omissão da gravação da prova produzida na sessão de julgamento realizada, no dia 5 de Maio de 2008, foram anulados o encerramento da audiência de discussão, a decisão da matéria de facto e a sentença.</font>
</p><p><font>Autor e réus interpuseram recursos de agravo daquela decisão, que foram admitidos para subir, diferidamente.</font>
</p><p><font>Designado dia para a continuação da audiência de julgamento, foi, após decisão da matéria de facto, proferida sentença, que julgou a acção, parcialmente, procedente e, em consequência, condenou os réus CC, DD e “Edisport – Sociedade de Publicações Desportivas, SA” no pagamento ao autor da indemnização de €15.000,00, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data da sentença e até pagamento, e na publicação do extrato da sentença, absolvendo, porém, o réu BB do pedido contra si formulado e os demais da restante parte do peticionado.</font>
</p><p><font>Com esta decisão, de novo, inconformados, autor e réus interpuseram recursos de apelação, tendo o Tribunal da Relação negado provimento aos recursos de agravo, e concedido parcial procedência aos recursos de apelação e, em consequência, alterou a sentença apelada, julgando a acção, parcialmente, procedente e condenando os réus BB, DD e “Edisport – Sociedade de Publicações Desportivas, SA”, nos termos constantes daquela sentença, tendo-se em consideração, na publicação do extrato da mesma, a alteração ora operada, no que respeita aos réus condenados.</font>
</p><p><font>Deste acórdão da Relação de Lisboa, os réus e o autor interpuseram agora recurso de revista, terminando as alegações com a formulação das seguintes conclusões:</font>
</p><p><font> OS RÉUS:</font>
</p><p><font> 1ª – O Tribunal da Relação ao pronunciar-se sobre o elemento da "culpa" quando da petição inicial não constam quaisquer factos que indiciem aquele pressuposto, pratica um acto de "pronúncia indevida", que constitui, fundamento de recurso.</font>
</p><p><font> 2ª - A verdade é que a decisão em recurso, considera que os recorridos actuaram de forma dolosa quando, em parte alguma dos articulados ou da base instrutória, consta qualquer facto, passível de retirar a referida conclusão.</font>
</p><p><font> 3ª - Por fim, a verdade é que, a decisão em recurso, estaria sempre, em oposição com os artigos 483° e 487° do Código Civil, bem como, com o princípio do dispositivo previsto no número 2 do artigo 264°, Código do Processo Civil, ao condenar os recorrentes sem que, tenham sido alegados os factos constitutivos da procedência desse direito.</font>
</p><p><font> 4ª - Para além disso, a verdade é que, entendem os recorrentes que, o Tribunal "a quo", confunde o princípio do dispositivo com as regras da divisão do ónus da prova.</font>
</p><p><font> 5ª - Isto porque, independentemente de se concordar ou não com a tese de que, existe uma responsabilidade objectiva do Director, tal nunca desobrigaria a parte, que pretenda beneficiar desse regime, de alegar os factos concretos dos quais dependem o seu direito.</font>
</p><p><font> 6ª - Até porque, nos termos do artigo 349° do Código Civil, uma presunção mais não é do que, uma "ilação que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para afirmar um facto desconhecido.".</font>
</p><p><font> 7ª - Ora, nos termos do princípio do dispositivo o Tribunal apenas pode tomar "conhecimento" dos factos que lhe são apresentados pelas partes sendo que, no caso concreto, o recorrido não levou ao conhecimento do Tribunal, um único facto com base no qual, fosse possível retirar uma presunção.</font>
</p><p><font> 8ª - Teria sempre o recorrido de alegar os factos que, em abstracto seriam passíveis de serem subsumíveis ao conceito de dolo ou mera culpa.</font>
</p><p><font> 9ª - Com efeito, dispõe o número 2 do artigo 660°, do Código do Processo Civil que, o juiz não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.</font>
</p><p><font> 10ª - Os factos constitutivos do direito do recorrido não são de conhecimento oficioso, nem foram "suscitados" pelo recorrido, pelo que, face aos limites que resultam do princípio do dispositivo envolvente das normas do número 1, do artigo 264° e artigo 664°, ambos do Código de Processo Civil, ao decidir sobre o "dolo" e "culpa" o Tribunal "a quo" pronunciou-se sobre factos que não foram apresentados pelo autor e dos quais não podia conhecer.</font>
</p><p><font> 11ª - Por tudo isto, entendem as recorrentes que a decisão viola o disposto no número 1, do artigo 264°, artigos 483°, 487° e 664°, todos do Código de Processo Civil, bem como o artigo 349° do Código Civil.</font>
</p><p><font> 12ª - A aplicação do artigo 487° do Código Civil não poderá levar a presumir que o Director, "teve conhecimento prévio" e de que podendo, não se opôs a que o artigo fosse publicado.</font>
</p><p><font> 13ª - Por isto, mesmo que se entendesse que existe uma presunção, que o Tribunal "a quo" retira do artigo 20° da Lei da Imprensa, nunca se poderia concluir que a publicação foi feita "com conhecimento e sem oposição do Director", pois esse elemento constitutivo, está previsto no artigo 29° da Lei da Imprensa.</font>
</p><p><font> 14ª - Assim, entendem os recorrentes que a sentença ao condenar a sociedade detentora do título, sem que tenha sido feita prova do conhecimento e falta de oposição do Director, viola expressamente, os artigos 342°, 351° e 487° do Código Civil, o número 2, do artigo 29° da Lei da Imprensa.</font>
</p><p><font> 15ª - Entendem os recorrentes que, ao condenar o Director por um texto que estes não elaboraram, a sentença viola os artigos 483° e 484° do Código Civil, números 1 e 2 do artigo 29° da Lei n° 2/99 de 13 de Janeiro (Lei de Imprensa) e artigo 26° do Código do Processo Civil.</font>
</p><p><font> 16ª - Para além disso, a responsabilidade do Director, mesmo que fosse decorrente da referida presunção de culpa, não poderá ser confundida com os pressupostos da responsabilidade da sociedade detentora do título.</font>
</p><p><font> 17ª - É que, a responsabilidade da sociedade detentora do título, apenas opera quando o Director tenha tido conhecimento prévio do artigo e não se tenha oposto à sua publicação.</font>
</p><p><font> 18ª - Ora, a presunção em que o Acórdão em recurso se baseia, advém das funções que o artigo 20° da Lei da Imprensa impõe ao Director.</font>
</p><p><font> 19ª - Contudo, em parte alguma da Lei da Imprensa se presume que, os Directores dos jornais, tenham conhecimento prévio e se consigam opor à publicação de todos os artigos.</font>
</p><p><font> 20ª - Da mesma forma, inexiste qualquer norma que imponha ao Director, a obrigação de tomar conhecimento prévio de todos os artigos antes dos mesmos serem publicados.</font>
</p><p><font> 21ª - A presunção que o Tribunal "a quo" entende existir, e na qual baseia a condenação do Director do jornal, não poderá ser confundida com os factos constitutivos de que dependem a responsabilidade da empresa jornalística, previstos no número 2, do artigo 29° da Lei da Imprensa.</font>
</p><p><font> 22ª - Em rigor, para que a responsabilidade da empresa jornalística operasse nos termos que o Tribunal "a quo" sugere, teria de existir a obrigação legal, do Director, conhecer previamente, o conteúdo de todos os artigos que são publicados.</font>
</p><p><font> 23ª - Nos termos do artigo 486° do Código Civil, "as simples omissões dão lugar à obrigação de reparar os danos, quando, independentemente dos outros requisitos legais, havia, por força da lei ou do negócio jurídico, o dever de praticar o acto omitido."</font>
</p><p><font> 24ª - Motivo pelo qual, inexiste qualquer fundamento legal ou factual para que a empresa jornalista fosse condenada.</font>
</p><p><font> 25ª - Pelo acima referido, entendem os recorrentes que a decisão viola, nesta parte, o disposto no artigo 486° do Código Civil e 20° e 29° da Lei da Imprensa.</font>
</p><p><font> 26ª - O que os recorrentes defendem é que, não tendo sido alegados os factos constitutivos dos quais depende a responsabilidade civil da sociedade detentora da publicação, nunca poderia o Tribunal "a quo" conhecer da responsabilidade da Edisport nos presentes autos.</font>
</p><p><font> 27ª - Assim, entendem os recorrentes que, nesta parte o Acórdão está em oposição e viola o disposto no artigo, 29° da Lei da Imprensa, bem como os artigos 486°, 483° e número 2, e 487° todos do Código Civil.</font>
</p><p><font> 28ª – O que os recorrentes defendem é que, não tendo sido alegados os factos constitutivos dos quais depende a responsabilidade civil da sociedade detentora da publicação, nunca poderia o Tribunal "a quo" conhecer da responsabilidade da Edisport nos presentes autos.</font>
</p><p><font> 29ª - Assim, entendem os recorrentes que, nesta parte o Acórdão está em oposição e viola o disposto no artigo, 29° da Lei da Imprensa, bem como os artigos 486°, 483° e número 2, e 487° todos do Código Civil.</font>
</p><p><font> 30ª - Por tudo o acima referido, entendem os recorrentes que, a decisão objecto dos presentes autos, está em manifesta oposição com os artigos, 19° da Declaração Universal dos Direitos do Homem, artigo 10° da CEDH, artigo 19° do PIRCP, artigos 37° e 38° da Constituição da República Portuguesa, artigo 1</font><sup><font>o</font></sup><font> da Lei da Imprensa, artigo 335° do Código Civil.</font>
</p><p><font> 31ª - O</font><b><font> </font></b><font>Acórdão em recurso está também em oposição com o número 1 do artigo 496° do Código Civil, por atribuir uma indemnização a danos que, pela sua falta de gravidade, não merecem qualquer tutela do direito.</font>
</p><p><font> 32ª - Entendem ainda os recorrentes que, a decisão em recurso está em oposição com os artigos 483° e 563° ambos do Código Civil, uma vez que, condena os réus, sem que exista um verdadeiro nexo causal, entre o dano alegado, e a publicação do referido artigo.</font>
</p><p><font> 33ª - Por fim, a decisão em recurso, está em oposição com os artigos 483°, 484° e 487°, uma vez que inexistia prova ou alegação de facto sobre a eventual culpa daqueles.</font>
</p><p><font> 34ª – No provimento do recurso, devem os réus ser absolvidos do pedido.</font>
</p><p><font> O AUTOR:</font>
</p><p><font> 1ª - Não se aceita a qualificação de instrumentais quanto aos factos vertidos no ponto 17 dos factos provados na sentença proferida em 1ª instância.</font>
</p><p><font> 2ª - Estes factos seriam essenciais - não porque, ao contrário do que se concluiu no acórdão recorrido, servissem para ajudar a concluir se o autor deixou ou não de obter o benefício que aquele contrato lhe traria por causa do facto ilícito - outrossim à tese dos réus de que subsistiriam factos impeditivos que sempre obstariam a que a empresa Página Central pudesse pagar ao autor as quantias com ele contratualmente acordadas pagar-lhe.</font>
</p><p><font> 3ª - Dito de outro modo: da sentença lavrada em primeira instância, e concomitante e consequentemente do acórdão recorrido, que nesta parte nele foi acolhida sem qualquer censura, resulta inequivocamente que o autor sempre deixaria de obter o benefício que aquele contrato [12 mensalidades de € 5.000,00 cada] lhe traria por causa do facto ilícito [o artigo jornalístico em causa nos autos] - cfr. pontos 14, 15 e 16 dos factos provados na sentença proferida em 1</font><sup><font>ª </font></sup><font>instância.</font>
</p><p><font> 4ª - Adrede se relembre que, como consta dos autos, o julgamento foi parcialmente repetido em resultado do desaparecimento de parte da prova gravada. Ora, dessa repetição parcial do julgamento - e no que tange aos quesitos [18.</font><sup><font>º</font></sup><font>, 19.</font><sup><font>º </font></sup><font>e 20.</font><sup><font>º</font></sup><font>] que versavam sobre o prejuízo patrimonial reclamado pelo autor e ao respectivo julgamento da matéria de facto - resultou uma única alteração: que foi precisamente o esclarecimento aditado contido na segunda parte da resposta ao quesito 20º.</font>
</p><p><font> 5ª - Vale isto por dizer, que do primeiro para o segundo julgamento, foi aditado, na resposta à matéria de facto, o esclarecimento sobre a situação financeira da sociedade Página Central, apontando-se a declaração de insolvência desta como causa de absolvição do pedido de condenação dos réus em indemnização por danos patrimoniais, já que seria daí que eles provinham. </font>
</p><p><font> 6ª - Para facilidade de análise, aqui se transcrevem as respostas dadas pelo Tribunal aos quesitos 18º, 19</font><sup><font>º</font></sup><font> e 20º, após a repetição parcial do julgamento:</font>
</p><p><font> "18</font><sup><font>º</font></sup><font>": "Na altura da publicação da notícia, o Autor já tinha concluído as negociações com vista à celebração de um contrato com uma empresa, que iria utilizar a sua imagem, voz e presença, em actos ou campanhas de publicidade promovidos pela mesma."</font>
</p><p><font>"19º": "Essa empresa, invocando a publicação da noticia em causa e a repercussão negativa que a mesma teria na imagem do Autor, que, na sua opinião, constituíam uma alteração dos pressupostos em que assentaria o contrato, comunicou ao Autor que não iria concretizar a sua celebração.</font>
</p><p><font>"20°": "O contrato seria celebrado pelo período de um ano, com início no dia 01 de Maio de 2005, e seria automaticamente renovável, por períodos de seis meses, salvo denúncia escrita de qualquer das partes, e previa que o Autor auferiria pelo menos o valor mensal de 5.000,00 €, esclarecendo-se que a Página Central, a partir de 01 de Maio de 2003, tinha deixado de pagar os custos da publicação de anúncios publicitários no Jornal Diário de Notícia, nos valores mencionados a fls. 868 a 870, o que motivou a propositura da acção judicial de f/s. 866 e ss., que a mesma sociedade não contestou, tendo sido declarada a sua insolvência por sentença que consta de fls. 912 e ss."</font>
</p><p><font> 7ª - A parte por nós sublinhada supra da resposta ao quesito 20º constitui a única alteração às respostas aos mesmos três quesitos dadas antes de ser ordenado repetir o primeiro julgamento. Ora, na primeira sentença (entretanto revogada, por efeitos da repetição parcial do julgamento) o Meritíssimo Juiz ponderou a atitude da sociedade Página Central e considerou razoável que esta tivesse declinado o compromisso com o autor, atendendo à natureza do contrato e à sua forte relação com a boa imagem pública dele. Imagem que saiu claramente desvalorizada pela notícia que o associava a um escândalo de doping de proporções internacionais.</font>
</p><p><font>8ª - E daí considerou que, citamos: "o autor viu-se desse modo privado de receber as quantias mensais acordadas, efeito patrimonial negativo que deve ser considerado consequência da notícia publicada, o que lhe confere o direito de ser indemnizado - artigo 563º e 564º, 1 do CC.</font>
</p><p><font>9ª - Dúvidas não restam, pois, que, compaginando tudo quanto foi decidido e fundamentado pelo senhor Juiz em primeira instância, e a concreta dinâmica que motivaram as concretas diferenças entre a primeira e a segunda sentença ali proferidas, deverá concluir-se - ao contrário do que erroneamente se concluiu no acórdão recorrido - que o autor em rigor logrou provar, sem quaisquer dúvidas, todos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual que decorrem para os réus de terem publicado o artigo jornalístico em causa.</font>
</p><p><font>10ª - No caso dos autos, competia ao autor provar a existência e a lesão do direito e o respectivo dano, designadamente patrimonial: ora, o autor provou a existência do direito de personalidade, a violação deste por acção dos réus e o respectivo dano, originando o direito à indemnização.</font>
</p><p><font>11ª - Dito de outro modo: o autor provou que a conduta dos réus foi ilícita e que foi a causa adequada do dano [lucro cessante] consubstanciado no não recebimento de € 60.000. Ou seja, em qualquer circunstância, mesmo que se tivesse provado que a empresa Página Central fosse unanimemente considerada a de melhor saúde financeira a nível mundial e cem por cento cumpridora das suas obrigações, mesmo nesse caso hipotético, sempre teríamos de concluir, com os factos provados nos autos, que o autor deixou de ganhar € 60.000 em resultado da conduta ilícita (a publicação do artigo jornalístico) dos réus.</font>
</p><p><font>12ª - Em concreto o facto da publicação do artigo jornalístico dos réus foi condição sine qua non do dano e, em abstracto, segundo o curso normal das coisas, constitui causa adequada à sua produção. A publicação do artigo jornalístico dos réus foi a causa adequada operante do dano.</font>
</p><p><font>13ª - A situação económica da empresa Página Central, na perspectiva dos réus e do acórdão recorrido, constituiria a causa virtual ou hipotética do dano do recorrente.</font>
</p><p><font>14ª - A causa real considera-se efectivamente causa do dano, mesmo que seja certo que ele sempre se produziria em resultado da causa virtual. A causa virtual não possui a relevância negativa de excluí-la, pois em nada afecta o nexo causal entre o facto operante e o dano: sem o facto operante o lesado teria um dano idêntico, mas não aquele preciso dano. Daí que exista a obrigação de indemnizar.</font>
</p><p><font>15ª - (i) Sem o artigo jornalístico em causa nos autos, não tinha havido, logo em primeiro lugar, a ocorrência do dano não patrimonial (dano distinto do dano patrimonial em que se consubstanciam os € 60.000,00 pedidos pelo autor em função do que deixou de ganhar pela não produção de efeitos do contrato negociado com a Página Central); (ii) sem o artigo jornalístico o recorrente poderia ter recebido a totalidade ou parte do que em função da relação contratual havida lhe era devido pela empresa Página Central, pois que as referidas dificuldades económicas desta poderiam não obstar a que o recorrente recebesse total ou pelo menos parcialmente os montantes em dívida.</font>
</p><p><font>16ª - Ou seja, a não ser que os réus tivessem provado - e nem sequer o alegaram, pelo menos na forma legalmente exigida - que as dificuldades económicas da Página Central constituíam de facto uma causa impeditiva desta empresa saldar integralmente o montante de € 60.000,00 ao recorrente, jamais a causa hipotética poderia afastar a obrigação de indemnização que incumbe aos réus.</font>
</p><p><font>17ª - Esta causa hipotética mais não é, senão, do que constituída pelos factos impeditivos que, numa defesa por excepção, os réus deviam, e podiam, ter deduzido na contestação ou em articulado superveniente.</font>
</p><p><font>18ª - Decidindo como se decidiu no Acórdão recorrido, desatendeu-se ao postulado no artigo 563</font><sup><font>º</font></sup><font> do Código Civil, pois que apesar de ter provado que sofreu os danos patrimoniais equivalentes a € 60.000,00 em consequência do artigo jornalístico dos réus, o autor viu estes serem absolvidos do respectivo pedido indemnizatório.</font>
</p><p><font>19ª - Factos essenciais são aqueles que integram a causa de pedir ou o fundamento da excepção, e cuja falta determina a inviabilidade da acção ou da excepção, realizando uma função constitutiva do direito invocado pelo autor ou da excepção deduzida pelo réu, sem eles não se encontrando individualizado esse direito ou excepção, pois constituem eles os factos necessários à identificação da situação jurídica invocada pela parte.</font>
</p><p><font>20ª - Já os factos instrumentais, probatórios ou acessórios, são aqueles que indiciam os factos essenciais e que podem ser utilizados para a prova indiciária destes últimos.</font>
</p><p><font>21ª - Com a junção dos 8 documentos em Abril de 2010, os réus efectivamente mais não concretizaram - de forma não prevista na lei, a destempo, em<br>
inobservância do prescrito na lei - do que uma abordagem de factos, essenciais, que constituiriam uma autêntica excepção ao direito à indemnização, cujos factos constitutivos haviam sido alegados e provados pelo autor.</font>
</p><p><font>22ª - Na verdade, por se pretenderem impeditivos da possibilidade da efectiva liquidação dos montantes acordados pagar pela empresa Página Central ao autor, e assim por, em tese, se poderem vir a revelar impeditivos do direito â indemnização que assiste ao autor, cabia aos réus alegarem e provarem a efectiva verificação de tal impedimento, nos termos previstos no nº 2 do artigo 342</font><sup><font>º</font></sup><font> do Código Civil.</font>
</p><p><font>23ª - Ora, e nos termos da lei, maxime do artigo 506</font><sup><font>º</font></sup><font> do Código de Processo Civil, após a tomada de conhecimento pelos réus de tais factos impeditivos, os réus podiam e deviam tê-los alegado em articulado superveniente.</font>
</p><p><font>24ª - Pode ocorrer que só depois de decorrido o prazo para o último articulado o autor tenha conhecimento de outros factos - ou elementos de facto - constitutivos ou o réu conhecimento de factos impeditivos, modificativos ou extintivos, embora uns e outros tivessem ocorrido anteriormente (superveniência subjectiva). Em ambos os tipos de situação, pode ter lugar articulado superveniente em que a parte a quem o facto é favorável o alegará, a fim de, uma vez provado, vir a ser tomado em conta na sentença (art. 663</font><sup><font>º</font></sup><font>). O nº 1 não refere os factos impeditivos, que não podem, por definição (ver anotação nº 5 ao artigo 487</font><sup><font>º</font></sup><font>), ocorrer supervenientemente, mas podem ser eles objecto de conhecimento superveniente, pelo que terão de se considerar igualmente incluídos na previsão legal.</font>
</p><p><font>25ª - Ora, acontece que tal articulado superveniente não foi nunca apresentado pelos réus, nem nos 10 dias posteriores à notificação para a realização da data de julgamento [cfr. art. 506</font><sup><font>º</font></sup><font>, nº 3, al. b) do CPC]; nem na audiência de julgamento [cfr. art. 506</font><sup><font>º</font></sup><font>, n.</font><sup><font>º </font></sup><font>3, al. c) do CPC], nem em momento algum.</font>
</p><p><font>26ª - Deste modo não ocorreu nem o despacho liminar a que alude o n</font><sup><font>º </font></sup><font>4 do artigo 506</font><sup><font>º</font></sup><font> do CPC, nem a inclusão de tais factos na base instrutória, pelo menos dos que de entre eles interessassem à decisão de causa [cfr. art. 506</font><sup><font>º</font></sup><font>, nº 6 do CPC].</font>
</p><p><font>27ª - De igual modo estes factos essenciais à procedência da excepção peremptória que os réus não lograram individualizar nem expressamente invocar, não constituem, como é óbvio, qualquer complemento ou concretização de outros que os réus houvessem oportunamente alegado, pois que foi ex-novo com a junção daqueles 8 documentos (em Abril de 2010) que os réus lançaram mão da tese de que a empresa Página Central não teria capacidade financeira para pagar o contratualmente negociado com o autor.</font>
</p><p><font>28ª - Muito menos os réus manifestaram expressamente a vontade de deles se aproveitar (para prova da excepção peremptória que estariam a esboçar), nem em consequência nessa medida foi dada ao autor a oportunidade do exercício do contraditório.</font>
</p><p><font>29ª - Significa isto que no caso não se observaram nenhum dos requisitos de que a lei (artigo 264</font><sup><font>º</font></sup><font>, nº 3 do CPC) faz depender a inclusão, na decisão, dos factos essenciais (não alegados) à procedência da excepção peremptória esboçada, mas não efectiva nem devidamente deduzida pelos réus.</font>
</p><p><font>30ª - Ora, e como expressamente se alude no artigo 264</font><sup><font>º</font></sup><font>, nº 1 do CPC, ao réu cabia alegar os factos em que se baseava a excepção (por si mera e lateralmente abordada): o réu nem alegou tais factos, nem individualizou a excepção que aqueles consubstanciariam.</font>
</p><p><font>31ª - Por seu turno, e nos termos do artigo 493</font><sup><font>º</font></sup><font>, n.</font><sup><font>º </font></sup><font>3, do CPC, as excepções peremptórias importam a absolvição total ou parcial do pedido e consistem na<br>
invocação de factos que impedem, modificam ou extinguem o efeito jurídico dos factos articulados pelo autor.</font>
</p><p><font>32ª - Já o artigo 342</font><sup><font>º</font></sup><font>, nº 2, do CC, expressamente determina que a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação e feita.</font>
</p><p><font>33ª - Não subsistem, pois, quaisquer dúvidas de que os factos invocados aludidos pelos réus quando juntaram os 8 documentos em Abril de 2010 se devem, em tese, classificar como factos impeditivos (e alguns, eventualmente, extintivos) do direito à percepção da indemnização pelo autor.</font>
</p><p><font>34ª - É manifestamente evidente que não tendo sequer devidamente alegado tais factos, nem os mesmos tenham sido levados à base instrutória, nem devidamente sujeitos a contraditório, ab initio ficaram os mesmos por provar, razão pela qual os réus não observaram minimamente o ónus da prova que relativamente aos mesmos sobre eles impendia.</font>
</p><p><font>35ª - Haverá sempre que dizer que, para que tal ónus pudesse ter sido observado, teriam os réus que ter alegado (e não o fizeram) em articulado superveniente a excepção que os mesmos consubstanciariam, mais no âmbito desse ónus lhes sendo exigível que alegassem e provassem que a situação de carência económica da Página Central importava necessariamente a impossibilidade de pagamento dos € 60.000,00 ao autor. Ora, tal não foi devidamente alegado, nem muito menos provado.</font>
</p><p><font>36ª - Note-se que as instâncias argumentam que, com a junção dos referidos documentos e consequente 'esclarecimento' na resposta ao ponto 20º da base instrutó | [0 0 0 ... 0 1 0] |
nTLVu4YBgYBz1XKvTkaz | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<br>
<br>
<font>"A" - COMÉRCIO DE DOCES L.DA, intentou acção ordinária contra a B, pedindo que:</font><br>
<font>a) Lhe seja restituída, a título definitivo, a posse do imóvel sito na Rua do Rosário, nº 28, em Ponte de Lima;</font><br>
<font>b) A ré seja condenada a indemnizá-la em valor a liquidar em execução de sentença.</font><br>
<font>Na sentença da 1ª instância foi o pedido da al. a) julgado procedente e a ré condenada a pagar à autora a indemnização a liquidar em execução de sentença, nos termos do disposto no artº 661º,n.º 2 do Código de Processo Civil.</font><br>
<font>A ré apelou para a Relação de Guimarães que, julgando o recurso parcialmente procedente, revogou a sentença na parte em que condenou a ré em indemnização, absolvendo-a do correspondente pedido, confirmou a sentença na parte em que julgou procedente o pedido de restituição do gozo do imóvel arrendado à autora, e condenou a apelante, como litigante de má fé no recurso, na multa de 2 UC e a pagar à apelada a indemnização de 100 euros.</font><br>
<font>Inconformada, recorre agora a A. de revista, formulando as seguintes conclusões:</font><br>
<font>1ª - A decisão recorrida viola o disposto nos artºs 471º, 661º e 378º e segs. do CPC;</font><br>
<font>2ª - Estas normas devem ser interpretadas no seu sentido literal: é possível deduzir pedidos genéricos - o pedido deduzido pela A. enquadra-se neste tipo de pedidos - a sentença pode condenar no que vier a ser liquidado na fase executiva - e foi proferida nesses termos - e a liquidação, em consequência, pode ocorrer após a própria extinção da instância, nos termos previstos na lei do processo - o que a A. pretende e pode fazer,</font><br>
<font>Devendo ser anulado acórdão recorrido na parte impugnada, e ser confirmada a sentença das 1ª instância.</font><br>
<font>Não foram apresentadas contra-alegações.</font><br>
<font>Corridos os vistos, cumpre decidir.</font><br>
<font>Na 1ª instância foram dados como provados os seguintes factos: </font><br>
<font>A) A ré é uma instituição de solidariedade social com sede em Ponte de Lima;</font><br>
<font>B) Autora e Ré celebraram em 28 de Abril de 2000, a primeira como inquilina e a segunda como senhoria, o contrato de arrendamento junto com o Procedimento Cautelar apenso, como doc. 1;</font><br>
<font>C) Nos termos do referido contrato, a Ré arrendou à Autora, pelo prazo de sete anos, um prédio urbano de que aquela é proprietária, arrendamento que teve o seu início em 1 de Julho de 2000;</font><br>
<font>D) Este imóvel tem número de polícia 28;</font><br>
<font>E) A Autora foi imediatamente investida na posse do arrendado: foi-lhe entregue a chave do imóvel e facultado o aceso integral ao mesmo;</font><br>
<font>F) A Autora, ao longo deste ano, foi regularmente ao imóvel para efectuar actos preparatórios do projecto de investimento e do projecto de decoração e instalação de um estabelecimento comercial denominado "Gelataria";</font><br>
<font>G) O que fez à vista de toda a gente e sem oposição de ninguém, nomeadamente da Ré;</font><br>
<font>H) Simultaneamente decorreram estudos arqueológicos na zona onde se insere o imóvel pelo que, os técnicos do IPA - Instituto Português de Arqueologia e do IPPAR - Instituto Português do Património Arquitectónico tiveram necessidade de vistoriar diversas vezes o interior do imóvel;</font><br>
<font>I)Tendo efectuado inclusive alguns buracos no prédio;</font><br>
<font>J) A Autora, para facilitar o acesso ao imóvel e a pedido da R., deixava a chave do imóvel num café próximo ou na própria sede da Ré;</font><br>
<font>k) Até porque a chave é muito antiga e de reprodução difícil;</font><br>
<font>L) A Ré autorizou a Autora a efectuar obras no imóvel - cf. Ponto 6º do contrato junto (doc. 1);</font><br>
<font>M) As obras a efectuar careciam - e carecem - de licenciamento camarário;</font><br>
<font>N) A Ré apresentou o respectivo projecto, imóvel, na Câmara Municipal de Ponte de Lima;</font><br>
<font>O) À data da propositura da acção, a Ré ainda não levantou a respectiva licença de obras;</font><br>
<font>P) A Autora apenas foi restituída à posse do imóvel no passado dia 16 de Agosto de 2001, por força da decisão proferida no âmbito do procedimento cautelar que corre seus termos sob o n.º 381/2001 no 1º Juízo deste Tribunal Judicial;</font><br>
<font>Q) A autora não efectuou qualquer pagamento de renda à ré até à presente data;</font><br>
<font>R) Isto apesar de, em 5 de Outubro de 20001, mediante carta registada a ter interpelado com vista ao pagamento das mensalidades em falta;</font><br>
<font>S) Por via disso, instaurou à Autora a correspondente Acção de Despejo, por falta de pagamento de rendas, a qual corre termos neste Tribunal sob o nº 390/2001, do 1º juízo;</font><br>
<font>T) A porta do imóvel é uma porta velha, em mau estado de conservação, que inclusive se encontrava aberta à data da decidida restituição de posse;</font><br>
<font>U) Em meados de Março de 2001, a ré negou-se a devolver a chave do referido imóvel à autora;</font><br>
<font>V) Alegando que a direcção da ré tinha mudado e a nova direcção não estava de acordo com o contrato existente;</font><br>
<font>1º) A autora é uma sociedade comercial que tem como actividade principal a manufactura de gelados e o comércio de doces e afins;</font><br>
<font>2º) Os estudos do IPA e do IPPAR efectuados no imóvel identificado referido em B) ficaram concluídos no final do ano de 2000;</font><br>
<font>5º) A ré impossibilitou o uso do arrendado por parte da autora;</font><br>
<font>6º) O projecto referido em N) foi aprovado;</font><br>
<font>7º) Devido ao acordo referido na alínea M), a autora está impedida de iniciar as obras;</font><br>
<font>8º) A Autora apresentou um projecto de candidatura ao Programa de Apoio à Modernização do Comércio - PROCOM, o qual foi aprovado e celebrado o respectivo contrato;</font><br>
<font>9º) Necessitava de dar início às obras de remodelação, adaptação e referido estabelecimento comercial;</font><br>
<font>10º) Sob pena de não fazendo perder o direito ao respectivo subsídio;</font><br>
<font>11º) A ré tinha conhecimento da urgência da autora em efectuar as obras;</font>
<p><font>13º) A qual pode ser lesada em milhares de contos;</font>
</p><p><font>14º) A autora é uma empresa jovem e sem possibilidades de fazer face a tal prejuízo;</font>
</p><p><font>15º) Pode não ser possível à autora cumprir os compromissos já assumidos, com os custos do projecto e encomendas a fornecedores;</font>
</p><p><font>18º) A ré não colaborou no processo de licenciamento das obras;</font>
</p><p><font>19º) A autora, não podendo efectuar as obras, perde o direito ao subsídio que lhe foi concedido e vê inviabilizado o seu investimento;</font>
</p><p><font>22º) A ré obrigou-se a obter as necessárias licenças a que se faz referência em M).</font>
</p><p><font>A Relação limitou-se a fazer as duas seguintes observações, sobre esta matéria de facto, confirmando-a no resto:</font>
</p><p><font>1ª - O vertido em S) do elenco dos factos provados encontra-se parcialmente desactualizado, visto que entretanto foi apresentada prova documental no sentido de que a acção de despejo aí referida já foi julgada, tendo improcedido;</font>
</p><p><font>2ª - O facto narrado em 7º) dos factos provados é ininteligível, pois o constante de M), que corresponde à resposta dada ao quesito 7º (que por sua vez se reporta a M)) não refere qualquer acordo. </font>
</p><p><font>Considera-se definitivamente adquirido o quadro factual tal como foi acolhido no acórdão em crise, por não se verificar qualquer das excepções contempladas na parte final do nº 2 do artº 722º do CPC, e não se justificar a baixa do processo nos termos do artº 729º, nº 3, ibidem.</font>
</p><p><font>Tendo o STJ de acatar a referida matéria de facto, importa avançar desde já que falece razão à recorrente na impugnação parcial que faz do decidido pela 2ª instância.</font>
</p><p><font>A absolvição da ré do pedido de condenação em indemnização a liquidar em execução de sentença é decorrência necessária das judiciosa fundamentação constante do acórdão recorrido.</font>
</p><p><font>Negar-se-á pois a revista, a final, com remissão para a fundamentação do acórdão recorrido, nos termos do artº 713º, nº 5, ex vi artº 726º do CPC.</font>
</p><p><font>Algumas considerações apenas, em abono da decisão a confirmar.</font>
</p><p><font>É verdade que aquele que, com o objectivo de obter uma indemnização, propõe uma acção de responsabilidade civil obrigacional ou extraobrigacional, pode fazer um pedido específico, fixando na petição inicial o montante da indemnização almejada, ou formular um pedido genérico, deixando a fixação do montante que pretende do réu para momento ulterior, ainda na pendência do processo, através de requerimento separado, sendo a liquidação discutida e julgada conjuntamente com a causa principal.</font>
</p><p><font>É igualmente verdade que, reunidos todos os requisitos legais mas não sendo ainda possível a liquidação no processo declarativo, será esta relegada para o processo executivo.</font>
</p><p><font>Todavia, o artº 564º, nº 2 do C. Civil é claro no sentido de que na fixação da indemnização o tribunal apenas pode atender aos danos futuros que sejam previsíveis, só podendo a liquidação ser relegada para execução de sentença se os danos futuros já forem efectivamente previsíveis, embora não ainda determináveis.</font>
</p><p><font>Como expende Galvão Telles (Direito das Obrigações, 6ª Edição Revista e Actualizada, pág. 394) no cálculo da indemnização devem entrar também os danos futuros, desde que sejam certos e seja possível determinar desde logo o seu quantitativo, remetendo-se aquela determinação para ulterior decisão se não existir esta possibilidade. Ou seja, os danos futuros (que tanto podem ser danos emergentes como lucros cessantes - ut Pires de Lima e Antunes Varela, anotado, I, 4ª Edição Revista e Actualizada, pág. 580) têm de ser já certos, não podendo ser meramente hipotéticos. Se forem certos e o seu quantitativo já estiver determinado, a condenação no seu ressarcimento é proferida logo na sentença. A liquidação será relegada para execução de sentença apenas se já se tiver a certeza jurídica da produção de danos no futuro mas o seu montante não puder ainda ser determinado, por haver falta de elementos ou necessidade de os já reunidos serem objecto de aclaração ou de concretização de pormenores.</font>
</p><p><font>Ora, não se provou que do comportamento da ré advirão para a autor danos futuros, danos estes que a autora nem sequer articulou convenientemente.</font>
</p><p><font>O dano (ou prejuízo) consiste em sofrer um sacrifício, sendo patrimonial se tiver conteúdo económico, e não patrimonial ou moral se o não tiver. </font>
</p><p><font>Mas na peça inicial a autora apenas traça um quadro meramente hipotético, ao alegar que com o comportamento da ré pode ser lesada em várias dezenas de milhares de contos (artº 30º), pode não lhe ser possível cumprir os compromissos já assumidos, com custos do projecto, encomendas e fornecedores (artº 32º), o que pode conduzir à sua falência (artº 33º), causando-lhe o comportamento da ré, ou podendo causar-lhe graves prejuízos (artº 34º), desconhecendo quais os danos que se vão ou não verificar (artº 36º).</font>
</p><p><font>A matéria de facto provada não permite formular com segurança um juízo de que, por causa do comportamento da ré, a autora vai ter futuramente um prejuízo, que a própria autora, como se disse, colocou no seu articulado como mera hipótese, admitindo que se possa verificar, mas também que não venha a acontecer.</font>
</p><p><font>Amâncio Ferreira (Curso de Processo de Execução, 4ª Edição Revista e Actualizada, pág. 96) refere que uma obrigação é ilíquida, para efeitos de execução, quando o seu quantitativo não se encontra ainda determinado ou o seu objecto é uma universalidade, face ao disposto nos artºs 471º e 805º do CC.</font>
</p><p><font>E inexistindo no caso sub judice a certeza de que virá a produzir-se futuramente um dano, não se pode configurar a obrigação de indemnizar, não se enquadrando o caso vertente, portanto, em nenhuma das duas aludidas situações.</font>
</p><p><font>Ao invés do que pretende a recorrente, não se trata de deixar para liquidação em execução de sentença a determinação dos concretos tipos de dano (que denomina de objecto) e seu correspondente valor (que chama de quantidade).</font>
</p><p><font>Importa aquilatar, a montante, se há a certeza jurídica de que sobrevirão à autora danos futuros, e a resposta a essa questão é negativa.</font>
</p><p><font>Não é em sede de execução de sentença que se pode fazer a demonstração da existência de um dano futuro que na acção declarativa se não conseguiu provar. Não se pode relegar a demonstração do dano para liquidação em execução de sentença. Essa demonstração tem de ser feita na acção declarativa. A liquidação em execução de sentença constitui uma fase declarativa excepcional, destinada unicamente a, por falta de elementos, fixar o objecto da obrigação (v.g. alguém reclama um rebanho e logra ver o seu direito judicialmente reconhecido, desconhecendo-se porém quais os animais que compõem a respectiva universalidade, devendo por isso a fixação da obrigação de entrega do rebanho ser relegada para execução de sentença), ou a sua quantidade (v.g. a obrigação já judicialmente reconhecida de indemnizar o lesado pela prática de um facto ilícito, não sendo ainda possível determinar as suas consequências, havendo por isso necessidade de concretizar o quantum indemnizatur em sede de liquidação em execução de sentença). </font>
</p><p><font>Tudo visto e ponderado, acordam em </font><b><font>negar a revista,</font></b><font> remetendo, com estas breves considerações, para a fundamentação do acórdão recorrido, nos termos dos artºs 713º, nº 5 e 726º do CPC, condenando a recorrente nas custas.</font>
</p></font><p><font><br>
<font>Lisboa, 7 de Dezembro de 2005</font><br>
<font>Faria Antunes,</font><br>
<font>Moreira Alves, </font><br>
<font>Alves Velho.</font></font></p> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
bzLhu4YBgYBz1XKvvk6S | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br>
<br>
<br>
I - Nas Varas Mistas da Comarca de Guimarães, A, em acção com processo ordinário, intentada contra B, pediu que, com a procedência da acção, seja a Ré condenada a pagar à Autora a importância total de 16.720.000$00, com juros, à taxa legal de 7%, a contar da citação.<br>
<br>
Para fundamentar a sua pretensão, alega, em síntese, o seguinte:<br>
<br>
A Ré, no exercício da sua actividade, procedeu à construção, na freguesia de Costa, em Guimarães, de um conjunto habitacional, Edifícios Belos Ares, lote 1B.<br>
Por contrato-promessa outorgado em 18.10.1997, a Ré prometeu vender a C um apartamento do tipo T2, no 2º andar, lado direito, do referido lote.<br>
Em 22.02.1998, pelas 16.30 horas, a pedido e acompanhada de sua filha D, a Autora dirigiu-se ao conjunto habitacional para ver aquele apartamento.<br>
Ao chegar ao 2º andar, e tendo reparado numa entrada que se lhe afigurava ser o hall dessa fracção, a Autora avançou sem que nada assinalasse ou lhe fizesse prever da existência imediata de uma abertura no solo, não podendo evitar a queda no fosso destinado ao ascensor, caindo da altura de 18 metros, sofrendo ferimentos diversos, os quais a obrigaram a internamentos e tratamentos prolongados, que deixaram sequelas que motivam o seu pedido de indemnização.<br>
<br>
Na sua contestação, a Ré refere que o dia em que a Autora alega ter ocorrido o acidente é domingo, dia em que não se trabalha em obras de construção civil, que a Autora não lhe solicitou autorização para entrar naquela obra, nem pediu que a acompanhassem naquela visita, terminando a pugnar pela improcedência da acção.<br>
<br>
A final, foi proferida sentença, segundo a qual a acção foi julgada parcialmente procedente e provada e, em consequência, foi a Ré condenada a pagar à Autora a quantia de € 6406,56, a título de danos patrimoniais, e a quantia de € 15.000, a título de danos não patrimoniais, acrescidas dos juros de mora, à taxa legal, desde a citação e até efectivo pagamento.<br>
<br>
Tendo a Ré e a Autora recorrido - a segunda subordinadamente -, foi proferido acórdão no Tribunal da Relação de Guimarães, nos termos do qual se negou provimento à apelação da Ré e se concedeu parcial provimento à da Autora, fixando-se a indemnização por danos morais em € 17.458.<br>
<br>
Ainda inconformada, veio a Ré interpor o presente recurso de revista, o qual foi admitido.<br>
<br>
A recorrente apresentou as suas alegações, formulando as seguintes conclusões:<br>
1ª - Não obstante toda a matéria de facto apurada apontar para uma conduta por parte da recorrente desrespeitadora do artigo 40º do Dec. Lei nº 41.821, de 11-8-58, o certo é que nunca aquela poderá ser condenada, como o foi pelas instâncias, a pagar qualquer indemnização à apelada, pois "in casu" não se verificam os pressupostos de que depende a obrigação de indemnizar exigidos pelos artigos 483º e 493º, nº 2, do CC e 40º do Dec. Lei 41.821.<br>
2ª - Com efeito, não obstante o que resulta da resposta aos artigos 2º, 3º, 5º, 6º, 7º, 8º, 9º e 40º da base instrutória e que foi relevado pelas instâncias em termos de ilicitude, culpa e nexo de causalidade, o certo é que nunca à actuação e situação descrita podia ser aplicável o citado Dec. Lei e concretamente o seu artigo 40º.<br>
3ª - Trata-se de um Diploma que regulamenta a Segurança no Trabalho da construção civil, pelo que os seus destinatários e, portanto, as pessoas a quem se aplica são os trabalhadores ou operários e não qualquer pessoa (mesmo crianças, como refere o douto acórdão recorrido), pois são aqueles os titulares dos interesses protegidos por tal Diploma legal, sendo certo que a lesão sofrida pela recorrida não ocorreu no círculo de interesses tutelados pelo dito artigo 40º.<br>
4ª - Aliás, se é certo que a ocorrência, em termos objectivos de uma situação que constitui contravenção a uma norma, deve implicar presunção "iuris tantum" de negligência, tal presunção deve ser afastada no caso em que a norma violada não se destina a proteger o interesse em concreto ofendido, pois joga aqui a regra da adequação, que é um dos elementos de causalidade, o que significa que, no caso "sub judice", as lesões sofridas pela recorrida não são consequência adequada da violação da norma em causa, mas antes de factos imputáveis a si própria, designadamente ao visitar uma obra em construção fora do horário de trabalho, sem autorização e conhecimento do respectivo dono e desacompanhada de qualquer responsável pela obra.<br>
5ª - Assim, o artigo 40º do citado Dec. Lei dirige-se não a visitantes, como foi o caso da recorrida, mas aos trabalhadores ou operários e tão só dentro do horário de trabalho, sendo certo que são inúmeras as decisões dos tribunais de trabalho a descaracterizar os acidentes ocorridos fora daquele horário, mesmo que haja desrespeito por normas do diploma em questão.<br>
6ª - Aliás, a anomalia geradora do acidente poderia ter sido provocada por terceiros estranhos à obra em construção, tanto mais que são factos notórios os assaltos e invasões a obras em construção, sobretudo aos fins de semana, e o certo é que o dia em que a autora sofreu o acidente coincidiu com um domingo (alínea E dos factos assentes).<br>
7ª - Donde, sendo inaplicável ao caso o artigo 40º do citado Dec. Lei nº 41.821, nunca a recorrente poderia ser responsabilizada pelo pagamento dos danos sofridos pela recorrida, pelo que, ao condená-la nos termos sub-ditos, o douto acórdão recorrido violou, entre outros, os artigos 483º e 493º, nº 2, do CC e o artigo 40º do Dec. Lei nº 41.821, de 11/8/58.<br>
8ª - No tocante à alteração do quantitativo fixado pela 1ª instância a título de danos morais, e sem prescindir do acima exposto, sempre se dirá que o montante anteriormente arbitrado é justo e adequado a proporcionar à recorrida alegrias e satisfações que de algum modo contrabalancem as dores e desilusões, desgostos e outros sofrimentos que a recorrente lhe tenha provocado e ajusta-se perfeitamente aos parâmetros que em termos quantitativos vêm sendo referidos pelos nossos tribunais em tal matéria, tendo-se ainda de considerar a conduta da ofendida, pelo que, ao alterar o quantitativo fixado pela primeira instância, o douto acórdão recorrido violou o art. 493º, nº 3, do CC (a recorrente terá pretendido escrever 496º).<br>
<br>
Contra-alegou a recorrida, defendendo a confirmação da decisão impugnada.<br>
<br>
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.<br>
<br>
II - Nas instâncias, foram dados como provados os seguintes factos:<br>
1. A Ré é uma sociedade comercial que tem por objecto social a construção e comercialização de prédios urbanos.<br>
2. No decurso dos anos de 1997 e 1998, a Ré procedeu à construção, na freguesia da Costa, da cidade de Guimarães, dum conjunto habitacional, Edifícios Belos Ares, ....., o qual foi posteriormente submetido ao regime de propriedade horizontal, tendo as respectivas fracções autónomas sido objecto de contratos de compra e venda.<br>
3. Por contrato-promessa de compra e venda outorgado em 18 de Outubro de 1997, a Ré prometeu vender a C um apartamento tipo .. andar, lado direito, do referido lote 1B.<br>
4. A Ré veio posteriormente a transferir para o C e para a filha da Autora, D, tal unidade.<br>
5. Em 22 de Fevereiro de 1998, pelas 16.30 horas, a Autora, a pedido de sua filha e acompanhada desta, dirigiu-se ao conjunto habitacional, em adiantado estado de construção e já em fase de acabamentos, a fim de analisar o processamento destes relativamente à fracção que esta ia adquirir juntamente com o mencionado C.<br>
6. Ao chegar ao 2º andar, e tendo reparado numa entrada que se lhe apresentava pela frente e que se lhe afigurava ser o hall da fracção T2, lado direito, a Autora avançou sem que nada assinalasse ou lhe fizesse prever da existência imediata duma abertura no solo.<br>
7. Ao caminhar para a entrada contínua ao pátio do segundo andar e que dava ligação com a supra mencionada fracção, a Autora fê-lo na convicção que penetrava neste.<br>
8. No local existia uma luminosidade natural.<br>
9. Nenhum sinal existia no local advertindo da existência da referida abertura no pavimento destinada ao ascensor.<br>
10. Nem qualquer guarda-corpos.<br>
11. A Autora caiu desamparada no fosso.<br>
12. Aquando da visita da Autora à fracção imobiliária, o acesso à construção do conjunto habitacional não se encontrava impedido.<br>
13. Como consequência directa e necessária do descrito acidente, a Autora sofreu fractura de L1 na região lombar, fractura do colo do úmero direito e fractura do punho direito.<br>
14. Internada imediatamente após o acidente nos serviços de ortopedia, no Hospital de Guimarães, a Autora foi submetida a intervenção cirúrgica, tendo tido alta em 16.03.1998.<br>
15. Ao fim do mencionado período de internamento, a Autora regressou à sua residência.<br>
16. Desde 21.07.1998 a 12.10.1998, a Autora foi submetida a tratamento de fisioterapia no Hospital de Guimarães, tratamento que prosseguiu na Clínica Dr. ..., no Porto.<br>
17. Em 28 de Janeiro de 1999, a Autora foi submetida a intervenção cirúrgica ao punho direito na Clínica ...., em Guimarães.<br>
18. A Autora apresenta rigidez na articulação do ombro direito, deformidade na coluna lombar e rigidez da articulação do punho direito.<br>
19. Apresenta uma IPP de 46,5.<br>
20. Aquando do acidente, a Autora tinha 59 anos de idade.<br>
21. A Autora exercia a actividade profissional de enfermeira há mais de 35 anos, sendo proprietária do Centro de ......, em Guimarães.<br>
22. Com a sua actividade e experiência profissional, a Autora, ajudada por seu marido, atendia diariamente clientela, dispensando-lhe os mais diversos e especializados tratamentos.<br>
23. A Autora prestou serviços de enfermagem no .... de Felgueiras até 06.10.1998.<br>
24. Nos serviços prestados no E.P. de Felgueiras, a Autora auferia mensalmente 31.800$00.<br>
25. A Autora rescindiu o contrato com o E.P. de Felgueiras por dificuldade de condução e pelos preços irrisórios da avença.<br>
26. Em consequência das sequelas, a Autora pode exercer a sua profissão com as limitações devidas à sua incapacidade.<br>
27. A Autora era alegre e comunicativa.<br>
28. A Autora sofreu dores em consequência das intervenções cirúrgicas, bem como nos tratamentos recuperatórios.<br>
29. Os tratamentos recuperatórios desenvolveram-se por cerca de um ano.<br>
30. A Autora, após o acidente, contratou E, a fim de assegurar os serviços domésticos da sua habitação e os cuidados inerentes à alimentação.<br>
31. A Autora pagou mensalmente à referida empregada 80.000$00.<br>
32. A Autora, à data do acidente, já se encontrava aposentada.<br>
33. O dia 22 de Fevereiro de 1998 coincidiu com um domingo.<br>
34. A Ré não trabalhava na data do acidente e, por isso, não se encontrava no local.<br>
35. A Autora não solicitou à Ré autorização para entrar na obra, nem lhe pediu para a acompanhar na visita à obra.<br>
36. Não havia trabalhadores na obra.<br>
37. A obra encontrava-se na fase de montagem de elevadores, também, o que era do conhecimento de todas as pessoas que trabalhavam na obra.<br>
38. Havia perigo.<br>
<br>
III - 1. Lendo a petição inicial, verificamos que a Autora fundamenta o seu pedido de indemnização na responsabilidade extracontratual da Ré, pelo facto de não ter qualquer sinal, no local onde a Autora caiu, a advertir da existência da abertura no pavimento destinada ao ascensor e, muito menos, qualquer guarda-corpos, requisito obrigatório e determinado pelo artigo 40º do Decreto-Lei nº 41821, de 11.08.1958.<br>
<br>
Na sentença proferida na 1ª instância, a Senhora Juíza, depois de fazer alusão á responsabilidade extracontratual e aos respectivos pressupostos (artigo 483º, nº 1, do Código Civil), concluiu que a conduta da Ré, traduzida na inexistência de qualquer sinal, ou qualquer protecção, que advertisse da existência da abertura no pavimento destinada ao ascensor, nem qualquer guarda-corpos que impedisse quem quer que penetrasse na obra de ali cair, sendo certo que o acesso à construção do conjunto habitacional não se encontrava igualmente impedido, foi determinante e essencial para que se tivesse verificado o acidente.<br>
<br>
Entendeu que a Ré violou o disposto no artigo 40º do Decreto-Lei nº 41821, de 11.08.1958. <br>
<br>
Após o recurso da Ré, o Tribunal da Relação de Guimarães, considerando que, em matéria de responsabilidade extracontratual, em princípio, é ao lesado que incumbe provar a culpa do autor da lesão, acabou, incompreensivelmente (dado que ninguém lhe pôs a questão nesses termos), por entender que se está perante o caso excepcional de presunção legal de culpa previsto no nº 2 do artigo 493º do Código Civil, com a consequente inversão do ónus da prova, embora acabe por considerar que o Decreto-Lei nº 41821, de 11.08.1958, que aprovou o Regulamento de Segurança no Trabalho de Construção Civil, é aplicável ao público em geral, nomeadamente a quem possa entrar em contacto com quem trabalha na construção civil, pelo que concluiu que, face à atitude gravemente violadora dos deveres de cuidado, a que a Ré, como construtora, estava obrigada, isolando ou tomando todas as medidas de segurança previstas que o caso requeria, em concreto, é ela civilmente responsável pela indemnização a arbitrar à Autora.<br>
<br>
2. Segundo o nº 2 do artigo 493º do Código Civil, "Quem causar danos a outrem no exercício de uma actividade, perigosa por sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados, é obrigado a repará-los, excepto se mostrar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de os prevenir".<br>
<br>
Como diz Jacinto Rodrigues Bastos, in Notas ao Código Civil, vol. II, pág. 292, "O nº 2 contempla um caso de inversão do ónus de prova. Para além disso - é importante notá-lo - a exclusão da responsabilidade não resulta aqui da demonstração da normal diligência do bonus pater familias; é necessário que se alegue e prove terem sido adoptadas as precauções particulares que a técnica respectiva indicar como idóneas a prevenir os resultados danosos de actividade intrinsecamente perigosa, ou a perigosidade dos meios, principal ou acessoriamente, utilizados".<br>
<br>
A lei não diz o que deve entender-se por uma actividade perigosa, apenas admitindo, genericamente, que a perigosidade derive da própria natureza da actividade ou da natureza dos meios utilizados. <br>
Daí que se tenha de ver caso a caso.<br>
<br>
De qualquer forma, e ao contrário do entendido no acórdão recorrido, não podemos aceitar que uma actividade de construção de um prédio habitacional possa ser considerada perigosa para efeitos de aplicação do citado nº 2 do artigo 493º do Código Civil.<br>
<br>
3. Não sendo aqui aplicável o referido normativo legal, que implicava uma inversão do ónus da prova, vejamos agora se à situação concreta dos autos se pode aplicar o já referido artigo 40º do Decreto-Lei nº 41821.<br>
<br>
Dispõe este normativo legal que "as aberturas feitas no soalho de um edifício ou numa plataforma de trabalho para passagem de operários ou material, montagem de ascensores ou escadas, ou para qualquer outro fim, serão guarnecidas de um ou mais guarda-corpos e de um guarda-cabeças, fixados sobre o soalho ou a plataforma", estabelecendo o artigo 43º que "Os dispositivos de protecção das aberturas só podem ser retirados quando for necessário proceder ao fecho definitivo daquelas e, bem assim, durante o tempo estritamente necessário para o acesso de pessoas e transporte ou deslocação de materiais.<br>
No segundo caso, os dispositivos serão repostos logo que esteja concluída a operação".<br>
<br>
Lendo o aludido diploma, que aprovou o "Regulamento de Segurança no Trabalho da Construção Civil", constata-se que os destinatários do mesmo (pessoas a quem se aplica) são os trabalhadores das obras.<br>
<br>
Mais tarde, surgiram o Decreto-Lei nº 441/91, de 14 de Novembro, que estabelece o regime jurídico do enquadramento da segurança, higiene e saúde no trabalho, e o Decreto-Lei nº 155/95, de 1 de Julho, que transpõe para a ordem jurídica interna a Directiva nº 92/57/CEE, do Conselho, de 24 de Junho, relativa às prescrições mínimas de segurança e de saúde a aplicar nos estaleiros temporários ou móveis, bem como a Portaria nº 101/96, de 3 de Abril, que regulamenta as prescrições mínimas de segurança e de saúde nos locais e postos de trabalho dos estaleiros temporários ou móveis.<br>
<br>
Trata-se de diplomas que visam essencialmente a protecção dos trabalhadores, de forma a prevenir acidentes de trabalho.<br>
<br>
Logo, estamos perante legislação que se destina a proteger trabalhadores ao serviço da entidade construtora, no período de serviço, pois se refere à segurança, higiene e saúde nos locais e postos de trabalho, quer na construção civil, quer em estaleiros temporários ou móveis, sem embargo de se ter de admitir que o seu escopo seja também prevenir acidentes com pessoas que, nesses períodos de serviço, possam entrar em contacto com tais actividades.<br>
<br>
Sendo assim, não pode aqui ser chamada à colação para, por si só, servir de fundamento à obrigação de a Ré indemnizar a Autora.<br>
<br>
Haverá que analisar se, na situação vertente, a omissão da colocação de guarda-corpos por parte da aqui recorrente constitui esta na obrigação de indemnizar a recorrida pelos danos sofridos na sequência da queda. <br>
<br>
4. Estando-se perante a responsabilidade extracontratual, rege aqui o artigo 483º do Código Civil, o qual, no seu nº 1, prescreve que "Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação".<br>
<br>
Temos, assim, que são elementos constitutivos da responsabilidade extracontratual: o facto, a ilicitude, a imputação do facto ao lesante, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.<br>
<br>
Segundo o artigo 563º do referido Código, "A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão".<br>
<br>
Aceitou-se aqui a doutrina da causalidade adequada.<br>
<br>
A fórmula usada neste artigo deve interpretar-se no sentido de que não basta que o evento tenha produzido (naturalística ou mecanicamente) certo efeito para que este, do ponto de vista jurídico, se possa considerar causado ou provocado por ele; para tanto, é necessário ainda que o evento danoso seja uma causa provável, como quem diz, adequada desse efeito (cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, 1967, pág. 400, citando M. Andrade).<br>
<br>
Assim, para que determinado facto deva ser reparado pelo autor do facto que o causou, é necessário que esse facto tenha actuado como condição do dano e que, em abstracto, seja também causa (em termos de probabilidade ou normalidade, mas não necessariamente causa típica normal) adequada do mesmo dano.<br>
<br>
Como sintetiza Antunes Varela ("Das Obrigações em Geral", 9ª ed., pág. 928), "o autor do facto só será obrigado a reparar aqueles danos que não se teriam verificado sem esse facto e que, abstraindo deste, seria de prever que não se tivessem produzido".<br>
<br>
Sendo certo que o aludido preceito comporta qualquer das variantes da formulação da teoria da causalidade adequada, provindo a lesão de facto ilícito, deverá ter-se por acolhida a sua formulação negativa segundo a qual só deixará de haver nexo causal adequado se o facto que actua como condição, segundo a sua natureza geral, era de todo indiferente para surgir um tal dano, e só se tornou condição dele em resultado de outras circunstâncias extraordinárias que intervieram no caso concreto (cfr., M. Andrade, "Obrigações", pág. 351, P. Coelho, "O Problema da Relevância da Causa Virtual ...", pág. 33, e A. Varela, obra citada, pág. 919).<br>
<br>
Hão-de ser, em suma, as circunstâncias a definir a adequação das causas, mas tendo-se em conta que, para a produção do dano, pode ter havido a colaboração de outros factos, contemporâneos ou não, e que a causalidade não tem necessariamente de ser directa ou indirecta, bastando que a acção condicionante desencadeie outra condição que directamente suscite o dano (causalidade indirecta).<br>
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5. Vejamos, então, qual foi o comportamento da Autora.<br>
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Mostra-se provado que, em 22 de Fevereiro de 1998, um domingo, pelas 16.30 horas, a Autora, a pedido de sua filha e acompanhada desta, dirigiu-se ao conjunto habitacional que a Ré construía na freguesia da Costa, em Guimarães - onde se situava um apartamento tipo T2, no 2º andar, lado direito, que fora objecto de um contrato-promessa de compra e venda celebrado entre a Ré e C e cuja propriedade viria, mais tarde, a ser transferida para este e para a referida filha da Autora -, o qual se encontrava em adiantado estado de construção e já em fase de acabamentos, e, ao chegar ao 2º andar, e tendo reparado numa entrada que se lhe apresentava pela frente e que se lhe afigurava ser o hall da fracção T2, lado direito, avançou sem que nada assinalasse ou lhe fizesse prever da existência imediata duma abertura no solo.<br>
<br>
Mais se provou que, ao caminhar para a entrada contínua ao pátio do segundo andar e que dava ligação com a mencionada fracção, a Autora fê-lo na convicção de que penetrava neste e caiu desamparada no fosso e que no local existia uma luminosidade natural, que nenhum sinal existia no local advertindo da existência da referida abertura no pavimento destinada ao ascensor nem qualquer guarda-corpos.<br>
<br>
Também se provou que, aquando da visita da Autora à fracção imobiliária referida, o acesso à construção do conjunto habitacional não se encontrava impedido, que a Ré não trabalhava na data do acidente e, por isso, não se encontrava no local, que a Autora não solicitou à Ré autorização para entrar na obra, não pediu à Ré para a acompanhar na visita à obra, não havia trabalhadores na obra, esta encontrava-se também na fase de montagem de elevadores, o que era do conhecimento de todas as pessoas que trabalhavam na obra, e que havia perigo.<br>
<br>
De tudo isto decorre que estamos perante uma actuação ilícita da Autora, a qual abusivamente entrou no conjunto habitacional em construção.<br>
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A tal conduta deverá atribuir-se a causa do acidente.<br>
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Foi, efectivamente, essa circunstância extraordinária - e não o facto de a abertura para o ascensor não estar guarnecida com guarda-corpos e não haver qualquer sinal no local a advertir da existência dessa abertura - a causa do acidente.<br>
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Uma coisa é a causa naturalística ou mecânica e outra a causa jurídica.<br>
<br>
A conduta omissiva da Ré não pode ser considerada adequada à produção do sinistro.<br>
<br>
Não existe, portanto, o nexo de causalidade entre tal facto e o dano sofrido pela Autora.<br>
<br>
Antes, foi o comportamento da Autora a causa adequada à ocorrência desse dano, a causa jurídica dessas consequências danosas.<br>
<br>
6. Infere-se, assim, do exposto que não se verificam aqui os pressupostos da obrigação de indemnizar, pelo que colhem as conclusões da recorrente, tendentes ao provimento do recurso.<br>
<br>
Deverá, pois, conceder-se a revista, revogando-se o acórdão recorrido.<br>
<br>
IV - Podem, pois, extrair-se as seguintes conclusões:<br>
<br>
1ª - A construção civil não deve ser considerada uma actividade perigosa para efeitos do disposto no nº 2 do artigo 493º do Código Civil.<br>
2ª - São elementos constitutivos da responsabilidade extracontratual: o facto, a ilicitude, a imputação do facto ao lesante, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.<br>
3ª - O artigo 563º do Código Civil acolheu a doutrina da causalidade adequada.<br>
4ª - A fórmula aí usada deve interpretar-se no sentido de que não basta que o evento tenha produzido (naturalística ou mecanicamente) certo efeito para que este, do ponto de vista jurídico, se possa considerar causado ou provocado por ele; para tanto, é necessário ainda que o evento danoso seja uma causa provável, adequada, desse efeito.<br>
5ª - Sendo certo que o aludido preceito comporta qualquer das variantes da formulação da teoria da causalidade adequada, provindo a lesão de facto ilícito, deverá ter-se por acolhida a sua formulação negativa segundo a qual só deixará de haver nexo causal adequado se o facto que actua como condição, segundo a sua natureza geral, era de todo indiferente para surgir um tal dano, e só se tornou condição dele em resultado de outras circunstâncias extraordinárias que intervieram no caso concreto. <br>
6ª - Tendo a Autora, num domingo em que ninguém se encontrava num prédio em construção, entrado ali sem ter solicitado à Ré construtora autorização para isso, nem lhe pedido para a acompanhar na visita, na companhia de uma filha, e, chegando ao 2º andar, onde pretendia ver um apartamento que sua filha e outro viriam a comprar, e tendo reparado numa entrada que se lhe apresentava pela frente e que se lhe afigurava ser o hall de tal fracção, tendo avançado sem que nada assinalasse ou lhe fizesse prever da existência imediata de uma abertura no solo - nenhum sinal existia no local advertindo da existência da referida abertura destinada ao ascensor, nem qualquer guarda-corpos - e caído desamparada no fosso, a ela deve ser imputada a responsabilidade pela produção do acidente, apesar de a Ré ter violado o disposto no artigo 40º do Decreto-Lei nº 41821, de 11.08.1958, pois a conduta omissiva da Ré não pode ser considerada adequada à produção do sinistro.<br>
7ª - Não existe, assim, o nexo de causalidade entre tal facto e o dano sofrido pela Autora, antes, foi o comportamento da Autora a causa adequada à ocorrência desse dano, a causa jurídica dessas consequências danosas, pois uma coisa é a causa naturalística ou mecânica e outra é a causa jurídica. <br>
<br>
V - Nos termos expostos, acorda-se em conceder a revista e, em consequência, revogando-se a decisão recorrida, decide-se julgar a acção improcedente, por não provada, com a consequente absolvição da Ré do pedido.<br>
<br>
Custas, aqui e nas instâncias, a cargo da recorrida.<br>
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Lisboa, 27 de Janeiro de 2004<br>
Moreira Camilo<br>
Lopes Pinto<br>
Pinto Monteiro</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
lzLwu4YBgYBz1XKv2l3K | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça <br>
<br>
A e B propuseram acção declarativa de condenação contra C, Lda., fundamentando o pedido na indevida resolução do contrato de agência com eles celebrado pela ré na sequência do anterior com o seu (dos autores) pai, entretanto falecido, juntando ao articulado inicial 4 documentos.<br>
Contestando, a ré, após aceitar parte dos factos e excepcionou a sua ilegitimidade por a causa de pedir respeitar à sociedade D, S.A., herdeira da actividade comercial da ré uma vez que esta, em 1992, foi desactivada deixando de comercializar ao público.<br>
Respondendo, os autores requereram a rectificação do lapso manifesto de escrita, que a ré, representada pelo mesmo gerente que desta é administrador, bem compreendeu.<br>
No saneador, foi indeferido o pedido de rectificação e julgada procedente a excepção de ilegitimidade.<br>
Agravaram, sem êxito, os autores, os quais juntaram documento demonstrativo de que a D, S.A., representada pelo esse mesmo administrador, depois de ter recebido a carta a reclamar a indemnização e já depois de a ré ter sido citada, accionou, com base exactamente nos mesmos factos os autores, deles se reclamando credora.<br>
Novo agravo dos autores, a cuja admissibilidade a ré se opõe (invocando ter a Relação confirmado o saneador, sem voto de vencido), concluindo, pela existência de erro ostensivo e sem que a peticionada rectificação envolva violação do princípio da estabilidade da instância.<br>
Colhidos os vistos.<br>
<br>
Decidindo: -<br>
<br>
1.- O despacho, confirmado pelo acórdão recorrido, põe termo a este processo, o que constitui uma das situações (a prevista pelo art. 734-1 a) CPC) ressalvadas pelo nº 3 do art. 754 CPC.<br>
Insuficiente, portanto, alegar que a Relação confirmou, sem voto de vencido, a decisão proferida na primeira instância.<br>
Improcede a questão prévia.<br>
2.- A actual redacção do CPC prescindiu, na generalidade dos casos, do despacho quer de indeferimento liminar quer de aperfeiçoamento, privilegiando, ao alargar o seu âmbito, os poderes do juiz na fase de saneamento do processo.<br>
É discutível a bondade da opção mesmo em termos de celeridade processual. Todavia, isso em nada pode prejudicar o uso dos poderes que lhe estão cometidos, devendo ler-se uma codificação de normas no seu todo e procurar obter a harmonia jurídica que foi seu desiderato.<br>
Ao estudar o processo após os articulados deve o juiz providenciar pelo suprimento de excepções dilatórias, nos termos do nº 2 do art. 265 (CPC- 508,1 a)).<br>
A ilegitimidade constitui uma das excepções dilatórias consagradas na nossa lei (CPC- 494 e) e 288-1 d)).<br>
O juiz providenciará, mesmo oficiosamente, pelo suprimento da falta de pressupostos processuais susceptíveis de sanação, determinando a realização dos actos necessários à regularização da instância ou, quando estiverem causa alguma modificação subjectiva da instância, convidando as partes a praticá-los (CPC- 265,2).<br>
Cometeu-se ao julgador a missão de evitar, sempre que possível, devendo privilegiar a de mérito, a decisão de forma e para tal elencaram-se duas situações - as excepções dilatórias susceptíveis de sanação e a definição das partes.<br>
Se ao falar em modificação subjectiva da instância tem a lei presente os incidentes de intervenção de terceiros (CPC- 269 a 271 e 325 e segs), já na previsão anterior se incluiu o litisconsórcio subsidiário, a chamada pluralidade subjectiva subsidiária (CPC- 31-B).<br>
Novamente a ideia de eliminar, sempre que possível, obstáculos à justiça de mérito.<br>
Ainda no domínio da definição das partes manteve a redacção de 1995/6 do CPC o que sobre a identidade do réu já vinha de trás - arts. 194 a) e 195 b).<br>
Constitui regra de direito, aplicável a todo o ramo jurídico e plasmada no art. 249 CC, a rectificação do erro de cálculo ou de escrita revelado no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é feita.<br>
Como de há muito (v.g., RLJ 109/313) acentua a nossa doutrina e a jurisprudência, a petição inicial é uma declaração de vontade e, enquanto tal, um negócio jurídico.<br>
O destinatário dessa declaração (o réu) tem de ser citado e, conquanto a lei continue a falar em ser pessoal a citação, o certo é a lei configurar como tal a citação pela via postal, por meio de carta registada com aviso de recepção (CPC- 233-2 a), 236 e 238).<br>
Quando ela assim se verifique, será relativamente a este modo que a problemática da definição da parte se terá de colocar.<br>
Expostos os princípios e sem esquecer que cada uma das sociedades tem a sua própria personalidade, há que os aplicar aos factos, independentemente de a estratégia traçada pelo mandatário dos autores poder não revelar a utilidade prática, maxime em termos de economia de tempo, que obteria se tivesse logo abandonado a presente acção e logo propondo outra (não compete ao tribunal imiscuir-se em tal matéria).<br>
<br>
3.- Na petição, os autores, após historiarem o começo e desenvolvimento das relações comerciais de agência, alegaram que, durante a vigência do contrato, a ré adquiriu uma empresa E e que os seus produtos passaram a fazer parte do elenco das mercadorias que eles, autores, comerciavam no arquipélago dos Açores, nas mesmas condições do contrato.<br>
É na denúncia deste contrato, não operada atempadamente e indevidamente tida como resolução, aliada à alegação de danos que os autores alicerçam o seu pedido.<br>
Comprovando o contrato, juntaram à petição inicial os docs. de fls. 21-22, provindo da ré o primeiro e o segundo a ela dirigido pelos autores.<br>
Referindo-se à ‘resolução’ ou, na óptica dos autores, à ‘denúncia’ precisamente desse contrato, juntaram os docs. de fls. 23-24, ambos da sociedade D, S.A..<br>
Quer a doutrina quer a jurisprudência têm por válida e relevante a articulação através de documentos juntos com o respectivo articulado em que a alegação de factos seja possível.<br>
A diversa articulação assim revelada patenteia que as relações comerciais passaram a ser assumidas, pela D, S.A. (constituísse ela uma nova sociedade ou apenas uma alteração da denominação) e que os autores aceitaram essa assunção. Segundo os autores, com eles apenas um único contrato foi celebrado (é aos autores que cabe colocar a causa de pedir, só a eles).<br>
4.- Confirmando este erro e que ele é evidenciado pelo próprio contexto da declaração, há a explicação para ele fornecida pela própria ré na sua contestação.<br>
Após aceitar o historiar do início e desenvolvimento das alegadas relações comerciais com os autores, e a ter adquirido aquela outra empresa, é a própria ré a dar a «explicação» para o erro -<br>
em 88, adquiriu essa empresa e, em Janeiro de 92, deixou de comercializar ao público os seus produtos, passando a ré a vendê-lo, «unicamente, à D, S.A., sociedade ‘herdeira’ da actividade comercial daquela» e, daí em diante, os negócios foram realizados e os contratos de contratos de compra e venda nos Açores celebrados «em nome da D, S.A., e não da comercialmente desactivada, C, Lª» (esta alegação não implica que necessariamente tenha havido novo contrato, embora a ré nele fale).<br>
Administrador desta e gerente da ré a mesma pessoa, quem conferiu ao Exº mandatário os poderes para intervir nesta acção.<br>
É sobre uma contestação deste teor e em que a ré excepcionou a sua ilegitimidade, que os autores expressamente pedem a rectificação do erro ostensivo e as consequências daí decorrentes.<br>
Quando foi proferido o saneador, eram estes os factos conhecidos.<br>
<br>
5.- Agravando para a Relação, juntaram os autores, às suas alegações, um documento que não foi impugnado e que o tribunal manteve no processo.<br>
Trata-se da petição inicial da acção proposta por D, S.A., em momento posterior da ré na presente acção, em que são historiados os mesmos factos (só os a partir de Janeiro de 92), agora aditados de outros relativos ao pedido que formula de um crédito sobre os aí réus e aqui autores.<br>
Quando foi proferido o acórdão, conhecia a Relação este documento e sobre ele não se pronunciou no aresto, onde se defendeu que uma solução contrária, violaria o princípio da estabilidade da instância.<br>
<br>
6.- Duas realidades ressaltam - há um erro ostensivo na definição da parte ré operado na petição inicial e revelado no seu contexto e, no contrato de agência que com os autores a ré celebrou, o principal foi, em 1992, substituído por D, S.A..<br>
Na medida em que o despacho liminar anterior desapareceu, como regra, a questão que ora se coloca é a de saber se o princípio da estabilidade da instância impede a rectificação do erro.<br>
Se do reconhecimento do erro ostensivo e da sua relevância dever resultar, ainda que indirectamente, a anulação do processado (para, inclusívè, o contraditório poder ser observado em toda a sua extensão) implica que a instância ainda se não tenha estabilizado.<br>
Se do reconhecimento do erro ostensivo e da sua relevância dever resultar o convite ao incidente da habilitação de adquirente, pode, se aceite o convite e ao caso convier esse incidente, haver uma válida e admissível modificação subjectiva da instância.<br>
As instâncias privilegiaram a solução de forma, quando havia todos os elementos para se reconhecer, pelo contexto do articulado inicial, a existência de erro ostensivo, tal como os autores, na resposta que produziram, afirmavam.<br>
Cabe ao Supremo Tribunal de Justiça reconhecê-lo e determinar a rectificação; cabe às instâncias retirar as consequências que julgarem pertinentes e proferirem a decisão adequada às mesmas.<br>
<br>
Termos em que se indefere a questão prévia e, no provimento do agravo, se ordena que seja proferido despacho a operar à rectificação do erro.<br>
Custa pela recorrida.<br>
<br>
Lisboa, 5 de Março de 2002.<br>
Lopes Pinto,<br>
Ribeiro Coelho,<br>
Garcia Marques.</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
wDIavIYBgYBz1XKvWpUk | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de<br>
Justiça:<br>
Já se disse, ao parecer, que o recurso que tenha por fundamento e ofensa de caso julgado é sempre admissível seja qual for o valor da causa (n. 2 do artigo 678 do<br>
Código de Processo Civil) mas também se disse que o recorrente, o Ministério Público, limitou o recurso à questão de saber qual o coeficiente de incidência do custo do termo sobre o custo da construção.<br>
Mais, se disse que, mesmo a haver caso julgado, não interessava tomar posição a este respeito, porquanto se não podia tomar conhecimento do objecto do recurso, dado que ele, bem lá no fundo, visava a alteração, para menos, da indemnização arbitrada e, nos processos de expropriação por utilidade pública, mesmo no período de vigência do Decreto-Lei 438/91, de 9 de Novembro, que aprovou o Código de Expropriações, não é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação que, directa ou indirectamente, fixa o valor global da indemnização, certo sendo que é aquele Decreto-Lei 438/91 que seja quanto à admissibilidade do recurso, dado já estar em vigor à data em que foi proferido o acórdão recorrido (Antunes Varela J. Miguel<br>
Bezerra Sampaio E. Nova Manual de Processo Civil, segunda edição, 55 e 56).<br>
Repetindo, em parte, o parecer, eis as razões da inadimissibilidade de um tal recurso.<br>
Antes do início de vigência do actual Código das Expropriações, na jurisprudência uniforme do Supremo<br>
Tribunal de Justiça que a decisão dos árbitros no processo de expropriação litigiosa era uma verdadeira decisão jurisdicional (v., por todo, acórdão do Supremo<br>
Tribunal de Justiça, de 9 de Maio de 1990, Boletim do Ministério da Justiça 397, 423 e anotação a folhas 428, ver ainda, a fundamentação do Assento do Supremo<br>
Tribunal de Justiça de 24 de Julho de 1979, Boletim do Ministério da Justiça 289, 135).<br>
E o vigente Código continuou a encarar a decisão arbitral como uma decisão jurisdicional recorrível para o Tribunal de Comarca, como, sem margem para dúvidas, decorre dos artigos 37, 47 n. 1, 48 n. 1, 2 e 3, 51 n.<br>
1 e 56 do dito Código.<br>
Aliás, a arbitragem funciona como um Tribunal arbitral necessário, ao qual, ex-vi do artigo 1528 do Código de<br>
Processo Civil, se deviam aplicar as normas do mesmo<br>
Código respeitantes ao tribunal arbitral voluntário, entretanto revogados, e, agora as normas da Lei 31/86, de 29 de Agosto, entre elas o n. 2 do artigo 26, segundo o qual a decisão arbitral tem a mesma força executiva que a sentença do tribunal judicial de primeira instância.<br>
Por outro lado pelo menos até ao começo de vigência do citado Decreto-Lei 438/91, ou seja, o domínio de vigência do Decreto-Lei 71/76, de 27 de Janeiro, e do Decreto-Lei 845/76, de 11 de Dezembro, também estava estabelecido que não era admissível recurso para o<br>
Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação que tivesse fixado o valor da indemnização devida ao expropriado (artigo 46 n. 1, 2 parte, do Decreto-Lei<br>
845/76, e artigo 43 n. 1, 2 parte, do Decreto-Lei<br>
71/76).<br>
Deixemos de parte o regime anterior ao estabelecido neste Decreto-Lei 71/76, por se revelar de pouco ou nulo interesse para a solução da questão posta, embora sempre se diga que, já nesse tempo, havia dúvidas sobre a admissibilidade deste recurso para o Supremo Tribunal de Justiça (efr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Novembro de 1971, Boletim do Ministério de<br>
Justiça 211. 227, revista dos Tribunais; Março de 1972,<br>
128).<br>
Já na vigência do referido Decreto-Lei 438/91, há, que nós saibamos, dois acórdãos divergentes, um no sentido da admissibilidade do recurso (o recurso n. 84051, da 2 secção, datado de 17 de Junho de 1993, votado por 16 Conselheiros, mas dos quais 7 votaram vencido) e antes do sentido da inadimissibilidade de tal recurso (o recurso n. 83776, também da 2 secção, datado de 13 de<br>
Outubro de 1993, votado por 3 Conselheiros).<br>
Tem interesse analisar os textos legais, atinentes à questão, do Decreto-Lei 71/76 e do Decreto-Lei 845/76, que antecederam os correspondentes textos do Decreto-Lei 438/91, ora vigente e aplicável a este caso.<br>
Vejamos o regime do Decreto-Lei 71/76.<br>
Logo no preâmbulo deste diploma legal se escreve "Ao estabelecer a arbitragem com recurso para os tribunais, exclui-se o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, pois não se justifica a existência de quatro graus de jurisprudência".<br>
E o artigo 43 n. 1 dispunha:<br>
"Na falta de acordo sobre o valor global da indemnização será este fixado por arbitragem, com recurso para os tribunais; de harmonia com a regra geral das alçadas.<br>
Não haverá, porém, recurso das decisões da Relação para o Supremo Tribunal de Justiça".<br>
E o artigo 56 n. 1 preceituava:<br>
"da decisão arbitral há recurso nos termos previstos na secção V".<br>
E, integrado em tal secção V, o artigo 84 n. 4 estabelecia:<br>
"A sentença será notificada às partes no prazo de dois dias, podendo dela ser interposto recurso, sem efeitos suspensivos, para o Tribunal da Relação".<br>
Não sofre, pois, dúvida que durante a vigência deste Decreto-Lei 71/76, não era admissível o recurso para o<br>
Supremo Tribunal de Justiça da decisão da Relação que tivesse fixado o valor da indemnização.<br>
Regime do Decreto-Lei 845/76, com a alteração ao n. 4 do artigo 83 pelo Decreto-Lei 323/77, de 8 de Agosto.<br>
Os artigos 46 n. 1, 59 n. 1 e 83 n. 4 deste Decreto-Lei<br>
845/76 fixaram precisamente o mesmo regime, praticamente pelas mesmas palavras, que estava fixado pelos correspondentes artigos 43 n. 1, 56 n. 1 e 80 n.<br>
4, respectivamente, do Decreto-Lei 71/76, salvo quanto ao efeito do recurso assinalado no citado n. 4 do artigo 83 após a alteração do referido Decreto-Lei<br>
323/77, pois que se passou a dizer que o recurso era<br>
"com efeito meramente devolutivo" quando, antes da alteração, se dizia que era "sem efeito suspensivo", alteração esta, porém, sem qualquer efeito relevante, porquanto efeito não suspensivo é o mesmo que efeito devolutivo (Castro Mendes, Direito Processual Civil,<br>
Recursos, edição da Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, 1980, 161).<br>
Assim, continuou a ser inadmissível o recurso para o<br>
Supremo Tribunal de Justiça.<br>
Entrou, depois, a vigorar o Decreto-Lei 438/91, cujo regime se passa a analisar.<br>
Importa, desde logo, fixar que este diploma legal, no seu relativamente longo preâmbulo, não tem sequer uma palavra quanto à admissibilidade e ao regime dos recursos, diferentemente do que sucedera com o Decreto-Lei 71/76.<br>
E o Decreto-Lei 438/91, no artigo 37 dispõe:<br>
"Na falta de acordo sobre o valor global da indemnização, será este fixado por arbitragem, com recurso para os tribunais, de harmonia com a regra geral das alçadas".<br>
E, no artigo 51 n. 1, prescreve:<br>
"Da decisão arbitral cabe recurso para o tribunal da comarca da situação dos bens a expropriar ou da sua maior extensão, a interpor no prazo de 14 dias, nos termos dos artigos 56 e seguintes".<br>
E, por fim, nos artigos 64 n. 2, preceitua:<br>
A sentença será notificada às partes, podendo dela ser interposto recurso com efeito meramente devolutivo para o Tribunal da Relação".<br>
Ora, que alterações introduziu este Decreto-Lei 438/91?<br>
Entre o vigente artigo 64 n. 2 do Decreto-Lei 48/91 e o correspondente artigo 83 n. 4 do Decreto-Lei 845/76, com a alteração do Decreto-Lei 323/77, não há a mais pequena diferença.<br>
Entre o vigente artigo 51 n. 1 do Decreto-Lei 438/91 e o correspondente artigo 59 n. 1 do Decreto-Lei 845/76, há algumas diferenças, mas estas em nada podem influenciar a solução do problema posto, na medida em que aquele artigo 51 n. 1 se limitou a esclarecer, para certos casos, qual o tribunal ad quem territorialmente competente e a declarar o prazo de interposição do recurso, aspectos estes não considerados pelo anterior artigo 59 n. 1.<br>
Entre o vigente artigo 37 do Decreto-Lei 438/91 e o correspondente artigo 46 n. 1, 1 parte, do Decreto-Lei<br>
845/76, também não há a mais pequena diferença.<br>
Todavia, no mencionado artigo 37 não se reproduziu a 2 parte do correspondente artigo 46 n. 1, segundo o qual, como já se disse, não havia recurso das decisões da<br>
Relação para o Supremo.<br>
E não há dúvida que foi esta eliminação da segunda parte do referido artigo que fez nascer a controvérsia sobre a admissibilidade ou não do recurso em causa para o Supremo Tribunal de Justiça.<br>
Quid juris?<br>
Consoante o disposto no n. 3 do artigo 9 do Código<br>
Civil, o interprete, na fixação do sentido e alcance da lei, presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.<br>
Preconiza, assim, em primeiro lugar, o recurso ao elemento literal ou gramatical, e, depois, ao elemento racional, ao fim da lei, elemento esse bem mais importante e esclarecedor do que aquele.<br>
Pois bem, parece-nos que o elemento literal, mas quando a aludida eliminação da segunda parte do artigo 46 n.<br>
1 do Decreto-Lei 845/76, ainda favorece a tese da inadimissibilidade do recurso, pelas razões que, de seguida, se alinham.<br>
- O artigo 64 n. 2 do Decreto-Lei 438/91 não pode ter o alcance de dizer que é sempre admissível recurso para a<br>
Relação, seja qual for o valor de causa, tal como fazia o revogado artigo 980 n. 1 do Código de Processo Civil, e, agora faz o artigo 57 n. 1 do R.A.U, porquanto, se assim fosse, poder-se-ia dizer que o legislador teria formulado o seu pensamento em termos muito pouco ou nada adequado; assim, o que tal texto quererá dizer é admissível recurso para a Relação e com efeito meramente devolutivo, mas sem esclarecer quando a decisão do juiz do tribunal da comarca admite recurso;<br>
- mas este artigo 64 n. 2 só terá sentido útil se forte interpretado como estabelecendo que o recurso da sentença do juiz da comarca só é admissível para a<br>
Relação, e não também para o Supremo; na verdade, para tornar possível o recurso para a Relação, no caso de o valor do processo e da incumbência o permitir (artigo<br>
678 n. 1 do Código de Processo Civil), basta o disposto no artigo 37 do mesmo Decreto-Lei, o qual já fala na admissibilidade de recurso para os tribunais; por conseguinte também para a Relação, de harmonia com a regra geral das alçadas, assim se tornando desnecessário repetir que é admissível recurso para a<br>
Relação, sem mais;<br>
- contudo, verdade seja que, para melhor expressar a ideia de só ser admitido recurso para a Relação, a redacção mais correcta e adequada seria a que dissesse que a sentença do juiz só admitia recurso para a<br>
Relação; mas é bem possível que tal se não tivesse feito por se entender desnecessário, uma vez que a decisão arbitral é uma decisão jurisdicional e que, como adiante melhor se verá, a estruturação e a hierarquização dos nossos tribunais só admitem três graus de jurisdição.<br>
- pela mesma razão, isto é, por a decisão arbitral ser uma verdadeira sentença e só haver três graus de jurisdição, é que também se compreende a eliminação da<br>
2 parte do n. 1 do artigo 46 do Decreto-Lei 845/76, na qual expressamente se proibirá o recurso para o Supremo<br>
Tribunal de Justiça das decisões da Relação; com efeito, não se tornava necessário fixar a inadmissibilidade de recurso para o Supremo se a<br>
Relação, na hipótese, já proferia uma decisão no último grau de jurisdição e tanto mais que o citado artigo 64 n. 2 já só falava em recurso para a Relação e não também para o Supremo;<br>
- dizer que o artigo 64 n. 2, tal como já sucedera com o correspondente artigo 83 n. 4 do Decreto-Lei 845/76, mais não faz do que prescrever que o recurso para a<br>
Relação tem efeito meramente devolutivo (este é um dos argumentos do acórdão proferido no recurso n. 84051 acima citado) é explicação que não convence, pois que, se assim fosse, bastaria dizer que o recurso tinha efeito meramente devolutivo e não haveria necessidade de acrescentar que o recurso interposto era para a<br>
Relação;<br>
- atento que, nos anteriores Decretos-Lei, não havia recurso para o Supremo Tribunal de Justiça e que a admissibilidade deste pelo novo Decreto-Lei 438/91 constituía novidade e implicava um quarto grau de jurisdição, era de esperar que um bom legislador se referisse de modo claro e expresso á inovação, que mais não fosse referindo-se-lhe no preâmbulo do diploma em causa;<br>
- a Lei 24/91, de 16 de Julho, que autorizou o governo a legislar sobre o regime da expropriação, referiu-se, na sua alínea b) do artigo 2, à "disciplina de tramitação ... dos processos de expropriação litigiosa, incluindo a sua fase administrativa e judicial" e nada disse quanto ao regime dos recursos, assim o governo teria violado a disciplina imposta por aquela Lei;<br>
- do artigo 37 do Decreto-Lei 438/91 não decorre a possibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de<br>
Justiça, ou seja a possibilidade de quatro graus de jurisdição, pois aí apenas se diz que há recurso para os tribunais, de harmonia com a regra geral das alçadas, e nada mais.<br>
Passando, agora, ao elemento racional da interpretação, uma conclusão se nos afigura indiscutível, a saber: não se descortinam quaisquer razões que, na hipótese, justifiquem o recurso para o Supremo Tribunal de<br>
Justiça, com a abertura de quatro graus de jurisdição.<br>
Efectivamente, nos processos de expropriação litigiosa, o que se procura é determinar a justa indemnização a atribuir aos particulares expropriados dos seus bens para fins de utilidade pública.<br>
Trata-se, no fim de contas, da determinação do montante duma indemnização, igual a qualquer outra, pelo que se não vêem razões para diferenças. Pelo contrário, o interesse do Estado e de outros entes púbicos até, porventura, favorecerá uma tramitação processual tanto quanto possível rápida, o que, seguramente, vai contra os quatro graus de jurisdição e o recurso para o<br>
Supremo Tribunal de Justiça.<br>
A terminar, importa ter em conta que "o primeiro e mais importante dos elementos que o artigo 9 n. 1, do Código<br>
Civil, aponta ao intérprete para a descoberta e fixação do pensamento legislativo é a unidade do sistema jurídico".<br>
De facto, o direito objectivo é um sistema de preceitos coordenados ou subordinados, há princípios jurídicos gerais de que os outros são deduções e corolários ou então vários princípios que mutuamente se recondicionam ou restringem, de tal maneira que o sentido duma disposição ressalta claro quando é confrontada com outras normas gerais ou supra-ordenadas, quando dos preceitos singulares se reencontra ao ordenamento jurídico no seu todo (Francesco Ferrara, Interpretação e Aplicação das Leis,traduzido por Manuel Andrade na Monografia Gerais Sobre A Teoria da Interpretação Das<br>
Leis).<br>
Pois bem, nesta conformidade, a interpretação das normas referentes aos recursos no Código das Expropriações não pode alhear-se de outras normas do mesmo ordenamento jurídico com as quais aquelas estejam numa relação de subordinação ou conexão.<br>
Queremos referir-nos, desde logo, aos artigos 71 n. 2,<br>
722 números 1 e 2, todos do Código de Processo Civil, e ao artigo 29 da Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais, segundo os quais o Supremo Tribunal de Justiça só aprecia a matéria de direito e não conhece dos factos.<br>
Sendo assim, tem de admitir-se a pura perda em que redundaria o recurso para o Supremo, a sua completa inutilidade na grande maioria dos casos, porquanto os factores influentes no montante da justa indemnização, ou seja, na determinação do valor real dos bens expropriados, constituirão, quase sempre e só, matéria de facto, a dispensar a análise de preceitos legais ou regulamentares, e assim o Supremo, mesmo que o recurso fosse admissível, estaria, por via de regra, impedido de se pronunciar ora, custa a crer que se quisesse admitir um recurso de grau nulo efeito prático, atenta a incensurabilidade pelo Supremo da matéria recorrida.<br>
Mas, ainda a propósito da unidade do sistema jurídico como elemento importante da interpretação, há que aludir também às normas que, a meu ver, impõem apenas três graus de jurisdição, dado este a que já nos referimos atrás e que funcionou como pressuposto de outros argumentos.<br>
Tem-se dito que a Constituição da República Portuguesa não proíbe a consagração de um quarto grau de jurisdição e que o legislador ordinário tem a liberdade de alterar pontualmente as regras sobre a recorribilidade e a existência dos recursos (é a argumentação do acórdão proferido no recurso n. 84051, da 2 secção, atrás referido, apoiado no Dr. Armindo<br>
Ribeiro Mendes, Direito Processual Civil III Recursos,<br>
124 e seguintes).<br>
Aceita-se que o legislador ordinário fosse criar ou suprimir certos recursos, até porque a Constituição, por força do seu artigo 20 n. 1 ou de qualquer outro, não garante um duplo grau de jurisdição e muito menos um triplo grau de jurisdição, como vem sendo jurisprudência do Tribunal Constitucional (assento de 2 de Março de 1988 e de 19 de junho de 1990, respectivamente. Boleim do Ministério da Justiça 371,<br>
178 e 398, 142, mas, como aceitar isto, a questão fica por resolver, já que continua a ser preciso saber, no caso sub-judice, se o legislador ordinário criou um quarto grau de jurisdição e se o podia ter feito, uma vez que estava a ultrapassar o clássico triplo grau de jurisdição.<br>
Pois a nossa opinião é que tanto a Constituição como a lei ordinária consagrou apenas três graus de jurisdição.<br>
Ora vejamos.<br>
Segundo o artigo 211 n. 1 alínea a) da Constituição, existem, além do Tribunal Constitucional, as seguintes categorias de tribunais: O Supremo Tribunal de Justiça e os tribunais judiciais de primeira e de segunda instância.<br>
E, logo a seguir, dispõe:<br>
" 1. O Supremo Tribunal de Justiça, é o órgão superior da hierarquia dos tribunais judiciais, sem prejuízo da competência própria do Tribunal Constitucional.<br>
2. ...<br>
3. Os tribunais de primeira instância são, em regra, os tribunais de comarca, os quais se equiparam os referidos n. 3 do artigo seguinte.<br>
4. Os tribunais de segunda instância são, em regra, os tribunais da Relação.<br>
5. O Supremo Tribunal de Justiça funcionará como tribunal de instância nos casos em que a lei determinar".<br>
Como se vê, estabeleceu-se uma estruturação dos tribunais judiciais em três níveis, uma ordem hierárquica com três graus: primeira instância, segunda instância e Supremo Tribunal de Justiça.<br>
De tal decorre, que, constitucionalmente, a organização judiciária tem tribunais de primeira instância e tribunais de recurso (a Relação e o Supremo) e, por conseguinte, apenas três graus de jurisdição (acórdãos do Tribunal Constitucional do atrás apontados; Dr.<br>
Armindo Guedes, ob. - cit., 126 a 128). Aliás, convém não esquecer que o eminente Constitucionalista J. J.<br>
Gomes Canotilho, depois de referir que o direito a um duplo grau de jurisdição não é, prima facie, um direito fundamental, afirmou que "... a regra - que não poderá ser submetida pelo legislador,não obstante a liberdade a liberdade de conformação deste, desde logo quanto ao valor das alçadas - é a da existência de duas instâncias quanto a "matérias de facto" e de uma instância de revisão quanto a questões de direito".<br>
(Direito Constitucional, edição de 1991, 667).<br>
Por seu turno, também os artigos 12, 15, 16 e 20 da<br>
Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais apontam para a mesma conclusão da existência de apenas três graus de jurisdição.<br>
Lembra-se ainda que os tribunais arbitrais estão constitucionalmente previstos no n. 2 do citado artigo<br>
211 da Constituição como verdadeiros tribunais, pelo que não é de estranhar que, quando decidam as questões que lhes foram submetidas, actuem como tribunais de primeira instância, funcionando, depois, os tribunais da comarca como tribunais de recurso ou de segunda instância.<br>
Pelo exposto, decide-se não conhecer do recurso.<br>
Sem custas, por as não dever o recorrente.<br>
Escrevi sobre rasurado: "e não".<br>
Lisboa, 2 de Dezembro de 1993.<br>
Fernando Fabião;<br>
César Marques;<br>
José Martins da Costa.</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
MjL-u4YBgYBz1XKvEG-r | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br>
A pediu pelo 1. Juízo do Tribunal de Círculo de Braga, em acção declarativa com processo ordinário, a condenação de<br>
B e de seus pais C e D a pagarem-lhe a quantia de 142308 escudos, mais o valor, em escudos, de 5600 francos franceses ao câmbio da data do efectivo pagamento, mais uma renda vitalícia de 12720 escudos, e ainda mais 7500000 escudos, tudo com indemnização dos danos patrimoniais e não patrimoniais que sofreu por ter sido atingido na vista esquerda por um projéctil disparado por uma carabina de ar comprimido manuseada culposamente pelo réu.<br>
Após contestação, saneamento e condensação, os réus ofereceram o rol de testemunhas, não o tendo feito o autor.<br>
Na audiência de discussão e julgamento, conforme acta de fls. 99, o mandatário dos réus disse prescindir das suas testemunhas, mas o Senhor Juiz Presidente determinou que se procedesse em outra data à inquirição das mesmas e ainda à audição do autor e do réu B.<br>
Deste despacho interpuseram os réus recurso de agravo.<br>
Em continuação da audiência, como se vê da acta de fls. 116, foram ouvidos pelo Tribunal Colectivo uma das testemunhas dos réus e também o autor - não o tendo sido o réu B por não ter comparecido, aliás sem justificar a falta -, e por se reputar haver manifesto interesse na inquirição de uma outra, faltosa, ordenou-se a suspensão da audiência e a sua continuação em outra data com vista<br>
à inquirição da mesma.<br>
Deste despacho agravaram também os réus.<br>
Na data designada, continuando a faltar a mesma testemunha, o Senhor Juiz Presidente ordenou a junção de certidão extraída dos autos de inquérito instaurados pelos mesmos factos e houve, de seguida, debates sobre a matéria de facto, após o que o Tribunal Colectivo respondeu ao questionário, motivando as respostas aos quesitos 1., 2.,<br>
8. e 9. com depoimentos proferidos em audiência e noutros produzidos naqueles autos de inquérito e com documentos e relatório de exame juntos aos autos, valorando ainda a não comparência do réu para depor em audiência sem provar justo impedimento.<br>
Seguiu-se a prolação de sentença que condenou apenas o réu<br>
B a pagar ao autor as quantias de 5600 francos franceses, ou o seu equivalente em moeda nacional segundo o câmbio do dia do pagamento, e ainda 7030528 escudos, com juros à taxa legal desde a citação - quantia correspondente a 30528 escudos de despesas, 5000000 escudos por perda de capacidade de ganho e 2000000 escudos por danos não patrimoniais.<br>
Em apelação deste réu, que arrastou consigo os agravos que haviam sido recebidos e ficado retidos, a Relação do Porto proferiu o acórdão agora recorrido, no qual negou provimento aos agravos e, julgando parcialmente procedente a apelação, revogou a sentença na parte em que condenara o réu na indemnização de 5000000 escudos por perda de capacidade de ganho, reduzindo-a para 4000000 escudos, e na parte em que concedeu juros desde a citação quanto ao valor dos danos não patrimoniais, passando os mesmos a serem contados desde a data da sentença.<br>
Interpondo daqui o presente recurso de revista, o réu pede a revogação do decidido e que se julguem sem efeito a inquirição, contrariamente ao disposto no artigo 645 do CPC, de testemunhas prescindidas e a consideração como elemento probatório da não prestação de depoimento de parte pelo réu recorrente, ordenando-se a repetição do julgamento da matéria de facto com base nas demais provas constantes dos autos, ou, a não se entender assim, a absolvição do réu do pedido.<br>
Ofereceu conclusões em que levanta as seguintes questões: a) O artigo 264, n. 3, não dá ao juiz poderes para proceder à inquirição de testemunhas prescindidas ou não oferecidas, a não ser que se verifique o condicionalismo previsto no artigo 645, ambos do CPC - conclusões 1) a<br>
6), 8), 9) e 11); b) Diferente ideia será contrária à Constituição por violar os princípios da igualdade das partes e da imparcialidade do juiz - conclusões 7) a 10); c) Também não podia ser ordenado o depoimento pessoal do réu B por este depoimento não poder incidir sobre factos criminosos ou torpes, com o que se violou o artigo 554, n. 2, do CPC - conclusões 12) a 13); d) Os factos dados como provados não integram actividade perigosa, a reconduzir ao disposto no artigo 493, n. 2, do<br>
CC - conclusões 17) a 18).<br>
O autor, contra-alegando, defende o acórdão recorrido.<br>
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.<br>
A matéria de facto que vem dada como assente é a seguinte:<br>
1 - Em 20 de Março de 1992, cerca das 17 horas, num terreno inculto denominado Campo da Quinta de Santa Bárbara, ao qual se acede pela Rua Sérgio Pinto e pela Alameda da Fonte, na freguesia da Sé, Braga, estavam o autor e o réu B - alínea a);<br>
2 - Neste dia, hora e local o autor e o réu B estavam a efectuar disparos com carabinas de ar comprimido contra alvos fortuitos e cada um deles utilizava uma carabina de ar comprimido - respostas aos quesitos 1. e 2.;<br>
3 - O réu B efectuou um disparo com a referida carabina de ar comprimido que atingiu o autor - resposta ao quesito 8.;<br>
4 - Esse disparo atingiu directamente o autor no seu olho esquerdo - resposta ao quesito 9.;<br>
5 - Em virtude do disparo do réu B, o autor sofreu uma perfuração ocular, com alojamento do projéctil na órbita esquerda, o que foi causa adequada, directa e necessária de um hematoma subconjuntival e de atrofia do globo, que se quedou sem qualquer percepção luminosa - respostas aos quesitos 13. e 14.;<br>
6 - Imediatamente após a produção da lesão o autor foi conduzido ao serviço de urgência do Hospital de S. Marcos e, posteriormente, por falta de oftalmologista neste serviço, ao Hospital de S. João, no Porto - resposta ao quesito 15.;<br>
7 - O autor foi submetido a intervenção cirúrgica no Hospital de S. João e aí ficou internado - resposta ao quesito 16.;<br>
8 - E, depois, foi pelo menos a uma consulta externa em<br>
6 de Maio de 1992, tendo pago a taxa moderadora, no valor de 600 escudos - resposta aos quesitos 17. e 18.;<br>
9 - O autor consultou um médico oftalmologista, por quem foi examinado e acompanhado, tendo gasto em consultas o montante de 25750 escudos e ainda em medicamentos, que o referido médico lhe receitou por deles necessitar, 4178 escudos - respostas aos quesitos 19. e 20.;<br>
10 - O autor, por causa do disparo do réu B, perdeu completa e irremediavelmente, a visão do seu olho esquerdo<br>
- resposta ao quesito 23.;<br>
11 - Para cuja recuperação estética tanto o especialista que acompanhou o autor no Hospital de S. João como o oftalmologista que consultou indicaram como única solução a remoção do globo ocular atrofiado e a colocação de uma prótese em vidro - resposta ao quesito 24.;<br>
12 - Esse tipo de prótese só acompanha parcialmente o movimento do outro globo ocular - resposta ao quesito 25.;<br>
13 - O autor foi a um oftalmologista em França e pagou pela consulta médica 600 francos franceses - respostas aos quesitos 29. e 31.;<br>
14 - Em frança foi submetido a uma ecografia, na qual despendeu 500 francos franceses - resposta ao quesito 32.;<br>
15 - O autor apresenta o olho esquerdo em atrofia, sobre o qual foi aplicada uma prótese de vidro amovível manualmente, que lhe custou 4500 FF - respostas aos quesitos 33. e 34.;<br>
16 - O autor sofreu dor física e angústia e a perda da sua vista esquerda causa-lhe desgosto - respostas aos quesitos 38. e 39.;<br>
17 - O autor frequenta na Universidade Lusíada, em Vila Nova de Famalicão, o curso de engenharia electrónica e informática - alínea b).<br>
O recorrente questiona, em duas vertentes, a correcção da actividade instrutória que conduziu à convicção do Tribunal Colectivo determinante das respostas dadas ao questionário.<br>
Uma delas respeita à inquirição, por iniciativa do tribunal, de testemunhas por ele arroladas mas já prescindidas; e outra respeita à consequência que foi tirada a partir da sua falta, apesar de convocado, à audiência em que o Tribunal Colectivo iria, também por iniciativa oficiosa, ouvi-lo.<br>
I - Para a primeira destas questões importa, sobremaneira, apurar o alcance do artigo 264, n. 3, do CPC - diploma ao qual pertencerão as normas que viermos a citar sem outra referência.<br>
Este preceito, na versão aplicável - a anterior à recente reforma processual -, permitia ao juiz realizar ou ordenar oficiosamente as diligências que considere necessárias para o apuramento da verdade, quanto aos factos de que lhe<br>
é lícito conhecer.<br>
Deixa ele delineados, no tocante à matéria de facto, dois princípios diversos que actuarão em diferentes fases: por um lado, a descrição dos factos com os quais o tribunal há-de julgar reger-se-á pelo princípio dispositivo, já que<br>
às partes competirá em exclusivo, salvo no tocante a factos notórios ou que o tribunal conheça por virtude do exercício das suas funções, alegá-los - artigos 514 e 664; por outro lado, a averiguação da verdade dos mesmos ficará subordinada, sem prejuízo das iniciativas que as partes poderão tomar neste campo, ao princípio inquisitório.<br>
No entanto, diversas são as disposições especiais em que, a respeito de determinados meios de prova, a lei prevê expressamente a iniciativa do juiz quanto à sua produção.<br>
O artigo 535 permite que o tribunal tenha a iniciativa de requisitar informações, pareceres técnicos, plantas, fotografias, desenhos, objectos ou outros documentos necessários ao esclarecimento da verdade.<br>
Os artigos 576 e 609 permitem que o tribunal ordene, oficiosamente, tanto o primeiro como o segundo arbitramento.<br>
O artigo 612 permite também ao tribunal a iniciativa da realização de prova por inspecção.<br>
O artigo 645 permite que o tribunal ordene que venha depor uma pessoa, não oferecida como testemunha, que, por virtude da inquirição de uma outra, se reconheça ser conhecedora de factos importantes para a decisão da causa.<br>
O artigo 265 permite ainda a convocação das partes para prestarem os esclarecimentos que lhe sejam pedidos.<br>
Qual o papel, perante isto, do artigo 264, n. 3?<br>
Este preceito figurava já no texto que o artigo 264 apresentava na versão inicial do CPC.<br>
Sobre ele disse José Alberto Reis, Comentário, Vol. III, págs. 10-11: "Mas acima destes preceitos especiais concernentes às várias espécies de prova paira o princípio geral da 2. alínea do artigo 264: poder de ordenar todos os actos de instrução que julgue necessários.... a iniciativa da instrução pertence, em primeira linha, às partes e secundariamente ao juiz. Este só deve usar da sua prerrogativa de ordenar oficiosamente diligências e actos de instrução quando os que as partes tenham requerido não sejam suficientes para assegurar o conhecimento exacto e perfeito dos factos necessários para a boa decisão da causa."<br>
Os preceitos especiais a que José Alberto dos Reis se referia eram os então correspondentes aos que acima mencionámos - por sua vez correspondentes já, no essencial, a normas anteriores ao CPC de 1939.<br>
Daí que possa concluir-se que o CPC veio deixar afirmada, para além dos casos pontuais, tipificados e mais frequentes, em que se tornaria necessária a iniciativa do juiz, a possibilidade de este a tomar quando, fora deles, tal lhe parecesse necessário.<br>
E tal necessidade existe, nomeadamente, quando, não tendo o autor de uma acção, por razões que se desconhecem, oferecido testemunhas, mas continuando a mostrar, até pelo acompanhamento da audiência através de advogado, a actualidade do seu interesse na defesa dos seus direitos, o réu, apostando mais no vácuo probatório do que na efectiva demonstração da sua razão, prescinde da inquirição das testemunhas que oferecera com o óbvio objectivo de forçar a uma resposta negativa dos quesitos de que dependeria o êxito da acção.<br>
Tolerar, em especial em casos onde se discutem direitos e interesses sérios e graves, tal actuação seria privilegiar o formal em detrimento do material.<br>
Seria ver o ónus de prova como uma distribuição do dever de provar, e não como um simples critério para resolver uma situação de inultrapassável desconhecimento - artigo 516.<br>
Seria o mesmo que ignorar que o tribunal deve atender a todas as provas produzidas, independentemente de provirem da parte onerada com a necessidade de as produzir - artigo 515.<br>
Também Artur Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, Vol.III. págs. 162-163, reconhece o poder genérico de intervenção do juiz no tocante à iniciativa de produção de prova, mas lamentando até que, na prática, tal princípio de oficialidade e de ónus de prova meramente objectivo seja desvirtuado de modo a ser, antes, um princípio dispositivo e de ónus de prova subjectivo, idêntico ao da alegação de factos.<br>
Se o tribunal pôde, sem reacção do ora recorrente, fazer juntar prova documental que teve como útil e se o mesmo recorrente apenas impugnou, como o fez, a iniciativa oficiosa da sua audição por a ter incompatível com o artigo 554, e não pelo simples facto de o tribunal a ter decidido, haveria nítida incoerência se o sistema legal não permitisse que o tribunal procurasse ouvir quem poderia esclarecê-lo sobre a ocorrência que constituía objecto da sua atenção.<br>
Aliás, o tribunal não o fez por adivinhação, mas porque se tratava de pessoas que o próprio réu indicara no seu rol.<br>
Não foi, ao contrário do que o recorrente sugere, por intuição ou com recurso ao seu saber privado. Ouviu uma pessoa que o próprio réu estava já preparado para inquirir e arrolara certamente por ter como provavelmente relevante o seu depoimento.<br>
Daí que a objecção do recorrente a este comportamento não mereça concordância.<br>
II - Como já se disse, o Tribunal Colectivo fez convocar o ora recorrente para ser ouvido em audiência, mas este faltou e não justificou a falta. E valorou esta não comparência, ao abrigo do artigo 357, n. 2, do CC, quando respondeu aos quesitos 1., 2., 8. e 9., respostas estas que deram origem ao apuramento dos factos acima descritos sob os ns. 2, 3 e 4.<br>
Nada há a dizer contra a ordem de audição do réu ora recorrente.<br>
É certo que, a ser a sua audição realizada no âmbito de depoimento de parte requerido pela parte contrária, não poderia fazer-se incidir a mesma sobre factos criminosos ou torpes - artigo 554, n. 2.<br>
E é indesmentível que a mesma limitação deverá ter a audição de uma das partes que for da iniciativa oficiosa do tribunal.<br>
Porém, quando essa audição foi ordenada não se definiu o seu objecto, que poderia ser qualquer dos factos ou pormenores versados no questionário; daí que apenas perante determinada pergunta concreta fosse possível avaliar a sua conformidade ou desconformidade face àquela disposição legal.<br>
A falta do réu, ora recorrente, sempre ficaria, pois, a ser susceptível de traduzir uma falta de colaboração devida e, por isso, de ser valorada livremente ao abrigo do artigo 357, n. 2, do CC.<br>
Não poderia, é certo, ser valorada naquele âmbito em que a audição não poderia ter lugar, isto é, para conduzir à formação positiva da convicção do tribunal quanto a factos criminosos ou torpes por ele praticados.<br>
Mas, embora ela tivesse relevado para a convicção formada quanto aos referidos factos 2, 3 e 4, não se vê que tal estivesse vedado ao tribunal.<br>
Na verdade, atingir alguém, lesionando-o, com um projéctil disparado por carabina de ar comprimido só é crime se houver dolo ou culpa - artigos 143 e 148 do C.Penal.<br>
Esses factos, tal como estão descritos, não suportam qualquer destes juízos. No plano criminal não os suporta, designadamente, uma presunção de culpa constante do CC.<br>
O Tribunal Colectivo, sem perguntar ao ora recorrente, por completo, o que constava dos quesitos 8. - "Consciente e voluntariamente disparou, sabendo que o autor estava atrás dos aludidos arbustos e que era possível atingi-lo e feri-lo?" - e 9. - "Vindo a atingir o autor directamente no seu olho esquerdo?" -, poderia limitar-se, nesta matéria, a procurar saber dele se fora ele o autor do disparo que atingira o autor.<br>
Com isso não violaria o artigo 554, n. 2.<br>
A isso teria o réu de responder.<br>
Faltando à convocação feita, ficou sujeito à ilação que a partir daí o Tribunal Colectivo entendeu, sem dar lugar a qualquer crítica, tirar quanto à realidade de factos que não são criminosos nem torpes.<br>
Será que esta actuação viola princípios constitucionais, tais como o da igualdade das partes e da imparcialidade do juiz?<br>
A igualdade das partes leva a que a ambas sejam reconhecidos os mesmos direitos e impostas as mesmas obrigações.<br>
Não se vê que este princípio constitua óbice à actuação judicial descrita.<br>
Curiosamente, Manuel de Andrade, em Noções Elementares de Processo Civil, 1979, pág. 380-381, aponta a existência de amplos poderes do juiz para corrigir ou suplementar a actividade das partes como uma das providências idóneas para assegurar a sua igualdade prática, substancial, factual, real.<br>
A imparcialidade não obriga a que o juiz seja um mero espectador do que as partes fazem desfilar perante si.<br>
Tem o dever de alcançar a verdade na medida do possível, não com simples recurso à sua atenção perante o que no palco da sala da audiências se passa, mas nisso empenhando ainda a sua argúcia e sentido de oportunidade.<br>
A imparcialidade apenas o obriga a não querer favorecer uma parte em detrimento da outra.<br>
Não se viola a imparcialidade quando se procura, empenhadamente, fazer justiça, negando a alguém o que não deve ter ou a dando a alguém o que lhe é devido.<br>
Ao fim e ao cabo, o que o Tribunal Colectivo fez neste processo serviria para ilustrar uma excepção ao lamento que Artur Anselmo de Castro deixou expresso na passagem citada atrás.<br>
E, note-se, atingiu com isso uma verdade favorável ao autor, assim como poderia ter sido favorável ao réu recorrente.<br>
Atingiu o esclarecimento, ao passo que o recorrente apenas buscou, então, a dúvida e a ignorância.<br>
Não há inconstitucionalidade nisto - mal estaríamos se houvesse.<br>
Assim, improcedem as conclusões do recorrente acima referidas nas alíneas a), b) e c) do resumo que delas fizemos.<br>
Quanto às conclusões 17. e 18.<br>
Para negar a natureza perigosa da actividade desenvolvida pelo ora recorrente diz-se nas suas alegações que uma actividade perigosa, para os efeitos do artigo 493, n. 2, não pode ser um comportamento isolado, devendo exigir-se uma prática reiterada da qual o seu autor tire algum proveito.<br>
Esta ideia segundo a qual é necessária a existência de uma actividade de que se tira proveito, designadamente económico, está na origem da adopção de regimes de responsabilidade pelo risco, mas não tem que ser relacionada com a presunção de culpa.<br>
Não se lhe refere, na verdade, a doutrina mais conceituada<br>
- cfr. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I,<br>
8. edição, págs. 605-606, Pires de Lima e Antunes Varela,<br>
Código Civil Anotado, Vol. I, 4. edição, pág. 495, Pessoa Jorge, Ensaio Sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil, pág. 88.<br>
O que determina a qualificação de uma actividade como perigosa é a sua especial aptidão para produzir danos - aptidão esta que, conforme a lei se exprime, resulta da sua própria natureza ou da natureza dos meios empregados.<br>
E, não tendo a lei feito uma enumeração, sequer enunciativa, de actividades perigosas, cabe ao tribunal fazer, em cada caso concreto, essa qualificação.<br>
Assim, se há casos em que essa actividade se traduz no exercício de operações profissionais, como diz Antunes Varela, RLJ, ano 121, pág. 51, já o contrário não é idóneo para excluir tal qualificação; de facto, não se vê que a prática de actividades lúdicas que, em si mesmas ou pelos meios empregados, sejam potencialmente perigosas pela maior probabilidade de produção de danos a terceiros deva, razoavelmente, ficar isenta do regime especial que a lei concebeu para protecção de eventuais lesados.<br>
A respeito de armas de fogo ou outras que lançam à distância projécteis impulsionados por ar comprimido, deve reconhecer-se que são particularmente idóneas para causar danos em pessoas ou coisas por elas atingidos, sendo certo que, precisamente pela força que o disparo imprime ao projéctil e pelo difícil controlo do local do seu impacto, essa perigosidade é grande.<br>
Se esses disparos, quando integrados na prática da caça, podem gerar uma responsabilidade pelo risco nos termos da Base LIII da Lei 2132, de 26 de Maio de 1967, como tal independente de culpa do seu autor, já o contrário se passa quando com eles se procura, simplesmente, exercitar a pontaria contra alvos fixos ou móveis, sujeitando-se o seu autor ao regime típico da responsabilidade civil assente em culpa; mas, dentro deste regime, há que dar como integrados os pressupostos próprios da presunção de culpa que o artigo 493, n. 2, do CC manda observar quanto a actividades perigosas - cfr. Pessoa Jorge, obra citada, nota 176, a págs. 206-207.<br>
Também Vaz Serra, Responsabilidade pelos Danos Causados por Coisas ou Actividades, BMJ n. 85, pág. 379, diz que a ideia de actividade perigosa abrange o caçador ou outro portador de coisas perigosas - sublinhado nosso - que causa danos no exercício de actividade de que essa coisa é inseparável.<br>
Estas noções, aplicadas aos factos n. 1 a 5 supra, levam a que o recorrente B deva ser tido como presuntivamente culpado visto que não provou, como lhe competia, que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de prevenir os danos causados ao autor, ora recorrido.<br>
Improcedem, pois, estas conclusões.<br>
Pelo exposto, nega-se a revista.<br>
Custas pelo recorrente.<br>
Lisboa, 30 de Junho de 1998.<br>
Ribeiro Coelho,<br>
Garcia Marques,<br>
Ferreira Ramos.</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
zTJxu4YBgYBz1XKv6wme | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<font>Proc.º n.° 669/16.4T8BGC.S 1</font>
<p><i><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça</font></i></p><div><br>
<font>I </font><b><font>Relatório</font></b></div><br>
<b><font>1.</font></b><font>Tendo analisado o Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, 1.ª secção, em epígrafe referenciado, a recorrente, </font><b><font>Seguradoras Unidas, S.A., </font></b><font>observou que o montante dos valores arbitrados no Dispositivo seria </font><i><font>ultra petita.</font></i>
<p><font>2.Admitindo expressamente tratar-se de um lapso (ponto 3), que considera dever e poder corrigir-se </font><i><font>(ibidem), </font></i><font>argui também a nulidade do Acórdão.</font></p><div><br>
<font>II </font><b><font>Fundamentação</font></b></div><br>
<font>l.Reconhece-se um lapso aritmético (erro de cálculo), e não erro de direito, pela sua fácil e óbvia correção insuscetível de nulidade, portanto, mas apenas merecendo a devida retifícação, qua que de pronto se procede.</font>
<p><font>2.Não se desconhecendo, obviamente, o preceito do art. 615, n.° 1, al. e), ocorre que a dimensão e a natureza do aludido lapso é muito semelhante (embora, obviamente, com ele se não identifique) à do mero </font><i><font>lapsus calami, </font></i><font>não parecendo aconselhar, pela</font>
</p><p><font>própria natureza das coisas, uma tão grave consequência como a da referida invalidade.</font></p><div><br>
</div><br>
<font>No Brasil, por exemplo, o erro de cálculo pode ser corrigido até </font><i><font>ex officio </font></i><font>(art. 463,1 do respetivo CPC). Além disso, </font><i><font>in casu, </font></i><font>os efeitos práticos de uma nulidade, com ulterior prolação de novo acórdão, repetindo o anulado, com retifícação apenas do erro de cálculo, importariam apenas num eventual purismo juridista, e, sempre, numa proliferação de atos jurisdicionais contrários ao são e largamente reconhecido princípio da economia processual. Acolhendo-se a iniciativa da parte (afigura-se-nos que também como expressão do princípio da cooperação), é também dever de gestão processual o princípio da limitação dos atos </font><i><font>(entia non sunt multiplicanda </font></i><font>processual), consagrado no art. 130 do CPC.</font>
<p><font>3.Concentrando-nos nos factos. Assiste razão à recorrente no domínio dos factos puros: há uma discrepância </font><i><font>ultra petita. </font></i><font>Mas cumpre explicá-la e corrigi-la.</font>
</p><p><font>Com efeito, na alínea c) do Dispositivo do Acórdão proferido, mantinha-se a condenação a "pagamento de lucros cessantes e despesas" que o tribunal </font><i><font>a quo </font></i><font>já considerara, fazendo por lapso subsistir aqueles, e o valor global resultante da soma das parcelas, que ascendia a € 3.610,00. Devendo-se, porém, a tal quantia ter subtraído o que era pertinente a danos não patrimoniais, já considerados na alínea b) de forma global. Ocorrendo, assim, uma parcial duplicação, por lapso de parcelas a considerar.</font>
</p><p><font>4.Tem-se presente, nomeadamente, o seguinte segmento da sentença do Tribunal recorrido:</font>
</p><p><font>"Aquela importância, teremos que somar ainda os montantes suportados pelo autor correspondentes aos itens 62°, 63°, 69°, 71, 72, 83,84 e 85 da fundamentação de facto desta peça processual. Os primeiros dois de despesas pagas pelo A. e os restantes aos lucros cessantes relativamente aos factos correspondentes ao período de défice funcional temporário parcial fixado pela perícia médico-legal em 150 dias. Somando os primeiros dois € 560,00 e os restantes € 160,00 na agricultura mais €250,00 na construção civil, igual a €410,00 isto, mensalmente. 150 dias corresponde a 5 (cinco) meses x €410,00 igual a € 2.050,00. Assim a importância a ressarcir pela ré nesta sede é 2050,00€ mais 560,00€ igual a € 3.610,00."</font>
</p><p></p><div><br>
<font>III</font>
<p><font>Dispositivo</font></p></div><br>
<font>l.Considera-se assim procedente a necessidade de correção de uma parcela do Dispositivo do Acórdão em epígrafe, não o anulando na sua globalidade, mas retifícando nesse ponto.</font>
<p><font>2.Corrige-se, pois, o Dispositivo do Acórdão, que ficará com a seguinte redação:</font>
</p><p><font>"Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente a revista, revoga-se a sentença recorrida e condena-se a ré a pagar ao A. as seguintes quantias:</font>
</p><p><font>a) danos patrimoniais no montante de € 57.200,00;</font>
</p><p><font>b) danos não patrimoniais no valor de € 20.000,00;</font>
</p><p><font>c) mantém-se a condenação a pagamento de despesas que o tribunal </font><i><font>a quo </font></i><font>já considerou, no valor de € 560,00;</font>
</p><p><font>d) juros dos danos patrimoniais à taxa legal desde a citação até efetivo e integral pagamento e dos danos morais, nos mesmos termos, desde a sentença;</font>
</p><p><font>e) Custas pela Recorrida e pela Recorrente em função do respetivo decaimento."<br>
Sem custas.</font>
</p><p><font>Supremo Tribunal de Justiça, 29 de setembro de 2020.</font>
</p><p>
<table>
<tbody><tr><td><img></td></tr>
</tbody></table>
</p><ul>
<ul>
<ul>
<ul>
<ul>
<ul>
<ul>
<ul>
<ul>
<ul><i><font>Paulo Ferreira da Cunha (Relator)</font></i>
<p><i><font>Maria Clara Sottomayor</font></i>
</p><p>
</p><p><i><font>Alexandre Reis</font></i>
</p><p><i><font>(votei a rectificação, sem prejuízo da declaração que apus ao acórdão rectificado).</font></i></p></ul>
</ul>
</ul>
</ul>
</ul>
</ul>
</ul>
</ul>
</ul>
</ul>
</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
zjJxu4YBgYBz1XKv7Am6 | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>
<p><font>Proc. n.° 336/17.1T8PTL.Gl.Sl </font>
</p><p><font>- Reclamação para a Conferência</font>
</p><p><i><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça</font></i>
</p><p><b><font>I </font></b><font>''</font>
</p><p><b><font>Relatório</font></b>
</p><p><b><font>1. AA </font></b><font>vem interpor reclamação da decisão individual do Relator nos presentes autos. Recapitulam-se, antes de mais, os principais momentos do pleito.</font><br>
<b><font>2. BB </font></b><font>instaurou ação executiva contra o Executado, </font><b><font>AA, </font></b><font>com os fundamentos expostos no requerimento inicial (que aqui se dá por reproduzido), tendo ocorrido que, por despacho proferido nos autos, foi indeferido o mesmo requerimento. Inconformado com o assim decidido, apelou para o Tribunal da Relação.</font>
</p><p><font>3.0 Apelado apresentou contra-alegações concluindo pela improcedência da apelação.</font>
</p><p><b><font>4. A Relação de Guimarães recortou o seguinte </font></b><b><i><font>thema decidendum:.</font></i></b>
</p><p><b><font>- Analisar da eventual nulidade da decisão por violação de caso julgado formal;</font></b>
</p><p><font>- Analisar da eventual nulidade da decisão por condenação do</font>
</p><p><font>exequente por objeto diverso do pedido, em manifesta violação do disposto no artigo 615° n°l alínea e) do mesmo CPC.</font>
</p><p>
</p><p><b><font>2</font></b>
</p><p><font>- Analisar da existência e do modo de efectivação do eventual direito de regresso do co-avalista contra os demais coavalistas da mesma obrigação.</font>
</p><p><font>5.0 Tribunal da Relação concluiu por uma parcial razão do apelante, sintetizando assim a sua fundamentação no sumário do respetivo Acórdão:</font>
</p><p><font>"I - Assiste direito de regresso ao avalista que pagou a dívida titulada na livrança relativamente aos demais coavalistas do mesmo subscritor avalizado, </font><i><font>quanto à importância que pagou a mais, através da aplicação ao caso </font></i><font>das regras da responsabilidade solidária passiva (arts. 516° e 524° do Cód. Civil), depois de excutidos todos os bens do devedor (art. 650°/3 do CC), salvo acordo em contrário dos coavalistas.</font>
</p><p><font>II- Nas relações dos coavalistas entre si não há nexo cambiário, sendo a relação obrigacional entre eles existente regulada pelo direito comum.</font>
</p><p><font>III-Assim, se um dos co-avalistas pagar a letra ou livrança não pode executar os demais co-avalistas, erigindo como título executivo a letra ou livrança avalizadas.</font>
</p><p><font>IV-Ou seja, este direito de regresso entre co-avalistas não pode ser exercido através de simples execução, utilizando a letra ou livrança como título executivo, por estas não possuírem a virtualidade de título para o efeito, dado não poderem conter a determinação da responsabilidade de cada um daqueles co-obrigados, que poderá ser mais ou menos abrangente e, no limite, até inexistir.</font>
</p><p><font>Todavia, o direito de regresso do coavalista sobre os demais coavalistas não</font>
</p><p><font>tem de ser objecto de uma acção declarativa prévia à interposição da acção executiva, como</font>
</p><p><font>resulta do artigo 52° da LULL, onde expressamente se prescreve que </font><i><font>"qualquer pessoa que goze do direito de acção pode, salvo estipulação em contrário embolsar-se por meio de uma</font></i>
</p><p><i><font>nova letra (ressaque) à vista, sacada sobre um dos co-obrigados e pagável no domicílio</font></i>
</p><p><i><font>deste/'</font></i>
</p><p>
</p><p><font>V- De tudo resulta que, enquanto coavalista que pagou o valor do título, pode exercer o seu direito de regresso directamente, sacando uma letra à vista, efectuando um ressaque, constituindo tai letra um título executivo nos termos do artigo 703° no 1 alínea d) do CPC, pois que, a letra sacada à vista por avalista pagante sobre os restantes coavalistas não pagantes, é título executivo porque se trata de documento a que o artigo 52° da LULL, atribui esse valor ou natureza.".</font>
</p><p><font>6.E consequentemente a Relação decidiu revogar a decisão recorrida, e, assim determinar que fosse substituída por outra que venha a confirmar o já proferido despacho liminar de prosseguimento da execução.</font>
</p><p><font>7.In conformado, AA recorreu para este Supremo Tribunal, tendo concluído do seguinte modo as suas alegações:</font>
</p><p><font>"l.° O presente recurso é admissível, de acordo com o disposto no artigo 629°, n° 2 alíneas b) e c) do Código de Processo Civil, porquanto a decisão proferida no Acórdão em crise contraria, no domínio da mesma legislação e exactamente sobre a mesma questão fundamental, a jurisprudência uniformizada pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.</font><sup><font>º</font></sup><font> 7/2012, bem como o acórdão proferido pelo mesmo Tribunal da Relação de Guimarães, em 17/12/2018, no processo 337/17.0T8PTL.G1.</font>
</p><p><font>2</font><sup><font>o</font></sup><font> Através de um ressaque, o recorrido pretendeu exercer o seu, alegado mas inexistente, direito de</font>
</p><p><font>regresso sobre os restantes co-avalistas de uma letra subscrita pela Parceria Total LDA, da qual ele, o recorrente o senhor CC, eram sócios.</font>
</p><p>
</p><p><font>3.° Para tanto, intentou uma execução contra o requerido e outra contra o outro co-avalista, o senhor CC, com base no não pagamento por partes destes dessa nova letra (ressaque), </font>
</p><p><font>4.º Quer nos presentes autos, quer na execução instaurada contra o co-avalista CC [processo n° 337/17.0…), os Tribunais de Primeira Instância decidiram indeferir o requerimento executivo, por insuficiência de título executivo, e determinaram a extinção da instância.</font>
</p><p><font> 5.° Inconformado com tais decisões, o ora recorrido recorreu das mesmas junto do Tribunal da</font>
</p><p><font>Relação de Guimarães. </font>
</p><p><font>6.° No referido processo n.a 337/17…., o Tribunal da Relação de Guimarães, confirmou a decisão do Tribunal de Primeira Instância, fundamentando exaustivamente os motivos que conduzem ao inevitável indeferimento do requerimento executivo por insuficiência de título executivo. </font>
</p><p><font>7</font><sup><font>o</font></sup><font> Todavia, nestes autos, o Tribunal da Relação de Guimarães decidiu em sentido oposto, tendo revogado a decisão do Tribunal de Primeira Instância e ordenado o prosseguimento da execução.</font>
</p><p><font>8.º Salvo o devido respeito, tal decisão resulta de uma errada interpretação e aplicação, entre outras, das normas constantes dos artigos 25º., 32.º, n.</font><sup><font>S</font></sup><font> 3 e 52. da Lei Uniforme de Letras e Livranças, e ainda do artigo 703.° do Código de Processo Civil.</font>
</p><p><font>9.° É entendimento unânime da jurisprudência que o avalista que paga não tem uma acção cambiária contra os avalistas do mesmo grau para realizar parte da soma </font><b><font>que lhe caberia na divisão da responsabilidade, já que a acção cambiária só a tem</font></b><font> contra o avalizado, a favor de quem deu o aval e, se os houvesse, contra os obrigados precedentes,</font>
</p><p>
<table>
<tbody><tr><td><font> </font></td></tr>
</tbody></table>
</p><p><font>10.° Com o pagamento da quantia no âmbito da execução instaurada pelo Novo Banco SA, o recorrido não ficou sub-rogado nos direitos do exequente contra os demais co-avalistas, pois não há sucessão no direito.</font>
</p><p><font>11.° A LULL não dispõe nada quanto à existência de acção de regresso a favor do co-avalista que pagou contra os demais co-avalistas do mesmo avalizado, relegando essa matéria para o direito comum.</font>
</p><p><font>12. O eventual direito de regresso entre co-avalistas terá de ser feito valer através de acção declarativa, em termos análogos ao que está previsto no artigo 649.° do CPC.</font>
</p><p><font>13. Por acórdão uniformizador de jurisprudência n.</font><sup><font>º</font></sup><font> 7/12, de 05/06/2012, fixou-se que </font><i><u><font>"Sem embarso de convenção em contrário, há direito de regresso entre os</font></u></i><font> </font><i><u><font>avalistas do mesmo avalizado numa livrança, o qual sesue o resime das obrigações solidárias</font></u></i><i><font>."</font></i>
</p><p><font>14.º Conforme entendimento do douto Tribunal da Relação de Guimarães no processo</font><b><font><br>
337/17.0T8PTL.G1: </font></b><i><font>"...peio que ao co-avalistas que pagou a totalidade do crédito</font></i><font> </font><i><font>cambiário assiste direito de regresso contra os demais co-avalistas do mesmo avalizado na respetiva proporção, cabendo antes aos últimos, </font></i><b><i><u><font>uma vez demandados pelo primeiro em acão declarativa,</font></u></i></b><b><i><font> </font></i></b><i><font>vara lhe ser reconhecido esse seu direito de regresso contra aqueles, o ónus da alegação e da prova de que esse direito de regresso não existe ou que, existindo, as respetivas obrigações não são iguais, mas antes distintas, dada a existência de convenção extra-cariular celebrada entre todos em que convencionaram a inexistência desse direito de regresso ou a existência desse direito de regresso, mas com partilha distintas de responsabilidades entre eles.</font></i>
</p><p><font>15.º O ressaque previsto no artigo 52.</font><sup><font>9</font></sup><font> da LULL é o acto pelo qual o provador, em vez de recorrer aos </font><b><font>tribunais, para tornar efectivo o direito de regresso, saca uma nova letra à vista sobre um dos </font></b><font>obrigados cambiário.</font>
</p><p>
</p><p><font>16.º O recorrente não era um obrigado cambiário em relação ao recorrido, mas tão só em relação à</font>
</p><p><font>Parceira Total Lda, enquanto subscritora da letra, pelo que o recorrido não poderia socorrer-se do ressaque para exercer o seu pretenso direito de regresso sobre o recorrente.</font>
</p><p><font>17. Por conseguinte, o Tribunal a quo julgou mal ao decidir que a </font><i><font>"letra sacada à vista pagante sobre</font></i>
</p><p><i><font>os restantes coavalislas não pagantes é titulo executivo porque se trata de documento a que o artigo 52° da LULL lhe dá tal valor ou natureza."</font></i>
</p><p><font>18.º Acresce que, o recorrente não aceitou a letra que serviu de base à presente execução, não tendo</font>
</p><p><font>aposto na mesma a sua assinatura. </font>
</p><p><font>19.° Por conseguinte, nos termos conjugados do disposto no artigo 25.</font><sup><font>Q</font></sup><font> e 28.-da LULL, é manifesto que o recorrente não assumiu perante o recorrido a obrigação de pagamento do crédito cambiário incorporado na letra dada à execução. </font>
</p><p><font>20." Pelos motivos supra aduzidos, é incontroverso que o ressaque que serviu de base à execução intentada pelo recorrido não configura um título executivo, nos termos do disposto no artigo 703, n.</font><sup><font>9</font></sup><font> 1 do CPC, pelo que não merecia censura a decisão proferida pelo Tribunal de Primeira Instância, que considerou o título executivo insuficiente e, por conseguinte, determinou a extinção da execução.</font>
</p><p><font>Nestes termos, e nos demais de direito que este VENERANDO TRIBUNAL SUPERIOR doutamente suprirá, deve ser dado provimento ao presente recurso, e em consequência, ser revogado o douto Acórdão proferido pelos Venerandos Juízos do Tribunal da Relação de Guimarães, e ser, em consequência, determinada a sua substituição por outro que confirme o indeferimento do requerimento executivo e a consequente extinção da</font>
</p><p><font>instância."</font>
</p><p>
<table>
<tbody><tr><td><font> </font></td></tr>
</tbody></table>
</p><p><br>
</p><p><font>8.Consta também dos presentes autos um requerimento do Recorrente, em que, essencialmente, insiste e procura documentar (n)a tese da recorribilidade, e que se dá por reproduzido, </font><i><font>brevitatis causa.</font></i>
</p><p><font>9.Por despacho do Juiz Relator dos presentes Autos, de 11 de maio p.p., indicou-se que, tudo ponderado, se propenderia para a não admissão do recurso, nos seguintes termos:</font><br>
<font>"Não obstante a letra do proémio do n.° 2 do art. 629 do CPC, tem constituído jurisprudência reiterada deste Supremo Tribunal o entendimento que a contradição de julgados em que assenta a al. d) não prescinde da verificação dos requisitos gerais de admissibilidade do recurso, incluindo o requisito do valor da causa e da sucumbência a que se refere o n.° 1 do art. 629 do CPC. Propende-se, pois, a não admitir o recurso."</font>
</p><p><font>10. Mandou-se cumprir o estipulado no art. 655, n.° 1 do CPC, havendo sido, em consequência, notificada cada uma das partes, as quais se viriam a pronunciar, fundamentalmente reiterando as posições anteriores.</font>
</p><p><b><font>11. O </font></b><font>Relator, decidiu, em consequência, não admitir a revista ao abrigo dos arts. 854 e 629, n.° 2, als. c) e d), do CPC, tendo fundamentado a decisão nos termos que agora se reiteram, apenas com uma aclaração final.</font>
</p><p><font>12.Reclamou, então, como foi dito, para a Conferência da aludida decisão singular</font>
</p><p><b><font>AA, </font></b><font>não apresentando explícitas "conclusões" do que alega, mas terminando a respetiva peça processual (que se dá, </font><i><font>brevitatis causa, </font></i><font>por reproduzida) da forma seguinte:</font>
</p><p><font>"18.° - A não admissão da presente revista conduzirá a uma situação absolutamente grotesca. 19.° Com efeito, duas situações absolutamente iguais emergentes da mesma relação</font>
</p><p><font>jurídica serão decididas de forma totalmente contrária pelo mesmo Tribunal da Relação de</font>
</p><p><font>Guimarães. 20.° Conforme já consta dos autos, o mesmo avalista, o recorrido, intentou duas</font>
</p><p>
</p><p><font>execuções para fazer valer um alegado (mas inexistente) direito de regresso sobre outros dois coavalistas, o recorrente e o senhor CC. 21.° - As duas execuções tiveram por base exactamente o mesmo título executivo, in casu, o ressaque da letra. 22.° Em ambos os processos executivos, o Tribunal de Primeira Instância decidiu-se peia extinção da execução, por inexistência de título executivo. 23.° Em ambos os processos, foi intentado recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães. 24.° O douto Tribunal de Guimarães, surpreendentemente, decidiu os dois processos de forma diversa, tendo confirmado a decisão do Tribunal de Primeira Instância no Processo n.° 337/17.0T8PTL.G1; 25.° - E revogando a decisão de Primeira Instância nestes autos. 26.° - Crê-se que este circunstancialismo merece especial atenção por parte deste Tribunal, enquanto órgão superior da hierarquia dos tribunais judiciais. 27.° - A não admissão da presente revista viola necessariamente o princípio do Estado de Direito, concretizado no princípio da segurança jurídica e da protecção da confiança dos cidadãos. 28.° - A este propósito cita-se o sumário do acórdãol do STA, de 13/11/2007 :1 - O princípio do Estado de Direito concretiza-se através de elementos retirados de outros princípios, designadamente, o da segurança jurídica e da protecção da confiança dos cidadãos. II - Tal princípio encontra-se expressamente consagrado no artigo 2</font><sup><font>o</font></sup><font> da CRP e deve ser tido como um princípio politicamente conformado que explicita as valorações fundamentadas do legislador constituinte. III - Os citados princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança assumem-se como princípios classificadores do Estado de Direito Democrático, e que implicam um mínimo de certeza e segurança nos direitos das pessoas e nas expectativas juridicamente criadas a que está imanente uma ideia de protecção da confiança dos cidadãos e da comunidade na ordem jurídica e na actuação do Estado. Termos em que se requer a V. Exa. seja concedido provimento à presente reclamação, e em consequência, seja proferido acórdão que se digne admitir a revista, ao abrigo do disposto nos artigos 854.° e 629.° n.° 2 alínea c) do CPC."</font>
</p><p><i><font>Cumpre apreciar e decidir.</font></i>
</p><p>
<table>
<tbody><tr><td><font> </font></td></tr>
</tbody></table>
</p><p>
</p><p><b><font>II Fundamentação</font></b>
</p><p><b><font>1.A </font></b><font>fundamentação da presente decisão não pode deixar de reconduzir-se, fundamentalmente, ao já referido anteriormente. Entendendo-se que, no caso, </font><i><font>quod abundat non nocet, </font></i><font>e que, tratando-se agora de um Acórdão, a especial dignidade do feito obriga a uma explicitação não excessivamente sintética, dada a natureza do caso.</font><br>
<font>Assim, recapitulando, antes de mais, o que se encontra em causa no presente feito: trata-se de uma ação executiva, movida por BB contra AA, tendo como título executivo uma letra objeto de ressaque, nos termos do art. 52 da LULL, bem como a alegação no requerimento executivo de factos demonstrativos de um direito de regresso entre coavalistas, visando o exequente com a presente execução o reembolso de 1/3 do valor total liquidado numa execução anterior com referência a uma livrança avalizada por si e por duas outras pessoas singulares.</font>
</p><p><font>2.A l.</font><sup><font>a</font></sup><font> Instância, no decurso dos autos, proferiu despacho a julgar extinta a execução, com fundamento na inexistência de título executivo, nos termos do art. 726, n.° 2, al. a), do CPC.</font>
</p><p><font>Entendeu, em síntese, que o executado identificado como sacado na letra, não é aceitante, pois não apôs a sua assinatura nos termos do art. 25 da LULL, sendo tal válido para a letra de recambio (a apresentada após o ressaque previsto no art. 52 da LULL), bem como que entre avalistas cambiários não há direito de ação cambiária, sendo por conseguinte a obrigação regulada pelo simples direito comum.</font>
</p><p><font>3. Já o Tribunal da Relação, contudo, por acórdão de 24-01-2019, revogou essa </font><b><font>decisão e ordenou que fosse substituída por outra que confirmasse o já proferido despacho liminar de prosseguimento da execução.</font></b>
</p><p><font>Entendeu o aresto, em síntese, e como aliás resulta do sumário então elaborado,</font>
</p><p><font>que o direito de regresso do coavalista sobre os demais coavalistas não tem de ser</font>
</p><p><font>objeto de uma ação declarativa prévia à interposição da ação executiva, podendo ser exercido diretamente, sacando uma letra à vista, efetuando um ressaque, constituindo</font>
</p><p>
</p><p><font>tal letra um título executivo nos termos do art. 703, n.° 1, al. d), do CPC, pois que a letra sacada à vista por avalista pagante sobre os restantes coavalistas não pagantes, é título executivo já que se trata de documento a que o art. 52 da LULL atribui esse valor ou tal natureza.</font>
</p><p><font>4.Deste acórdão vem o executado interpor recurso de revista, ao abrigo do disposto no art. 629, n.° 2, als. c) e d), do CPC (parece ter havido um lapso na indicação dos normativos, mas que se afigura suprido), com fundamento em oposição de julgados com jurisprudência uniformizada objeto do AUJ n.° 7/2012 e contradição com o acórdão da Relação de Guimarães de 17-12-2018, proferido no processo n.° 337/17.0T8PTL.G1, movido pelo aqui exequente contra o restante avalista e que decidiu em sentido diverso.</font>
</p><p><font>O valor da execução foi fixado na sentença em € 18.691,58.</font>
</p><p><font>5.Cumpre, antes de mais, e prejudicialmente, apreciar os requisitos de admissibilidade da revista, nos termos do art. 652, n.° 1, al. b), do CPC.</font>
</p><p><font>Estando em causa um acórdão recorrido proferido com referência a um processo de execução, a admissibilidade da revista encontra-se sujeita ao disposto no art. 854 do CPC.</font>
</p><p><font>De acordo com este preceito, não cabe revista - a não ser nos casos em que o</font>
</p><p><font>recurso é sempre admissível - dos acórdãos da Relação que, em sede de ação</font>
</p><p><font>executiva, não respeitem a recursos nos "procedimentos de liquidação não dependente</font>
</p><p><font>de simples cálculo aritmético, de verificação e graduação de créditos e de oposição</font>
</p><p><font>deduzida contra a execução".</font>
</p><p><b><font>Assim, e uma vez que o recurso respeita a uma decisão de extinção conhecida </font></b><font>nos autos de execução — e não nos embargos, ainda que pudessem constituir seu</font>
</p><p><font>fundamento, nos termos do art. 729, al. a), do CPC — apenas pode ser admitida a</font>
</p><p><font>revista no caso de ser invocado um fundamento de admissibilidade da revista que seja</font>
</p><p><font>subsumível aos casos em que o recurso seria sempre admissível, nos termos do art. 629, n.° 2, do CPC.</font>
</p><p>
</p><p><font>No caso, porém, o recorrente fez apelo a dois fundamentos distintos de admissibilidade do recurso que o tornariam sempre admissível. Tenha-se ainda presente que a jurisprudência tem entendido que a admissão da revista ao abrigo destes fundamentos especiais de recorribilidade prescinde da inexistência de dupla conforme (situação que, contudo, se verifica no caso concreto) e que o objeto do recurso uma vez admitido com esta base legal se limita ao conhecimento da questão que justificou a admissão do recurso.</font>
</p><p><font>7.Apesar do aduzido pelo Recorrente, esbarra o presente recurso com um obstáculo invencível, no caso: o valor da causa é inferior à alçada do tribunal da Relação</font><br>
<font>Com efeito, não obstante o proémio do n.° 2 do art. 629 do CPC, prevendo que o recurso seja sempre admissível, conter a referência expressa </font><i><font>"Independentemente do valor da causa e da sucumbência" </font></i><font>a anteceder as alíneas subsequentes, tem constituído jurisprudência reiterada deste Supremo Tribunal o entendimento que a contradição de julgados em que assenta a al. d) não prescinde da verificação dos requisitos gerais de admissibilidade do recurso, incluindo o requisito do valor da causa e da sucumbência a que se refere o n.° 1 do art. 629 do CPC. Como que constituindo esses requisitos prévios uma espécie de abóbada ou horizonte de anterioridade de requisitos mais gerais e mais fundantes, a presidir a um conjunto alargado de situações, mesmo quando, em casos mais concretos, se pudesse prescindir eventualmente deles - acaso não se devesse remeter para a cláusula fundante (que em muito se confunde, afinal, com a </font><i><font>ratio legis </font></i><font>mais funda). Uma espécie, certamente, </font><i><font>mutatis mutandis, </font></i><font>de princípios sobre / </font><i><font>supra </font></i><font>os princípios (no plano sobretudo constitucional, v. P. Ferreira da Cunha, </font><i><font>Dos Princípios Positivos & dos Princípios Supremos, </font></i><font>in "Collatio", São Paulo / Porto, CEMOrOc-Feusp / IJ1 - Univ. do Porto, vol. 11 (2012), pp. 5-16; Idem, </font><i><font>Direito Constitucional Geral, </font></i><font>nova ed., Lisboa, Quid Júris, 2013, p. 392 ss..).</font>
</p><p>
</p><p><font>Nesse sentido, pode apontar-se como referência o Acórdão do STJ de 24-11-2016, proferido no processo n.° 1655/13.1 TJPRT.P 1 .S1, Relator: Conselheiro Tomé Gomes</font><sup><font>1</font></sup><font>, de cujo sumário consta que:</font>
</p><p><font>«/. </font><i><font>A interpretação do disposto no artigo 629. °, n. ° 2, alínea d), do CPC mais conforme com a razão teleológica que lhe subjaz, com a unidade do sistema recursório de uniformização e como o factor histórico-evolutivo do instituto em referência é no sentido de que a admissibilidade irrestrita de recurso com o fundamento ali previsto se confina aos casos em que o recurso ordinário fosse admissível em função da alçada ou da sucumbência, se não existisse motivo a estas estranho.</font></i>
</p><p><i><font>II. A necessidade de superação de contradições jurisprudenciais pelo STJ não significa uma admissibilidade de recurso ordinário sistemática, alargada à generalidade dos casos, bastando que tal possa ocorrer nos litígios de maior relevo determinado em função do valor da causa. (...)»</font></i>
</p><p><font>Efetivamente, nos termos desenvolvidos na fundamentação desse acórdão,</font>
</p><p><font>pode ler-se:</font>
</p><p><i><font>« Coloca-se, no entanto, a questão de saber se a admissibilidade de recurso prevista na alínea d) do n.° 2 do artigo 692.° se deve circunscrever ao âmbito anteriormente considerado em sede do n.° 4 do artigo 678.°, mais precisamente só para os casos em que fosse admissível recurso ordinário em função da alçada ou da sucumbência, se não existisse motivo estranho àquelas, ou se será agora também admissível independentemente da verificação daqueles factores. E esta questão coloca-se, face à ressalva que, no proémio do n.°2 do artigo 629.°, se faz à indiferença do valor da causa e da sucumbência, parecendo cobrir todas as alíneas ali integradas.</font></i><br>
<i><font>Não obstante essa aparência formal, não se afigura que a mesma seja decisiva para interpretar o alcance da admissibilidade recurso em termos de compreender a generalidade dos casos ali contemplados sem a condicionante da alçada ou da sucumbência, pelos seguintes motivos:</font></i>
</p><p><i><font>i) - Em primeiro lugar, atendendo ao factor histórico, genético-evolutivo, do instituto em causa, como um dos mecanismos tendentes à uniformização jurisprudencial, no tipo de casos em referência, que sempre se tem confinado às situações em que se verificassem os requisitos gerais de cabimento de revista, como sucedia, outrora, no âmbito do artigo 764. °, introduzido pelo Dec.-Lei n.° 44.129, de 28-09-1961, e do n.° 3 do artigo 728.º -julgamento com intervenção de todos os juízes da secção ou em reunião conjunta de</font></i><font> </font><i><font>secções, com vista à prolação dos chamados quase-assentos - introduzido Dec.-Lei n.° 47.690, de 11-05-1967; e, mais recentemente, no âmbito do n.° 4 do artigo 678.°, na redação precedente ao Dec.-Lei n.° 303/2007, e da alínea c) do n.° 1 do artigo 721.°-A, na redação deste diploma;</font></i>
</p><p><i><font>ii) - Em segundo lugar, uma razão de ordem teleológica que se prende com a finalidade do referido mecanismo, no sentido de visar uma uniformização não prioritariamente colimada à justiça de cada caso concreto, mas destinada a evitar a propagação, em escala, do erro de direito judiciário pela ordem jurídica, como garantia do princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei na sua conjugação com o princípio da independência e liberdade interpretativa do julgador, na linha da directriz do n.° 3 do art.º 8.º do CC; iii) - Ainda nesta linha, o facto de se ter vindo a progredir no sentido de limitar o âmbito de intervenção do tribunal de revista aos casos de maior relevo;</font></i>
</p><p><i><font>iv) - Por fim, uma razão de ordem sistemática, segundo a qual se mostra incoerente admitir o recurso, independentemente do valor da causa ou da sucumbência, para todos os casos em que o recurso não seja admissível por motivo estranho àquele, quando o não seria, com o mesmo fundamento, nos casos sujeitos à regra geral da admissibilidade em função do valor da alçada ou da sucumbência, prescrita no n.° 1 do art.°629.°do CPC. Perante estas razões ponderosas e substanciais, o valor interpretativo a dar à ressalva inicial do proémio do n.°2 do art.° 629.° sai esbatido, tanto mais que tal ressalva assim configurada parece radicar numa técnica legislativa pouco apurada, como acima ficou dito, e que, por isso, não deverá prevalecer de modo a descaracterizar o essencial da condicionante estabelecida no indicado normativo quando se refere a motivo estranho à alçada do tribunal de que se recorre, pelo menos com o alcance com que tem vindo a ser perfilhado.»</font></i>
</p><p><font>Têm-se repetido as referências jurisprudenciais concordantes, designadamente,</font>
</p><p><font>de entre os mais recentes: Acórdãos de 28-01-2020, Revista n.° 1009I/15.4T8VNF-</font>
</p><p><font>C.G1.S2, Relatora: Conselheira Maria Olinda Garcia, de 19-09-2019; Revista n.°</font>
</p><p><font>2913/17.1T8VNF.G1.S2, Relator: Conselheiro Ilídio Sacarrão Martins, de 11-04-</font>
</p><p><font>2019; Revista n.° 8298/13.1TBCSC.L2.S1, Relator: Conselheiro Bernardo Domingos,</font>
</p><p><font>de 28-06-2018; Revista n.° 103/16.0T8PRG.G1.S1, Relator: Conselheiro Abrantes</font>
</p><p><font>Geraldes, de 15-02-2018; Revista n.° 47/14.0TBFCR-A.C1.S1, Relator: Conselheiro</font>
</p><p><font>Hélder Roque e de 08-02-2018, Revista n.° 810/13.9TBLSD.P1.S1, Relatora:</font>
</p><p><font>Conselheira Maria do Rosário Morgado (todos disponíveis em sumários de acórdãos </font><b><font>no site </font></b><a><u><font>www.stj.pt</font></u></a><b><font>.).</font></b>
</p><p>
</p><p><font>Também Abrantes Geraldes, na sua obra sobre recursos, defende desenvolvidamente esta solução, baseando-se nos elementos históricos e literal da interpretação, afirmando que esta é a interpretação seguida pela jurisprudência generalizada deste Supremo Tribunal de Justiça e pela doutrina, nomeadamente pelo Prof. Miguel Teixeira de Sousa no </font><i><font>blog </font></i><font>do IPPC.</font>
</p><p><font>Acresce que esta orientação jurisprudencial mente consolidada chegou a ser objeto de uma proposta de reforma do regime de recursos que a consagrava de forma expressa, embora não venha a ter tido tradução legislativa.</font>
</p><p><font>De notar, finalmente, a importância e a especial pertinência da síntese proferida no Sumário do Ac. deste Supremo Tribunal de Justiça de 26-11-2019, no Proc.</font><sup><font>º </font></sup><font>1320/17.0T8CBR.C1-A.S1. Relatora: Conselheira Maria Clara Sottomayor.</font>
</p><p><font>"I - Só é admissível recurso de revista excecional, caso se verifiquem os pressupostos gerais atinentes ao valor da causa e à sucumbência.</font>
</p><p><font>II - O recurso prescrito na alínea d) do n.° 2 do artigo 629.° do CPC tem como<br>
justificação o objetivo de garantir que não fiquem sem possibilidade de<br>
resolução conflitos de jurisprudência verificados entre acórdãos das Relações,<br>
em matérias que, por motivos de ordem legal que não dizem respeito à alçada<br>
do tribunal, nunca poderiam vir a ser apreciadas pelo Supremo Tribunal de<br>
Justiça - como por exemplo, em sede de insolvência (artigo 14.°, n.° 1, do<br>
CIRE), expropriações (artigo 66.°, n.° 5, do Código das Expropriações) ou<br>
providências cautelares (artigo 370.°, n.° 2, do CPC).</font>
</p><p><font>III - Se todos os acórdãos da Relação em contradição com outros acórdãos da<br>
Relação admitissem a revista "ordinária" nos termos do artigo 629.°, n.° 2, al.</font>
</p><p><font>d), CPC, deixaria necessariamente de haver qualquer justificação para construir</font>
</p><p><font>um regime de revista excecional para a contradição entre acórdãos das</font>
</p><p>
</p><p><font>Relações tal como se encontra no artigo 672.°, n.° 1, al. c), CPC. Sempre que se verificasse uma contradição entre acórdãos das Relações seria admissível uma revista "ordinária", não havendo nenhuma necessidade de prever para a mesma situação uma revista excecional.</font>
</p><p><font>IV - A jurisprudência do Tribunal Constitucional vem assumindo que a Constituição não impõe que o direito de acesso aos tribunais, em matéria cível, comporte um triplo ou, sequer, um duplo grau de jurisdição, apenas estando vedado ao legislador ordinário uma redução intolerável ou arbitrária do conteúdo do direito ao recurso de atos jurisdicionais, manifestamente inexistente nas normas do Código de Processo Civil relativas aos requisitos de admissibilidade do recurso de revista."</font>
</p><p><font>Seguindo esta linha geral de entendimento, face ao valor atribuído à execução - € 18.691,58 - não será de admitir a revista ao abrigo deste preceito, por a causa não ser de valor superior a € 30.000,00, correspondente à alçada do tribunal da Relação (cfr. art. 44 da LOSJ).</font>
</p><p><font>9. Foi invocado pelo ora recorrido o acórdão proferido por este STJ a 07-06-2019 no processo 337/17.0T8PTL "que tinha por objeto exatamente a mesma questão de direito, as | [0 0 0 ... 0 0 0] |
dDJ0u4YBgYBz1XKvpAtw | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<br>
<font> </font>
<p><font> </font>
</p><p><font>Processo nº 3182/18.1T8CBR-A.C1.S1</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>1.ª Secção</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><i><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font></i>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>I</font>
</p><p><b><font>Relatório</font></b>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>1.</font><b><font>AA</font></b><font> deduziu oposição à execução contra si instaurada por </font><b><font>BB e CC,</font></b><font> mediante embargos.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>2.Alegou que não interveio como parte na sentença dada à execução, pelo que é parte ilegítima; que não foi requerida a substituição da sociedade executada pelo seu sócio gerente em virtude da extinção da sociedade; e que, por isso, não pode a execução prosseguir contra alguém que, não figurando no título executivo, também não viu ser feita alegação e prova em procedimento declarativo; além de que, por outro lado, os juros de mora convencionais e legais prescrevem no prazo de 5 anos, face à norma do art. 310, al. d), do Código Civil.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>3.Pediu, pois, a extinção da execução.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>4.Os exequentes contestaram.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>5.Argumentaram os ora Recorridos que o ora A. é parte legítima, pois subscreveu o título executivo em nome próprio e na qualidade de sócio da sociedade entretanto por si extinta e não na qualidade de representante de tal sociedade.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>6.Pediram consequentemente a improcedência dos embargos.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>7.Em sede de fase de saneamento foi conhecido do mérito, tendo sido proferida a seguinte decisão:</font>
</p><p><i><font>«- julgar procedentes, por provados, os presentes embargos à execução devido à ilegitimidade passiva do embargante/executado, julgando extinta a execução quanto a AA, devendo ser, de imediato, levantada as eventuais penhoras efectuadas nos autos principais.»</font></i>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>8.Inconformados, recorreram os embargados, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:</font>
</p><p><i><font>1 – O Tribunal a quo não devia ter decidido pela procedência da excepção de ilegitimidade alegada pelo executado; </font></i>
</p><p><i><font>2 - Se alguma factualidade é desconhecida para o Tribunal a quo, após os articulados das partes e documentação junta, que de alguma forma revele poder assumir importância numa tomada de decisão, deve aquele Tribunal abster-se da tomada da decisão sem que antes as partes sejam convidadas a suprir tal lacuna; </font></i>
</p><p><i><font>3 – A Decisão ora em crise viola o disposto no n.º 2, do artigo 7.º. do Código de Processo Civil; </font></i>
</p><p><i><font>4 - Desconhecendo o Tribunal a data da dissolução da sociedade DD, Lda., e assumindo tal factualidade extrema relevância na justa composição do presente litígio, deveriam ter sido as partes instadas a fornecer tal informação; </font></i>
</p><p><i><font>5 - Deveria o Tribunal ter dado como provado que a sociedade DD, Lda. foi, pelo seu sócio único, dissolvida a 14 de Outubro de 2008; </font></i>
</p><p><i><font>6 - O executado detém plena legitimidade, do lado passivo, para figurar como executado, nos presentes autos, na medida em que a sua actuação que culminou no título executivo foi exercida em nome próprio e não em representação de uma sociedade já inexistente; </font></i>
</p><p><i><font>7 – Agindo à margem da lei, o executado já não mais usava as vestes de representante da sociedade que outrora representara mas, antes, agia em seu próprio nome; </font></i>
</p><p><i><font>8 – A Doutrina e a Jurisprudência pugnam pela desconsideração da personalidade jurídica da sociedade em face de uma actuação como a do executado, operando a este (sócio) a imputação da obrigação em nome individual;</font></i>
</p><p><i><font> 9 - Na medida em que a personalidade da sociedade é um desdobramento da personalidade de um único sócio, que apenas se separa deste para serem prosseguidos os fins típicos previstos ou pressupostos na lei;</font></i>
</p><p><i><font> 10 - A personalização cede e é desconsiderada não apenas sempre que o sócio único instrumentaliza a sociedade para prosseguir fins proibidos, não previstos ou que não são aqueles que foram pressupostos pela lei para permitir esse desdobramento (a personalidade jurídica da sociedade unipessoal é condicionada ao respeito pelos específicos fins prosseguidos pela lei com a admissibilidade da sociedade); </font></i>
</p><p><i><font>11 - A personalidade jurídica da sociedade unipessoal é, em alguma medida, apenas relativa; </font></i>
</p><p><i><font>12 - A utilização abusiva da personalidade jurídica de uma sociedade por quotas unipessoal, conduz à imputação da actuação ao sócio: a conduta ilícita e as obrigações ou a responsabilidade emergentes de um negócio ou contrato, por exemplo, são imputadas directamente ao sócio;</font></i>
</p><p><i><font> 13 - O executado, enquanto sócio único da sociedade unipessoal por quotas DD, Lda. violou de forma grave preceitos legais relativamente à dissolução da sociedade, transparência para com os credores, mentindo sobre a (in)existência de activo e passivo daquela sociedade, foi o executado, em nome próprio e no seu individual interesse que compareceu na Audiência Preliminar, transigiu no objecto daquele processo e aceitou a obrigação de pagamento na qualidade de devedor como sua, e já não como representante de uma sociedade inexistente; </font></i>
</p><p><i><font>14 - O artigo 162.º do Código das Sociedades Comerciais operou já o seu comendo em sede do processo judicial 521/08.7TBPCV e daí resultar que o título executivo é válido contra o executado; </font></i>
</p><p><i><font>15 - O executado é executado em nome próprio, não em representação da sociedade que deteve, precisamente porque quem assumiu a qualidade de devedor no título executivo foi o próprio executado per si; </font></i>
</p><p><i><font>16 – O executado é detentor de legitimidade processual passiva;</font></i>
</p><p><i><font> 17 – A decisão de que se recorre viola as normas constantes dos artigos 7.º n.º 2, 30.º do Código de Processo Civil e artigo 162.º do Código das Sociedades Comerciais; </font></i>
</p><p><i><font>18 – Deve ser revogada a Sentença ora em crise e ser ordenada a prossecução da acção executiva.</font></i>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>10.Contra-alegou o embargante, pugnando pela manutenção do decidido, tendo produzido os seguintes argumentos finais:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><i><font>“1 - Os Recorrentes/Exequentes vieram interpor recurso de apelação da Sentença proferida a 05/10/2018, que julgou procedente, e por provados, os embargos à execução, devido à ilegitimidade passiva do embargante/executado, julgando extinta a execução quanto ao mesmo.</font></i>
</p><p><i><font> </font></i>
</p><p><i><font>Dos 2 (dois) documentos juntos pelos Recorrentes com o seu Recurso:</font></i>
</p><p><i><font> </font></i>
</p><p><i><font>2 - Os Recorrentes juntam com o recurso interposto 2 (dois) documentos.</font></i>
</p><p><i><font>3 - Da articulação lógica entre os artigos 425º e 651º, nº 1, ambos do CPC, resulta que a junção de documentos em fase de recurso, sendo admitida a título excepcional, depende da alegação e da prova do interessado, in casu pelos Recorrentes/Exequentes, de uma de duas situações: a impossibilidade de apresentação dos documentos anteriormente ao recurso, e/ou ter o julgamento em primeira instância ter trazido uma novidade que torne necessária a consideração de prova documental adicional. </font></i>
</p><p><i><font>4 - Compulsado todo o Recurso apresentado pelos Recorrentes/Exequentes constata-se que os mesmos nem sequer alegam a impossibilidade de apresentação dos documentos em fase anterior ao Recurso.</font></i>
</p><p><i><font> 5 - Por outro lado, e quanto à segunda possibilidade aventada pelo nº 1 do artigo 651º do CPC, e pese embora os Recorrentes igualmente não tenham alegado nada no seu recurso quanto a este aspecto, parece-nos que nunca teria aplicação no presente processo.</font></i>
</p><p><i><font> 6 - Mesmo que assim não fosse, a Sentença objecto de recurso nunca constitui uma novidade decisória que tornasse necessária a junção posterior de documentos, dado que antes de ter sido proferida sentença o Tribunal “a quo” proferiu o Despacho com a referência nº 77680663, datado de 22/06/2018 (e constante dos Autos), tendo convidado as partes a pronunciarem-se sobre a intenção do Tribunal (por entender que já dispunha de todos os elementos necessários) a prolatar uma decisão final, não tendo os Exequentes nada respondido nem trazido qualquer outro elemento ao processo. </font></i>
</p><p><i><font>7 - Ademais, os Recorrentes sabiam, ou pelo menos não podem ignorar, que os documentos que juntam agora em sede de Recurso destinavam-se (eventualmente!) a provar factos que já antes da decisão final estavam sujeitos a prova… </font></i>
</p><p><i><font>8 - Face a tudo o exposto, deverá ser recusada a junção dos 2 (dois) documentos juntos pelos Recorrentes/exequentes com o seu recurso. </font></i>
</p><p><i><font> </font></i>
</p><p><i><font>Da alegada violação do disposto no nº 2 do artigo 7º do CPC:</font></i>
</p><p><i><font> </font></i>
</p><p><i><font>9 - Os Recorrentes/Exequentes defendem nas suas alegações que desconhecendo o Tribunal a data da dissolução da sociedade deveria ter instado as partes a fornecer tal informação, e até por se afigurar relevante para a composição do litigio, violando a decisão no seu entendimento designadamente o nº 2 do artigo 7º do CPC. </font></i>
</p><p><i><font>10 - Com efeito, e em primeiro lugar, a data da dissolução/encerramento da liquidação de uma sociedade apenas se prova e demonstra por prova documental, e não com a remissão para qualquer acórdão ou aresto (como alegam os Exequentes).</font></i>
</p><p><i><font>11 - Em segundo lugar, o dever de gestão processual, inquisitório e de cooperação que subjaz nomeadamente aos artigos 6º e 7º do CPC não pode servir para “remediar” a inércia da parte, a quem incumbe a alegação e prova dos factos (a que está inerente a junção/indicação dos respectivos meios probatórios) em que assenta a sua pretensão, só se justificando, em nosso entender, o recurso a estes preceitos quando a parte não tem facilidade em os obter ou os não pode obter, devendo esta justificar a dificuldade de ela própria obter o documento. </font></i>
</p><p><i><font>12 - A verdade é que os Exequentes, quer no requerimento executivo; quer na contestação dos embargos; quer na resposta ao convite formulado pelo Tribunal “ a quo” (através do Despacho com a referência nº 77680663, proferido a 22/06/2018) não junta a necessária prova documental para suporte dos factos que alega. </font></i>
</p><p><i><font>13 - Mesmo que assim não fosse (que é), a verdade é se olharmos para todo o texto da decisão recorrida a data da dissolução da sociedade e/ou encerrada a sua liquidação em nada inviabiliza a solução adoptada quanto à ilegitimidade do embargante/executado.</font></i>
</p><p><i><font> 14 -Deverá falecer, também aqui, a argumentação dos Exequentes/Recorrentes. </font></i>
</p><p><i><font> </font></i>
</p><p><i><font>Do facto que alegadamente se deveria ter dado como provado na Sentença:</font></i>
</p><p><i><font>15 - Preconizam os Recorrentes/Exequentes que se deveria ter dado como provado que “a sociedade DD, Lda. foi, pelo seu sócio único, dissolvida a 14 de Outubro de 2018”. </font></i>
</p><p><i><font>16 - Ora, sem prejuízo de outros considerandos, alguns até já tidos na presente peça, a verdade é que os Recorrentes, no seu Recurso, não impugnam a decisão proferida sobre a matéria de facto. </font></i>
</p><p><i><font>17 - Por outro lado, e mesmo que assim não fosse (que é!), igualmente os Recorrentes não especificam no seu recurso/alegações a obrigatoriedade que decorre do preceituado do artigo 640, nº1, do CPC, razão pela qual deverá improceder esta esparsa tentativa de descaracterização do real efeito pretendido com o recurso. </font></i>
</p><p><i><font> </font></i>
</p><p><i><font>Da ilegitimidade passiva do Embargante/Executado:</font></i>
</p><p><i><font>18 - Preconizam os Recorrentes no seu Recurso que o Executado agiu em nome próprio, tendo legitimidade para figurar nos presentes Autos do lado passivo, como os argumentos que nessa sede expendem. </font></i>
</p><p><i><font>19 - Em sentido contrário ao preconizado, e em primeiro lugar, dá-se nesta sede por integralmente reproduzida a factualidade dada como assente na decisão recorrida.</font></i>
</p><p><i><font> 20 - Tal como se dispõe no artigo 53º do CPC, no domínio da acção executiva são partes legítimas na execução quem no título executivo figure como credor e devedor da prestação, sob pena de, assim não sendo, ilegitimidade. </font></i>
</p><p><i><font>21 - Com efeito, dispõe o nº 2 do art.º 160º do CSC que “a sociedade considerase extinta, mesmo entre os sócios e sem prejuízo do disposto nos artigos 162.º a 164.º, pelo registo do encerramento da liquidação”. </font></i>
</p><p><i><font>22 - Todavia, é verdade e não se descora que as relações jurídicas de que a sociedade era titular não se extinguem, como resulta designadamente do preceituado do artigo 162º, nº 1, do CSC, que plasma que “As acções em que a sociedade seja parte continuam após a extinção desta, que se considera substituída pela generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários nos termos dos artigos 163º, nºs 2, 4 e 5, e 164º, nºs 2 e 5.” </font></i>
</p><p><i><font>23 - Sucede que, a extinção da sociedade deu-se na pendência da acção declarativa, sem que tivesse havido no seu decurso (antes ou depois da sentença e até à presente data) a substituição da mesma pelo seu sócio-gerente, representada necessariamente pelo liquidatário, sendo a sentença condenatória na dita acção declarativa apenas e tão só respeitante à sociedade “DD – Sociedade Unipessoal, Lda”. </font></i>
</p><p><i><font>24 - A acção executiva visa apenas a realização material coactiva da prestação (e não para a realização de qualquer direito), tendo a execução por base um Título pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva (cfr. nºs 4 e 5 do artigo 10º do CPC). </font></i>
</p><p><i><font>25 - Os Exequentes/Recorrentes não vieram na acção declarativa suscitar sob que forma fosse ou em qualquer momento a extinção da sociedade “DD – Sociedade Unipessoal Lda.; nem requereram a substituição da “DD” pelo seu sócio-gerente, em virtude da extinção da sociedade; nem intentaram qualquer acção declarativa prévia à instauração da execução sub iudice…! </font></i>
</p><p><i><font>26 - Os sócios não estão dispensados de honrar pessoalmente as obrigações da sociedade extinta, apenas estão obrigados a fazê-lo num quadro em que se verifiquem determinados pressupostos de facto (atento e nos limites do preceituado do artigo 163º, nº 1, do CSC, que rege que “Encerrada a liquidação e extinta a sociedade, os antigos sócios respondem pelo passivo social não satisfeito ou acautelado, até ao montante que receberam na partilha, sem prejuízo do disposto quanto aos sócios de responsabilidade ilimitada”), para o que é indispensável a sua responsabilização em sede declarativa. </font></i>
</p><p><i><font>27 - Não pode a execução prosseguir contra alguém que, não figurando no título executivo, também não viu ser feita alegação e prova, em procedimento declarativo, dos pressupostos da sua responsabilidade, processo que justamente visa a definição do direito e da obrigação, assim como dos respectivos titulares e obrigados. </font></i>
</p><p><i><font>28 - Mesmo que assim não se entendesse (o que não se concebe!), nomeadamente a aludida necessidade de uma acção declarativa ou responsabilização prévias, a verdade é que compulsados os presentes Autos constata-se que os Exequentes nos presentes Autos nem sequer alegam (nem demonstram) que a sociedade tinha bens e que esses bens foram partilhados pelo seu sócio único (atento o regime a que avulta do artigo 163º, nº 1, do CSC). </font></i>
</p><p><i><font>29 - Tratam-se de factos constitutivos do direito dos Autores à reparação por parte do antigo sócio da sociedade, e que portanto deve ser alegado e provado pelos primeiros (cfr. artigo 342º, nº 1, do CC). Neste sentido se pronunciou explicitamente o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26-06-2008, e, mais recentemente, o acórdão do mesmo tribunal de 07-02-2013 (Proc. n.º 9787/03.8TVLSB.L1.S1, disponível em </font></i><a><i><u><font>www.dgsi</font></u></i></a><i><font>.). </font></i>
</p><p><i><font>30 - Saliente-se, ainda, que o acórdão que os Recorrentes “buscam conforto” nas suas alegações, trata-se de um recurso penal interposto (para o venerando Tribunal da Relação de Coimbra) de uma decisão instrutória, que veio, aliás, decidir não pronunciar o arguido para julgamento. Não se trata, portanto, de qualquer acção declarativa objecto de apreciação em 2ª instância, mas de um aresto que aprecia os factos do ponto de vista da (eventual) responsabilidade penal, e que não poderá servir, por si só, para colocar em crise a sentença em análise. </font></i>
</p><p><i><font>31 - No demais, dá-se nesta sede por integralmente reproduzido, por se concordar, tudo o expendido no texto da decisão recorrida, a qual não merece censura e deverá manter-se na íntegra.</font></i>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>11.Tal como ocorrera já na 1.ª instância, também na 2.ª o Ministério Público teve intervenção, havendo concluído que a prova junta na fase de inquérito não seria de molde a fundamentar uma futura condenação do recorrente AA pela prática do crime de burla, previsto e punível pelo art. 217, n.º 1 e 218, n.º 2, al. a) do Código Penal, sendo de parecer que o recurso deve proceder.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>12.Centrando-se na questão da</font><b><font> </font></b><font>(i)legitimidade do executado (mas não só), a veneranda Relação de Coimbra</font><b><font> </font></b><font>considerou, em síntese, que</font><font>:</font>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><i><font>“I - Requerida a extinção de sociedade unipessoal, pelo seu único sócio gerente, com a menção de que ela não tem ativo ou passivo, e, assim, sem necessidade de liquidação, tal extinção opera na data do despacho de declaração de dissolução nos termos do artº 27º do RJPADLEC, aprovado pelo DL 76-A/2006 de 29.03.</font></i>
</p><p><i><font>II - Extinta a sociedade na pendência de acção em que ela é parte, a sua substituição pelo seu sócio opera ope legis, imediatamente, sem qualquer formalismo, vg. tendente à habilitação do sócio, e nem sequer se suspendendo a instância – artº 162º do CSC –; pelo que os atos em tal acção praticados por este já o vinculam pessoalmente.</font></i>
</p><p><i><font>III - Mesmo que assim não fosse, se o sócio intervém em tal acção, assumindo-se ainda como representante da sociedade já declarada extinta a seu pedido, age ao arrepio da boa fé e da conduta leal e escorreita, e, assim, em abuso de direito.”</font></i>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><font>13.Consequentemente, concedeu provimento ao recurso, revogou a sentença, declarou a legitimidade do executado e ordenou o prosseguimento da execução.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>13.Um voto de vencido parcial, quanto aos fundamentos, especificamente nas figuras do </font><i><font>venire</font></i><font> e do </font><i><font>tu quoque</font></i><font>, como modalidades de abuso do direito, não parece afetar a lógica global da decisão. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>14.Nas conclusões das suas alegações para este Supremo Tribunal de Justiça, que aqui se dão por integralmente reproduzidas, o executado insiste nas teses já anteriormente desenvolvidas, nomeadamente contraditando o ponto de facto aditado em sede da Relação (13 e ss.) e defendendo-se ainda da situação de abuso do direito (31 ss.).</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> 15.Na sua resposta, os Recorridos explicitaram a sua posição, propugnando pela manutenção de decisão da 2.ª instância. </font>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font>II</font></b>
</p><p><b><font>Dos Factos</font></b>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><font>Foram dados como provados os seguintes factos:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>1. Os exequentes BB e CC instauraram ação executiva para pagamento de quantia certa n.º 3182/18.1T8CBR, sob a égide de agente de execução, contra o executado AA, com vista à cobrança coerciva de um crédito no valor de € 67.343,42 euros - cfr. requerimento executivo, da execução principal.</font>
</p><p><font>2. No processo executivo de que os autos de Embargos constituem apenso, melhor referidos em 1., foi pelos exequentes dada à execução uma sentença judicial condenatória.</font>
</p><p><font>3. Nessa sentença, as partes BB e CC, como Autores, e “DD, Lda.”, enquanto Ré, estipularam, na 4ª. cláusula, que: “A Ré pagará tal valor no prazo de 60 (Sessenta) dias através de cheque a entregar ao ilustre mandatário dos Autores”.</font>
</p><p><font>4. No mesmo dia 8 de Maio de 2009, foi proferida sentença, em que se diz:</font>
</p><p><font>“Atenta a qualidade dos intervenientes e o carácter disponível do objecto da causa, julga-se válida e juridicamente relevante a transacção alcançada, a qual se homologa pela presente sentença, condenando-se as partes a cumpri-la nos seus precisos termos (cfr. artºs 293º, nº 2, 294º e 300º, nº 3 todos do Código de Processo Civil, e 1248º e seguintes do Cód. Civil)”.</font>
</p><p><font>5. Na parte do requerimento executivo, os exequentes alegaram que: “Assim, assumiu o executado a dívida para com os exequentes no valor de 50.000,00 €, valor da sua inteira responsabilidade e garantida pelo seu património pessoal, na medida em que o executado omitiu dolosamente que a sociedade de que era sócio único tinha, já, sido por si extinta, agindo assim com reserva mental, nos termos do artigo 244.º do Código Civil. Pelo que deve ser executada a dívida no valor de 50.000,00 €, acrescida de juros, e não o apenas o limite constante do artigo 163.º, n.º 1 do Código das Sociedades Comerciais.”</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>6.Nos termos do art. 662 n.º 1 do CPC, e considerando o acordo das partes e os documentos juntos aos autos, a Relação de Coimbra aditaria o seguinte facto:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>“A sociedade DD, Lda. foi, pelo seu único sócio, o ora embargante, dissolvida a 14 de Outubro de 2018, tendo por aquele sido declarado que a sociedade não tinha qualquer ativo ou passivo.”</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font>III</font></b>
</p><p><b><font>Fundamentação</font></b>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><font>1.O ora Recorrente explicita, no início do Recurso e ao longo das suas conclusões, os pontos a serem apreciados: </font>
</p><p><font>I.Da admissibilidade da junção de dois documentos pela Relação de Coimbra.</font>
</p><p><font>II.Do ponto de facto aditado no Acórdão recorrido.</font>
</p><p><font>III.Da legitimidade passiva, que devemos precisar como</font><i><font> </font></i><font>questão da legitimidade ou da ilegitimidade passiva. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>2. (I) Tendo-se junto aos autos documentos para provar a extinção da sociedade DD, Sociedade Unipessoal, Lda., a tal se produziu oposição, invocando-se as exigências do art. 651 do CPC. Estamos perante um caso de justificação de tal junção com verificação da hipótese do n.º 1 do referido artigo, 2.ª parte, ou </font><i><font>in fine</font></i><font>: “no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância.”.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>3.Tem-se presente a jurisprudência, conhecida do Venerando Tribunal da Relação, nomeadamente Ac. do STJ de 31.05.2005, dgsi.pt, p.05B1094 in dgsi.pt., RC de 12.01.2016, p. 439/13.1TBTND.C1., RC de 23.05.2017, p. 5934/15.5T8VIS-C.C1. E bem entende a Relação ao considerar a situação do caso concreto, nomeadamente não se enquistando num refúgio legal-doutrinal formalista. Com efeito, refere que o “próprio embargante admite que a sociedade foi extinta na pendência da acção declarativa que contra ela foi instaurada pelos exequentes/embargados – artº 8º do requerimento inicial.” Mais alega: «com respectiva inscrição (de extinção) no registo comercial a 14.10.2008, através da apresentação 1/20081014, </font><i><font>não sendo possível anexar com a presente a respectiva certidão do registo comercial por já inexistir «matrícula» - artº 9º.</font></i><font>(sic com exceção da parte entre parêntesis).</font>
</p><p><font>Tendo, inclusive, aduzido normativos atinentes a tal extinção – artºs 160º e 162º do CSC.</font>
</p><p><font>Depois, na contestação, os embargados outrossim referem tal extinção antes do acordo firmado na acção declarativa – artº 8º -, como citam jurisprudência na qual se menciona outrossim o dia 14.010.2008 como data da mesma – artºs 15º e 19º.”</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>4.Concluindo que </font><i><font>a data da dissolução da sociedade está provada, por acordo das partes.</font></i>
</p><p><font>Trata-se de um facto aceite pelas partes, não uma manobra dilatória ou desleal, nem de um passe de magia surpreendente para o embargante.</font>
</p><p><font>Num sentido de maior atenção às exigências de justiça material sobre a formal, em casos semelhantes (a encarar, obviamente, </font><i><font>mutatis mutandis</font></i><font>), se tem pronunciado a jurisprudência. A Relação cita, explicitamente, o Ac. da RL de 11.10.2012, p. 1515/09.0TBSCR.L1-2. E o Ac. da RC de 17.12.2014, p. 408/14.4TBVIS.C1.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>5.A admissão da junção dos documentos parece-nos ser a solução correta no plano da justiça material, e perfeitamente admitida pelo Direito e com ele consonante.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>6. (II) Considera o executado nas suas alegações (fls. 77) que o ponto de facto aditado o teria sido oficiosamente, com violação, nomeadamente, do art. 662, n.º 1 do CPC. Mas mesmo que não se considere que prevalecem as possibilidades do n.º 1 (e cremos procederem, como se verá), realmente poderia ter-se efetuado um aditamento oficioso. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>7.Mais adequada, com efeito, nos parece, a argumentação desenvolvida a este propósito pelos Recorridos agora, que consideram o aditamento do ponto de facto não foi de fonte oficiosa, mas tão somente uma decorrência lógica da alegação de recurso relativa à legitimidade do Executado. E ainda – o que é importante – resultado da impugnação à matéria de facto por parte deles mesmos, Recorridos agora (fls. 86). Relembram ainda estes que na sua conclusão 5.</font><sup><font>.ª </font></sup><font>alegaram (como realmente consta de fls. 34 verso) que deveria ter sido dado como provado que a sociedade DD, Lda. foi dissolvida pelo seu sócio único a 14 de outubro de 2008 (</font><i><font>ibidem</font></i><font>). </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>8.Deve notar-se que, durante a pendência da ação declarativa em que figurava como ré a sociedade de que o ora Executado era o único sócio e gerente, este diligenciou pela formalização da sua extinção.</font>
</p><p><font>E neste processo o executado declarou que a sociedade </font><i><font>não tinha ativo nem passivo.</font></i>
</p><p><i><font> </font></i>
</p><p><font>9.Por isso, desnecessário se tornou qualquer processo tendente à sua liquidação, não tendo, no caso, aplicação o disposto no art. 160, n.º 2 do CSC: 2 - A sociedade considera-se extinta, mesmo entre os sócios e sem prejuízo do disposto nos artigos 162 a 164, pelo registo do encerramento da liquidação.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>10.Nesta situação, crendo na declaração do seu único sócio, a sociedade deveria ser considerada extinta nos termos art. 27 do Regime Jurídico dos Procedimentos Administrativos de Dissolução e Liquidação de Entidades Comerciais, RJPADLEC, aprovado pelo DL 76-A/2006 de 29 de Março. O que ocorreu.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>11.E nessas circunstâncias, passa a aplicar-se o art. 162 do CSC, continuando a ação após a extinção da sociedade, nos seguintes termos:</font>
</p><p><font>“Artigo 162.º</font>
</p><p><font>(Acções pendentes)</font>
</p><p><font>1 - As acções em que a sociedade seja parte continuam após a extinção desta, que se considera substituída pela generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários, nos termos dos artigos 163.º, n.os 2, 4 e 5, e 164.º, n.os 2 e 5. </font>
</p><p><font>2 - A instância não se suspende nem é necessária habilitação.”</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>12 (III).É uma substituição processual com o</font><i><font> único pressuposto, a extinção da sociedade e opera </font></i><font>ope legis</font><i><font>, imediatamente e sem qualquer formalismo, não se suspendendo sequer a instância.</font></i>
</p><p><font>A substituição processual é uma forma extraordinária de atribuição de legitimidade, normalmente decorrente da lei.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>13.E, verificada ela, parte na ação – e </font><i><font>versus</font></i><font> o ocorrido na representação – é o substituto e não o substituído - Cfr. Ac. da RC de 17.01.2012, p. 9814/03.9TVLSB.L1-7 </font>
</p><p><font>Como afirma o venerando Tribunal da Relação de Coimbra:</font>
</p><p><font>“(...) quando o executado compareceu no processo, cerca de sete meses depois da extinção da sociedade, e firmou o acordo com os ali autores e aqui exequentes, </font><i><font>ele sabia</font></i><font>, ou era-lhe exigível que soubesse, que </font><i><font>não estava, nem podia estar</font></i><font>, a atuar </font><i><font>como representante da sociedade que tinha extinguido</font></i><font>, </font><i><font>mas antes e apenas em seu nome pessoal.</font></i>
</p><p><font>Nesta conformidade, o acordo vinculou-o a ele e não à sociedade.”</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>14.Do mesmo modo que classicamente se dizia que as coisas clamavam por dono (</font><i><font>ubicumque sit res, pro domino suo clamat</font></i><font>), também, </font><i><font>mutatis mutandis</font></i><font>, se poderá dizer que as obrigações assumidas não podem decair sem quem as assuma, ainda que tal suportado fosse pelo jogo formal da normatividade positiva. E por isso o instituto do abuso do direito, subsidiariamente invocado, se nos afigura pertinente, embora, no caso, desnecessário apreciar, por já bastarem os pontos precedentes. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>15.Cremos que não seria sequer necessário invocá-lo, pela malha argumentativa supramencionada, toda baseada nos normativos e na jurisprudência invocada. E cremos também que não é necessária uma muito complexa argumentação a este propósito, nem a verificação de todas ou muitas das modalidades de abuso do direito.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>16.Consideram-se assim fundamentados, os pontos essenciais da conclusão da resposta ao recurso interposto.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>IV</font>
</p><p><b><font>Dispositivo</font></b>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Consequentemente, confirma-se o Acórdão da Relação de Coimbra, declara-se a legitimidade do executado e determina-se o prosseguimento da execução.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Custas pelo executado.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Lisboa, 17 de dezembro de 2019</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><i><font>Paulo Ferreira da Cunha - Relator</font></i>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><i><font>Maria Clara Sottomayor</font></i>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><i><font>Alexandre Reis</font></i>
</p><p><font> </font>
</p></font><p><font><font> </font></font></p> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
TjJ2u4YBgYBz1XKvNwz3 | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<b><font> </font></b><div><br>
<font>I</font>
<p><b><font>Relatório</font></b></p></div><br>
<b><font> </font></b>
<p><font>1.</font><b><font>AA, Sgps, S.A.,</font></b><font> intentou ação ordinária contra </font><b><font>BB, Lda.,</font></b><font> com fundamento em crédito emergente de contrato entre ambas celebrado, tendo por objeto a cessão das quotas da sociedade CC, Lda., o qual foi precedido de contrato-promessa, onde se estipularam os termos e condições do negócio. Pretende a A. a condenação da R. a pagar-lhe a quantia de € 151.513, 50, acrescida de juros vincendos desde a citação da R. até ao integral pagamento.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>2.Devidamente citada para o efeito, veio a R. apresentar a sua contestação, invocando não ser devedora, mas, pelo contrário, credora perante a A., concluindo pela improcedência da ação. Deduzindo pedido reconvencional, peticionou a condenação da A./Reconvinda a pagar-lhe a quantia global de € 427.107,20, acrescida dos respetivos juros, à taxa legal, até integral pagamento.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>3. A A. replicou, mantendo tudo o por si alegado na petição inicial e repudiando ser devedora de qualquer quantia à R. Concluiu pela improcedência da reconvenção e pediu a condenação da R. como litigante de má-fé.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>4. A R. veio responder, pugnando pela improcedência do pedido, relativamente à sua condenação como litigante de má-fé.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>5. Oportunamente foi realizada a audiência de julgamento, com observância das formalidades legais, tendo sido proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente, por parcialmente provada, condenando a R. a pagar à A. a quantia de € 14.837,54, acrescida de juros à taxa supletiva legal, desde a citação até integral pagamento, absolvendo a R. do demais contra si peticionado. Mais julgou a reconvenção improcedente, absolvendo a A. do pedido reconvencional. Por último, julgou ainda improcedente o pedido de condenação da R. por litigância de má-fé.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>6. Desta sentença, inconformada, recorreu a A. para o Tribunal da Relação, pedindo a condenação da Apelada a pagar à Apelante, para além dos € 14 837, 54, a que foi condenada, mais € 133 734, 09.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>7. A R. apresentou recurso subordinado, nos termos do disposto no art. 633 n.ºs 1 e 2 do CPC., no qual peticionou a revogação da sentença e a substituição da mesma por outra que determinasse absolver a Ré/Reconvinte da totalidade do pedido formulado pela Autora e condenar a Autora / Reconvinda na totalidade do pedido reconvencional formulado pela Ré</font><i><font>. </font></i>
</p><p><i><font> </font></i>
</p><p><font>8. O Tribunal da Relação decidiu, contudo, não admitir o recurso, por intempestividade, concluindo que, no caso em apreço, o prazo para a interposição de recurso e apresentação das respetivas alegações por parte da A. e ora Apelante é de 30 dias, nos termos do disposto no n.º 1 do art. 638 do C.P.C., não podendo ela beneficiar do acréscimo de 10 dias a que alude o n.º 7 do citado art. 638. Considerou-se, em consequência, prejudicada a apreciação das questões suscitadas pela A. no recurso, delas não podendo tomar conhecimento a Relação. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>9. Face ao não conhecimento do recurso interposto pela A., e tendo em conta o estatuído no n.º 3 do art. 633 do CPC, caducaria ainda o recurso subordinado que a R. interpôs e, consequentemente, não conheceu a Relação do seu objeto.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>10.Tendo sido proferida a seguinte Decisão: </font>
</p><p><i><font>“Nestes termos, acordam os Juízes desta Relação em julgar não admissível o recurso interposto pela A., ora apelante, por ser o mesmo extemporâneo (atento o disposto no art.638° n° 1 do C.P.C.) e, por via disso, não se conhece do objecto de tal recurso (cfr. art.652° nº l alínea h) do C.P.C.), declarando-se também caducado o recurso subordinado interposto pela R. (cfr. art.633º nº3 do C.P.C.), atentas as razões e fundamentos supra referidos, determinando-se, em consequência, a devolução dos presentes autos à l.ª instância.”</font></i>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><font>11.Inconformada, a A. interpôs recurso para este STJ. Na Conclusão das suas Alegações, refere: </font>
</p><p><i><font>“O presente recurso tem por objecto a reapreciação da prova gravada e que nos termos do disposto no art. 638, n.º 7, do C.P.C., ao prazo de recurso acrescem 10 dias quando o mesmo tem por objecto a reapreciação da prova gravada” (início da p.4 das Alegações).</font></i>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>12.Também a Digníssima Magistrada do Ministério Público junto daquele Tribunal, viria, na linha da orientação que tem sido seguida pelo Ministério Público naquela veneranda Relação, e nos termos conjugados do disposto nos art.ºs 3, n.º 1, al. f) da Lei n.º 47/86, de 15 de Outubro (Estatuto do Ministério Público), e 671 n.º 2, al. b), 675 e 676, todos do CPC, interpor recurso de Revista, subindo imediatamente e em separado, com efeito meramente devolutivo, do Acórdão proferido nos autos, em 11-04-2019, o qual não conheceu do objeto do recurso interposto pela A., de decisão final proferida em sede de Tribunal de 1.ª Instância, invocando a extemporaneidade do recurso.</font>
</p><p><font>13. Na Alegação de recurso, que aqui se dá por integralmente reproduzida, o Ministério Público formulou as seguintes conclusões principais:</font>
</p><p><i><font>“Assim, salvo melhor opinião, entende-se que, de acordo com o Acórdão-fundamento, porque, apesar das eventuais imperfeições e irregularidades do recurso, foi efectivamente feita pela recorrente uma Impugnação da Matéria de Facto, deveria ter sido entendida como justificada a aplicação para além do prazo de 30 dias, do acréscimo de 10 dias a que alude o nº 7 do artº 638º do CPC, pelo que, o recurso da A. tem de ser considerado atempadamente interposto e, assim, recebido, bem como, em consequência, o recurso subordinado, interposto pela R..” </font></i>
</p><p><font>14.O Ministério Público, que igualmente cita vária jurisprudência em abono da sua tese, termina as suas Conclusões peticionando que o Acórdão recorrido seja revogado e substituído por outro, com as devidas consequências.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><u><font>Cumpre apreciar e decidir.</font></u>
</p><p><font> </font></p><div><br>
<b><font>II</font></b>
<p><b><font>Fundamentação</font></b>
</p><p><b><font> </font></b></p></div><br>
<font>1.A decisão ora em apreço não conheceu do objeto do recurso interposto pela A., de decisão final proferida em sede de Tribunal de 1.ª Instância, invocando a extemporaneidade – art. 641 n.º 2 al. a) do CPC. – porque a A./Recorrente “não deu cumprimento, de todo, ao ónus que lhe era imposto expressamente pelas alíneas a) e c) do nº 1 do artº 640º do CPC”, devendo a A. “reiterar, nas referidas conclusões, quais eram afinal, os concretos pontos de facto incorrectamente julgados (por referência expressa e clara aos artigos constantes dos articulados) e quais as respostas a dar aos mesmos, o que, indubitavelmente, não veio a fazer”, pelo que, o prazo de interposição do recurso seria apenas de 30 dias, nos termos do disposto no n.º 1 do art. 638 do CPC, não podendo beneficiar do acréscimo de 10 dias a que alude o nº 7 do art. 638, daquela diploma legal.</font>
<p><font>2.Porém, independentemente de quaisquer outras indagações, avulta a questão da preclusão (ou não) do direito a interpor recurso no prazo suplementar de 10 dias (previsto no n.º 7 do art. 638). Essa a questão preliminar (e única a apreciar neste momento), face à qual as demais ficam na penumbra.</font>
</p><p><font>3.Ora, saber se o prazo suplementar de 10 dias conferido pelo art. 638, n.º 7 é suscetível de se aplicar, apenas depende do objeto da Apelação (delimitado pelas respetivas conclusões). E, em concreto, se ele versa sobre a reapreciação da prova gravada. Ainda que tal determinação do objeto possa não ser modelarmente recortada.</font>
</p><p><font>4.Apenas resolvida esta primeira questão e sendo admissível (tempestiva) a apelação, a Relação poderia enfrentar o segundo e diverso problema de saber se a apelante cumprira os ónus que a si incumbem por força do art. 640. Questão de que não curaremos agora.</font>
</p><p><font>5.Não se nos colocaram dúvidas de que, ainda que eventualmente de forma não perfeita (como é reconhecido, aliás), houve o preenchimento do requisito de recurso da matéria de facto gravada.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>6.Considera-se assim que o recorrente deve beneficiar do acréscimo de 10 dias fixado no artigo 638.º, n.º 7, do CPC aos recursos que impugnam a matéria de facto. Tal funda-se, desde logo, na aproximação entre uma hermenêutica, mesmo literal, desse normativo e da análise da matéria alegada.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>7.Apoia-se ainda tal consideração em jurisprudência deste STJ. Por exemplo, o Ac. do STJ de 28-04-2016 – Proc.º nº 1006/12.2TBPRD.P1.S1, havendo como Relator o Conselheiro Abrantes Geraldes, refere, </font><i><font>inter alia</font></i><font>, muito claramente:</font>
</p><p><i><font>“A extensão do prazo de 10 dias previsto no art. 638º, nº 7, do CPC, para apresentação do recurso de apelação quando tenha por objecto a reapreciação de prova gravada depende unicamente da apresentação de alegações em que a impugnação da decisão da matéria de facto seja sustentada, no todo ou em parte, em prova gravada, não ficando dependente da apreciação do modo como foi exercido o ónus de alegação.</font></i>
</p><p><i><font>4. Tendo o recorrente demonstrado a vontade de impugnar a decisão da matéria de facto com base na reapreciação de prova gravada, a verificação da tempestividade do recurso de apelação não é prejudicada ainda que houvesse motivos para rejeitar a impugnação da decisão da matéria de facto com fundamento na insatisfação de algum dos ónus previstos no art. 640º, nº 1, do CPC.”</font></i>
</p><p><i><font> </font></i>
</p><p><font>8.Do mesmo modo, atente-se no Ac. do STJ de 06-06-2018 – Proc.º nº 4691/16.2T8LSB.L1.S1, tendo sido Relator o Conselheiro Ferreira Pinto:</font>
</p><p><i><font>“… Apesar de não haver lugar à reapreciação da prova gravada, por não fazer parte do objeto da apelação, continua a justificar-se o alongamento do prazo, por mais 10 dias, para a interposição da apelação, se na alegação o recorrente tiver impugnado a decisão proferida sobre a matéria de facto, nomeadamente, indicando e transcrevendo os trechos dos depoimentos gravados que, no seu entender, impõem a alteração da matéria de facto.” </font></i>
</p><p><font> 9.Na mesma linha, o Acórdão do STJ, de 22-10-15 – Proc.º n.º 2394/11.3TBVCT.G1.S1, tendo sido Relator o Conselheiro Lopes do Rego, inicia o respetivo sumário desta forma:</font>
</p><p><i><font>“Contendo a alegação apresentada pelo recorrente uma impugnação séria, delimitada e minimamente consistente da decisão proferida acerca da matéria de facto, deve ter-se por processualmente adquirido, em termos definitivos, que se verificou a prorrogação do prazo para recorrer por 10 dias, independentemente do preciso juízo que ulteriormente se faça acerca do cumprimento do ónus de exacta indicação das passagens da gravação – que naturalmente poderá condicionar o conhecimento de tal impugnação, sem, todavia, pôr em causa a tempestividade do recurso de apelação.”</font></i>
</p><p><b><font> </font></b></p><div><br>
<b><font>III</font></b>
<p><b><font>Decisão</font></b></p></div><br>
<b><font> </font></b><br>
<font>Nesta conformidade, julga-se procedente a revista.</font><br>
<font> O Acórdão recorrido deve ser revogado e substituído por outro, que considere o recurso da A. atempadamente interposto, o mesmo passando a ocorrer, em consequência, com o recurso subordinado.</font><br>
<font> </font><br>
<font>Custas da revista a cargo da parte vencida a final.</font>
<p><font>Notifique-se.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Lisboa, 24 de outubro de 2019 </font>
</p><p><font> </font></p><div><br>
<i><font>Paulo Ferreira da Cunha </font></i><font>(Relator)</font>
<p><i><font> </font></i>
</p><p><i><font>Maria Clara Sottomayor</font></i>
</p><p><i><font> </font></i>
</p><p><i><font>Alexandre Reis</font></i></p></div><br>
</font><p><font><font>(Ac. redigido de acordo com o Acordo ortográfico vigente, respeitando, nas citações, o uso de outras variantes pelos respetivos autores)</font></font></p> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
ODJ2u4YBgYBz1XKvFQwZ | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<b><font> </font></b><div><b><font> ACÓRDÃO</font></b></div><font> </font>
<p><font> </font><br>
<font> </font><br>
<font>Acordam na 1ª. Secção do Supremo Tribunal de Justiça:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font><br>
<b><font>I. Relatório</font></b>
</p><p><b><font>1.</font></b><font> </font><b><font>AA, </font></b><font>notificado para pagar o remanescente da taxa de</font><b><font> </font></b><font>justiça no valor de</font><b><font> €</font></b><font>31 293,60, nos termos do n°. 9 do artigo 14°. do RCP, artigo 15º., n.°.2, do Regulamento das Custas Processuais (RCP), veio pedir a reforma ou reclamação da conta de custas elaborada nos autos, ao abrigo do disposto no artigo 31º., nº. 3, alínea a), do mesmo Regulamento, requerendo a final:</font>
</p><p><font>"a) deve ser desaplicada a norma constante do artº. 6º., nº. 7, 1ª. parte, do RCP, em conjugação com a tabela I-A que faz parte integrante do mesmo Regulamento, incluindo o seu segmento final, por se revelar inconstitucional a desconsideração de um limite máximo do valor relevante da acção para efeitos de cálculo das custas;</font><br>
<font>b) deve ser ordenada a reformulação da conta de custas, mediante a aplicação do limite de €275.000,00 como valor tributário máximo relevante para efeitos de taxa de justiça, nos termos do artº. 6º., nº. 7, 2ª. parte, do RCP, atendendo às especificidades da causa, à simplicidade das questões decididas e à sua conduta processual;</font>
</p><p><font>c) deve ser declarado que o réu apenas deve a título de taxa de justiça o valor previsto no ultimo escalão da tabela I-A na versão do RCP vigente à data desse pagamento, que se considera válido e eficaz, à luz do disposto no artº. 8º., nº. 2, da Lei nº.7/2012, de 13.02.</font>
</p><p><b><font>2. </font></b><font>BB, notificada para “efectuar o pagamento do remanescente da taxa de justiça, no montante de 62 587,20</font><b><font>€</font></b><font>, nos termos do art°. 14º. n°.9 do RCP”, apresentou reclamação da conta, invocando a extemporaneidade da notificação e a inconstitucionalidade da primeira parte do número 7 do artigo 6º. do Regulamento das Custas Processuais, requerendo a final que fosse eximida de qualquer pagamento e que se desse sem efeito a notificação que lhe tinha sido feita para pagar o remanescente da taxa de justiça.</font>
</p><p><b><font>3. Sobre ambos os requerimentos incidiu o seguinte despacho:</font></b>
</p><p><font>"Requerimento da ré BB de fls.2142/2146; requerimento do réu AA de fls. 2148/2153 e requerimento da ré CC, Ltd. de fls. 2155/2160;</font><br>
<font>Requerimentos dos autores DD e EE de fls. 2163/2165:</font>
</p><p><font>Pela sentença proferida em 1ª. instância, em foram julgados:</font><br>
<font>a) integralmente improcedentes os pedidos formulados pelos autores DD e EE contra os réus AA, BB e CC e absolvidos estes desses pedidos; parcialmente procedente o pedido formulado pelos autores DD e EE contra a ré FF, LDA e, nessa medida, condenar a mesma ré a pagar-lhes a quantia de Euros 1.945.312,21 (um milhão novecentos e quarenta e cinco mil trezentos e doze euros e vinte e um cêntimos) de capital e a A quantia de Euros 379.895,49 (trezentos e setenta e nove mil oitocentos e noventa e cinco euros e quarente e nove cêntimos) de juros de mora vencidos sobre o referido capital desde a data da citação da ré para a acção até à presente data. Assim como na quantia correspondente aos juros de mora vincendos, desde esta data, sobre o mesmo capital, calculados à taxa supletiva legal de juros civis, até integral pagamento.</font><br>
<font>III. Julgar improcedentes as imputações de litigância de má-fé dirigidas contra os autores DD e EE e contra os réus FF, LDA e AA, absolvendo-os dos pedidos indemnizatório formulados a esse título.</font><br>
<font> </font><br>
<font>Na 2ª. instância, foi julgado parcialmente procedente o recurso dos autores e, em consequência, foi a ré BB condenada solidariamente com a ré FF, Lda. no pagamento da quantia de €1.945.312,21 de capital, acrescida da quantia de €379.895,49 de juros de mora, vencidos e vincendos, nos termos referidos na sentença da 1ª. instância, bem como a ré CC, limitado ao valor contratual.</font><br>
<font>Julgar improcedente o recurso interposto pela ré FF.</font><br>
<font> </font><br>
<font>Finalmente o Acórdão do STJ julgou procedente o recurso, revogando o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, absolveu a ré BB e a ré CC dos pedidos contra elas deduzidos.</font><br>
<font> </font><br>
<font>Apreciando. Em requerimentos apresentados pelos réus AA, BB e CC, de teor sensivelmente idêntico e que intitularam de reclamação da conta, apontando a ausência de notificação em tempo próprio da notificação prevista no art.°14º./9º. do RCP, omissão essa em que se estribam para só agora se insurgirem quanto ao pagamento do remanescente da taxa de justiça incluído na conta final e, dessa forma, verem-se desresponsabilizados do pagamento dessa quantia.</font><br>
<font>Apreciando diremos não assistir inteira razão aos requerentes pela seguinte ordem de razões:</font><br>
<font>Em primeiro lugar, conforme defende Salvador da Costa</font><sup><font>1</font></sup><font> "(...) a competência funcional do Juiz de 1ª. instância para apreciação do requerido ao abrigo do disposto no artº. 6º./7 do RCP, circunscreve-se à acção, não abrangendo o recurso (...)".</font><br>
<font>Referindo o mesmo autor em comentário de 21.11.2017 ao Acórdão do STJ de 03.10.2017, </font><sup><font>2 </font></sup><font>em que defende que "(...) se as partes pretenderem a dispensa de pagamento da taxa de justiça remanescente devem requerê-la logo após o encerramento da audiência de julgamento na 1ª. instância, ou após a distribuição do recurso em que funcionou o disposto na parte final da Tabela I, anexa ao RCP, conforme os casos, mas nunca depois da prolação da sentença na 1ª. instância ou da elaboração do projecto do acórdão pelo relator em sede de recurso nos tribunais superiores.(...)".</font><br>
<font>Em segundo lugar, ainda que se entendesse do modo propugnado pelos reclamantes, sempre seria de indeferir a reclamação da conta, porquanto não é este o meio idóneo a suscitar a questão da verificação dos pressupostos em vista da dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.</font><br>
<font>Por outro lado, a omissão da notificação de pagamento do remanescente da taxa no prazo previsto no artº. 14º. nº. 9 do RCP, nenhuma consequência acarreta, conforme se decidiu em Acórdão da Relação de Guimarães de 13/03/2014 acessível em </font><font>www. dgsi.pt</font><font> onde se concluiu que, "O disposto no art°. 25º. do Regulamento das Custas Processuais para a apresentação da nota discriminativa das custas de parte, não impede apresentação de nota referente ao remanescente da taxa de justiça em momento posterior, se a secretaria não efectuou a notificação a que alude o art° 14° n° 9, no prazo aí previsto e só o fez aquando da elaboração da conta final."</font><br>
<font>Mas ainda que assim não se entendesse, sempre seria de concluir pela inverificação dos pressupostos subjacentes à faculdade de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, quando é certo discutirem-se interesses na ordem de €2.809.045,12, em acção que suscitou a intervenção de três níveis de jurisdição composta por 10 volumes, cuja instrução foi morosa, desenrolando-se a audiência ao longo de sete sessões.</font><br>
<font>Em face do exposto, não cabe a este tribunal de 1ª. instância a apreciação dos referidos pressupostos que, aliás, nem foram suscitadas no momento e sede própria, indeferindo-se consequentemente o incidente deduzido".</font>
</p><p><b><font>4. </font></b><font>Não se conformando com a decisão, os Réus AA e BB interpuseram recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa.</font>
</p><p><b><font>5.</font></b><font> O Tribunal da Relação de Lisboa veio a julgar a apelação improcedente.</font>
</p><p><b><font>6. </font></b><font>Inconformados com tal decisão, os Réus AA e BB vieram interpor o presente recurso de revista, formulando as seguintes (transcritas) conclusões:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>- Réu AA –</font>
</p><p><font>1ª. Sobre a mesma questão de direito foi proferido Acórdão na 6ª Secção, processo 7973/08.3TCLRS-A.L1.6, de 14.01.2016, que decidiu em sentido diverso, não vedando "após a elaboração da conta de custas, o despoletamento do mecanismo de adequação jurisdicional da taxa de justiça remanescente previsto no n.º7 do art. 6.º do Regulamento das Custas Processuais num quadro em que só após tal conta os Demandantes não condenados no pagamento das custas são confrontados, pela primeira vez, com a necessidade de procederem à entrega de tal remanescente que, por lapso do mesmo Tribunal, não puderam incluir na sua nota justificativa e discriminativa das custas de parte"; </font>
</p><p><font>2ª. Trata-se, como o subordina o nº 2 do artigo 629º do Código Processo Civil, de um outro Acórdão da Relação, que está em contradição com o que se recorre, no domínio da mesma legislação e não cabe recurso ordinário; </font>
</p><p><font>3ª. O acórdão recorrido não acatou jurisprudência de acórdão de uniformização, parte final do nº 2 do preceito supra. </font>
</p><p><font>4ª. Sendo por isso, admissível o presente recurso quanto à questão "de saber o pedido de dispensa do remanescente da taxa de justiça, nos termos do artigo 7º nº. 6 do Regulamento das Custas Processuais, pode ser apresentado sob a forma de reclamação da conta, após a notificação a que alude o nº 7 do mesmo preceito e se esta notificação não esgota o poder jurisdicional relativamente à dispensa do remanescente sob pena de inconstitucionalidade da interpretação contrária".</font>
</p><p><font>5ª. O nº. 7 do artigo 7º. do Regulamento das Custas Judiciais e nº 1 do artigo 7º da Portaria 419-A/2009, de 17 de Abril, determinam que o "remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final ( ... )" e "Findo o processo e registados todos os movimentos contabilísticos, é elaborada a conta ( ... )", ou seja, o pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça pode ser apresentado após a notificação às partes da conta de custas, dentro do prazo disponível para a reclamação da dita conta e inexiste disposição que imponha tal pedido contemporâneo ao momento da prolação das decisões nos tribunais superiores. </font>
</p><p><font>6ª. A questão da dispensa do remanescente não se pode considerar abrangida pelo caso julgado da sentença ou acórdão finais, uma vez que estes últimos se limitam a fixar definitivamente a repartição da responsabilidade pelas custas, mas não o montante das mesmas. </font>
</p><p><font>7ª. O meio utilizado "reclamação ou reforma da conta de custas" é o adequado e deve ser apreciado só a final, uma vez terminada a lide, esgotada a tramitação necessária para a decisão das questões colocadas pelas partes nos articulados e nas alegações de recurso será possível aferir da verificação do circunstancialismo do nº. 7 do artigo 6º. do Regulamento das Custas Processuais". </font>
</p><p><font>8ª. O mecanismo da dispensa do remanescente visa salvaguardar a relação de proporcionalidade que deve sempre existir entre o valor da taxa de justiça cobrada às partes e a atividade jurisdicional efetivamente desenvolvida pelo tribunal ao longo de todo o processo, relação que é radicalmente negada quando o Recorrente se vê confrontado com um encargo de custas processuais de €31 293,60, numa acção declarativa de reduzida complexidade.</font>
</p><p><font>9ª. Só depois de elaborada a conta final do processo é que o tribunal e as próprias partes ficam a conhecer o valor exato da taxa de justiça que seria devida e se encontram em condições para apreciar devidamente se o valor da taxa de justiça é ou não é excessivo e desadequado face ao circunstancialismo do processo.</font>
</p><p><font>10ª. Conforme resulta do artigo 6º, n° 7, do Regulamento das Custas Processuais, o tribunal tem o poder-dever de dispensar oficiosamente o remanescente da taxa de justiça, quando a "especificidade da situação o justificar", pelo que não se compreende porque não o poderia fazer, após a notificação da conta de custas - momento em que a desproporcionalidade das custas em face da actividade processual concreta se torna finalmente patente e manifesta.</font>
</p><p><font>11ª. O poder jurisdicional do Tribunal em matéria de custas não se esgota com a notificação da conta de custas, como aliás, se comprova pelo facto de o Tribunal poder apreciar pedidos de reforma e de reclamação da dita conta. </font>
</p><p><font>12ª. À luz da referida finalidade do artigo 6°, n° 7, do Regulamento das Custas Processuais de evitar desproporções excessivas entre as custas processuais e o serviço de justiça prestado, seria até inconstitucional - por violadora do princípio da proporcionalidade e do direito de acesso à justiça (artigos 2.°,13.°,18.°, nº. 2, e 20º. da Constituição da República Portuguesa) - a interpretação do referido artigo 6.°, nº. 7, segundo a qual o tribunal não tem o dever e nem sequer pode apreciar a desproporcionalidade entre o valor global da taxa de justiça e a actividade jurisdicional efectivamente desenvolvida no processo, sempre que a questão for suscitada após a notificação da conta de custas.</font>
</p><p><font>13ª. Por conseguinte, o tribunal a quo interpretou e aplicou erradamente e inconstitucionalmente as disposições dos artigos 6.°, nº. 7, parte final, e 31.°, nº.s 1 a 3, ambos do Regulamento das Custas Processuais, ao considerar extemporâneo o pedido de dispensa do remanescente da taxa de justiça formulado pelo ora Recorrente em sede de reclamação da conta de custas. </font>
</p><p><font>14ª. O remanescente da taxa de justiça reclamada as partes (€156 467,60), é manifestamente excessiva e desproporcionada para um processo em que a questão a apreciar pelo Tribunal se circunscreveu ao apuramento de ter sido ou não pago o preço devido com a transacção do imóvel. </font>
</p><p><font>15ª. A luz dos critérios do artigo 530º nº 7 do Código Processo Civil e do nº 7 do artigo 6º do RCP estamos perante um processo típico ponderado pelo legislador, sem censura da conduta das partes que não justifica o pagamento do remanescente da taxa e justiça. </font>
</p><p><font>16ª. Estão, pois, verificados os fundamentos de que depende a dispensa do remanescente da taxa de justiça, no valor de €31 293,60 imputados ao Recorrente, ao abrigo do disposto no nº. 7 do artigo 6.° do Regulamento das Custas Processuais, devendo ser dispensado o respetivo pagamento, sob pena de se violar o princípio da proporcionalidade e o direito de acesso à justiça atenta a desproporcionalidade entre a taxa de justiça global e a actividade jurisdicional desenvolvida pelas partes (artigos 2.°, 13.°, 18.º, n.º 2, 2ª parte e 266º nº 2 da Constituição da República Portuguesa) </font>
</p><p><font>17ª. No Tribunal Constitucional (ACÓRDÃO Nº 615/2018 Processo n.º 1200/17, 1.ª Secção, Relator: Conselheira Maria de Fátima Mata Mouros) - relativamente a situação semelhante à do recorrente que ficou absolvido de todos os pedidos – a inconstitucionalidade do nº 9 do artigo 14º do RCP no segmento que exige "o pagamento do remanescente da taxa de justiça ao réu que, por ser absolvido do pedido, venceu totalmente a ação civil e, por conseguinte, não é condenado em custas, obrigando-o a obter o montante que pagou em sede de custas de parte, revela-se, pois, uma solução inconstitucional porque comprime excessivamente o direito fundamental de acesso à justiça, previsto no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição, impondo um ónus injustificado face ao interesse público em presença em violação do princípio da proporcionalidade decorrente do artigo 18.º, n.º 2º, da Constituição; </font>
</p><p><font>18ª. Inconstitucionalidade que, por ser do conhecimento oficioso, deve ser respeitada nestes autos e o recorrente absolvido do pagamento do remanescente da taxa de justiça </font>
</p><p><font>E conclui pela procedência do recurso. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>- Ré BB –</font>
</p><p><font>1ª. Sobre a mesma questão de direito foi proferido Acórdão na 6ª Secção, processo 7973/08.3TCLRS-A.L1.6, de 14.01.2016, que decidiu em sentido diverso, não vedando "após a elaboração da conta de custas, o despoletamento do mecanismo de adequação jurisdicional da taxa de justiça remanescente previsto no n.º7 do art. 6.º do Regulamento das Custas Processuais num quadro em que só após tal conta os Demandantes não condenados no pagamento das custas são confrontados, pela primeira vez, com a necessidade de procederem à entrega de tal remanescente que, por lapso do mesmo Tribunal, não puderam incluir na sua nota justificativa e discriminativa das custas de parte"; </font>
</p><p><font>2ª. Trata-se, como o subordina o nº 2 do artigo 629º do Código Processo Civil, de um outro Acórdão da Relação, que está em contradição com o que se recorre, no domínio da mesma legislação e não cabe recurso ordinário; </font>
</p><p><font>3ª. O acórdão recorrido não acatou jurisprudência de acórdão de uniformização, parte final do nº 2 do preceito supra. </font>
</p><p><font>4ª. Sendo por isso, admissível o presente recurso quanto à questão "de saber o pedido de dispensa do remanescente da taxa de justiça, nos termos do artigo 7º nº. 6 do Regulamento das Custas Processuais, pode ser apresentado sob a forma de reclamação da conta, após a notificação a que alude o nº 7 do mesmo preceito e se esta notificação não esgota o poder jurisdicional relativamente à dispensa do remanescente sob pena de inconstitucionalidade da interpretação contrária".</font>
</p><p><font>5ª. O nº.7 do artigo 7º. do Regulamento das Custas Judiciais e nº. 1 do artigo 7º da Portaria 419-A/2009, de 17 de Abril, determinam que o "remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final ( ... )" e "Findo o processo e registados todos os movimentos contabilísticos, é elaborada a conta ( ... )";</font>
</p><p><font>6ª. Ou seja, o pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça pode ser apresentado após a notificação às partes da conta de custas, dentro do prazo disponível para a reclamação da dita conta e inexiste disposição que imponha tal pedido contemporâneo ao momento da prolação das decisões nos tribunais superiores. </font>
</p><p><font>7ª. A questão da dispensa do remanescente não se pode considerar abrangida pelo caso julgado da sentença ou acórdão finais, uma vez que estes últimos se limitam a fixar definitivamente a repartição da responsabilidade pelas custas, mas não o montante das mesmas. </font>
</p><p><font>8ª. O meio utilizado "reclamação ou reforma da conta de custas" é o adequado e deve ser apreciado só a final, uma vez terminada a lide, esgotada a tramitação necessária para a decisão das questões colocadas pelas partes nos articulados e nas alegações de recurso será possível aferir da verificação do circunstancialismo do nº. 7 do artigo 6º. do Regulamento das Custas Processuais". </font>
</p><p><font>9ª. O mecanismo da dispensa do remanescente visa salvaguardar a relação de proporcionalidade que deve sempre existir entre o valor da taxa de justiça cobrada às partes e a atividade jurisdicional efetivamente desenvolvida pelo tribunal ao longo de todo o processo, relação que é radicalmente negada quando o Recorrente se vê confrontado com um encargo de custas processuais de €62.587,20, numa acção declarativa de reduzida complexidade e na qual a aqui Recorrente veio a ser absolvida de todos os pedidos.</font>
</p><p><font>10ª. Só depois de elaborada a conta final do processo é que o tribunal e as próprias partes ficam a conhecer o valor exato da taxa de justiça que seria devida,</font>
</p><p><font>11ª. Pelo que somente nesse momento é que se encontram em condições para apreciar devidamente se o valor da taxa de justiça é ou não é excessivo e desadequado face ao circunstancialismo do processo.</font>
</p><p><font>12ª. Conforme resulta do artigo 6º, n° 7, do Regulamento das Custas Processuais, o tribunal tem o poder-dever de dispensar oficiosamente o remanescente da taxa de justiça, quando a "especificidade da situação o justificar", pelo que não se compreende porque não o poderia fazer, após a notificação da conta de custas - momento em que a desproporcionalidade das custas em face da actividade processual concreta se torna finalmente patente e manifesta.</font>
</p><p><font>13ª. O poder jurisdicional do Tribunal em matéria de custas não se esgota com a notificação da conta de custas, como aliás, se comprova pelo facto de o Tribunal poder apreciar pedidos de reforma e de reclamação da dita conta. </font>
</p><p><font>14ª. À luz da referida finalidade do artigo 6°, n° 7, do Regulamento das Custas Processuais de evitar desproporções excessivas entre as custas processuais e o serviço de justiça prestado, seria até inconstitucional - por violadora do princípio da proporcionalidade e do direito de acesso à justiça (artigos 2.°,13.°,18.°, nº. 2, e 20º. da Constituição da República Portuguesa) – </font>
</p><p><font>15ª. A interpretação do referido artigo 6.°, nº. 7, segundo a qual o tribunal não tem o dever e nem sequer pode apreciar a desproporcionalidade entre o valor global da taxa de justiça e a actividade jurisdicional efectivamente desenvolvida no processo, sempre que a questão for suscitada após a notificação da conta de custas, é inconstitucional.</font>
</p><p><font>16ª. Por conseguinte, o tribunal a quo interpretou e aplicou errónea e inconstitucionalmente as disposições dos artigos 6.°, nº. 7, parte final, e 31.°, nº.s 1 a 3, ambos do Regulamento das Custas Processuais, ao considerar extemporâneo o pedido de dispensa do remanescente da taxa de justiça formulado pelo ora Recorrente em sede de reclamação da conta de custas. </font>
</p><p><font>17ª. O remanescente da taxa de justiça reclamada as partes (€156 467,60), é manifestamente excessiva e desproporcionada para um processo em que a questão a apreciar pelo Tribunal se circunscreveu ao apuramento de ter sido ou não pago o preço devido com a transacção do imóvel. </font>
</p><p><font>18ª. A luz dos critérios do artigo 530º nº 7 do Código Processo Civil e do nº 7 do artigo 6º do RCP estamos perante um processo típico ponderado pelo legislador, sem censura da conduta das partes que não justifica o pagamento do remanescente da taxa e justiça. </font>
</p><p><font>19ª. Estão, pois, verificados os fundamentos de que depende a dispensa do remanescente da taxa de justiça, no valor de €31 293,60 imputados ao Recorrente, ao abrigo do disposto no nº. 7 do artigo 6.° do Regulamento das Custas Processuais, devendo ser dispensado o respetivo pagamento, sob pena de se violar o princípio da proporcionalidade e o direito de acesso à justiça atenta a desproporcionalidade entre a taxa de justiça global e a actividade jurisdicional desenvolvida pelas partes (artigos 2.°, 13.°, 18.º, n.º 2, 2ª parte e 266º nº 2 da Constituição da República Portuguesa) </font>
</p><p><font>20ª. No Tribunal Constitucional (ACÓRDÃO Nº 615/2018 Processo n.º 1200/17, 1.ª Secção, Relator: Conselheira Maria de Fátima Mata Mouros) - relativamente a situação semelhante à do recorrente que ficou absolvido de todos os pedidos – a inconstitucionalidade do nº 9 do artigo 14º do RCP no segmento que exige "o pagamento do remanescente da taxa de justiça ao réu que, por ser absolvido do pedido, venceu totalmente a ação civil e, por conseguinte, não é condenado em custas, obrigando-o a obter o montante que pagou em sede de custas de parte, revela-se, pois, uma solução inconstitucional porque comprime excessivamente o direito fundamental de acesso à justiça, previsto no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição, impondo um ónus injustificado face ao interesse público em presença em violação do princípio da proporcionalidade decorrente do artigo 18.º, n.º 2º, da Constituição; </font>
</p><p><font>21ª. Inconstitucionalidade que, por ser do conhecimento oficioso, deve ser respeitada nestes autos e a Recorrente absolvida do pagamento do remanescente da taxa de justiça. </font>
</p><p><b><font>7.</font></b><font> Não foram apresentadas contra-alegações.</font>
</p><p><b><font>8.</font></b><font> Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>II. Delimitação do objeto do recurso</font></b>
</p><p><font>Como é jurisprudência sedimentada, e em conformidade com o disposto nos artigos 635º, nº 4, e 639º, nºs 1 e 2, ambos do Código de Processo Civil, o objeto do recurso é delimitado em função das conclusões formuladas pelo recorrente, pelo que, dentro dos preditos parâmetros, da leitura das conclusões recursórias formuladas pelos Recorrentes decorre que o objeto do presente recurso está circunscrito às seguintes questões: </font>
</p><p><font>- se o pedido do remanescente da taxa de justiça, nos termos do artigo 7º, nº6, do Regulamento das Custas Processuais pode ser apresentado sob a forma de reclamação da conta;</font>
</p><p><font>- inconstitucionalidade da interpretação de que a questão não pode ser suscitada após a elaboração da conta;</font>
</p><p><font>- inconstitucionalidade do nº9 do artigo 14º do Regulamento das Custas Processuais.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>III. Fundamentação.</font></b>
</p><p><b><font>1. O Tribunal da Relação de Lisboa deu como provada, para além do que consta do relatório, a seguinte factualidade:</font></b>
</p><p><b><font>1.1.</font></b><font> O valor da ação foi fixado em €2 809 045,12;</font>
</p><p><b><font>1.2.</font></b><font> Os réus, ora Recorrentes, foram notificados para pagar o remanescente da taxa de justiça, conforme notificação Citius certificada em 28.09.2018 e em 26.09.2018;</font>
</p><p><b><font>1.3.</font></b><font> O remanescente era no valor de €31 293,60 quanto ao Réu AA;</font>
</p><p><b><font>1.4.</font></b><font> E de €62 587,20 quanto à Ré BB.</font>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font>2. Se o pedido do remanescente da taxa de justiça, nos termos do artigo 7º, nº6, do Regulamento das Custas Processuais pode ser apresentado sob a forma de reclamação da conta</font></b>
</p><p><font>Prescreve o nº7 do artigo 6º do Regulamento das Custas Processuais que:</font>
</p><p><font>Nas causas de valor superior a €275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.</font>
</p><p><font>Segundo Salvador da Costa, esta disposição legal, “visa, excepcionalmente, antes do termo da causa, atenuar a obrigação de pagamento fraccionado da taxa de justiça nas ações de maior valor.”</font>
</p><p><font>(in As Custas Processuais, Análise e Comentário, 2017, pág. 134)</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>A dispensa do pagamento pode ser determinada oficiosamente pelo juiz ou a requerimento das partes.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>A responsabilidade pelas custas fica definida antes do processo ser remetido à conta. Esta é elaborada de harmonia com o julgado em última instância, abrangendo as custas da ação, dos incidentes, dos procedimentos e dos recursos (nº1 do artigo 30º do RCP).</font>
</p><p><font>As partes podem requerer a reforma da sentença quanto a custas ou, sendo admissível, interpor recurso (cfr. artigo 616º, nºs 1 e 3, do Código de Processo Civil).</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Assim, quando o processo é remetido à conta, a responsabilidade pelas custas está definitivamente fixada.</font>
</p><p><font>Depois de elaborada a conta, apenas é admissível a correção de erros materiais da conta, nomeadamente quando está elaborada de modo desconforme com as decisões proferidas e com as disposições legais (nº2 do artigo 31º do RCP).</font>
</p><p><font>“O incidente de reclamação da conta sempre foi reportado à existência de erros ou ilegalidades na elaboração material da conta de custas, não sendo – perante os princípios definidores da tramitação do processo civil – instrumento processual adequado para enunciar, pela primeira vez, questões ou objeções que têm a ver com a decisão judicial sobre as custas (e não com a sua materialização ou execução prática”</font>
</p><p><font>- Acórdão do STJ, de 13 de julho de 2017, consultável em </font><a><u><font>www.dgsi.pt</font></u></a><font> -</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>A conclusão de que a decisão sobre a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça deve ser antes do processo ser remetido à conta, resulta, com clareza, da própria literalidade do nº7 do artigo 6º do RCP.</font>
</p><p><font>No dizer do Acórdão do STJ, de 8/11/2018, “quando a lei refere que «o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta final, salvo se (…)» só pode querer significar que a ressalva aí prevista reporta-se a momento prévio à elaboração da conta final, porquanto a «especificidade da situação» e o julgamento pelo juiz «de forma fundamentada» com vista a «dispensar o pagamento», perdem o seu sentido útil e prático depois de elaborada a conta e notificada parte responsável para pagar.</font>
</p><p><font>(…) diferente interpretação do artº 6º, nº7 do RCP, levaria à prática de atos que teriam de ser anulados, como sejam a feitura de uma conta final, a sua modificação e até algum pagamento que viesse a ser realizado. Realçando-se que a nossa lei processual proíbe de forma perentória a prática de atos inúteis (artº.130º do C.P.C.)” </font>
</p><p><font>- consultável em </font><a><u><font>www.dgsi.pt</font></u></a><font> -</font>
</p><p><font>Por outro lado, não se pode afirmar que as partes só com a notificação da conta passaram a ter conhecimento do montante exato do que se mostra em dívida, pois o valor das responsabilidades das partes pelas custas relativas ao remanescente da taxa de justiça ainda não paga em ação de valor superior a €275 000 resultam de simples cálculo aritmético (artigo 6º. do RCP e tabela I a ele anexa), conhecendo as partes o valor do processo e das taxas de justiça pagas.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>O STJ vem entendendo, por grande maioria (apesar de divergências sobre o momento concreto em que as partes podem solicitar a dispensa do remanescente da taxa de justiça nos termos do nº7 do artigo 6º do RCP), que o requerimento a solicitar a dispensa do remanescente da taxa de justiça, nos termos da disposição legal citada, não pode ser apresentado em reclamação à conta de custas, em sempre antes da elaboração desta</font>
</p><p><font>- cfr. Acórdãos de 13/07/2017, 3/10/2017, 22/05/2018, 24/05/2018, 11/10/2018, 23/10/2018, 8/11/2018, 11/12/2018, 26/02/2019 –</font>
</p><p><font>Também Salvador da Costa refere que “A reclamação do ato de contagem não constitui meio idóneo de suscitar a questão da existência de pressupostos da dispensa do pagamento do aludido remanescente, porque se traduz na concretização do decidido a propósito das custas “lato sensu””</font>
</p><p><font>- in As Custas Processuais, Análise e Comentário, 2017, pág.135 –</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>3. Da inconstitucionalidade da interpretação de que a questão não pode ser suscitada após a elaboração da conta</font></b>
</p><p><font>Os Recorrentes vieram suscitar a questão de inconstitucionalidade da interpretação de que seria extemporâneo o pedido de dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente nos termos do disposto no artigo 6º, nº7, do RCP, quando formulado aquando da notificação da conta de custas, por violação dos princípios constitucionais da proporcionalidade, acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Ora, o legislador, com o nº7 do artigo 6º do RCP, visou estabelecer mecanismos de correção de eventuais efeitos decorrentes da aplicação da regra da proporcionalidade entre o valor da causa e o valor da taxa de justiça, tendo em consideração os princípios da proporcionalidade, da igualdade e o direito ao acesso aos tribunais (artigos 18º, nº2, 13º e 20º, todos da Constituição da República Portuguesa), porquanto, em algumas das situações, não havia qualquer correspondência ou justificação entre a utilização da máquina judiciária e os valores finais que as partes tinham de suportar.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>No que respeita à questão que os Recorrentes suscitam (a violação dos citados princípios constitucionais), importa averiguar se a fixação de um momento preclusivo viola os princípios constitucionais.</font>
</p><p><f | [0 0 0 ... 0 0 0] |
OTJ2u4YBgYBz1XKvFgw4 | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<b><font> </font></b><br>
<font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font>
<p><font> </font>
</p><p><font> </font><br>
<b><font>I. Relatório</font></b><br>
<b><font>1.</font></b><font> </font><b><font>AA, Lda.</font></b><font> instaurou processo de injunção que foi convertido em ação de processo comum contra </font><b><font>BB, S.A.,</font></b><font> pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe o valor total de €36.980,00, a título de capital, bem como os juros, no montante de €899,20, calculados à taxa legal aplicável de 8,05%, vencidos desde a data das respetivas faturas e vincendos até integral pagamento.</font><br>
<b><font>2</font></b><font>. Na oposição, a Ré defende-se por impugnação e apresenta reconvenção na qual pede que a Autora seja condenada:</font><br>
<font>I - A concluir o fornecimento e revestimento da totalidade do pavimento cerâmico da unidade fabril da Ré sita em ..., nos mesmos materiais, espessura, cor ou pigmentação do já existente e executado pela A.;</font><br>
<font>II - A concluir a totalidade do rodapé da unidade fabril acordado com rodapé do mesmo material, cor ou pigmentação do existente e já executado pela A.;</font><br>
<font>III - A proceder à total eliminação dos defeitos existentes no pavimento executado pela Autora e reclamados no presente articulado;</font><br>
<font>IV - A pagar à Ré a indemnização que for liquidada em execução de sentença relativa aos prejuízos que vierem a ser apurados resultantes do atraso na conclusão da obra e os resultantes da existência dos defeitos ou vícios da obra.</font><br>
<b><font>3. </font></b><font>Em sede de audiência prévia, foi admitida a reconvenção, nos termos dos artigos 266° n° 2, alínea a) e artigo 583° n° 1 do Código de Processo Civil, proferiu-‑se o despacho saneador e identificou-se o objeto do litígio, bem como os temas da prova.</font><br>
<b><font>4. </font></b><font>A final foi declarada a extinção da instância por força do seguinte despacho:</font>
</p><p><i><font>«Pese embora a R., BB, S.A. não tenha junto a informação sobre o estado do Processo de Re vitalização, conforme determinado no despacho datado de 23.04.2018, resulta da pesquisa que antecede que, em 29.05.2018 foi proferida sentença homologatória do plano de revitalização, cuja cópia se encontra junta a fls. 214 a 223, sendo a A., AA, Lda, uma das credoras da R..</font></i>
</p><p><i><font>Ora, tal como resulta do art. 17º-E, nº1 do CIRE, com a aprovação e homologação do plano de recuperação, as ações pendentes em que é peticionado o pagamento de um crédito incluído no referido plano, extinguem-se.</font></i>
</p><p><i><font>Em face do exposto, decide-se julgar extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide (art. 277º, al. e) do C.RC.).</font></i>
</p><p><i><font>Custas a cargo da R. (art. 536º. nº 3 do CPC).</font></i>
</p><p><i><font>Registe e notifique.</font></i>
</p><p><i><font>06-06-2018»</font></i>
</p><p><b><font>5. </font></b><font>Não se conformando com a decisão, a Ré interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa pedindo que se revogue a sentença que julgou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, e se determine o prosseguimento dos autos. </font>
</p><p><b><font>6.</font></b><font> O Tribunal da Relação de Lisboa veio a julgar a apelação improcedente.</font>
</p><p><b><font>7. </font></b><font>Inconformada com tal decisão, a Ré veio interpor o presente recurso de revista exececional – recurso admitido pela Formação de Juízes a que alude o nº3 do artigo 672º do Código de Processo Civil -, formulando as seguintes (transcritas) conclusões, com exceção das conclusões que se reportavam à admissão do recurso de revista excecional:</font>
</p><p><font>1ª. Com tal Acórdão a Recorrente não se pode conformar porquanto considera, <br>
entre outras questões, que face ao pedido reconvencional deduzido e admitido, não <br>
podia o Tribunal julgar extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, sem se <br>
ter pronunciado especificamente sobre o pedido reconvencional formulado e admitido, <br>
no qual a Recorrente pede em suma que a Autora / Recorrida fosse condenada:</font>
</p><p><font>I - A concluir o fornecimento e revestimento da totalidade do pavimento cerâmico da unidade fabril da Ré sita em ..., nos mesmos materiais, espessura, cor ou pigmentação do já existente e executado pela A. </font>
</p><p><font>II - A concluir a totalidade do rodapé da unidade fabril acordado com rodapé do mesmo material, cor ou pigmentação do existente e já executado pela A. </font>
</p><p><font>III - A proceder à total eliminação dos defeitos existentes no pavimento executado pela A. e reclamados no presente articulado. </font>
</p><p><font>IV - A A. a pagar à Ré a indemnização que for liquidada em execução de sentença relativa aos prejuízos que vierem a ser apurados resultantes do atraso na conclusão da obra e os resultantes da existência dos defeitos ou vícios da obra.</font>
</p><p><font>2ª. Tanto mais que, quanto ao objeto do litígio, entendeu o Tribunal de primeira instância que o mesmo se refere ao direito da Recorrida a receber as quantias peticionadas, no âmbito do contrato de empreitada celebrado com a Recorrente: </font><u><font>bem como o direito da Ré na reparação e eliminação das deficiências detetadas na execução do referido contrato, além do direito a receber uma indemnização decorrente da atuação da A., </font></u>
</p><p><font>3ª. Com efeito a reconvenção a que se reporta o art. 266º do CPC traduz-se numa acção cruzada implementada pela Recorrente e na dedução de um pedido contra a Recorrida, pressupondo uma conexão substancial ou processual entre os pedidos da A. e da Ré.</font>
</p><p><font>4ª. No entanto, de acordo com o nº. 6 do artigo 266º do CPC, a improcedência da acção e a absolvição do Réu da instância não obstam à apreciação do pedido reconvencional regularmente deduzido, salvo quando este seja dependente do formulado pelo Autor, entendendo-se que um pedido reconvencional é dependente de um pedido formulado pelo Autor se este se destinar a ser conhecido apenas na hipótese de este último ser julqado procedente. </font>
</p><p><font>5ª. No caso concreto dos autos, tal dependência da reconvenção relativamente à acção não se verifica. Com a reconvenção apresentada a Recorrente pretende que a Autora/Recorrida proceda à conclusão da obra (pavimento e rodapé) e à total eliminação dos defeitos existentes e reclamados, bem como ao pagamento de uma indemnização a ser liquidada em execução de sentença relativa aos prejuízos sofridos pela Recorrente e que vierem a ser apurados pelo atraso na conclusão da obra e os resultantes da existência dos defeitos ou vícios da obra. </font>
</p><p><font>6ª. Os pedidos reconvencionais deduzidos são por isso autónomos do pedido da Autora/Recorrida e nenhum deles se encontra dependente da procedência de qualquer dos pedidos da Autora, sendo certo que bastaria que qualquer um deles não fosse dependente para que a instância reconvencional devesse prosseguir, consequentemente, nos termos do nº. 6 do artigo 266º. do CPC, a inutilidade superveniente da acção, resultante da aprovação e homologação do plano de revitalização, não obsta à apreciação da reconvenção. Ao manter-se a decisão recorrida, a Ré/Recorrente ver-se-ia obrigada a intentar uma nova acção, contra a Autora, com conteúdo idêntico ao da reconvenção deduzida nos presentes autos, sendo certo que seria confrontada com a questão da caducidade dos seus direitos de receber a obra sem vícios e a existirem de os mesmos deverem ser eliminados pela Empreiteira, para além do direito a ser indemnizada nos termos gerais.</font>
</p><p><font>7ª. Tendo a Recorrente deduzido um pedido reconvencional autónomo contra a Recorrida, nunca o Tribunal a quo podia ter julgado extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide, sem pelo menos se ter pronunciado, como lhe competia, sobre o pedido reconvencional, sendo a sentença sob recurso nessa parte e medida nula (Cfr. art. 615º nº. 1 alínea d) do CPC). </font>
</p><p><font>8ª. No caso concreto não se verifica nenhuma causa de extinção da instância reconvencional, devendo o Tribunal considerar válida e actual a pretensão deduzida contra a Autora/Recorrida em sede reconvencional, tanto mais que a lide só se torna inútil quando é patente que por qualquer causa - processual ou extra processual - o efeito jurídico pretendido deixa de ter interesse, redundando a actividade processual subsequente em verdadeira inutilidade, o que não é o caso.</font>
</p><p><font>9ª. De acordo com o princípio da exaustão da motivação das sentenças, o juiz tem de conhecer todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e excepções invocadas e todas as excepções de que oficiosamente lhe cabe conhecer, exceptuadas as questões, quanto ao pedido, à causa de pedir ou às excepções, cuja apreciação fique prejudicada pela solução dada às outras. </font>
</p><p><font>10ª. Com a reconvenção deixa de haver uma só acção e passa a haver duas acções cruzadas no mesmo processo, assim a eventual extinção da instância relativa ao pedido principal nunca poderia esquecer a existência do pedido reconvencional, sobre o qual o Tribunal a quo teria de se ter pronunciado, nessa medida, formulado e admitido o pedido reconvencional, teria o Juiz que sobre ele também se pronunciar ao julgar extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, pelo que violou a sentença recorrida, entre outos, o princípio da motivação das sentenças, nessa medida a decisão é nula por omissão de pronúncia (art. 615° nº. 1 alínea d) do CPC). </font>
</p><p><font>10ª. Por várias vicissitudes processuais no PER da Recorrente o crédito da Autora/Recorrida veio a ser afinal reconhecido e aprovado na sua totalidade como crédito comum. Sendo certo que a lista definitiva de créditos reclamados tem apenas efeito no que respeita ao quórum deliberativo e à maioria necessária para homologação do acordo - art. 17-‑F, nº. 3 - e à dispensa de reclamação por parte de quem já o haja feito, caso a final do PER venha a ser decretada a insolvência - art. 170 - G, nº. 7. </font>
</p><p><font>11ª. A expressão «acções para cobrança de dívidas» constante do nº. 1 do artº. 17º.-E do CIRE deve ser interpretada no sentido de que abrange quer as acções executivas quer as acções declarativas que tenham por finalidade obter a condenação do devedor numa prestação pecuniária, tanto mais que o art 17º. -E, nº. 1 do CIRE apenas prevê a instauração e suspensão de quaisquer acções para cobrança de créditos de dividas contra o Devedor, prevendo que as mesmas se extingam logo que seja aprovado e homologado o plano de recuperação, salvo quando este preveja a sua continuação. Não caindo no âmbito desse normativo as acções em que a Devedora reclame créditos ou direitos contra os seus devedores ou fornecedores, as quais não são afectadas nem pela instauração do PER nem pela homologação do plano de recuperação.</font>
</p><p><font>12ª. Nos presentes autos não é só a Recorrida que se arroga detentora de um crédito, mas também a Recorrente. A Recorrente enquanto Ré deduziu nos presentes autos um pedido reconvencional contra a Recorrida (Autora) e esse pedido não é reconhecível no Processo Especial de Revitalização mas sim e apenas nos presentes autos, no caso concreto dos presentes autos não existe por isso qualquer inutilidade superveniente da lide reconvencional.</font>
</p><p><font>13ª. Violou por isso esta decisão recorrida os artigos 17-E, nº. 1 do CIRE, 266º. nº. 6, 277° alínea e) e 615°, nº. 1 alínea d) do CPC. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>E conclui pela procedência do recurso “e por via dele ser revogada a sentença que julgou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, ordenado o prosseguimento dos autos para conhecimento do pedido reconvencional e marcada data para a audiência final”.</font>
</p><p><b><font>8.</font></b><font> A Recorrida não apresentou contra-alegações.</font><b><font> </font></b>
</p><p><b><font>9.</font></b><font> Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>II. Delimitação do objeto do recurso</font></b>
</p><p><font>Como é jurisprudência sedimentada, e em conformidade com o disposto nos artigos 635º, nº 4, e 639º, nºs 1 e 2, ambos do Código de Processo Civil, o objeto do recurso é delimitado em função das conclusões formuladas pelo recorrente, pelo que, dentro dos preditos parâmetros, da leitura das conclusões recursórias formuladas pelos Recorrentes decorre que o objeto do presente recurso está circunscrito às seguintes questões: </font>
</p><p><font>- a nulidade, por omissão de pronúncia (alínea d) do nº1 do artigo 615º do Código de Processo Civil);</font>
</p><p><font>- a inutilidade superveniente da lide do pedido reconvencional.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>III. Fundamentação.</font></b>
</p><p><b><font>1. O tribunal da Relação deu como provada a seguinte factualidade:</font></b>
</p><p><b><font>1.1.</font></b><font> AA, Lda. instaurou processo de injunção que foi convertido em ação de processo comum contra BB, S.A., pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe o valor total de €36.980,00, a título de capital, bem como os juros, no montante de €899,20, calculados à taxa legal aplicável de 8,05%, vencidos desde a data das respetivas faturas e vincendos até integral pagamento.</font>
</p><p><b><font>1.2.</font></b><font> Na oposição, a Ré apresenta reconvenção na qual pede em suma que a Autora seja condenada:</font>
</p><p><font>I - A concluir o fornecimento e revestimento da totalidade do pavimento cerâmico da unidade fabril da Ré sita em ..., nos mesmos materiais, espessura, cor ou pigmentação do já existente e executado pela A.;</font>
</p><p><font>II - A concluir a totalidade do rodapé da unidade fabril acordado com rodapé do mesmo material, cor ou pigmentação do existente e já executado pela A.;</font>
</p><p><font>III - A proceder à total eliminação dos defeitos existentes no pavimento executado pela autora e reclamados no presente articulado;</font>
</p><p><font>IV - A pagar à Ré a indemnização que for liquidada em execução de sentença relativa aos prejuízos que vierem a ser apurados resultantes do atraso na conclusão da obra e os resultantes da existência dos defeitos ou vícios da obra.</font>
</p><p><b><font>1.3.</font></b><font> A reconvenção foi admitida.</font>
</p><p><b><font>1.4.</font></b><font> Na pendência da ação, a Ré apresentou Plano Especial de Revitalização (PER) junto do Tribunal da Comarca de Setúbal, Juízo de Comércio de Setúbal, Juiz 2, com o Nº 8899/17.5T8STB, que determinou a suspensão da instância, nos termos do despacho de fls. 227.</font>
</p><p><b><font>1.5.</font></b><font> O PER foi aprovado e homologado por sentença proferida pelo Juízo de Comércio de Setúbal, no processo identificado, incluindo o crédito da Autora, e aqui recorrida, na sua totalidade, na listagem de créditos comuns.</font>
</p><p><b><font>1.6.</font></b><font> O Plano de Revitalização, aprovado e homologado no âmbito do PER que correu termos quanto à devedora, ora Ré e Recorrente, predispõe, na sua página 15, o seguinte:</font>
</p><p><font>«C. Efeitos Legais sobre as Acções Pendentes</font>
</p><p><font>Todas as acções declarativas que têm em vista o reconhecimento de créditos sobre a BB deverão prosseguir os seus termos, ao abrigo da prerrogativa legal prevista no disposto na parte final do nº.1, do artigo 17º.-E, do CIRE, aplicando-‑se a tais créditos, uma vez reconhecidos, os termos previstos no Plano para créditos de igual natureza.</font>
</p><p><font>No que respeita às acções pendentes à data da apresentação a PER, destinadas à cobrança de créditos - (com excepção das execuções fiscais e das execuções por dividas ao Instituto da Segurança Social, I. P.) - e que se encontrem suspensas serão consideradas extintas logo que seja aprovado e homologado o presente Plano, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 17º. -E, nº.1, do CIRE»</font>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font>2. Da nulidade por omissão de pronúncia</font></b>
</p><p><font>A Recorrente veio arguir a nulidade, com fundamento no disposto na 1ª parte da alínea d) do nº1 do artigo 615º do Código de Processo Civil (omissão de pronúncia)</font>
</p><p><b><font>2.1. Enquadramento preliminar</font></b>
</p><p><font>A violação das normas processuais que disciplinam, em geral e em particular (artigos 607º a 609º do Código de Processo Civil), a elaboração da sentença - do acórdão - (por força do nº 2 do artigo 663º e 679º), enquanto ato processual que é, consubstancia vício formal ou </font><i><font>error in procedendo</font></i><font> e pode importar, designadamente, alguma das nulidades típicas previstas nas diversas alíneas do nº 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil (aplicáveis aos acórdãos </font><i><font>ex vi</font></i><font> nº 1 do artigo 666º e artigo 679º do Código de Processo Civil).</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>De harmonia com o disposto no artigo 608º, nº 1, do Código de Processo Civil, o juiz na sentença – Acórdão, por força do disposto no nº2 do artigo 663º do Código de Processo Civil - deve conhecer, em primeiro lugar, de todas </font><i><font>as </font></i><b><i><font>questões processuais</font></i></b><font> (suscitadas pelas partes ou que sejam de conhecimento oficioso, e não se encontrem precludidas) que determinem a absolvição do réu da instância, segundo a ordem imposta pela sua precedência lógica.</font>
</p><p><font>Seguidamente, devem ser conhecidas as </font><b><i><font>questões de mérito</font></i></b><font> (pretensão ou pretensões do autor, pretensão reconvencional, pretensão do terceiro oponente e exceções perentórias), só podendo ocupar-se das questões que forem suscitadas pelas partes ou daquelas cujo conhecimento oficioso a lei permite ou impõe (como no caso das denominadas exceções impróprias), salvo se as considerar prejudicadas pela solução dada a outras questões, de acordo com o preceituado no nº 2 do mesmo artigo 608º.</font>
</p><p><font>Nesta linha, </font><b><i><font>constituem questões</font></i></b><font>, por exemplo, cada uma das causas de pedir múltiplas que servem de fundamento a uma mesma pretensão, ou cada uma das pretensões, sob cumulação, estribadas em causas de pedir autónomas, ou ainda </font><b><i><font>cada uma das exceções</font></i></b><font> dilatórias ou </font><b><i><font>perentórias invocadas pela defesa</font></i></b><font> ou que devam ser suscitadas oficiosamente. </font>
</p><p><font>Todavia, já não integram o conceito de questão, para os efeitos em análise, as situações em que o juiz porventura deixe de apreciar algum ou alguns dos argumentos aduzidos pelas partes no âmbito das questões suscitadas. Neste caso, o que ocorrerá será, quando muito, o vício de fundamentação medíocre ou insuficiente, qualificado como erro de julgamento, traduzido portanto numa questão de mérito. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>E a </font><b><font>omissão de pronúncia</font></b><font> quanto a tais questões constitui fundamento de nulidade do Acórdão, por força do disposto na 1ª parte da alínea d) do nº 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil (ex vi artigo 666º, nº1, do mesmo diploma).</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>2.2.</font></b><font> Vejamos o caso dos autos</font>
</p><p><font>A Recorrente veio arguir a nulidade por omissão de pronúncia, porquanto “tendo a Recorrente deduzido um pedido reconvencional autónomo contra a Recorrida, nunca o Tribunal a quo podia ter julgado extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide, sem pelo menos se ter pronunciado, como lhe competia, sobre o pedido reconvencional, sendo a sentença sob recurso nessa parte e medida nula” e “com a reconvenção deixa de haver uma só acção e passa a haver duas acções cruzadas no mesmo processo, assim a eventual extinção da instância relativa ao pedido principal nunca poderia esquecer a existência do pedido reconvencional, sobre o qual o Tribunal a quo teria de se ter pronunciado, nessa medida, formulado e admitido o pedido reconvencional, teria o Juiz que sobre ele também se pronunciar ao julgar extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, pelo que violou a sentença recorrida, entre outros, o princípio da motivação das sentenças, nessa medida a decisão é nula por omissão de pronúncia (art. 615º nº1 alínea d) do CPC”.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Ora, analisando a decisão proferida pelo Tribunal de 1ª instância (cfr. fls.229), que decidiu “julgar extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide (art. 277º, al. e) do C.P.C.”, podemos concluir que a mesma não se pronunciou sobre o pedido reconvencional formulado pela Ré, ora Recorrente.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Contudo, o recurso de revista incide sobre o Acórdão do Tribunal da Relação e não sobre a decisão do Tribunal de 1ª instância, nos termos do disposto no nº1 do artigo 671º do Código de Processo Civil (Cabe revista para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação, proferido sobre decisão da 1ª instância, que conheça do mérito da causa ou que ponha termo ao processo, absolvendo da instância o réu ou algum dos réus quanto a pedido ou reconvenção deduzidos).</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>E o Acórdão recorrido pronunciou-se sobre essa questão?</font>
</p><p><font>Da análise do Acórdão recorrido temos de concluir que, apesar da forma em que o mesmo se refere à apreciação do pedido reconvencional, o Tribunal da Relação de Lisboa se pronunciou sobre a questão suscitada pela Recorrente, concluindo que a “extinção desta (refere-se à ação) não impõe o prosseguimento dos autos”, e é assim por “o pedido reconvencional tal como foi estruturado depende da procedência do pedido formulado na ação”.</font>
</p><p><font>E conclui desta forma após a análise do nº6 do artigo 266º do Código de Processo Civil.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Assim, a questão que se colocou ao Tribunal da Relação era a do prosseguimento dos autos relativamente ao pedido reconvencional em face da decisão proferida no sentido de julgar extinta a instância por inutilidade superveniente de lide.</font>
</p><p><font>E a essa questão o Tribunal da Relação respondeu, com toda a clareza, apesar da discordância dos Recorrentes (sendo que releva o conhecimento da questão, não tendo o Tribunal de se pronunciar sobre todos os argumentos invocados pela Recorrente).</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Deste modo, não se verifica a omissão de pronúncia.</font>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font> 3. A inutilidade superveniente da lide do pedido reconvencional</font></b>
</p><p><b><font> </font></b><font>A questão que a Recorrente suscita é a seguinte: devem ou não os autos prosseguirem relativamente à reconvenção deduzida quando a instância foi julgada extinta, por inutilidade superveniente da lide, no que respeita ao pedido formulado pela Autora.</font>
</p><p><font> A esta questão o Tribunal da Relação de Lisboa, no Acórdão recorrido, decidiu que, no caso concreto, os autos não poderiam prosseguir para apreciação do pedido reconvencional, porquanto este “tal como foi estruturado depende da procedência do pedido formulado na ação”.</font>
</p><p><font> A Recorrente discorda desta posição.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> No caso presente:</font>
</p><p><font> A Autora instaurou o procedimento de injunção, alegando que foi celebrado um contrato de empreitada entre si e a Ré e pretendendo cobrar o remanescente do preço não pago.</font>
</p><p><font> A Ré, como dona da obra, veio admitir que uma parte do reclamado é devido, mas que a Autora, empreiteira, incumpriu parcialmente a empreitada por falta de conclusão de trabalhos e fornecimentos e o cumprimento defeituoso devido à existência de defeitos dos trabalhos executados, formulando o seguinte pedido reconvencional, pedindo a condenação da Autora:</font><br>
<font>I - A concluir o fornecimento e revestimento da totalidade do pavimento cerâmico da unidade fabril da Ré sita em ..., nos mesmos materiais, espessura, cor ou pigmentação do já existente e executado pela A.;</font><br>
<font>II - A concluir a totalidade do rodapé da unidade fabril acordado com rodapé do mesmo material, cor ou pigmentação do existente e já executado pela A.;</font><br>
<font>III - A proceder à total eliminação dos defeitos existentes no pavimento executado pela Autora e reclamados no presente articulado;</font><br>
<font>IV - A pagar à Ré a indemnização que for liquidada em execução de sentença relativa aos prejuízos que vierem a ser apurados resultantes do atraso na conclusão da obra e os resultantes da existência dos defeitos ou vícios da obra.</font>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font> </font></b><font>A reconvenção veio a ser admitida.</font>
</p><p><font> O Tribunal de 1ª instância, com fundamento no disposto no artigo 17º-E, nº1, do CIRE, decidiu julgar extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide (artigo 277º, alínea e), do Código de Processo Civil.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Perante o recurso interposto pela Ré/Reconvinte, o Tribunal da Relação de Lisboa, no Acórdão recorrido, decidiu que, nos termos do disposto no nº6 do artigo 266º do Código de Processo Civil, a reconvenção não poderia prosseguir, pois o pedido reconvencional tal como foi estruturado depende da procedência do pedido formulado na ação, pelo que a extinção desta não impõe o prosseguimento dos autos.”</font>
</p><p><font> Vejamos.</font>
</p><p><font> Prescreve o nº6 do artigo 266º do Código de Processo Civil que a improcedência da ação e a absolvição do réu da instância não obstam à apreciação do pedido reconvencional regularmente deduzido, salvo quando este seja dependente do formulado pelo autor.</font>
</p><p><font> E sobre esta questão, referem Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, “a apreciação do pedido reconvencional está excluída quando a sua procedência dependa da procedência do pedido do autor (nº6) e este seja improcedente (por inconcludência ou falta de prova da causa de pedir, ou por proceder uma exceção perentória) ou inadmissível (por proceder uma exceção dilatória). O mesmo acontece quando, por vontade do réu, o pedido reconvencional tenha sido deduzido subsidiariamente a uma exceção perentória e esta seja julgada procedente. A improcedência da ação constitui decisão prejudicial em face do pedido reconvencional, ao passo que a absolvição do réu da instância gera absolvição da instância reconvencional”.</font>
</p><p><font> - in Código de Processo Civil Anotado, 3ª edição, pág. 524 –</font>
</p><p><font> E em anotação do artigo 286º do mesmo diploma legal, referem os Autores citados, que “pode, porém, acontecer que a procedência do pedido reconvencional dependa da procedência do pedido do autor. É o que acontece no caso da compensação (só se o crédito do autor existir) e no de benfeitorias (só se a entrega da coisa for devida). O pedido reconvencional só é então objeto de apreciação se o pedido do autor for julgado procedente, não o sendo se for julgado improcedente ou se não houver decisão de mérito, por via da absolvição da instância (cf. art. 266-6). A ressalva da parte final do nº2 mais não é do que a aplicação desta regra ao caso em que a absolvição da instância é obtida em consequência da desistência da instância.</font>
</p><p><font> - obra citada, pág.563 –</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> O Código de Processo Civil consagra o princípio geral de apreciação autónoma dos pedidos da ação e da reconvenção, porquanto na reconvenção há um pedido autónomo formulado pelo réu contra o autor, passando a haver uma nova ação dentro do mesmo processo. “O pedido reconvencional é autónomo, na medida em que transcende a simples improcedência da pretensão do autor e os corolários dela decorrentes” (Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in Manual de Processo Civil,1984, pág. 309).</font>
</p><p><font> Assim, o pedido reconvencional será apreciado, apesar da inadmissibilidade ou improcedência da ação.</font>
</p><p><font> Contudo, como se referiu, o nº6 do artigo 266º do Código de Processo Civil veio introduzir uma exceção, isto é, o pedido reconvencional não será apreciado quando seja dependente do formulado pelo autor.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Com tudo o que atrás se referiu, temos de concluir que não existe qualquer dependência entre o pedido reconvencional e o pedido formulado pela Autora. O pedido reconvencional não está dependente do pedido formulado pela Autora, porquanto só estaria se o pedido reconvencional somente fosse apreciado se o pedido da Autora fosse julgado procedente.</font>
</p><p><font> No caso concreto, a Autora formula o pedido de pagamento de parte do preço de uma empreitada, contrato que invoca ter celebrado com a Ré, não tendo esta pago parte do preço.</font>
</p><p><font> O pedido reconvencional tem como fundamento o mesmo contrato celebrado, mas consiste na reparação dos defeitos e a incompletude da obra e em indemnização por incumprimento por parte da Autora.</font>
</p><p><font> Assim, qualquer dos pedidos podem existir, no processo, um sem o outro.</font>
</p><p><font> De comum os pedidos têm somente o mesmo facto jurídico de que partem para fundamentar as suas pretensões, a existência de um contrato de empreitada, cujo incumprimento cada uma das partes imputa à outra (uma das parte, a falta de pagamento do preço; a outra parte, o cumprimento defeituoso e os prejuízos que para si advieram do comportamento da outra).</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Deste modo, não se verifica a exceção prevista no nº6 do artigo 266º do Código de Processo Civil, isto é, não se verifica a dependência do pedido reconvencional em relação ao pedido formulado pela Autora, pelo que os autos devem prosseguir para apreciação do pedido reconvencional.</font>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><font> Por todo o exposto, o recurso terá de proceder.</fo | [0 0 0 ... 0 0 0] |
cTJ0u4YBgYBz1XKvnwtb | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<br>
<b><font> </font></b>
<p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font>Proc.º nº 480/12.1TBMMV.C1.S2</font></b>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>1.ª Secção </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><i><font> </font></i>
</p><p><i><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: </font></i>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>I</font>
</p><p><b><font>Relatório</font></b>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>1.A ora Recorrente, </font><b><font>AA</font></b><font>, interpôs ação declarativa sob forma ordinária contra BB – Sucursal em Portugal, pedindo a condenação da mesma a pagar-lhe a quantia de € 98.865, 00, acrescida de juros desde a citação. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>2.Alegou, em síntese, haver sido vítima de acidente de viação em 2007, causado por segurado da R., do qual lhe resultaram múltiplos ferimentos, com consequências graves, designadamente de incapacidade. Invoca ter recebido tratamento médico nos serviços da seguradora R., entendendo que, em função da incapacidade com que ficou, lhe é devida indemnização no valor de € 98.865, 00 (descontados os € 50.000, 00, já pagos pela R.). Pelos danos não patrimoniais, entre o mais, com </font><i><font>quantum doloris</font></i><font> de 6 e dano estético de 5, entende ser-lhe devida compensação de € 40,000, considerando ainda o agravamento das sequelas que vêm ocorrendo desde o ano de 2010. Refere que a R. a indemnizou extra-processualmente. Mas, tendo ela A. reclamado € 90.000, 00, apenas recebeu € 50.000, 00. Alega que não interveio nessas negociações, em que intervieram terceiras pessoas e funcionários da R., que a afastaram, e lhe afiançaram que, além de tal valor, receberia ainda o montante mensal de €750,00 até completar 50 anos de idade, o que não ficou a constar no recibo de quitação por ela assinado, no montante de € 50.000,00. Tal documento, porém, não teria por ela sido compreendido, por ter pouca instrução, debilidades cognitivas, intelectuais e volitivas, associadas a alcoolismo, em função do que não teria tido qualquer consciência de que com o documento em causa apenas receberia o valor nele indicado e não qualquer outro mais, pelo que a sua declaração deveria considerar-se nula, nos termos do art. 246 do CC. Apenas teria assinado o recibo pensando que com o mesmo dava quitação dos € 50.000, 00, mas sem qualquer consciência de que renunciava a outros valores a que entende ter direito. Entende ainda que a R. atuou com má-fé, aproveitando-se da debilidade mental dela e da sua precária situação económica para a levar a assinar recibo, que estaria viciado, nos termos dos arts. 247, 251, 253 e 254 do CC, salientando que a R. conhecia a situação de inexperiência e debilidade dela, pelo que a quitação seria anulável, nos termos do art. 282, n.º 1 CC. Invoca ainda a cláusula dos bons costumes ínsita no art.º 280, n.º 2 para obter a nulidade da quitação, considerando a desproporção entre o que entende ser-lhe devido e o recebido (€ 50.000, 00), bem como a exclusiva intervenção no ato de acerto dos valores do representante da R., do companheiro dela e do pai deste, com total ausência dela. Ademais, depois daquela quitação, surgiram novos danos que o documento não poderia englobar, não podendo existir renúncia antecipada, que seria nula, nos termos do art. 809 CC. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>3.A R. contestou, afirmando ter assumido a responsabilidade pelo sinistro, tendo pago à A., além do valor referido no recibo de quitação, o valor dos salários deixados de auferir durante o período de incapacidade temporária para o trabalho e despesas com deslocações para tratamentos. Quanto à negociação do valor final recebido pela A., esta teria estado presente mais do que uma vez na delegação da R., não tendo revelado qualquer debilidade intelectual ou cognitiva, sempre participando nas negociações. A proposta da R. acerca do valor atribuído e dos danos a que se referia foi apresentada à A. e não a terceiros, tendo a A. solicitado tempo para decidir, só mais tarde comunicando a aceitação da indemnização relativa a todos os danos patrimoniais e não patrimoniais, incluindo uma cirurgia ainda a realizar para retirada de material de osteossíntese. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>4. Foi apresentada réplica, sobre a qual foi considerado nada de novo haver sido alegado. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>5.Elaborado despacho saneador e selecionada a factualidade relevante, foram apresentados articulados supervenientes (fls. 64 e 174).</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>6. Realizado julgamento, foi proferida sentença, que julgou parcialmente procedente a ação, embora apenas no que respeita à invalidade do recibo de quitação quanto à renúncia antecipada aos danos futuros, absolvendo a R. do demais peticionado. Cite-se expressamente o Dispositivo: </font><i><font>“Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente o pedido no que respeita à invalidade do recibo de quitação de fls. 25 quanto à renúncia antecipada aos danos futuros, mantendo-se intacto no demais. Absolve-se a Ré do demais peticionado.”</font></i>
</p><p><font>7.Imediatamente antes, a fundamentação do Tribunal de 1.ª instância terminara da seguinte forma, que melhor nos permite compreender o Dispositivo citado </font><i><font>supra</font></i><font> (6):</font>
</p><p><i><font>“Certo que a atividade profissional pode ser mantida, ainda que com esforços suplementares, mas recorde-se que a Ré indemnizou a A. a este título em € 40.000, 00. </font></i>
</p><p><i><font>Do ponto de vista dos danos não patrimoniais, foi atribuído pela Ré à A. o valor de € 7.000, 00, valor que - considerando as lesões, quantum doloris, tempo de incapacidade parcial e total, cirurgias, incapacidade, repercussão nas atividades desportiva, de lazer e sexual, e dano estético - se afigura parco. </font></i>
</p><p><i><font>Todavia, este montante, acrescido do que sobeja dos € 23. 114, 20, para os € 40.000, 00, atribuídos, ascende já a patamares de equidade e justiça que afastam qualquer ideia de usura ou de ofensa dos bons costumes ou contrariedade da ordem pública. </font></i>
</p><p><i><font>É, por isso, de manter o documento de quitação., com exceção da renúncia antecipada aos danos futuros. </font></i>
</p><p><i><font>No mais, vejam-se que os danos alegados pela A. e que entretanto lhe teriam sobrevindo desde 2009 até à data da propositura da ação não foram demonstrados, sendo certo ser expectável dano futuro que, a ocorrer, deverá ser indemnizado pela Ré em momento oportuno e não neste.” </font></i>
</p><p><i><font> </font></i>
</p><p><i><font> </font></i>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>8. Inconformada, apelou a A., tendo o Tribunal da Relação julgado improcedente o recurso e confirmado a sentença do tribunal de 1.ª instância. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>9. Novamente inconformada, a A. interpôs recurso de revista excecional que foi admitido pela Formação a que se refere o artigo 672, n.º 3, do Código de Processo Civil, que considerou verificado o pressuposto da alínea a) do n.º 1 do mencionado artigo (fs. 487), por estar na discussão envolvida, além do mais, a questão da usura, a qual poderá ter “extrema importância”, não inédita mas não tendo alcançado ainda uma frequência e segurança jurisprudenciais em ordem a ficar “acautelada a melhor aplicação do direito”.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> 10. Na sua alegação de recurso, a A. formulou as seguintes conclusões especialmente atinentes ao objeto da ação:</font>
</p><p><i><font>“Nos casos em que a incapacidade permanente é suscetível de afetar ou diminuir a potencialidade de ganho por via da perda ou diminuição da remuneração, maxime quando a vítima à data do acidente efetivamente exercia atividade remunerada, os tribunais têm procurado fixar a indemnização por apelo à atribuição de um capital que se extinga ao fim da vida (ativa ou total) do lesado e seja suscetível de lhe garantir, durante aquela, as prestações periódicas correspondentes à sua perda de ganho. Para o efeito, têm sido utilizadas várias fórmulas e tabelas financeiras, na tentativa de se alcançar um critério uniforme.</font></i>
</p><p><i><font>t. Assim, para proceder ao cálculo da indemnização devida o tribunal de 1.ª instância recorreu à fórmula matemática que é utilizada em diversos arestos jurisprudenciais. Tal fórmula encontra-se expressa na Portaria n.º 377/2008 de 26 de maio, alterada pela Portaria n.º 679/2009, de 25 de junho, que estabelece, no anexo III, uma fórmula de cálculo do dano patrimonial futuro, acompanhada de uma tabela prática de aplicação.</font></i>
</p><p><i><font>u. Esta Portaria fixa os critérios e valores orientadores utilizados pelas seguradoras para efeitos de apresentação de proposta aos lesados por acidente automóvel e reproduz aquela que foi proposta pela Relação de ... no acórdão de 04.04.1995, citado na sentença da 1.ª instância.</font></i>
</p><p><i><font>v. Porém, a jurisprudência não esquece que as referidas fórmulas “não se conformam com a própria realidade das coisas, avessa a operações matemáticas, certo que não é possível determinar o tempo de vida útil, a evolução dos rendimentos, da taxa de juro ou do custo de vida”, acrescendo que “não existe uma relação proporcional entre a incapacidade funcional e o vencimento auferido pelo exercício profissional em termos de se poder afirmar que ocorre sempre uma diminuição dos proventos na medida exatamente proporcional à da incapacidade funcional em causa. Assim, neste caso as mencionadas tabelas só podem ser utilizadas como meramente orientadoras e explicativas do juízo de equidade a que a lei se reporta” (acórdão do STJ, de 17.11.2005, processo 05B3436, disponível em www.dgsi.pt).</font></i>
</p><p><i><font>w. Daí que, já entre a supra referida Portaria e Acórdão, existisse divergência entre alguns dos critérios utilizados pelas seguradoras e os que têm sido adotados pelos tribunais, nomeadamente no que toca à divergência quanto à taxa de juro considerada (a Relação previa 7%, a Portaria prevê 5%) e quanto à taxa de atualização anual das prestações (a Relação previa 6%, a Portaria prevê 2%). - naturalmente, a taxa de juro aplicada pelo tribunal, sendo superior, favorece mais o lesado do que a taxa aplicada pela seguradora.</font></i>
</p><p><i><font>x. Em primeiro lugar, note-se que a sentença, posteriormente confirmada pelo acórdão ora recorrido, aplicou a taxa de juro mais baixa (5%) prevista na Portaria, bem como, em segundo lugar, que foi aplicada a fórmula e valores utilizados pelas seguradoras, não tomando em conta que tais valores necessitam de ser adequados à luz do panorama financeiro atual de modo a refletir as taxas de juro atualmente praticadas.</font></i>
</p><p><i><font>y. Ora, os critérios usados pelas companhias de seguros mais das vezes, em função dos critérios utilizados, dão origem a propostas muito baixas. Ou seja, as portarias em causa vieram propor a alternativa de valores quase insignificantes, ou seja, muito longe daqueles que os tribunais, com esforço, vinham – e vêm – ultimamente a aplicar. </font></i>
</p><p><i><font>z. Por isso, é irrazoável e inconstitucional aceitar os critérios utilizados sem qualquer adaptação à realidade atual e às circunstâncias do caso concreto, devendo o montante obtido ser aumentado de acordo com a equidade e com o panorama financeiro atual e as taxas de juros aplicáveis. aa. Vejamos o Acórdão to T.R.C. de 08/11/2016, Proc. n.º 319/12.8TBMGL.C1 (disponível em www.dgsi.pt):</font></i>
</p><p><i><font>“1. Os Tribunais devem reger-se pelos critérios fixados no Código Civil no cálculo das indemnizações decorrentes de acidentes de viação e não pelo disposto nas Portarias n.º 377/2008, de 26 de Maio e n.º 679/09, de 25 de Junho, que apenas servem para vincular as seguradoras na apresentação das ditas “propostas razoáveis” em sede de negociação extra-judicial.</font></i>
</p><p><i><font>2. Em obediência aos critérios legais, o cálculo do quantitativo da indemnização a atribuir pelo quantum doloris, que se integra nos danos não patrimoniais, deve efectuar-se de acordo com regras de equidade e o arbítrio do julgador, partindo sempre de dados objectivos, tais como a idade da vítima, o período normal e médio da vida activa de uma pessoa, os salários auferidos e os meses em que os mesmos são pagos, a desvalorização da moeda, as taxas de juros praticadas e o facto de se passar</font></i>
</p><p><i><font>a dispor de uma quantia, por uma só vez, que de contrário só se iria receber daí a alguns anos. Tal não implica, como é óbvio, que o tribunal não se socorra de operações de cálculo, sem as quais seria de todo, ou quase de todo, impossível computar a indemnização devida”.</font></i>
</p><p><i><font>bb. Assim, a posição que tem sido já há largos anos defendida na jurisprudência dos nossos tribunais superiores considera que, após a determinação do capital indemnizatório há que proceder a um desconto ou dedução em função da antecipação do pagamento da indemnização, porquanto o lesado receberá a totalidade da indemnização de uma só vez, podendo esse capital ser rentabilizado, produzindo juros.</font></i>
</p><p><i><font>cc. Assim, trata-se de subtrair o benefício respeitante ao recebimento antecipado do capital, ou seja, de efetuar uma dedução correspondente à entrega imediata e integral do capital, sob pena de se verificar um enriquecimento sem causa do lesado à custa alheia. Tal redução oscilava entre os 10% e os 33% - (cfr. acórdãos do STJ de25/11/2009, proc. nº. 397/03.0GEBNV, do TRC de 15/02/2011, proc. nº. 291/07.6TBLRA e do TRE de 11/06/2015, Proc. n.º 163/11.0TBFZZ.E1, todos acessíveis em www.dgsi.pt).</font></i>
</p><p><i><font>dd. Contudo, há que ter em conta a progressiva descida das taxas de juro, que estão atualmente em valores demasiado baixos ou mesmo negativos - e sendo a tendência no futuro a de se manterem em valores extremamente baixos –, o que significa que a rentabilização que poderia haver por o capital ser recebido de uma só vez, atualmente, é quase inexistente. ee. Assim, para uma fixação equitativa da indemnização havia que ser ponderado e sopesado o atual panorama financeiro e as taxas de juro atualmente praticadas, de modo a que os valores reflitam e sejam proporcionais e adequados à realidade atual da vida, devendo ser ajustada em conformidade a indemnização atribuída.</font></i>
</p><p><i><font>ff. Outro aspeto que deve ser tomado em conta aquando da fixação de uma indemnização é a comparação com outras decisões judiciais, tendo em vista o cumprimento do disposto no n.º 3 do art. 8.º do C.C. – “Nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito” – e de modo a dar cumprimento ao princípio da igualdade (art. 13.º da C.R.P.).</font></i>
</p><p><i><font>gg. Citando o Acórdão do T.R.C. de 28/05/2013, Proc. n.º 1721/08.5TBAVR.C1:“Os princípios da igualdade e da unidade do direito e o valor da previsibilidade da decisão judicial vinculam à padronização e à normalização do valor da indemnização. Ou seja, o recurso à equidade não obsta à ponderação, como termo de comparação, dos valores pecuniários encontrados para o mesmo efeito noutras decisões judicias relativas a casos semelhantes, transitadas em julgado, sem prejuízo das especificidades e particularidades do caso que, concretamente, é submetido à apreciação do tribunal”.</font></i>
</p><p><i><font>hh. Se bem atentarmos na jurisprudência que vem sido proferida verificamos que o quantum indemnizatório atribuído à Recorrente de € 50.000,00 (dos quais, € 40.000,00 pela redução da capacidade de ganho e € 7.000,00 a título de danos não patrimoniais) claramente insuficiente, desproporcional e parco tendo em conta os danos sofridos, afrontando, manifestamente, as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida.</font></i>
</p><p><i><font>ii. Basta atentarmos nos factos dados como provados nos pontos 5 a 8 da matéria dada como assente pelas partes e os factos 11 a 29 dos factos dados como provados após julgamento:</font></i>
</p><p><i><font>- A Recorrente tinha 31 anos (feitos menos de dois meses antes da data do acidente) à data do acidente, pelo que ainda teria pela frente um período de vida ativa de, pelo menos, 40 anos;</font></i>
</p><p><i><font>- Auferia o salário mínimo nacional que à data se cifrava em € 426,50;</font></i>
</p><p><i><font>- A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 18-11-2008, ou seja, 400 dias após o acidente.</font></i>
</p><p><i><font>- De acordo com o primeiro relatório pericial realizado pelo INML junto aos autos em 12-07-2016 (fls. …) foi atribuído um DFP (défice funcional permanente da integridade físico-psíquica) de 19 pontos, uma vez que teve também em conta a perícia psiquiátrica realizada que se refere a um coeficiente de desvalorização de 7 pontos pela existência de sintomatologia ango-depressiva que aí se entendeu estar relacionada com o acidente de viação.</font></i>
</p><p><i><font>- Sofreu múltiplas fraturas, esteve internada, acamada e foi sujeita a três operações cirúrgicas distintas;</font></i>
</p><p><i><font>- Teve de socorrer-se de cadeira de rodas e do uso de canadianas e fez várias sessões de fisioterapia;</font></i>
</p><p><i><font>- Em resultado do acidente, a autora passou a sentir dificuldade em levantar pesos, principalmente com a mão direita, não conseguindo estar de pé durante mais do que 3 a 4 horas, tem ligeira crepitação no membro inferior esquerdo, dificuldade em colocar-se na posição de cócoras ou de joelhos e de subir ou descer mais do que um lance de escadas.</font></i>
</p><p><i><font>- Toma diariamente analgésicos;</font></i>
</p><p><i><font>- O dano estético permanente foi fixado no grau 4/7;</font></i>
</p><p><i><font>- a repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer foi fixado no grau 2/7;</font></i>
</p><p><i><font>- a repercussão permanente na atividade sexual no grau 2/7;</font></i>
</p><p><i><font>- repercussão nas atividades desportivas e de lazer (grau 2/7);</font></i>
</p><p><i><font>- quantum doloris de 5/7 sendo de perspetivar a existência de dano futuro.</font></i>
</p><p><i><font>jj. Agora compare-se, a título de exemplo, com o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14-12-2016, Proc. n.º 37/13.0TBMTR.G1.S1, Relator: Maria da Graça Trigo, em que se considerou ser de atribuir a um lesado de 43 anos de idade (doze anos mais velho do que a Recorrente), a quem foi atribuído um DFP de 11 pontos (inferior ao atribuído à Recorrente se considerarmos o primeiro relatório pericial que toma em devida conta a perícia psiquiátrica realizada, atribuindo-lhe um DFP de 19 pontos), um quantum doloris de 5/7 (igual ao atribuído à Recorrente) e um dano estético de 4/7 (também equivalente ao atribuído à Recorrente), uma indemnização que poderia ascender a quantia superior a € 30.000,00 pelo dano biológico e à quantia de € 35.000,00 a título de danos não patrimoniais.</font></i>
</p><p><i><font>kk. Ou seja, com uma classificação de DFP de 11 pontos a indemnização ascenderia, no mínimo, a € 65.000,00. Agora, note-se que à data a Recorrente era muito mais jovem (tendo apenas 31 anos), tendo ainda sofrido dano sexual (2/7) e repercussão nas atividades desportivas e de lazer (grau 2/7), bem como sofreu sequelas que demandam esforços acrescidos para o exercício da sua profissão, para além de que, o primeiro relatório pericial realizado que toma em conta a perícia psiquiátrica realizada à ora Recorrente, atribui um DFP de 19 pontos, aspetos estes que não foram devidamente levados em conta.</font></i>
</p><p><i><font>ll. Ademais, o Ac. do STJ 07/042016 (Proc. 237/13.2TCGMR.G1.S1) – lesada de 22 anos, internada durante três semanas; o quantum doloris foi fixado em 4 (inferior ao atribuído à Recorrente); o défice funcional permanente da integridade físico-psíquica foi fixado em 8% (novamente, inferior ao da Recorrente); as sequelas são compatíveis com o exercício da atividade habitual mas implicam esforços suplementares (tal como a Recorrente); o dano estético foi fixado em 3 numa escala de 1 a 7 (inferior ao da Recorrente); a repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer foi fixada em 1 numa escala de 1 a 7 (inferior ao atribuído à Recorrente); - em que considerou-se justa e adequada a fixação da compensação, somente no que toca a danos não patrimoniais, o montante de € 50 000,00.</font></i>
</p><p><i><font>mm. E, novamente, note-se que, comparativamente, a Recorrente é somente 9 anos mais velha que o caso citado, para além de que os danos sofridos pela Recorrente são de grau superior, não esquecendo que a Recorrente sofreu ainda dano sexual, bem como o DFP que lhe foi atribuído é superior em, pelo menos, três pontos percentuais (11 se tivermos em conta o primeiro relatório pericial).</font></i>
</p><p><i><font>nn. Mas ainda, o Ac. STJ 19/02/2015 (Proc. 99/12.7TCGMR.G1.S1) - lesado de 43 anos (12 anos mais velho que a Recorrente), que sofreu DFP de 12%, quantum doloris de 4/7 (inferior ao da Recorrente), dano estético de 1/7 (muito inferior ao da Recorrente) e sem qualquer tipo de dano sexual ou repercussão em atividades desportivas e de lazer, ao contrário da Recorrente, a quem foi atribuída, só a título de danos não patrimoniais, o valor de € 20.000,00.</font></i>
</p><p><i><font>oo. Acrescentamos, ainda, o facto de o acidente da Recorrente ter ocorrido por facto imputável, a título de culpa exclusiva, ao condutor do veículo segurado, porque na avaliação do dano há igualmente que ter em conta o caráter sancionatório da indemnização a atribuir. O dano especificamente sofrido de caráter não patrimonial a fixar equitativamente tem de ter sempre em conta o pressuposto ético que está na base da obrigação de indemnizar - que é o da sanção da conduta culposa do agente - cfr. arts. 494.º, 497.º n.º 2 e 500.º, n.º 3 do C.C..</font></i>
</p><p><i><font>pp. Pelo que, mesmo que se considerem apenas 11 pontos de DFP sempre seria manifestamente insuficiente e desproporcional, tendo em conta toda a factualidade dada como provada quanto aos danos sofridos pela Recorrente, nomeadamente os factos 5 a 8 da matéria dada como assente pelas partes e os factos 11 a 29 dos factos dados como provados após julgamento, uma indemnização no valor de € 50.000,00, tendo a sentença proferida violado as normas constantes dos arts. 8.º, n.º 3, 483.º, n.º 1 e 566.º, n.º 3, todos do C. C., bem como o princípio da igualdade (art. 13.º CRP) e da proporcionalidade (art. 18.º, n.º 2 CRP).</font></i>
</p><p><i><font>qq. Assim, o acórdão recorrido deve, pois, ser revogado e substituído por outro que aumente o valor da indemnização a atribuir à Recorrente para um valor nunca inferior a € 136.865,00 (cento e trinta e seis mil oitocentos e sessenta e cinco euros) a título de danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, aos quais deverão ser deduzidos os € 50.000,00 já recebidos, num total de € 86.865,00 (oitenta e seis mil oitocentos e sessenta e cinco euros).</font></i>
</p><p><i><font>rr. Por tal valor se mostrar adequado, se atentarmos nas características do acidente, nos fatores que devem ser considerados na fixação deste tipo de quantia indemnizatória – data de consolidação das lesões, desgosto, submissão a operações cirúrgicas, internamento hospital, quantum doloris, dano estético, dano sexual, repercussão nas atividades de desporto e lazer, DFP, bem como os ligados ao critérios matemáticos que orientam os valores indemnizatórios e taxas de juro aplicáveis, assim como na jurisprudência recente dos nossos tribunais superiores.</font></i>
</p><p><i><font>ss. Mesmo que assim não se entenda, e se considere o DFP de 11 pontos, nunca deverá ser atribuída uma indemnização inferior a € 95.000,00 (noventa e cinco mil euros) aos quais se deverão deduzir os € 50.000,00 já recebidos, num total de € 45.000,00 (quarenta e cinco mil euros). tt. Por todo o supra exposto, violou o acórdão por ora recorrido, os princípios constitucionais da igualdade (art. 13.º C.R.P.) e da proporcionalidade (art. 18.º, n.º 2 C.R.P.), bem como os arts. 8.º, n.º 3, 483.º, n.º 1 e 566.º, n.º 3, todos do C. C., ao considerar justa e equitativa a indemnização a título de danos patrimoniais e não patrimoniais atribuída à Recorrente no valor de € 50.000,00 (cinquenta mil euros), não adaptando a fórmula e critérios utilizados à especificidade do caso concreto e à situação financeira e taxas de juros atualmente praticadas, bem como atribuindo uma indemnização desfasada, insuficiente, desproporcional e parca, em particular se comparada com outros valores indemnizatórios atribuídos, tendo em conta os danos sofridos, afrontando, manifestamente, as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida.”</font></i>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>11.Não foram produzidas contra-alegações.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>12.Sabido que o objeto do recurso, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, se delimita pelas conclusões, as questões a decidir seriam as seguintes, de que curaremos </font><i><font>infra</font></i><font>, subsequentemente aos Factos:</font>
</p><p><font>I - Validade da declaração negocial da autora </font>
</p><p><font>II - Cálculo da indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais</font>
</p><p><font>III – Questão sobre a constitucionalidade.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>13.Tomaremos evidentemente em muita consideração as razões que levaram a Formação a admitir o recurso, havendo ponderado maduramente em especial a questão da “usura”, como se verá.</font>
</p><p><font> </font><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>II</font>
</p><p><b><font>Dos Factos</font></b>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><i><font>A.O tribunal da 1.ª instância deu como provados os seguintes factos: </font></i>
</p><p><font> 1 - No dia 15 de Outubro de 2007, a A. circulava na Estrada do Campo, margem esquerda do rio ..., no sentido ...-..., conduzindo o ciclomotor com a matrícula 0-XXXX-04-00.</font>
</p><p><font> 2 - No local, a estrada tem configuração de uma reta e o tempo estava “bom”. </font>
</p><p><font>3 - Na sua mão de trânsito, a A. foi embatida pelo veículo ligeiro 00-DQ-00, que circulava no sentido contrário (...-...).</font>
</p><p><font>4 - Do sinistro resultaram inúmeros danos para a ora A., que deu entrada imediata no serviço de urgência do Hospital Distrital da …, E.P.E., onde lhe foram realizados vários exames médicos. </font>
</p><p><font>5 - A A. esteve internada até ao dia 26/11/2007. </font>
</p><p><font>6 - À A. foi atribuída uma incapacidade temporária absoluta, sendo-lhe posteriormente atribuída uma incapacidade temporária parcial para o trabalho de 50%. </font>
</p><p><font>7 - Para a Ré estava transferida a responsabilidade pelos danos emergentes da circulação do 00-DQ-00, através de contrato de seguro titulado pela apólice n.º 000000009.</font>
</p><p><font> 8 - A A. nasceu em 29.8.77.</font>
</p><p><font> 9 - Com data de 2.2.09 e referente ao sinistro de 15.10.07, a A. assinou o documento de fls. 25, onde se lê, entre o mais, o seguinte: «</font><i><font>Recebi da BB – Companhia de Seguros SA a importância de 50.000, 00 (…) Danos Morais 7.000, 00 Hospital/Clínica 3.000, 00 Redução da Capacidade Ganho 40.000, 00 A presente indemnização comporta todos os danos Patrimoniais não Patrimoniais e Futuros, incluindo cirurgias ou outros quaisquer tratamentos decorrentes das lesões contraídas no presente sinistro. Mais declara que com recebimento da quantia acima referida, se dá por completamente indemnizado, sem excepção alguma sub-rogando a BB em todos os seus direitos, acções e recursos contra responsáveis pelo acidente (…)» </font></i>
</p><p><font>10 – A A. recebeu da Ré a quantia mencionada em 9. </font>
</p><p><i><font>Fatos apurados após julgamento</font></i>
</p><p><font>11 - A autora permaneceu acamada em casa durante tempo não concretamente apurado e quando deu entrada no HD... queixava-se “de dor no abdómen e no membro inferior esquerdo, apresentando mobilidade normal dos membros superior e inferior direitos, abdómen mole e depressível, doloroso nos locais da abrasão (fossa ilíaca direita e flanco esquerdo), fratura dos ramos ilío-ísquio-públicos bilateralmente e fractura da diáfase do fémur esquerdo. Foi algaliada, tendo-lhe sido identificada hematúria. Durante o internamento foi submetida a encavilhamento AO do fémur esquerdo. </font>
</p><p><font>12 - Por causa da fratura da bacia e do tornozelo esquerdo, seguiu-se um período marcado por dificuldades de locomoção, em que a autora, após RX em exame em consulta externa de ortopedia, teve de se socorrer de uma cadeira de rodas e, posteriormente, em época não determinada, de canadianas com carga parcial. </font>
</p><p><font>13 - Durante esse período, a autora necessitava da ajuda de terceiros, nomeadamente do filho menor, que a ajudava na sua higiene pessoal, na sua alimentação e na realização das tarefas domésticas. </font>
</p><p><font>14 - Ao longo de todo ess | [0 0 0 ... 0 0 0] |
RzJou4YBgYBz1XKviAP2 | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><div><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font></div><br>
<br>
<font> </font><br>
<p><font> </font>
</p><p><b><font>I. Relatório</font></b><br>
</p><p><b><font>1.</font></b><font> </font><b><font>Sigma – Soluções Integradas de Gestão do Meio Ambiente, Unipessoal, Lda.</font></b><font> instaurou procedimento de injunção, transmutada em ação declarativa com forma ordinária, contra “</font><b><font>Amb3e – Associação Portuguesa de Gestão de Resíduos de Equipamentos Eletrónicos</font></b><font>, pedindo a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de €164.112,60, acrescida de €2.131,66, a título de juros de mora, já vencidos.</font><br>
</p><p><font>Alegou, em síntese, que se dedica à consultoria na área das tecnologias de informação e comunicação, à venda e locação de programas e serviços de informática e de telecomunicações, sistemas de computadores, incluindo </font><i><font>hardware</font></i><font> e </font><i><font>software</font></i><font>, e que celebrou, em 22/08/2008, com a requerida um contrato de prestação de serviços na área da informática, designadamente serviços de implementação e manutenção de </font><i><font>software </font></i><font>e</font><i><font> hardware, helpdesk</font></i><font> e formação, tendo prestado diversos serviços, no montante de €164.112,60 e que a Ré, apesar de instada, não pagou.</font><br>
</p><p><b><font>2</font></b><font>. A Ré deduziu oposição e reconvenção, alegando, em síntese, que:</font><br>
</p><p><font>- Na petição inicial, a Autora não identifica a concreta relação contratual que fundamenta a sua pretensão, pelo que a petição inicial é inepta, por falta de causa de pedir.</font><br>
</p><p><font>- A Ré foi vítima de diversos ilícitos criminais praticados por um seu ex-diretor, os quais se encontram em averiguação no DIAP, sendo que a relação contratual estabelecida com a ora Autora é uma das situações em averiguação naquele processo-crime. Por se configurar a existência de causa prejudicial, deve ser suspensa a instância até ser proferida decisão com trânsito em julgado no processo que corre no foro criminal.</font><br>
</p><p><font>- A Ré dedica-se à gestão de resíduos de equipamentos elétricos e eletrónicos, tendo implantado uma rede de centros de receção para a receção, separação e armazenagem de resíduos. Para tal estabeleceu parcerias com operadores de gestão e resíduos e parceiros operacionais que asseguram a prestação dos serviços necessários.</font><br>
</p><p><font>- A Ré celebrou um contrato com a empresa “I…, Lda.” visando a criação de um sistema informático denominado “SIGRes3e”, especialmente desenvolvido para a Ré, de acordo com as suas necessidades específicas.</font><br>
</p><p><font>- Posteriormente, por influência do seu então diretor financeiro, a Ré celebrou um contrato com a empresa “CITI”, atualmente denominada “SIGMA”, ou seja, a ora Autora. </font><br>
</p><p><font>- Este contrato visava aperfeiçoar, desenvolver e melhorar o sistema existente, ou seja, o “SIGRes3e”, cabendo ainda à Autora disponibilizar serviços de helpdesk e de formação. Esses serviços foram prestados pela A…, sociedade controlada pelo então diretor financeiro da Ré.</font><br>
</p><p><font>- A Ré delegou no seu diretor financeiro a coordenação e acompanhamento da execução deste contrato. Este, porém, como a Ré veio posteriormente a apurar, não defendeu os interesses da Ré, tendo aceitado que a Ré ficasse na total dependência técnica da Autora e autorizado o pagamento de faturas de janeiro de 2008 a outubro de 2009, no valor total de €2 216 884,00, sem estar comprovado que os respetivos serviços tenham sido prestados, e sem que a autorização de pagamento contivesse assinatura de um membro do conselho de administração da Ré ou por valores superiores aos do mercado. </font><br>
</p><p><font>- Por outro lado, entre 2007 e 2009, por serviços de consultoria, projetos de desenvolvimento aplicacional e de formação, a Ré pagou €1 207 929,00, sendo que este valor representa uma diferença de €374 584,00 face aos preços de mercado. </font><br>
</p><p><font>- Além disso, apenas por efeito da atuação ilícita do ex-diretor da Ré, ficou clausulado que a titularidade dos direitos sobre o software (que a requerente desenvolveu) lhe pertence.</font><br>
</p><p><font>- Sendo assim, pelo licenciamento do sistema SIGMA, a Ré pagou indevidamente à Autora €597 358,00. Ainda que se entenda que o custo do licenciamento do SIGMA deveria ser suportado pela Ré, ainda assim, a Autora cobrou esse serviço em duplicado, o que representa um prejuízo para a Ré de €192 500,00.</font><br>
</p><p><font>A Ré invoca a nulidade do contrato por ser contrário à ordem pública e aos bons costumes (artigo 280.º, n.º 2, do Código Civil). Ou, se assim não for entendido, a sua anulabilidade, por se tratar de negócio usurário (artigo 282.º, n.º 1, do Código Civil). Afirma ainda que o negócio é anulável, por ter sido celebrado com base em erro na formação da vontade (artigo 251.º, do Código Civil).</font><br>
</p><p><font>Conclui, pedindo que:</font><br>
</p><p><font>a) Seja declarada a ineptidão da petição inicial e a Ré absolvida da instância;</font><br>
</p><p><font>b) Caso assim não se entenda, seja ordenada a suspensão da instância até ao trânsito em julgado do acórdão a proferir no processo-crime, instaurado contra o ex-diretor da ré;</font><br>
</p><p><font>c) Seja declarado nulo o contrato celebrado com a Autora;</font><br>
</p><p><font>d) </font><i><u><font>Subsidiariamente</font></u></i><font>, seja anulado o dito contrato;</font><br>
</p><p><font>e) Seja, em consequência, determinada a restituição de todas as prestações efetuadas e reconhecida a titularidade da Ré sobre o software de base e ainda de todas as aplicações operacionais correspondentes ao atual sistema informático;</font><br>
</p><p><font>f) Se assim não se entender, e se considerar o contrato válido, seja a Autora condenada a reconhecer a titularidade da Ré sobre o software de base e ainda de todas as aplicações operacionais correspondentes ao atual sistema informático;</font><br>
</p><p><font>g) </font><u><font>Em reconvenção</font></u><font>, seja a Autora condenada:</font><br>
</p><p><font>- A pagar à Ré, a título de compensação, a quantia de EUR 971.942,00, correspondente à diferença entre o montante que a Autora deve restituir à Ré e o valor dos serviços ao preço de mercado prestados pela autora à Ré, </font><u><font>até</font></u><font> 31/12/2009, acrescida de juros de mora, à taxa legal, vencidos desde a apresentação da oposição e vincendos até integral pagamento;</font><br>
</p><p><font>- A pagar à Ré a quantia que se vier a liquidar posteriormente, correspondente à compensação entre as quantias a restituir pelas partes, relativas aos serviços faturados pela Autora e os que sejam indevidamente pagos pela Ré, </font><u><font>após</font></u><font> 31/12/2009;</font><br>
</p><p><font>- A reconhecer o direito de acesso da Ré ao código-fonte do software de base e de todo o software aplicacional.</font><br>
</p><p><b><font>3</font></b><font>. A Autora apresentou réplica, tendo, ainda, ampliado o pedido. Neste âmbito, alegou que desde a apresentação do requerimento de injunção até à data da apresentação da réplica se venceram outras faturas no valor global de €253.152,00 que a Ré não pagou.</font><br>
</p><p><font>Concluiu, pedindo a condenação da ré a pagar-lhe (também) esta quantia, acrescida dos respetivos juros de mora, já vencidos e vincendos.</font><br>
</p><p><font>Pediu, ainda, a condenação da ré com litigante de má fé.</font><br>
</p><p><b><font>4</font></b><font>. A Ré treplicou.</font><br>
</p><p><b><font>5.</font></b><font> Foi proferido despacho que indeferiu a suspensão da instância.</font><br>
</p><p><b><font>6.</font></b><font> Na audiência preliminar, foi admitida a reconvenção, bem como a ampliação do pedido e julgada improcedente a ineptidão do requerimento de injunção. Foi selecionada a matéria assente e organizada a base instrutória.</font><br>
</p><p><b><font>7.</font></b><font> Realizado o julgamento, foi proferida sentença que:</font><br>
</p><p><font>a) - Julgando a ação procedente, condenou a ré “a pagar à autora a quantia de €415.428,00, acrescida de juros de mora sobre o valor de cada uma das faturas – a primeira deduzida da nota de crédito – discriminadas nos pontos 1º e 2º dos factos provados, contados 60 dias após a data de emissão de cada uma delas, às taxas supletivas legais que resultam da aplicação da Portaria 597/2005, de 19/07, até integral pagamento”;</font><br>
</p><p><font>b) - Julgando a reconvenção improcedente, absolveu a autora do pedido reconvencional;</font><br>
</p><p><font>c) - Julgou inverificados os pressupostos da litigância de má-fé. </font><br>
</p><p><b><font>8. </font></b><font>Não se conformando com esta decisão, a ré interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa.</font><br>
</p><p><b><font>9.</font></b><font> O Tribunal da Relação de Lisboa veio a julgar improcedente o recurso de apelação, mantendo a decisão proferida pelo Tribunal de 1ª instância. </font><br>
</p><p><b><font>10.</font></b><font> Inconformada com tal decisão, a Ré veio interpor o recurso de revista, tendo sido proferida decisão sumária, determinando-se a </font><b><font>baixa dos autos</font></b><font> ao Tribunal da Relação para que fossem supridas as </font><b><font>contradições</font></b><font> que aí se apontaram em determinados </font><b><font>pontos da matéria de facto</font></b><font>.</font><br>
</p><p><b><font>11.</font></b><font> Por Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa </font><u><font>13-07-2017</font></u><font>, foi anulada a sentença e determinada a baixa dos autos ao tribunal de 1.ª instância a fim de se repetir o julgamento na parte viciada por estar em causa matéria não impugnada no recurso de apelação em relação à qual havia a necessidade de renovar a produção de prova.</font><br>
</p><p><b><font>12. </font></b><font>Repetido o julgamento quantos aos pontos 7.º, 8.º, 16.º, 17.º, 21.º e 35.º da base instrutória, foi, em </font><u><font>28-12-2018</font></u><font>, proferida </font><b><font>sentença</font></b><font> com segmento decisório igual ao da anterior, isto é, </font><b><font>(i)</font></b><font> julgando </font><u><font>procedente a ação</font></u><font> e, consequentemente, condenando a Ré a pagar à Autora a quantia de € 415 428,00, acrescida de juros de mora até integral pagamento;</font><b><font> (ii) </font></b><font>julgando </font><u><font>improcedente a reconvenção</font></u><font>, absolvendo a Autora do pedido reconvencional; e</font><b><font> (iii) </font></b><font>não condenando a Ré como litigante de má fé.</font><br>
</p><p><b><font>13. </font></b><font>Por Acórdão de </font><u><font>11-12-2019</font></u><font>, o Tribunal da Relação de Lisboa </font><u><font>confirmou, sem voto de vencido</font></u><font>, tal decisão.</font><br>
</p><p><b><font>14. </font></b><font>Inconformada com esta decisão a Ré veio interpor recurso de revista excecional.</font><br>
</p><p><font>Verificada a existência da dupla conformidade de decisões (artigo 671.º, n.º 3, do Código de Processo Civil), foram os autos remetidos à Formação de Juízes a que alude o n.º 3 do artigo 672.º do Código de Processo Civil, que admitiu a revista excecional, com fundamento no facto de as questões suscitadas no recurso – relacionadas com os direitos de autor no âmbito dos programas informáticos – apresentarem relevo jurídico bastante para superar a barreira da dupla conforme, estando justificada a necessidade da excecional intervenção do STJ com vista à obtenção de uma solução orientadora e clarificadora sobre a matéria.</font><br>
</p><p><b><font>15. </font></b><font> A Ré, nas</font><b><font> </font></b><font>alegações de recurso de revista que interpôs, formulou as seguintes (transcritas) conclusões:</font><br>
</p><p><font>1ª. O Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido em 11.12.2019, não</font><b><font> </font></b><font>consignou a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, como</font><b><font> </font></b><font>assim impunha o n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais, perante as características próprias do presente litígio.</font><br>
</p><p><font>2ª.</font><b><font> </font></b><font>Em 18.02.2019, a Recorrente, não se conformando com a Sentença proferida</font><b><font> </font></b><font>apresentou recurso de apelação peticionando a alteração à matéria de facto,</font><b><font> </font></b><font>designadamente, quanto aos pontos 7, 8, 16, 17, 21 e 35 da Base Instrutória, matéria sobre a qual versou a renovação do julgamento e a revogação da sentença sendo a mesma substituída por outra que absolvesse a Ré e condenasse a Autora no pedido reconvencional formulado, o que fez concluindo em 83 pontos (A a EEEE).</font><br>
</p><p><font>3.ª</font><b><font> </font></b><font>Em 01.04.2019, a Recorrida apresentou contra-alegações peticionando a</font><b><font> </font></b><font>improcedência do recurso apresentado pela Recorrente, o que fez concluindo em</font><b><font> </font></b><font>37 pontos (A a KK).</font><br>
</p><p><font>4.ª</font><b><font> </font></b><font>Por sua vez, em 11.12.2019, o Tribunal da Relação proferiu Acórdão decidindo</font><b><font> </font></b><font>negar provimento ao recurso, tendo elaborado relatório com 3 pontos, decidiu a</font><b><font> </font></b><font>impugnação da decisão de facto no ponto IV -1 a 5, o que fez em 11 páginas, e tendo decidido de direito no ponto IV – 6 a 11, dedicando ao enquadramento jurídico 13 páginas.</font><br>
</p><p><font>5.ª</font><b><font> </font></b><font>Da leitura do Acórdão ressalta à vista que para o Tribunal da Relação a causa não revestiu especial complexidade, além disso, as Partes procederam de boa-fé, esforçando-se pela resolução do litígio.</font><br>
</p><p><font>6.ª</font><b><font> </font></b><font>Caso não seja dispensado o pagamento do remanescente da taxa de justiça, atento o valor da causa (€ 997.587,00), as partes deverão ainda pagar, além do valor acima referido, o montante de € 8.874,00, num total de € 10.506,00.</font><br>
</p><p><font>7.ª</font><b><font> </font></b><font>Resulta, assim, evidente que a cobrança de tal valor excessivo é manifestamente</font><b><font> </font></b><font>desproporcional face aos serviços prestados e viola os princípios da</font><b><font> </font></b><font>proporcionalidade e da Justiça.</font><br>
</p><p><font>8.ª</font><b><font> </font></b><font>Neste mesmo sentido concluiu o Tribunal da Relação de Lisboa60, referindo que</font><b><font> </font></b><font>“</font><i><font>ainda</font></i><font> </font><i><font>que</font></i><font> </font><i><font>não</font></i><font> </font><i><font>em</font></i><font> </font><i><font>termos</font></i><font> </font><i><font>absolutos,</font></i><font> </font><i><font>deve</font></i><font> </font><i><font>existir</font></i><font> </font><i><font>correspectividade</font></i><font> </font><i><font>entre</font></i><font> </font><i><font>os</font></i><b><font> </font></b><i><font>serviços</font></i><font> </font><i><font>prestados</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>taxa</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>justiça</font></i><font> </font><i><font>cobrada</font></i><font> </font><i><font>aos</font></i><font> </font><i><font>cidadãos</font></i><font> </font><i><font>que</font></i><font> </font><i><font>recorrem</font></i><font> </font><i><font>aos</font></i><b><font> </font></b><i><font>tribunais</font></i><font> </font><i><font>designadamente</font></i><font> </font><i><font>da</font></i><font> </font><i><font>taxa</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>justiça,</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>acordo</font></i><font> </font><i><font>com</font></i><font> </font><i><font>o</font></i><font> </font><i><font>princípio</font></i><font> </font><i><font>da</font></i><font> </font><i><font>proporcionalidade,</font></i><font> </font><i><font>consagrado</font></i><font> </font><i><font>no</font></i><font> </font><i><font>artigo</font></i><font> </font><i><font>2º</font></i><font> </font><i><font>CRP,</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>direito</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>acesso</font></i><font> </font><i><font>à</font></i><font> </font><i><font>justiça</font></i><font> </font><i><font>acolhido</font></i><font> </font><i><font>no</font></i><font> </font><i><font>artigo</font></i><font> </font><i><font>20º</font></i><font> </font><i><font>CRP”,</font></i><br>
</p><p><font>9ª. Razão pela qual se requer a reforma ou, caso assim não se entenda, a revogação do Acórdão, nessa parte, determinando-se a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos previstos no artigo 6.°, nº 7, do Regulamento das Custas Processuais.</font><br>
</p><p><font>10º. O douto Tribunal recorrido escusou-se de analisar a questão suscitada pela Ré nas conclusões CCCC.e DDDD.das suas alegações derecurso relativa à nulidade parcial do negócio e sua redução por entender, que se trata de uma questão nova.</font><br>
</p><p><font>11.ª Porém, a referida questão suscitada pela Recorrente é do conhecimento oficioso do julgador e tem quer ser apreciada, mesmo sem que tal lhe haja sido pedido, pois como refere o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08.01.2015: </font><i><font>O</font></i><font> </font><i><font>princípio</font></i><font> </font><i><font>da</font></i><font> </font><i><font>conservação</font></i><font> </font><i><font>dos</font></i><font> </font><i><font>negócios</font></i><font> </font><i><font>jurídicos</font></i><font> </font><i><font>conduz</font></i><font> </font><i><font>ao</font></i><font> </font><i><font>aproveitamento</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>negócio,</font></i><font> </font><i><font>salvo</font></i><font> </font><i><font>quando</font></i><font> </font><i><font>se</font></i><font> </font><i><font>mostre</font></i><font> </font><i><font>que</font></i><font> </font><i><font>este</font></i><font> </font><i><font>não</font></i><font> </font><i><font>teria</font></i><font> </font><i><font>sido</font></i><font> </font><i><font>concluído</font></i><font> </font><i><font>sem</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>parte</font></i><font> </font><i><font>viciada</font></i><font> </font><i><font>(artigo</font></i><font> </font><i><font>292.º</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>Código</font></i><font> </font><i><font>Civil).</font></i><font> </font><i><font>Como</font></i><font> </font><i><font>salienta</font></i><font> </font><i><font>Pedro</font></i><font> </font><i><font>Pais</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>Vasconcelos,</font></i><font> </font><i><font>"</font></i><font> </font><b><i><font>no</font></i></b><font> </font><b><i><font>caso</font></i></b><font> </font><b><i><font>de</font></i></b><font> </font><b><i><font>nulidade</font></i></b><font> </font><b><i><font>parcial,</font></i></b><font> </font><b><i><font>de</font></i></b><font> </font><b><i><font>conhecimento</font></i></b><font> </font><b><i><font>oficioso,</font></i></b><font> </font><b><i><font>o</font></i></b><font> </font><b><i><font>tribunal</font></i></b><font> </font><b><i><font>não</font></i></b><font> </font><b><i><font>pode</font></i></b><font> </font><b><i><font>deixar</font></i></b><font> </font><b><i><font>de</font></i></b><font> </font><b><i><font>conhecer</font></i></b><font> </font><b><i><font>a</font></i></b><font> </font><b><i><font>nulidade</font></i></b><font> </font><b><i><font>e,</font></i></b><font> </font><b><i><font>segundo</font></i></b><font> </font><b><i><font>o</font></i></b><font> </font><b><i><font>preceito</font></i></b><font> </font><b><i><font>do</font></i></b><font> </font><b><i><font>artigo</font></i></b><font> </font><b><i><font>292.º,</font></i></b><font> </font><b><i><font>só</font></i></b><font> </font><b><i><font>deve</font></i></b><font> </font><b><i><font>deixar</font></i></b><font> </font><b><i><font>de</font></i></b><font> </font><b><i><font>reduzir</font></i></b><font> </font><b><i><font>quando</font></i></b><font> </font><b><i><font>se</font></i></b><font> </font><b><i><font>convença</font></i></b><font> </font><b><i><font>de</font></i></b><font> </font><b><i><font>que</font></i></b><font> </font><b><i><font>as</font></i></b><font> </font><b><i><font>partes</font></i></b><font> </font><b><i><font>não</font></i></b><font> </font><b><i><font>teriam</font></i></b><font> </font><b><i><font>celebrado</font></i></b><font> </font><b><i><font>o</font></i></b><font> </font><b><i><font>negócio</font></i></b><font> </font><b><i><font>sem</font></i></b><font> </font><b><i><font>a</font></i></b><font> </font><b><i><font>parte</font></i></b><font> </font><b><i><font>viciada"</font></i></b><i><font>.</font></i><br>
</p><p><font>12.ª Assim, caso se conceba que o contrato de licenciamento objeto dos presentes autos é parcialmente válido, pelo menos no que concerne ao licenciamento dos desenvolvimentos realizados pela Autora sobre o </font><i><font>SIGRes3e</font></i><font> - já que a Ré não logrou demonstrar que não celebraria o negócio se este tivesse apenas por objeto o licenciamento dos desenvolvimentos realizados sobre o </font><i><font>SIGRes3e</font></i><font> </font><i><font>-</font></i><font>impõe-se concluir pela respetiva redução do preço na proporção correspondente ao preço do licenciamento cobrado pelo software que era e é pertença da Ré e que esta nunca transmitiu à Autora.</font><br>
</p><p><font>13.ª E não se diga que “inexistem factos provados para fundamentar o pretendido - nomeadamente no que respeita aos valores de licenciamento respeitarem à utilização dos módulos constantes do programa originário da titularidade da R.”, pois resulta do facto provado em 5.º que </font><b><i><font>“(…)</font></i></b><font> </font><b><i><font>o</font></i></b><font> </font><b><i><font>preço</font></i></b><font> </font><b><i><font>da</font></i></b><font> </font><b><i><font>Licença</font></i></b><font> </font><i><font>ora</font></i><font> </font><i><font>concedida</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>dos</font></i><font> </font><i><font>serviços</font></i><font> </font><i><font>contratados</font></i><font> </font><i><font>no</font></i><font> </font><i><font>seu</font></i><font> </font><i><font>âmbito</font></i><font> </font><i><font>é</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><b><i><font>EUR:</font></i></b><font> </font><b><i><font>90.000</font></i></b><i><font>,</font></i><font> </font><i><font>devidos</font></i><font> </font><i><font>em</font></i><font> </font><i><font>quatro</font></i><font> </font><i><font>tranches</font></i><font> </font><i><font>de 22.500</font></i><font> </font><i><font>Euros,</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>pagar</font></i><font> </font><i><font>mensalmente,</font></i><font> </font><i><font>nos</font></i><font> </font><i><font>meses</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>Setembro</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>Dezembro</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>2008.</font></i><br>
</p><p><i><font>2.</font></i><font> </font><i><font>Adicionalmente,</font></i><font> </font><i><font>será</font></i><font> </font><i><font>devido</font></i><font> </font><i><font>um</font></i><font> </font><b><i><font>valor</font></i></b><font> </font><b><i><font>mensal</font></i></b><font> </font><b><i><font>por</font></i></b><font> </font><b><i><font>utilizador</font></i></b><font> </font><i><font>comprovadamente</font></i><font> </font><i><font>registado</font></i><font> </font><i><font>na</font></i><font> </font><i><font>aplicação,variável</font></i><font> </font><b><i><font>em</font></i></b><font> </font><b><i><font>funçãodo</font></i></b><font> </font><b><i><font>tipo</font></i></b><font> </font><b><i><font>de</font></i></b><font> </font><b><i><font>utilização</font></i></b><font> </font><i><font>nos</font></i><font> </font><i><font>termos</font></i><font> </font><i><font>indicados</font></i><font> </font><i><font>no</font></i><font> </font><i><font>quadro</font></i><font> </font><i><font>abaixo</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>facturar,</font></i><font> </font><i><font>pelo</font></i><font> </font><i><font>Segunda</font></i><font> </font><i><font>Contratante,</font></i><font> </font><i><font>nas</font></i><font> </font><i><font>condições</font></i><font> </font><i><font>previstas</font></i><font> </font><i><font>na</font></i><font> </font><i><font>Cláusula</font></i><font> </font><i><font>Terceira</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>Contrato</font></i><font> </font><br>
</p><p><i><font>Utilizadores</font></i><br>
</p><p><i><font>Custo</font></i><font> </font><i><font>Mensal</font></i><font> </font><i><font>/</font></i><font> </font><i><font>Utilizador</font></i><font> </font><br>
</p><p><i><font>Intranet</font></i><br>
</p><p><b><i><font>Financeira</font></i></b><font> </font><b><i><font>85,00€</font></i></b><font> </font><br>
</p><p><b><i><font>Comercial</font></i></b><font> </font><b><i><font>85,00€</font></i></b><font> </font><br>
</p><p><b><i><font>Gestão</font></i></b><font> </font><b><i><font>de</font></i></b><font> </font><b><i><font>Resíduos</font></i></b><font> </font><b><i><font>85,00€</font></i></b><font> </font><br>
</p><p><i><font>Extranet</font></i><br>
</p><p><b><i><font>Aderentes</font></i></b><font> </font><b><font>8</font></b><b><i><font>5,00€</font></i></b><font> </font><br>
</p><p><b><i><font>Centros</font></i></b><font> </font><b><i><font>de</font></i></b><font> </font><b><i><font>Recepção</font></i></b><font> </font><b><i><font>85,00€</font></i></b><font> </font><br>
</p><p><b><i><font>Operadores</font></i></b><font> </font><b><i><font>Logísticos</font></i></b><font> </font><b><i><font>85,00€</font></i></b><font> </font><br>
</p><p><b><i><font>Unidades</font></i></b><font> </font><b><i><font>de</font></i></b><font> </font><b><i><font>Tratamento</font></i></b><font> </font><b><i><font>e</font></i></b><font> </font><b><i><font>Valorização 85,00€</font></i></b><br>
</p><p><b><font>14.ª</font></b><font> Por outro lado, resulta manifestamente provado nos autos que a componente variável </font><i><font>respeita</font></i><font> </font><i><font>à</font></i><font> </font><i><font>utilização</font></i><font> </font><i><font>dos</font></i><font> </font><i><font>módulos</font></i><font> </font><i><font>constantes</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>programa</font></i><font> </font><i><font>originário</font></i><font> </font><i><font>da</font></i><font> </font><i><font>titularidade</font></i><font> </font><i><font>da</font></i><font> </font><i><font>R</font></i><font>é conforme é referido no relatório pericial onde se lê que o </font><i><font>SIGRes3e</font></i><font> já continha tais módulos que eram utilizados pelos utilizadores, a saber:</font>
</p><p><font>• </font><b><font>“Aderente</font></b><font>”</font>
</p><p><font>• “Amb3E” (composto pelo módulo </font><b><font>financeiro</font></b><font>, o módulo </font><b><font>comercial</font></b><font> e o módulo de </font><b><font>gestão</font></b><font> </font><b><font>de</font></b><font> </font><b><font>resíduos</font></b><font>)</font>
</p><p><font>• “CR” (</font><b><font>Centros</font></b><font> </font><b><font>de</font></b><font> </font><b><font>Receção</font></b><font>)</font>
</p><p><font>• “OL” (</font><b><font>Operadores</font></b><font> </font><b><font>Logísticos</font></b><font>)</font>
</p><p><font>• “UTV” (</font><b><font>Unidades</font></b><font> </font><b><font>de</font></b><font> </font><b><font>Tratamento</font></b><font> </font><b><font>e</font></b><font> </font><b><font>Valorização</font></b><font>) (cfr. fls. 1202 verso do relatório pericial)</font><br>
</p><p><font>15.ª Quer isto dizer que a redução do preço se operaria, designadamente, através da eliminação da componente do preço que se refere à (i) disponibilidade do software </font><i><font>SIGMA</font></i><font> que à data do contrato era uma réplica do </font><i><font>SIGRes3e</font></i><font> (EUR 90.000, acrescido de IVA, num total de €108.000,00 - valor a que alude a alínea g) do facto provado em 25.º), e (ii) utilização por utilizador dos módulos que já constavam do </font><i><font>SIGRes3e</font></i><font> que era e é da titularidade da Ré (cujo valor resulta, ainda que indiretamente, do facto provado em 33.º como sendo de €474.159 = €582.159-€108.000).</font><br>
</p><p><font>16.ª Nestes termos, uma vez que se trata de uma questão de conhecimento oficioso, competia ao douto Tribunal recorrido dela conhecer, sob pena de nulidade de tal acórdão, por omissão de pronúncia, nos termos da alínea d) primeira parte do n.º 1, do artigo 615.º e do n.º 3, do artigo 613.º, ambos do Código de Processo Civil.</font><br>
</p><p><font>17.ª Razão pela qual deve ser revogado o aresto recorrido e ordenada a baixa do processo para o Tribunal da Relação de Lisboa a fim de ser suprida tal nulidade, devendo, em qualquer caso, a questão da redução do preço do contrato de licenciamento em crise, ser julgada procedente nos termos peticionados.</font><br>
</p><p><font>18.ª A Recorrente interpõe o presente recurso de revista excecional, tendo como fundamento as situações elencadas nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 671.º do CPC, uma vez que considera que estão em causa duas questões </font><b><font>fundamentais</font></b><font> </font><b><font>de</font></b><font> </font><b><font>direito</font></b><font> de manifesta complexidade, de difícil resolução e para cuja subsunção jurídica se impõe um detalhado exercício de exegese e interpretação, a saber:</font><br>
</p><p><font>(i) o que se deve entender por </font><b><u><font>programa original</font></u></b><u><font>;</font></u><font> e</font><br>
</p><p><font>(ii) se a </font><b><u><font>autorização para transformação de um programa de</font></u></b><font> </font><b><u><font>computador concedida pelo seu titular a terceiro está sujeita ao</font></u></b><font> </font><b><u><font>cumprimento de alguma formalidade legal sob pena de nulidade.</font></u></b><br>
</p><p><font>19.ª A primeira questão de direito sob apreço atinente ao conceito de programa original mostra-se de acentuada pertinência e deveras fundamental uma vez que para que uma obra autoral, como o programa de computador, tenha proteção jurídica, é necessário que obedeça ao </font><u><font>requisito da originalidade</font></u><font> e a este propósito, conforme bem refere o Acórdão recorrido, “</font><u><font>nem a Diretiva n.º</font></u><font> </font><u><font>91/250/CEE, nem o DL n.º 252/94 de 20 de outubro “(…) indicam o que seja</font></u><font> </font><u><font>um programa «original, no sentido em que é o resultado da criação intelectual</font></u><font> </font><u><font>do autor», ou o que seja um programa de computador com «carácter criativo»”.</font></u><br>
</p><p><font>20.ª Acresce que, tal conceito de “originalidade”, por demais primordial para efeitos de reconhecimento da proteção jurídica dos programas de computador, prevista no Decreto-Lei n.º 252/94, de 20 de outubro, não tem sido detalhadamente tratado pela jurisprudência, constituindo questão com relevância jurídica a justificar pronúncia pelo Supremo Tribunal de Justiça.</font><br>
</p><p><font>21.ª A segunda questão fundamental de direito em apreço, objeto de controvérsia doutrinal e jurisprudencial, prende-se em saber se a autorização para transformação de um programa de computador concedida pelo seu titular a terceiro está sujeita deve ser reduzida a escrito e a este propósito, refere o Acórdão recorrido que “ainda que não resulte dos factos provados uma autorização expressa da R. no sentido de a A. utilizar e transformar o </font><i><font>SIGRes3e</font></i><font>, depreende-se dess | [0 0 0 ... 0 0 0] |
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<font> </font><div><br>
<font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font></div><br>
<font> </font>
<p><font> </font>
</p><p><b><font>I.</font></b><font> </font><b><font>Relatório</font></b><br>
</p><p><b><font>1</font></b><font>. O </font><b><font>Ministério Público</font></b><font> intentou ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra </font><b><font>AA </font></b><font>e </font><b><font>BB, </font></b><font>formulando o seguinte</font><b><font> </font></b><font>pedido:</font><br>
</p><p><font>“A) Ser declarado nula e ineficaz a escritura de justificação notarial, outorgada pelos RR, celebrada em 20 de março de 2014, no Cartório Notarial Dra. CC, em ...;</font><br>
</p><p><font>B) Ser ordenado o cancelamento do registo predial da aquisição por usucapião, efetuado com base na escritura de justificação e comunicada tal decisão ao Serviço de Finanças competente;</font><br>
</p><p><font>C) Mais se requer, desde já, nos termos dos art.ºs 2.º, n.º1 al. a); 3.º, n.º1 al.a) e 8.º-B, n.º3 al.a) do C.R. Predial, se diligencie pelo registo da presente ação e, nos termos do art.º 101, n.º1 do Código de Notariado, se comunique ao Cartório Notarial onde foi celebrada a escritura, a instauração da presente ação.”</font><br>
</p><p><font>Para tanto, alegou, em síntese:</font><br>
</p><p><font>- os Réus são casados um com o outro;</font><br>
</p><p><font>- no dia 20 de março de 2014, outorgaram escritura de justificação, mediante a qual declararam “Que, com exclusão de outrem, são donos e legítimos possuidores de um prédio urbano, com a área de 608 m2, composto de terreno para construção, sito em ... – ..., freguesia e concelho ... … não descrito na Conservatória do Registo Predial ..., inscrito na matriz predial urbana sob o art.º ...08, da freguesia ... … </font><br>
</p><p><font>Mais declararam por sua inteira e exclusiva responsabilidade … que não existe qualquer relação entre o prédio ora justificado e o prédio descrito na … Conservatória sob a n.º3223 …”</font><br>
</p><p><font>Que o indicado prédio veio à posse dos justificantes, no ano de 1980, por doação verbal de DD … que por sua vez veio à posse … por compra a EE … há mais de vinte anos que têm possuído o mencionado imóvel em nome próprio, sem interrupção desde o início, … já adquiriram a totalidade do prédio por usucapião…”</font><br>
</p><p><font>Que pretendem proceder ao registo da aquisição, porém, não o têm podido fazer em virtude de não possuírem título para o efeito …”;</font><br>
</p><p><font>- a doação e posse do imóvel por parte dos justificantes não ocorreu nos termos e condições em que foi declarado na escritura de justificação, não possuindo estes a posse de um prédio urbano com a área de 608 m2, há mais de 20 anos;</font><br>
</p><p><font>- de igual forma não corresponde à verdade que os RR não tivessem hipótese de obter título pelos meios extrajudiciais para registar o referido prédio;</font><br>
</p><p><font>- de igual forma não corresponde à verdade o que os justificantes fizeram constar na escritura de justificação de que não existe qualquer relação com o prédio descrito na Conservatória sob o n.º...23;</font><br>
</p><p><font>- os Réus, tendo conhecimento da impossibilidade legal de proceder à individualização dos avos indivisos que haviam adquirido atentas as características do prédio rústico em que se inseriam, recorreram à escritura de justificação para obviar a tal impedimento;</font><br>
</p><p><font>- não corresponde à verdade que os justificantes têm possuído o prédio urbano em nome próprio, sem interrupção desde 1980, uma vez que só o adquiriram em 1984, bem como o mesmo lhes tenha sido doado por DD;</font><br>
</p><p><font>- com as declarações prestadas, os Réus pretenderam, por via de escritura de justificação e invocando a usucapião, obter a aquisição originária do prédio, registando-o a seu favor, quando os mesmos eram apenas titulares de uma fração indivisa do referido prédio, que sempre se manteve rústico.</font><br>
</p><p><font>O Autor indicou o valor da ação: €30 000,01.</font><br>
</p><p><b><font>2.</font></b><font> Citados, os Réus vieram contestar, impugnando o valor da ação, referindo que a presente ação tem como fundamento a anulação de ato jurídico que versa sobre um imóvel, pelo que o valor da ação deverá ser o valor patrimonial indicado pela Autoridade Tributária, €7 785,05.</font><br>
</p><p><b><font>3.</font></b><font> Notificado para se pronunciar ao abrigo do princípio do contraditório, o Autor veio alegar, referindo que o interesse do Ministério Público na presente ação não se limita ou se relaciona com o valor pecuniário do bem – prédio – objeto da escritura, vai mais além, visa defender a legalidade e os interesses públicos subjacentes aos preceitos que proíbem o fracionamento dos prédios rústicos, e, ssim, porque o interesse do Autor – Ministério Público em atuação por competência própria e específica – é um interesse imaterial, deve ser aplicado o disposto no artigo 303.º, n.º1, do Código de Processo Civil, para a fixação do valor da presente ação. </font><br>
</p><p><b><font>4.</font></b><font> Proferida decisão, o Tribunal de 1.ª instância proferiu a seguinte decisão “Consequentemente, em consonância com o supra exposto, fixo à acção o valor de €7.67000 (sete mil seiscentos e setenta euros) – art.º301.º n.º1 e 306.º n.º 1 e 2 do Código de Processo Civil”.</font><br>
</p><p><b><font>5.</font></b><font> Inconformado com esta decisão, o Autor interpôs recurso de apelação.</font><br>
</p><p><b><font>6.</font></b><font> O Tribunal da Relação de Évora veio a “julgar improcedente o presente recurso de apelação interposto pelo Ministério Público, aqui A., e, em consequência, mantém-se a decisão recorrida”.</font><br>
</p><p><b><font>7.</font></b><font> Novamente inconformado, o Autor veio interpor recurso de revista, formulando as seguintes (transcritas) conclusões:</font><br>
</p><p><font>1.ª – O presente recurso deve ser admitido, pois o acórdão sob recurso respeitando ao valor processual, fixou um valor à ação que ficou dentro da alçada do mesmo tribunal a quo, quando aqui se alega e demonstra que o mesmo excede essa alçada, tendo decidido contra os interesses defendidos e representados pelo A.</font><br>
</p><p><font>2.ª - Estando em causa a decisão final do incidente de verificação do valor da ação e que lhe pôs termo, o presente recurso deve ser admitido nos termos do artigo 629.º, n.º 2, alínea b), e artigo 671.º, n.º 2, alínea a) do Código de Processo Civil, por se tratar de específico fundamento que admite sempre recurso.</font><br>
</p><p><font>3.ª - A presente ação foi instaurada pelo Ministério Público, de acordo com as atribuições que lhe são concedidas pelo artigo 4.º, n.º 1, al. a) e r), e artigo 9.º, n.º 1, alínea g), do Estatuto do Ministério Público (Lei n.º 68/2019, de 27.08), e que igualmente encontra fundamento no disposto no artigo 219.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.</font><br>
</p><p><font>4.ª - A conduta dos RR com a celebração da escritura de justificação e a declaração de factos que não correspondem à verdade, com violação das disposições referentes à aquisição originária – usucapião - visaram contornar a proibição legal de fracionamento rústico previsto nos artigos 1376.º e ss. do Código Civil.</font><br>
</p><p><font>5.ª - O ordenamento jurídico contempla preceitos legais que atribuem ao Ministério Público, direta e autonomamente, competência específica para, na prossecução do interesse público, solicitar determinadas atuações jurisdicionais, com reflexo na esfera jurídica dos particulares.</font><br>
</p><p><font>6.ª - Neste âmbito se encontram os preceitos do Código Civil que estabelecem um regime próprio, de carácter imperativo, nos seus artigos 1376.º a 1382.º, com o intuito da criação e manutenção de unidades prediais economicamente viáveis para o fim aí previsto, visando impedir a divisão da propriedade agrícola, preceitos que os RR tencionaram tornear com a sua atuação.</font><br>
</p><p><font>7.ª - De igual forma, de acordo com o disposto no artigo 294.º, do Código Civil, disposição legal de carácter imperativo, o Ministério Público possui legitimidade desde que o negócio envolva um interesse público tutelado por normas imperativas e de ordem pública.</font><br>
</p><p><font>8.ª - A este regime subjaz, pois, um interesse económico supra individual ou social, de que toda a coletividade é titular e, por tal facto, um interesse público.</font><br>
</p><p><font>9.ª - A parte ativa nestas ações é, assim, o Estado–Coletividade enquanto entidade jurídica em que se consubstancia o interesse público acautelado através da atuação oficiosa do Ministério Público, i.e., é o Estado–Coletividade que atua, solicitando uma providência jurisdicional com reflexo na esfera dos particulares, com vista à realização direta do interesse público.</font><br>
</p><p><font>10.ª - Deste modo, o interesse na presente ação não se limita, nem se relaciona apenas com o valor pecuniário do direito de propriedade sobre o bem – prédio – objeto da escritura, mas vai mais além disso, pois visa defender a legalidade e os interesses públicos subjacentes aos preceitos que proíbem o fracionamento dos prédios rústicos.</font><br>
</p><p><font>11.ª - É a defesa do interesse público que está, pois, em causa, substancial e primacialmente, na presente ação com vista à impugnação da justificação notarial, sendo a anulação do ato jurídico instrumental à defesa desse interesse imaterial.</font><br>
</p><p><font>12.ª - Nas ações sobre interesses imateriais, o seu objeto não tem valor pecuniário, pois destinam–se à declaração ou efetivação dum direito extrapatrimonial.</font><br>
</p><p><font>13.ª - À presente ação de impugnação de escritura de justificação notarial deve assim ser aplicável o disposto no artigo 303.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, na medida em que está em causa o interesse público do Estado–Coletividade enquanto entidade jurídica em que se consubstanciada o interesse público acautelado através da atuação oficiosa do Ministério Público.</font><br>
</p><p><font>14.ª - A decisão recorrida violou, por erro de interpretação e aplicação, o disposto no artigo 303.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.</font><br>
</p><p><font>E conclui: “Deve o acórdão sob recurso ser revogado esubstituídopor outro que atribua à ação o valor de 30.000,01 €, assim se fazendo a devida justiça.”</font><br>
</p><p><b><font>8.</font></b><font> Os Réus não contra-alegaram.</font><br>
</p><p><b><font>9.</font></b><font> Cumpre apreciar e decidir.</font><br>
</p><p><b><font>II. Delimitação do objeto do recurso</font></b><br>
</p><p><font>Como é jurisprudência sedimentada, e em conformidade com o disposto nos artigos 635º, nº 4, e 639º, nºs 1 e 2, ambos do Código de Processo Civil, o objeto do recurso é delimitado em função das conclusões formuladas pelo recorrente, pelo que, dentro dos preditos parâmetros, da leitura das conclusões recursórias formuladas pelo A. / ora Recorrente decorre que o objeto do presente recurso está circunscrito à questão de saber qual o valor da causa.</font><br>
</p><p><b><font>III. Fundamentação</font></b><br>
</p><p><b><font>1. Factos relevantes:</font></b><br>
</p><p><b><font>1.1.</font></b><font> Em 20 de março de 2014, no Cartório Notarial .... CC, em ..., os Réus outorgaram escritura de justificação notarial.</font><br>
</p><p><b><font>1.2. </font></b><font>O prédio constante dessa escritura tem o valor patrimonial de €7 670,00. </font><br>
</p><p><b><font>1.3. </font></b><font>O Autor atribuiu à ação o valor de €30 000,01. </font><br>
</p><p><b><font>1.4. </font></b><font>Em 18/03/2022, o Tribunal de 1.ª instância veio a fixar o valor da causa em €7 670,00. </font><br>
</p><p><b><font>1.5. </font></b><font>O Tribunal da Relação de Évora veio a proferir acórdão, confirmando a decisão do Tribunal de 1.ª instância. </font><br>
</p><p><b><font>2. Do valor da causa</font></b><br>
</p><p><font>O Autor / Ministério Público intentou a presente ação pedindo que seja declarado nula e ineficaz a escritura de justificação notarial, outorgada pelos RR, celebrada em 20 de março de 2014, no Cartório Notarial Dra. CC, em ... e que seja ordenado o cancelamento do registo predial de aquisição por usucapião, efetuado com base na escritura de justificação e comunicada tal decisão ao Serviço de Finanças competente.</font><br>
</p><p><font>O Autor atribuiu à ação o valor de €30 000,01.</font><br>
</p><p><font>Por despacho de 18 de março de 2022, o Tribunal de 1.ª instância veio a fixar o valor em €7 670,00, invocando como fundamento o disposto no artigo 301.º do Código de Processo Civil (validade de um ato jurídico).</font><br>
</p><p><font>Interposto recurso pelo Autor, o Tribunal da Relação de Évora veio a confirmar a decisão recorrido, mas com fundamento no disposto no n.º1 do artigo 302.º do Código de Processo Civil.</font><br>
</p><p><font>Inconformado com esta decisão, o Autor interpõe recurso de revista, referindo que é a defesa do interesse público que está em causa, substancial e primacialmente, na presente ação com vista à impugnação da justificação notarial, sendo a anulação do ato jurídico instrumental à defesa desse interesse imaterial, pelo que estamos no âmbito das ações sobre interesses imateriais, sendo aplicável o disposto no n.º1 do artigo 303.º do Código de Processo Civil.</font><br>
</p><p><font>Vejamos.</font><br>
</p><p><font>Nos termos do disposto no n.º1 do artigo 296.º do Código de Processo Civil, a toda a causa deve ser atribuído um valor certo, expresso em moeda legal, o qual representa a utilidade económica imediata do pedido.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>Prescreve o artigo 301.º do Código de Processo Civil, nos seus n.ºs1 e 2, que:</font><br>
</p><p><font>1. Quando a ação tiver por objeto a apreciação da existência, validade, cumprimento, modificação ou resolução de um ato jurídico, atende-se ao valor do ato determinado pelo preço ou estipulação pelas partes.</font><br>
</p><p><font>2. Se não houver preço nem valor estipulado, o valor do ato determina-se em harmonia com as regras gerais.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>Por sua vez, o n.º1 do artigo 302.º do Código de Processo Civil preceitua que se a ação tiver por fim fazer valer o direito de propriedade sobre uma coisa, o valor desta determina o valor da causa.</font><br>
</p><p><font>Por fim, o n.º1 do artigo 303.º do Código de Processo Civil refere que as ações sobre o estado das pessoas ou sobre interesses imateriais consideram-se sempre de valor equivalente à alçada da Relação e mais €00,1.</font><br>
</p><p><font>Ora, como se sabe, têm por objeto interesses imateriais as ações que visam alcançar um interesse não patrimonial, isto é, as que pretendem a declaração ou efetivação de direitos extrapatrimoniais.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>No caso presente, o Autor/Ministério Público pretende que se declare nula e ineficaz a escritura de justificação notarial, outorgada pelos Réus, em 20 de março de 2014, no Cartório Notarial Dra. CC, em ..., alegando que não corresponde à verdade o que consta desse título de justificação da forma de aquisição originária do direito, e que os Réus, ao recorrerem à escritura de justificação, pretendiam era ultrapassar o obstáculo legal ao registo do prédio.</font><br>
</p><p><font>Estamos, assim, perante uma ação de impugnação de justificação notarial.</font><br>
</p><p><font>E a justificação notarial (cf</font><i><font>.</font></i><font> artigos 116.º, n.º1, do Código do Registo Predial, e 89.º, do Código do Notariado) visa suprir a falta de título do justificante em relação ao direito de que se arroga titular (no caso presente, o de propriedade), a fim de permitir a primeira inscrição desse direito no registo, podendo aquela ser impugnada judicialmente, em ação de impugnação de justificação notarial - ação de simples apreciação negativa, com o ónus da prova dos factos constitutivos do direito real justificado a cargo do impugnado/Réu que dele se arroga titular (artigo 343º, n.º 1 do Código Civil) e que, caso o não cumpra, vê a ação proceder. </font><br>
</p><p><font>Deste modo, os Réus podem obter por esta forma o reconhecimento do direito de propriedade de que se arrogaram na escritura de justificação, se a ação vier a ser julgada improcedente.</font><br>
</p><p><font>Como se afirma na decisão do Tribunal de 1.ª instância, estamos em presença de uma ação onde se discute a validade de um ato jurídico (onde se justifica o trato sucessivo) e, assim, para efeitos de valor da causa, estamos no âmbito do disposto no n.º1 do artigo 301.º do Código de Processo Civil.</font><br>
</p><p><font>E sendo o valor patrimonial do prédio de €7 670,00, será este o valor da causa.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>O Recorrente refere que estaríamos no âmbito de interesses imateriais, porquanto a sua intervenção ocorre na prossecução do interesse público, e no âmbito das competências que lhe são atribuídas pela Lei e pela Constituição.</font><br>
</p><p><font>Ora, na presente ação em que é posta em crise a validade de um ato jurídico, e para os efeitos do disposto no n.º1 do artigo 301.º do Código de Processo Civil, é o valor do ato que justifica a utilidade económica do pedido, e não as competências de intervenção do Ministério Público.</font><br>
</p><p><font>As relevantes competências que a Lei e a Constituição atribuem ao Ministério Público legitimam a sua intervenção, mas não têm reflexo sobre o valor da causa nos termos em que o Código de Processo Civil o define.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>Deste modo, o recurso tem de improceder, não pelos fundamentos invocados pelo Acórdão recorrido, mas pelos que foram invocados pelo Tribunal de 1.ª instância.</font><br>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>IV. Decisão</font></b>
</p><p><font>Posto o que precede, acorda-se em negar a revista, e, consequentemente, em manter o Acórdão recorrido (embora com a fundamentação constante do despacho proferido no Tribunal de 1.ª instância).</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Sem custas (por delas estar isento o Recorrente).</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>Lisboa, </font><u><font>20 de dezembro de 2022</font></u><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>Pedro de Lima Gonçalves (Relator)</font><br>
</p><p><font>Maria João Vaz Tomé</font><br>
</p></font><p><font><font>António Magalhães </font></font></p> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
szFdu4YBgYBz1XKvcPva | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font> </font><br>
<div><br>
<font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font></div><br>
<br>
<font> </font>
<p><b><font>I. Relatório</font></b>
</p><p>
</p><p><b><font>1.</font></b><font> </font><b><font>AA</font></b><font> (de nacionalidade portuguesa) instaurou contra </font><b><font>BB</font></b><font> (cidadã de nacionalidade brasileira), uma ação especial de revisão de sentença estrangeira, pedindo que seja revista e confirmada a decisão que decretou o divórcio do requerente e da Requerida, por </font><i><font>Escritura Pública de Divórcio Consensual </font></i><font>lavrada em 17 de fevereiro de 2012, no Cartório do Registro Civil e Tabelionato de Notas do Município de ..., Comarca ..., ..., na República Federativa do Brasil, nos termos do artigo 1571°, inciso IV, do Código Civil Brasileiro, do artigo 733.° do Código de Processo Civil brasileiro e do artigo 226</font><sup><font>.º</font></sup><font>, parágrafo 6.º, da Constituição Federal do Brasil. </font>
</p><p><b><font>2</font></b><font>. Citada, a Requerida não deduziu oposição. </font>
</p><p><b><font>3</font></b><font>. Observado o disposto no artigo 982.°, n.º 1, do Código de Processo Civil, tanto o Ministério Público como o Requerente apresentaram Alegações, nas quais sustentam, em resumo, inexistirem dúvidas quanto à autenticidade do documento de que consta a </font><i><font>sentença</font></i><font> a rever, não se vislumbrar a ausência de qualquer dos requisitos aludidos nas alíneas b) a e) do artigo 980.º do Código de Processo Civil de 2013 (cuja verificação, aliás, se presume, nos termos do artigo 984.º do mesmo diploma) e ser a decisão confirmanda conforme aos princípios da ordem pública internacional do Estado Português, estando, portanto, reunidos todos os pressupostos necessários à confirmação da sentença revidenda.</font>
</p><p><b><font>4.</font></b><font> Por Acórdão datado de 13/01/2022, o Tribunal da Relação de Lisboa decidiu, confirmar a decisão singular do Juiz Desembargador Relator que:</font>
</p><p><i><font>a) julgou inepta a petição inicial, por falta de causa de pedir (art. 186.º, n.º 2, al. a), do CPC de 2013), no que concerne ao pedido de revisão e confirmação da Escritura Pública de Divórcio Consensual lavrada em 17 de Fevereiro de 2012, no Cartório do Registro Civil e Tabelionato de Notas do Município de ..., Comarca ..., ..., na República Federativa do Brasil, nos termos do artigo 1571.º, inciso IV, do Código Civil Brasileiro, do artigo 733.º do Código de Processo Civil brasileiro e do artigo 226.º, parágrafo 6.º, da Constituição Federal do Brasil, na qual ambos os outorgantes declararam, de comum acordo, que, pela presente escritura, ficava dissolvido o vínculo conjugal entre eles existente, passando os outorgantes a ter o estado civil de divorciados e, consequentemente, ficando extintos todos os deveres do casamento;</font></i>
</p><p><i><font>b) e, consequentemente, indeferiu a petição inicial (nos termos do n.º 1 do art. 590.º do actual CPC), declarar nulo todo o processo (nos termos do n.º 1 do cit. art. 186.º do mesmo diploma) e extinta a instância.</font></i>
</p><p><b><font>5. </font></b><font>Inconformado com esta decisão, o Requerente interpôs o presente recurso de revista, formulando as seguintes (transcritas) conclusões:</font>
</p><p><i><font>26. O Recorrente apresentou Acção de Revisão para confirmação de</font></i><b><i><u><font> </font></u></i></b><i><font>Escritura Pública de Divórcio lavrada por Notário no Brasil;</font></i>
</p><p><i><font>27. o Exmo. Juiz Desembargador Relator, de forma sumária, julgou inepta a petição inicial por falta de causa de pedir, ao argumento que a Escritura Pública de Divórcio Consensual lavrada por Notário no Brasil não representa uma “decisão” para os fins previstos no art. 978º do CPC, e, por conseguinte, indeferiu a petição inicial, declarando nulo todo o processo e extinguindo a instância;</font></i>
</p><p><i><font>28. o Recorrente, irresignado, reclamou para a conferência, sem, contudo, obter êxito, eis que o Tribunal a quo manteve a decisão sumária do Relator reeditando os mesmos fundamentos;</font></i>
</p><p><i><font>29. neste contexto, restou ao Recorrente manejar o presente recurso de revista a este Augusto Tribunal, sustentando que a Escritura Pública de Divórcio apresentada tem força semelhante a de decisões judiciais que decretam o divórcio, uma vez que foi proferida por entidade brasileira legalmente competente para o efeito, estando abarcada no sentido do termo “decisão” contido no art. 978º do CPC, carecendo de revisão para produzir efeitos em Portugal, notadamente para fins de comunicação aos serviços registais.</font></i>
</p><p><i><font>30. Sendo assim, o presente recurso tem por objetivo a reforma do acórdão em crise para que seja julgado procedente o pedido de revisão e confirmação da Escritura Pública de Divórcio do Recorrente e, dessa forma, tenha eficácia perante o ordenamento jurídico interno, o que permitirá ao Recorrente ter seu estado civil regularizado perante o estado português.</font></i>
</p><p><font>E conclui pela procedência do recurso.</font>
</p><p><b><font>8.</font></b><font> Não houve contra-alegações. </font>
</p><p><b><font>9.</font></b><font> Cumpre apreciar e decidir.</font><br>
</p><p><b><font> </font></b><br>
</p><p><b><font>II. Delimitação do objeto do recurso</font></b><br>
</p><p><font>Como é jurisprudência sedimentada, e em conformidade com o disposto nos artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.ºs 1 e 2, ambos do Código de Processo Civil, o objeto do recurso é delimitado em função das conclusões formuladas pelo recorrente, pelo que, dentro dos preditos parâmetros, da leitura das conclusões recursórias formuladas pelo Requerente/ora Recorrente decorre que o objeto do presente recurso está circunscrito à seguinte questão: </font>
</p><p><font>em saber se a escritura pública de divórcio consensual, lavrada em 17 de fevereiro de 2012, no Cartório do Registro Civil e Tabelionato de Notas do Município de ..., Comarca ..., ..., na República Federativa do Brasil, cuja revisão e conformação é peticionada pelo Requerente, contém uma decisão administrativa ou judicial sobre direitos privados, que possa ser apreciada ou revista para que tenha eficácia em Portugal, nos termos do disposto no artigo 978.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>III. Fundamentação</font></b><br>
</p><p><b><font>1. Factos provados:</font></b><br>
</p><p><b><font>1.1. </font></b><font>O Requerente e a Requerida contraíram entre si casamento civil, no dia 16 de dezembro de 1994, em ..., ..., República Federativa do Brasil (cfr. a certidão de assento de casamento junta a fls. 5 e 5-v).</font><br>
</p><p><b><font>1.2.</font></b><font> Por Escritura Pública de Divórcio Consensual lavrada em 17 de fevereiro de 2012, no Cartório do Registro Civil e Tabelionato de Notas do Município de .... Comarca ..., ..., na República Federativa do Brasil, nos termos do artigo 1571.º, inciso IV, do Código Civil Brasileiro, do artigo 733.º do Código de Processo Civil brasileiro e do artigo 226.º, parágrafo 6.º, da Constituição Federal do Brasil, ambos os outorgantes [o ora Requerente e a ora Requerida] declararam, de comum acordo, que, pela presente escritura, ficava dissolvido o vínculo conjugal entre eles existente, passando os outorgantes a ter o estado civil de divorciados e, consequentemente, ficando extintos todos os deveres do casamento, (cf. o documento [certidão da escritura pública de divórcio consensual] junto à petição inicial como documento n.º 3, a fls. 7-8).</font><br>
</p><p><b><font>3. Apreciação</font></b><br>
</p><p><font>Seguindo de perto os ensinamentos de Alberto dos Reis, </font><i><font>in</font></i><font> Processos Especiais, vol. II, reimpressão, Coimbra Editora, Coimbra, p.141, escreveu-se no Acórdão do STJ de 12/07/2011 (Revista n.º 987/10.5YRLSB.S1), “O nosso sistema de revisão de sentenças estrangeiras inspira-se basicamente no chamado sistema de delibação, isto é, de revisão meramente formal. O que significa que o tribunal, em princípio, se limita a verificar se a sentença estrangeira satisfaz a certos requisitos de forma, não conhecendo, pois, do fundo ou mérito da causa. Ou seja, desde que o tribunal nacional se certifique de que tem perante si uma verdadeira sentença estrangeira, deve reconhecer-lhe os efeitos típicos das decisões judiciais, não fazendo sentido que proceda a um novo julgamento da causa.”.</font>
</p><p><font>É este o entendimento seguido neste Supremo Tribunal, conforme se comprova nos mais recentes Acórdãos datados de 2/07/2020 (Revista n.º 224/18.4YRGMR.S1), de 2/12/2020 (Revista n.º 1289/19.7YRLSB.S1) e de 23/03/2021 (Revista n.º 2652/19.9YRLSB.S1).</font>
</p><p><font>O Acórdão recorrido fundou a sua decisão no seguinte: </font><i><font>Porém, no caso dos autos, o divórcio por mútuo consentimento que se pretende seja reconhecido por esta Relação, através de processo de revisão e confirmação regulado nos artigos 978.º e segs. do actual CPC, não foi decretado por nenhum tribunal estrangeiro, nem sequer por qualquer autoridade administrativa ou religiosa a quem, porventura, a ordem jurídica brasileira tivesse conferido poderes de autoridade para decretar a dissolução, por divórcio, dos casamentos.</font></i>
</p><p><i><font>Efectivamente, neste caso, a dissolução do casamento celebrado entre o Requerente e a ora Requerida promana das declarações negociais de vontade emitidas pelos próprios cônjuges no contexto duma escritura pública celebrada num cartório notarial. segundo o ritualismo estabelecido pelo artigo 733.º do actual Código de Processo Civil brasileiro</font></i><a><b><i><u><font>[1]</font></u></i></b></a><i><font>, em que o notário se limita a certificar que os outorgantes declararam perante si que, pela presente escritura, ficava dissolvido o vínculo conjugal entre eles existente, passando os outorgantes a ter o estado civil de divorciados e, consequentemente, ficando extintos todos os deveres do casamento, (cfr. o documento [certidão da escritura pública de divórcio consensual] junto à petição inicial como documento n.º 3, a fls. 7-8).</font></i>
</p><p><i><font>Neste quadro, irreleva que, segundo o direito Brasileiro, os Notários ou tabeliães sejam, a par dos registradores, considerados agentes públicos, ou seja, particulares que recebem, por delegação do listado, a incumbência da execução de determinada atividade, obra ou serviço público e o realizam em nome próprio, por sua conta e risco, mas segundo as normas do Estado e sob a permanente fiscalização do delegante. De todo o modo, não é o Notário ou tabelião brasileiro (que lavra a escritura pública de divórcio consensual) quem declara a dissolução do casamento; são os cônjuges outorgantes que se auto-divorciam, dissolvendo, eles próprios, o vínculo conjugal entre eles existente.</font></i>
</p><p><i><font>O Notário-tabelião brasileiro mais não faz do que certificar as declarações negociais de vontade emitidas pelos outorgantes, através das quais eles dissolvem o seu casamento e decidem que passam a ter o estado civil de divorciados. Trata-se dum divórcio privado, operado pelos próprios cônjuges outorgantes da escritura pública de divórcio, na qual o papel do Notário/Tabelião é, tão só, o de dar fé pública àquelas declarações negociais de vontade.</font></i>
</p><p><i><font>Assim sendo, inexiste, no caso em apreço, uma decisão, judicial, administrativa ou religiosa, passível de ser submetida ao processo especial de revisão e confirmação regulado nos artigos 978.º e segs. do CPC de 2013.</font></i>
</p><p><i><font>A ausência de qualquer decisão, seja de natureza judicial, seja doutra qualquer natureza (administrativa ou religiosa), passível de formar caso julgado e, portanto, susceptível de ser revista e confirmada por esta Relação, no quadro do processo especial cuja tramitação está prevista nos citt. arts. 978.º e segs. do CPC de 2013, implica a inexistência de causa de pedir.</font></i>
</p><p><i><font>Na verdade, «a acção de revisão de sentença estrangeira é uma acção de simples apreciação destinada a verificar se a sentença estrangeira está em condições de produzir efeitos como acto jurisdicional na ordem jurídica portuguesa»</font></i><a><b><i><u><font>[2]</font></u></i></b></a><a><b><i><u><font>[3]</font></u></i></b></a><i><font>.</font></i>
</p><p><i><font>Por isso, se não existe qualquer decisão estrangeira, seja ela judicial, administrativa ou religiosa, em condições de produzir efeitos como acto jurisdicional na ordem jurídica portuguesa, falta, pura e simplesmente, a causa de pedir.</font></i>
</p><p><i><font>Ora - como se sabe -, a falta de causa de pedir constitui causa de ineptidão da petição inicial, nos termos do art. 186.º, n.º 2, al. a), do CPC de 2013, acarretando a nulidade de todo o processo (n.º 1 do mesmo art. 186.º), a qual conduz à absolvição do réu da instância, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 278.º, n.º 1, al. b), 576.º, n.º 2, e 577.º, al. b), todos do citado CPC de 2013 e é causa de indeferimento liminar da petição (devido à ocorrência duma excepção dilatória insuprível), nos termos do art. 590.º, n.º 1, do mesmo Código</font></i><font>.</font>
</p><p><font>Entendeu o Acórdão recorrido que a petição inicial era inepta, porquanto não foi apresentada qualquer decisão estrangeira, judicial, administrativa ou religiosa, que possa ser considerada ato jurisdicional a fim de ser judicialmente confirmada através do presente processo especial.</font>
</p><p><font>O termo </font><i><font>decisão sobre direitos privados, proferida por tribunal estrangeiro</font></i><font>, previsto no artigo 978.º do Código de Processo Civil, deve ser entendido num sentido amplo, a fim de abranger as decisões que sejam proferidas quer por autoridades judiciais, quer por autoridades administrativas, conforme decidido nos seguintes Acórdãos do STJ de 29/09/2020 (Revista n.º190/18.6YRGMR.S1); de 9/05/2019 (Revista n.º 828/18.5YRLSB-A.S1), de 28/02/2019 (Revista n.º 106/18.0YRCBR.S1); de 22/05/2013 (Revista n.º 687/12.1YRLSB.S1); de 25/06/2013 (Revista n.º 623/12.5YRLSB.S1); de 12/07/2005 (Revista n.º 1880/05).</font>
</p><p><font>Conforme se mostra decidido nestes arestos dos STJ, os quais demonstram a posição aqui prevalente, no processo especial de revisão de sentença estrangeira devemos atribuir um sentido amplo ao termo </font><i><font>decisão sobre direitos privados, proferida por tribunal estrangeiro</font></i><font>, e considerar aqui abrangidos quer as decisões dos tribunais, quer as decisões de entidades administrativas, caso a lei do país de origem atribua relevância jurídica à referida entidade e considere admissível essa forma de dissolução do casamento, e que essa decisão se mostre conforme aos requisitos do artigo 980.º do Código de Processo Civil.</font>
</p><p><font>Também no Código de Processo Civil Anotado, de António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, em comentário ao artigo 978.º, se escreve, quanto a esta matéria: </font><i><font>Nos diversos preceitos que regulam este processo especial de revisão, na identificação do seu objeto, tanto se utiliza o termo “decisão” como “sentença”. Essa distinção evidencia, desde logo, que o âmbito objetivo do processo especial não se limita exclusivamente às típicas “sentenças” emanadas de tribunais, nos moldes consagrados no nosso ordenamento jurídico. Não pode ignorar-se que outros ordenamentos preveem formas diversas de resolução de litígios ou de tutela de interesses juridicamente relevantes (STJ 29-3-11, 214/09</font></i><a><b><i><u><font>[4]</font></u></i></b></a><i><font>). Diversidade que também entre nós está prevista no DL n.º 272/01, de 13-10, relativamente à regulação de interesses a cargo do Min. Público ou das conservatórias do registo civil, com especial destaque para o decretamento do divórcio por mútuo consentimento (arts. 12.º e 14.º).</font></i>
</p><p><font>(…)</font>
</p><p><i><font>Já relativamente à escritura pública prevista no atual art. 733.º do CPC do Brasil, através da qual se pode realizar a separação consensual dos cônjuges, e a prevista no art. 1580.º do Cód. Civil Brasileiro, que permite que, decorrido um ano a partir da separação, se opere a conversão em divórcio, considerou-se que constituem documentos que têm força igual à das sentenças, uma vez que são emitidas pela entidade brasileira legalmente competente para o efeito (STJ 25-06-13, 623/12, STJ 12-07-2005, 05B1880 e RL 30-06-09, 344/09).</font></i>
</p><p><font>Também Luís de Lima Pinheiro (</font><i><font>In</font></i><font> Regime Interno de Reconhecimento de Decisões Judiciais Estrangeiras, publicado in Revista da Ordem dos Advogados, Ano 61, vol. II, Abril de 2001, pp. 591-594, disponível em </font><a><u><font>https://portal.oa.pt/upl/%7B7bd770a8-e20e-43d9-918d-7a981c5ae1a6%7D.pdf</font></u></a><font>.), a propósito do divórcio por mútuo consentimento, entende que o reconhecimento de decisão estrangeira de divórcio por mútuo consentimento cometido a autoridade administrativa deve ser sujeito ao regime de revisão e confirmação de sentença estrangeira quando tiver os mesmos efeitos que uma decisão judicial, porque, </font><i><font>em última instância o que importa não é a natureza do órgão que profere a decisão mas os efeitos que ela produz segundo o Direito do Estado de origem</font></i><font>.</font>
</p><p><font>Os arts. 731.º a 733.º do Código de Processo Civil do Brasil (texto integral disponível em </font><a><u><font>http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm</font></u></a><font>.) estipulam o seguinte:</font>
</p><p><font>Art. 731. A homologação do divórcio ou da separação consensuais, observados os requisitos legais, poderá ser requerida em petição assinada por ambos os cônjuges, da qual constarão:</font>
</p><p><font>I - as disposições relativas à descrição e à partilha dos bens comuns;</font>
</p><p><font>II - as disposições relativas à pensão alimentícia entre os cônjuges;</font>
</p><p><font>III - o acordo relativo à guarda dos filhos incapazes e ao regime de visitas; e</font>
</p><p><font>IV - o valor da contribuição para criar e educar os filhos.</font>
</p><p><font>Parágrafo único. Se os cônjuges não acordarem sobre a partilha dos bens, far-se-á esta depois de homologado o divórcio, na forma estabelecida nos arts. 647 a 658.</font>
</p><p><font>Art. 732. As disposições relativas ao processo de homologação judicial de divórcio ou de separação consensuais aplicam-se, no que couber, ao processo de homologação da extinção consensual de união estável.</font>
</p><p><font>Art. 733. </font><u><font>O divórcio consensual, a separação consensual e a extinção consensual de união estável, não havendo nascituro ou filhos incapazes e observados os requisitos legais, poderão ser realizados por escritura pública, da qual constarão as disposições de que trata o art. 731</font></u><font>.</font>
</p><p><font>§ 1º </font><u><font>A escritura não depende de homologação judicial e constitui título hábil para qualquer ato de registo, bem como para levantamento de importância depositada em instituições financeiras.</font></u>
</p><p><u><font>§ 2º O tabelião somente lavrará a escritura se os interessados estiverem assistidos por advogado ou por defensor público, cuja qualificação e assinatura constarão do ato notarial</font></u><font>.</font>
</p><p><font>Por outro lado, o art. 1571.º do Código Civil do Brasil (texto integral disponível em </font><a><u><font>http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm</font></u></a><font>.) preceitua o seguinte:</font>
</p><p><font>Art. 1571. </font><u><font>A sociedade conjugal termina</font></u><font>:</font>
</p><p><font>I - pela morte de um dos cônjuges;</font>
</p><p><font>II - pela nulidade ou anulação do casamento;</font>
</p><p><font>III - pela separação judicial;</font>
</p><p><font>V - </font><u><font>pelo divórcio</font></u><font>.</font>
</p><p><font>§ 1º O casamento válido só se dissolve pela morte de um dos cônjuges ou pelo divórcio, aplicando-se a presunção estabelecida neste Código quanto ao ausente.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Tal qual já decidido por este STJ, em situações idênticas de divórcio consensual através de escritura pública ou outro meio alternativo de resolução de litígio, é admissível a confirmação de decisões de decretamento de divórcio, por entidades administrativas ou jurisdicionais, como no presente caso, como sejam os já citados acórdãos de 25/06/2013 (Revista n.º 623/12.5YRLSB.S1), e de 22/05/2013 (Revista n.º 687/12.1YRLSB.S1), (em ambos escritura pública de separação consensual de cônjuges, na qual passado um ano é convertível em divórcio, provenientes do Brasil, que foram confirmadas); de 29/09/2020 (Revista n.º 190/18.6YRGMR.S1), e de 12/07/2005 (Revista n.º 1880/05, (em ambas, divórcio decretado por Conservatória do Registo Civil da Ucrânia, comprovado através de certidão dessa mesma entidade, também confirmada).</font>
</p><p><font>Tal qual decidido no já citado Acórdão do STJ de 25/06/2013 (Revista n.º 623/12.5YRLSB.S1), que trata de situação similar à dos presentes autos, escritura pública de entidade administrativa brasileira competente para divórcio, neste aresto escreveu-se o seguinte:</font>
</p><p><i><font>Para estas situações em que a autoridade administrativa estrangeira decreta o divórcio, desde há muito que se sedimentou a interpretação jurisprudencial no sentido de que a decisão de uma autoridade administrativa estrangeira sobre direitos privados deve ser considerada como abrangida pela previsão do artigo 1094º, n.º 1 do Código de Processo Civil, carecendo de revisão para produzir efeitos em Portugal.</font></i>
</p><p><i><font>A questão é que a Relação não reconheceu que a escritura pública dos autos, embora seja um acto administrativo, tenha o carácter de decisão.</font></i>
</p><p><i><font>Segundo o douto acórdão recorrido, a intervenção da autoridade pública não tem qualquer força constitutiva em relação à dissolução do casamento, sendo bastante a declaração dos cônjuges pela forma legalmente adequada para a produção desse efeito.</font></i>
</p><p><i><font>Tal como se considerou no Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 22/05/2013 (REVISTA 687/12.1YRLSB.S1), abordando um caso idêntico ao dos autos, “a interpretação do acórdão sob recurso do que seja uma decisão da autoridade administrativa estrangeira peca por demasiado restritiva”.</font></i>
</p><p><i><font>“O que interessa para a ordem jurídica portuguesa é mais o conteúdo do acto administrativo, ou seja, o modo como regula os ditos interesses privados”.</font></i>
</p><p><i><font>“Do ponto de vista formal apenas releva que o acto administrativo provenha efectivamente duma autoridade administrativa”.</font></i>
</p><p><i><font>“Se não ofende a ordem pública portuguesa, quanto à maneira como regulou esses interesses privados e provém duma autoridade administrativa, estão preenchidos os requisitos para a confirmação do seu conteúdo”.</font></i>
</p><p><i><font>“Não releva, portanto, o modo ou a via como se chegou à produção desse acto, ou seja, se através duma emissão formal da vontade da entidade administrativa responsável pelo acto, ainda que de carácter meramente homologatório, ou se de maneira mais «contratual» apenas através das declarações dos outorgantes. Por outras palavras, basta que se trate de um acto caucionado administrativamente pela ordem jurídica em que foi produzido (cfr. artigo 1º da Convenção de Haia Sobre o Reconhecimento dos Divórcios e Separação de Pessoas, de 1/06/1970)”.</font></i>
</p><p><i><font>Acresce que se, assim não fosse, “estava-se a denegar a força do dito acto, como idóneo para produzir os seus efeitos, como se de sentença fosse. Ou seja, estava-se a denegar a competência da entidade que o produziu, quando é certo que a competência para o acto, como é de jurisprudência, é definida pela lei nacional dessa entidade”, além de que, continua o citado acórdão, “esta natureza meramente contratual da escritura não resulta dos seus termos”.</font></i>
</p><p><i><font>“Os outorgantes não declaram a dissolução do vínculo conjugal. Pedem-na e o Tabelião – notário – não se limita a testar as suas declarações, declara (decide) a dissolução, depois de verificados e preenchidos os requisitos legais”.</font></i>
</p><p><i><font>“Estamos, pois, perante uma decisão homologatória, logo constitutiva do divórcio”.</font></i>
</p><p><i><font>A referida escritura pode, por isso, servir de base á presente revisão. </font></i>
</p><p><i><font> </font></i>
</p><p><font>No caso presente, da certidão da Escritura Pública de Divórcio Direto Consensual, junta com a petição inicial, resulta exatamente o mesmo teor que é referido no citado acórdão do STJ. Ou seja, verifica-se uma efetiva decisão homologatória do tabelião, que, após as declarações dos cônjuges de não pretender mais a convivência conjugal, atesta a verificação dos requisitos legais do divórcio à luz da lei brasileira, e declara o divórcio entre as partes, o que também se mostra conforme com a já referida legislação do Brasil.</font>
</p><p><font>Ora, sendo o nosso sistema de revisão de sentenças estrangeiras um sistema de delibação, em que ocorre tão só uma revisão meramente formal, na medida em que o tribunal se limita a verificar se a sentença estrangeira satisfaz certos requisitos de forma, não conhecendo do fundo ou mérito da causa, verificando-se que estamos perante uma verdadeira sentença, porquanto constitutiva de direitos, a extinção do vínculo conjugal, e mostrando-se conforme com os requisitos do artigo 980.º do Código de Processo Civil, impõe-se a sua confirmação judicial.</font>
</p><p><font> Não podemos acompanhar o Acórdão recorrido no sentido em que a petição inicial é inepta porquanto não requerida a revisão e confirmação de uma sentença estrangeira, pois, conforme demonstrado, a decisão </font><i><font>revidenda</font></i><font> é constitutiva de direitos porque extingue o vínculo conjugal entre os cônjuges, através da declaração do tabelião e verificação da conformidade com a lei brasileira, ainda que de forma desjudicializada, tal qual também é permitido em Portugal.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Em face do exposto, verifica-se que a petição inicial não é inepta por falta de causa de pedir, pois, ao contrário do decidido no Acórdão recorrido, existe uma decisão que é suscetível de ser revista e confirmada.</font>
</p><p>
</p><p><font>Deste modo, o recurso tem de proceder, revogando-se o Acórdão recorrido e determinando-se o prosseguimento dos autos.</font><br>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>IV. Decisão</font></b>
</p><p><font>Posto o que precede, acorda-se em conceder a revista, e, consequentemente, em revogar o Acórdão recorrido, determinando-se o prosseguimento dos autos.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Sem custas.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Lisboa, 7 de junho de 2022 </font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>Pedro de Lima Gonçalves (relator) </font><br>
</p><p><font>Maria João Vaz Tomé </font><br>
</p><p><font>António Magalhães</font><br>
</p><p><font>_____</font>
</p></font><p><font><a><b><i><u><font>[1]</font></u></i></b></a><i><font> Nos termos do qual: «O divórcio consensual, a separação consensual e a extinção consensual de união estável, não havendo nascituro ou filhos incapazes e observados os requisitos legais, poderão ser realizados por escritura pública, da qual constarão as disposições de que trata o art. 731º».</font></i><br>
<a><b><i><u><font>[2]</font></u></i></b></a><i><font> LUÍS DE LIMA PINHEIRO in “Regime Interno de Reconhecimento de Decisões Judiciais Estrangeiras” cit., loc. cit., p. 595.</font></i><br>
<a><b><i><u><font>[3]</font></u></i></b></a><i><font> Cfr., no mesmo sentido, ALBERTO DOS REIS in ob. e vol. citt., p. 204.</font></i><br>
<a><u><font>[4]</font></u></a><font> Texto integral disponível em</font><br>
<a><u><font>http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/2bbbe86f3594aa9c80257863005826ab?OpenDocument</font></u></a><font>. </font></font></p> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
6TJou4YBgYBz1XKvAgIw | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font> </font><div><br>
<font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font></div><br>
<br>
<font> </font><br>
<p><font> </font>
</p><p><b><font>I. Relatório</font></b>
</p><p>
</p><p><b><font>1.</font></b><font> </font><b><font>Massa Insolvente de Interlog Informática, S.A. </font></b><font>instaurou ação declarativa, com processo ordinário, contra </font><b><font>Tech Data Portugal Lda. e Tech Data Europe GMBH </font></b><font>pedindo a condenação das Rés a pagarem-lhe a quantia de €6 216 538,50 (seis milhões, duzentos e dezasseis mil, quinhentos e trinta e oito euros e cinquenta cêntimos), acrescida de juros moratórios, à taxa legal, desde a citação até efetivo e integral pagamento. </font>
</p><p><font>Subsidiariamente, pede que sejam condenadas a pagar-lhe a quantia de €3 000 000,00 (três milhões de euros) a título de enriquecimento sem causa, montante a que acrescem juros moratórios, à taxa legal, desde a citação até efetivo e integral pagamento.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>Para tanto alegou que manteve com as Rés conversações e sérias negociações a fim de ceder a sua posição contratual à 1.ª Ré que a Autora tinha com a Apple e, sem que nada o fizesse prever e sem nenhuma concreta explicação, as Rés romperam de forma abrupta as negociações, o que consubstancia uma conduta ilícita, causadora de danos para a Autora.</font><br>
</p><p><font>Caso assim não se entenda, a título de enriquecimento sem causa, sempre deverão as Rés ser condenadas a pagar à Autora o justo valor pelo ativo imaterial da Autora, informação e </font><i><font>goodwill, </font></i><font>que adquiriram num contexto negocial que findou.</font><br>
</p><p><b><font>2</font></b><font>. As Rés apresentaram contestação, na qual impugnaram a factualidade alegada pela Autora, e invocam que não se verificaram as condições que eram essenciais para a conclusão do negócio, o que era do conhecimento da Autora.</font><br>
</p><p><b><font>3</font></b><font>. A Autora apresentou réplica, na qual sustentou que todos os pontos essenciais do negócio estavam fechados, não existindo condições por verificar, tendo sido assinada a Letter of Intend, em 03-05-2011, a título de fechamento de sete meses de negociações, pelo que assume a natureza de proposta contratual.</font><b><font> </font></b><br>
</p><p><font>A Autora invocou, ainda, o facto superveniente de que a Ré Tech Data publicitou ter celebrado recentemente, por referência a 20-09-2011, um Contrato de Distribuição para todos os produtos e serviços Apple, exceto iPhone, válido para o território nacional.</font><br>
</p><p><b><font>4</font></b><font>. No decurso da audiência de julgamento, no seguimento de requerimento da Autora, o Tribunal de 1.ª instância proferiu despacho no qual declarou sem efeito: </font><br>
</p><p><font>- a apreciação tecida pela Autora quanto à prova produzida; </font><br>
</p><p><font>- as alegações de factos atinentes aos resultados da Tech Data, à evolução da cotação das ações, à efetiva concretização de aquisições pela Tech Data na Europa em 2011;</font><br>
</p><p><font>- à "juntada" que acompanha o requerimento em apreço;</font><br>
</p><p><font>- a resposta das RR quanto aos factos ora alegados pela A.</font><br>
</p><p><b><font>5.</font></b><font> Foi proferida sentença, tendo o Tribunal de 1.ª instância julgado a ação improcedente e, consequentemente, absolveu as Rés do pedido.</font><br>
</p><p><b><font>6.</font></b><font> Inconformada, a Autora interpôs recurso, não só do despacho interlocutório acima referido como ainda da sentença final.</font><br>
</p><p><b><font>7.</font></b><font> O Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 22-06-2017 anulou a sentença impugnada e ordenou a ampliação da matéria de facto.</font><br>
</p><p><b><font>8. </font></b><font>Realizado novo julgamento, o Tribunal de 1.ª instância proferiu nova sentença que, igualmente, absolveu as Rés do pedido, julgando improcedente a pretensão da Autora.</font><br>
</p><p><b><font>9.</font></b><font> A Autora, mais uma vez, interpôs recurso de apelação da sentença, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa, em 31-01-2019, proferido Acórdão em que ordenou que os autos baixassem ao Tribunal de 1.ª instância para aí se proceder à motivação da decisão proferida sobre os quesitos 22.º, 40.º, 41.º e 50.º.</font><br>
</p><p><b><font>10.</font></b><font> Em 14-05-2019, em cumprimento do ordenado pelo Tribunal da Relação de Lisboa, foi aditado complemento da sentença à motivação de facto.</font><br>
</p><p><b><font>11.</font></b><font> Notificadas deste complemento, Autora e Rés pronunciaram-se sobre a motivação complementar, mantendo e reforçando as respetivas alegações e resposta e pedido de ampliação de recurso.</font><br>
</p><p><b><font>12. </font></b><font>O Tribunal da Relação de Lisboa, em 21-11-2019, proferiu Acórdão no qual julgou parcialmente procedente a apelação da Autora e, consequentemente, revogou a sentença impugnada que substituiu por outra que julga parcialmente procedente o pedido da Autora e improcedente a ampliação de recurso das Rés, e condenou as Rés a pagarem à Autora a quantia de €5 740 000,00 (cinco milhões, setecentos e quarenta mil euros), acrescidos de juros vencidos e vincendos desde a citação até integral pagamento, contados à taxa legal.</font><br>
</p><p><b><font>13. </font></b><font>Autora e Rés vieram requerer a retificação do Acórdão por padecer de lapsos de escrita.</font><br>
</p><p><b><font>14. </font></b><font> Em seguida, as Rés, inconformadas, interpuseram recurso de revista, formulando as seguintes (transcritas) conclusões:</font><br>
</p><p><font>Da questão prévia</font><br>
</p><p><font>1.ª Em 5 de dezembro de 2019, as Recorrentes requereram, perante o Tribunal </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>quo</font></i><font>, a rectificação do Acórdão recorrido, com o fundamento de que o mesmo padecia de certos lapsos e inexactidões, configuráveis como erros materiais (cfr. art.º 614.º CPC).</font><br>
</p><p><font>2.ª Conquanto a maioria dos lapsos identificados pelas Recorrentes constituam simples gralhas ou erros de escrita, verifica-se uma omissão que, por estar inserida num segmento nuclear da fundamentação do Acórdão recorrido, interfere directamente com o exercício do direito ao recurso pelas Recorrentes.</font><br>
</p><p><font>Ora,</font><br>
</p><p><font>3.ª Na parte final da página 70 do acórdão, o Tribunal recorrido refere que “</font><i><font>c)</font></i><font> </font><i><font>que,</font></i><font> </font><i><font>por</font></i><font> </font><i><font>causa</font></i><font> </font><i><font>das</font></i><font> </font><i><font>rés,</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>com</font></i><font> </font><i><font>forte</font></i><font> </font><i><font>probabilidade</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>autora</font></i><font> </font><i><font>perdeu</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>oportunidade</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>encaixar</font></i><font>”, </font><u><font>mas depois nada mais se diz a esse respeito</font></u><font>, passando imediatamente à análise do pedido subsequente.</font><br>
</p><p><font>4.ª Esta incompletude da notificação da fundamentação da decisão afecta directamente a posição das Recorrentes, na medida em que se reporta às razões justificativas para a revogação da sentença proferida pelo tribunal de 1.ª instância e, consequentemente, para a condenação daquelas.</font><br>
</p><p><font>5.ª À data da apresentação das presentes alegações de revista, o Tribunal recorrido ainda não procedeu às correcções devidas.</font><br>
</p><p><font>6.ª Nessa medida, as presentes alegações de revista estão condicionadas pela não correcção atempada dos referidos lapsos e omissões, em particular considerando que as Recorrentes não estão dotadas de todos os elementos necessários a alcançar cabalmente o sentido e fundamentos daquela decisão.</font><br>
</p><p><font>7.ª Não tendo as Recorrentes sido notificadas de uma parte essencial da fundamentação do Acórdão recorrido, verifica-se a omissão de uma formalidade que a lei prevê e que influi directamente no exame da causa, </font><u><font>o que implica a</font></u><font> </font><u><font>nulidade da notificação daquela decisão (cfr. art.º 253.º e 195.º, n.º 1, ambos</font></u><font> </font><u><font>do CPC), que desde já se argui para todos os efeitos legais.</font></u><br>
</p><p><font>8.ª Caso assim não se entendesse, tal consubstanciaria uma violação do direito fundamental das Recorrentes de acesso ao direito e aos tribunais (cfr. art.º 20.º da Constituição da República Portuguesa «CRP»), porquanto, ao não lhes ser disponibilizada na íntegra a fundamentação do acórdão, fica gravemente afectado o seu direito ao recurso.</font><br>
</p><p><font>Breve enquadramento</font><br>
</p><p><font>9.ª A Interlog e a Tech Data mantiveram negociações, durante cerca de sete meses, com vista à potencial aquisição, por esta última, da posição contratual da Interlog enquanto “</font><i><font>Value</font></i><font> </font><i><font>Added</font></i><font> </font><i><font>Distributor</font></i><font>” da Apple.</font><br>
</p><p><font>10.ª Paralelamente, a Interlog negociou o mesmo modelo contratual com a Vinzeo, com a perspectiva de maximizar o eventual retorno financeiro decorrente a referida cessão da posição contratual.</font><br>
</p><p><font>11.ª A Tech Data sujeitou a sua vontade de contratar ao preenchimento de determinadas condições suspensivas, a saber: i) a obtenção do apoio da Apple e, bem assim, ii) a aprovação do negócio por parte do Conselho Europeu da Tech Data.</font><br>
</p><p><font>12.ª A Interlog estava ciente das referidas condições suspensivas, bem como do seu carácter essencial no contexto da possível celebração de um acordo.</font><br>
</p><p><font>13.ª Por motivos alheios à vontade da Tech Data, o apoio da Apple ao modelo de negócio que estava a ser equacionado nunca se concretizou.</font><br>
</p><p><font>14.ª A Tech Data cessou as conversações com a Interlog, invocando, entre outros, aquele fundamento.</font><br>
</p><p><font>15.ª Inconformada com a cessação das negociações, a Interlog pediu, através da presente acção, a condenação da Tech Data no pagamento de uma indemnização com base em responsabilidade pré-contratual, formulando, essencialmente, duas pretensões distintas, uma principal e outra subsidiária:</font><br>
</p><p><font>i. A condenação da Tech Data no pagamento de € 5.740.000,00, a título de interesse contratual positivo; e</font><br>
</p><p><font>ii. subsidiariamente, a condenação da Tech Data no pagamento do mesmo montante, em virtude da frustração do negócio que estava a equacionar com a Vinzeo, i.e., pelo interesse contratual negativo.</font><br>
</p><p><font>16.ª O Tribunal de 1.ª instância absolveu a Tech Data de todos os pedidos formulados pela Interlog, porquanto </font><i><u><font>“[a] conduta desenvolvida pelas RR., ao longo do</font></u></i><font> </font><i><u><font>processo negocial, não foi de molde a afirmar-se que razoavelmente criaram na</font></u></i><font> </font><i><u><font>A. a convicção séria e fundada de que o contrato ia celebrar-se”.</font></u></i><br>
</p><p><font>17.ª A Interlog recorreu desta sentença para o Tribunal da Relação de Lisboa.</font><br>
</p><p><font>18.ª Inexplicavelmente, o Acórdão recorrido julgou parcialmente procedente o recurso interposto pela Interlog, e nessa medida, condenou a Tech Data no pagamento de €5.740.000,00, a título de indemnização pelo interesse contratual negativo, por considerar que a Interlog teria recebido aquele valor proveniente da Vinzeo, não fora a conduta da Tech Data.</font><br>
</p><p><font>Da nulidade do acórdão recorrido por contradição entre os factos e a decisão</font><br>
</p><p><font>19.ª A condenação da Tech Data nos termos acima descritos surge em absoluta contradição com a respetiva fundamentação.</font><br>
</p><p><i><font>Com</font></i><font> </font><i><font>efeito,</font></i><br>
</p><p><font>20.ª O Tribunal recorrido julgou </font><u><font>não provado</font></u><font> que “</font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>aceitação</font></i><font> </font><i><font>da</font></i><font> </font><i><font>proposta</font></i><font> </font><i><font>da</font></i><font> </font><i><font>VINZEO</font></i><font> </font><i><font>representaria</font></i><font> </font><i><font>para</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>Recorrida</font></i><font> </font><i><font>o</font></i><font> </font><i><font>encaixe</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>€</font></i><font> </font><i><font>5.740.000</font></i><font> </font><i><font>(cinco</font></i><font> </font><i><font>milhões,</font></i><font> </font><i><font>setecentos</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>quarenta</font></i><font> </font><i><font>mil</font></i><font> </font><i><font>euros)</font></i><font>”.</font><br>
</p><p><font>21.ª Para justificar esta conclusão, a decisão impugnada refere que “</font><i><u><font>nada se prova</font></u></i><font> </font><i><u><font>quanto a um encaixe garantido de € 5.740.000 por parte da autora, proveniente</font></u></i><font> </font><i><u><font>da Vinzeo, como foi sublinhado, e bem na sentença recorrida”.</font></u></i><br>
</p><p><font>22.ª Assim, a decisão que, em termos lógicos, seria expectável, era a de absolver a Tech Data do pagamento de uma indemnização por interesse contratual negativo, porquanto </font><b><u><font>não ficou provado nos autos</font></u></b><font> que a Interlog viesse a receber aquela quantia da Vinzeo.</font><br>
</p><p><font>23.ª Esta incongruência lógica entre as premissas e a conclusão determina a nulidade do Acórdão recorrido, nos termos e para os efeitos do art. 615.º, n.º 1, al. c), aplicável ex vi 674.º, n.º 1, al. c), todos do CPC.</font><br>
</p><p><font>Do não preenchimento dos pressupostos da responsabilidade pré-contratual</font><br>
</p><p><font>24.ª Sem prejuízo da nulidade invocada, sempre se deverá concluir que andou mal o Tribunal </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>quo</font></i><font> ao considerar, com base na factualidade assente, que estavam preenchidos </font><i><font>in</font></i><font> </font><i><font>casu</font></i><font> os pressupostos da responsabilidade pré-contratual.</font><br>
</p><p><i><font>Ora,</font></i><br>
</p><p><font>25.ª Em primeiro lugar, a cessação das negociações por parte da Tech Data não consubstanciou a prática de qualquer </font><b><u><font>ilícito</font></u></b><font> pré-contratual, porquanto não violou quaisquer deveres emergentes da cláusula geral da boa fé na formação dos contratos.</font><br>
</p><p><font>26.ª Com efeito, desde o início que foi expressa e repetidamente comunicado à Interlog que a vontade da Tech Data em contratar estava dependente do preenchimento de certos pressupostos ou condições, a saber: i) o apoio da Apple ao negócio que estava a ser equacionado; e ii) a aprovação do negócio pelo Conselho Europeu da Tech Data.</font><br>
</p><p><font>27.ª O preenchimento destas condições era essencial para a formação da decisão de contratar e constituía requisito incontornável no contexto negocial mantido entre as partes.</font><br>
</p><p><font>28.ª Por outro lado, quaisquer expectativas da Interlog referentes à celebração do contrato apenas seriam legítimas e passíveis de ser tuteladas </font><i><u><font>se </font></u></i><u><font>e na estrita</font></u><font> </font><u><font>medida</font></u><font> em que aqueles pressupostos se verificassem, o que </font><b><u><font>não veio a</font></u></b><font> </font><b><u><font>suceder.</font></u></b><br>
</p><p><font>29.ª A Tech Data sempre foi clara a este respeito, comunicou-o em tempo, refletiu-o na Letter of Intent, transmitiu-o por diversas vezes à Interlog e finalmente, </font><u><font>ainda</font></u><font> </font><u><font>a aconselhou a não pôr termo às conversações com a Vinzeo, advertindo</font></u><font> </font><u><font>precisamente que não o deveria fazer porque o negócio entre ambas poderia não</font></u><font> </font><u><font>se concretizar.</font></u><br>
</p><p><font>30.ª A </font><i><font>Letter</font></i><font> </font><i><font>of</font></i><font> </font><i><font>Intent</font></i><font> de 3 de maio de 2011 – i.e., assinada na véspera de a Interlog colocar termo às negociações com a Vinzeo – estabelecia, de forma absolutamente transparente e leal, a forma que deveria assumir uma eventual</font><b><font> </font></b><font>cessação das negociações entre a Tech Data e a Interlog (cfr. item “</font><i><font>Exclusividade</font></i><font>”).</font><br>
</p><p><font>31.ª Ademais, a Tech Data apresentou motivo sério e razoável para colocar termo às negociações, em total consonância com a posição negocial que desde sempre assumiu e transmitiu à Interlog, na medida em que respeitou os termos estabelecidos e alicerçou-se em circunstâncias reais e conhecidas de ambas as partes.</font><br>
</p><p><font>32.ª As condições suspensivas acima identificadas não podem ser menosprezadas com recurso a argumentos </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>posteriori</font></i><font>, uma vez que devem ser valoradas no contexto da dinâmica negocial concretamente existente entre as partes e devem ser encaradas à luz das circunstâncias contemporâneas das negociações.</font><br>
</p><p><font>33.ª Finalmente, note-se ainda que, no momento das negociações, o conhecimento da Tech Data acerca de acontecimentos posteriores – </font><i><font>v.g.,</font></i><font> cessação do contrato de distribuição entre a Interlog e a Apple, abertura de um novo concurso e a consequente celebração de um contrato directamente com a Apple – era inexistente.</font><br>
</p><p><font>34.ª Destarte, a Tech Data não violou quaisquer deveres de lealdade na formação do contrato, inexistindo ilicitude na sua conduta.</font><br>
</p><p><font>35.ª Entendimento diverso, ou seja, configurar a cessação das negociações pela Tech Data como acto ilícito, consubstanciaria uma violação frontal do direito à propriedade privada (cfr. art.º 62.º da CRP), inconstitucionalidade essa que desde já se invoca para todos os efeitos legais.</font><br>
</p><p><i><font>Sem</font></i><font> </font><i><font>prejuízo</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>exposto,</font></i><br>
</p><p><font>36.ª Atendendo ao supra exposto e tendo por base a factualidade referida, impõe-se igualmente a conclusão de que a Tech Data, ao cessar as negociações em curso com a Interlog, não procedeu com </font><b><u><font>culpa</font></u></b><font>.</font><br>
</p><p><font>37.ª Com efeito, a Tech Data sempre deixou claro à Interlog que a celebração do negócio estava contingente da verificação de um acervo de pressupostos</font><b><font> </font></b><font>condicionais, de entre os quais o </font><i><font>supra</font></i><font> aludido apoio da Apple, que eram do</font><b><font> </font></b><font>conhecimento da Interlog e que assumiram um carácter incontornável durante todo o processo negocial.</font><br>
</p><p><font>38.ª Por outro lado, no quadro das interações negociais entre as partes, e em particular nos momentos mais relevantes – </font><i><font>maxime</font></i><font>, na </font><i><font>Expression</font></i><font> </font><i><font>of</font></i><font> </font><i><font>Intent</font></i><font> e na </font><i><font>Letter</font></i><font> </font><i><font>of</font></i><font> </font><i><font>Intent</font></i><font> –, houve sempre da parte da Tech Data uma preocupação de</font><b><font> </font></b><font>salvaguardar o seu cariz não vinculativo, o que denota a correcção da conduta da sua conduta e reforça que não actuou de modo a formar expectativas sobre a conclusão do negócio.</font><br>
</p><p><font>39.ª Assim, é bem evidente que no caso não se verificou uma ruptura arbitrária ou ilegítima de negociações, nem houve da parte da Tech Data comportamentos</font><b><font> </font></b><font>intoleravelmente ofensivos do sentido ético-jurídico, que motivem uma restrição da liberdade de negociar ou de não negociar, de concluir ou de não concluir um negócio jurídico.</font><br>
</p><p><i><font>Ademais,</font></i><br>
</p><p><font>40.ª Tão-pouco existe </font><b><u><font>dano</font></u></b><font>: foi a própria Interlog quem espontânea e voluntariamente afastou a oportunidade de negócio de que agora se quer prevalecer.</font><br>
</p><p><font>41.ª A Interlog, ao rejeitar unilateralmente a proposta da Vinzeo - </font><u><font>ainda por cima</font></u><b><u><font> </font></u></b><u><font>ignorando a indicação que lhe foi dada em sentido contrário pela Tech Data</font></u><font>,</font><b><font> </font></b><font>assumiu plenamente o risco inerente, que se traduzia entre o mais em não</font><b><font> </font></b><font>encaixar o valor que aquela consubstanciava.</font><br>
</p><p><font>42.ª Ora, constituindo o pressuposto do dano na </font><i><font>“(…)</font></i><font> </font><i><font>ofensa</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>bens</font></i><font> </font><i><font>ou</font></i><font> </font><i><font>interesses</font></i><font> </font><i><font>alheios</font></i><font> </font><i><font>protegidos</font></i><font> </font><i><font>pela</font></i><font> </font><i><font>ordem</font></i><font> </font><i><font>jurídica</font></i><font>”, e tendo a Interlog prescindido da referida vantagem, não podia evidentemente o Tribunal recorrido ter condenado a Tech Data no pagamento de uma indemnização com base naquele fundamento.</font><br>
</p><p><font>43.ª Por outro lado, ainda que se considerasse, em abstracto, que aquela vantagem era indemnizável, sempre seria necessário demonstrar – </font><u><font>o que não aconteceu</font></u><font> - que a oferta da Vinzeo à Interlog constituía uma “verdadeira” proposta.</font><br>
</p><p><font>44.ª Para tal, era necessário que fosse completa, irrevogável e revelasse uma intenção inequívoca de contratar, especificando o valor - € 5.740.000,00 - e que não estava sujeita a condições suspensivas ou à verificação de quaisquer outros pressupostos.</font><br>
</p><p><font>45.ª Adicionalmente, a prova produzida nos autos deixou ainda claro que a proposta da Vinzeo – fosse ela qual fosse – estava, à semelhança da proposta da Tech Data, sujeita ao pressuposto condicional relativo ao apoio da APPLE.</font><br>
</p><p><font>46.ª Assim, faltando de forma intransponível este pressuposto, também por aqui nunca seria lícito concluir que a Interlog viria a receber aquele montante</font><b><font> </font></b><font>proveniente da Vinzeo.</font><br>
</p><p><font>47.ª Finalmente, ainda que se demonstrasse a existência de danos sofridos pela Interlog e que, nessa medida, esta pudesse vir a exigir uma indemnização pelo</font><b><font> </font></b><font>interesse contratual negativo – no que, mais uma vez, não se concede – nunca a mesma lhe poderia ser atribuída, considerando a finalidade que esta subjacente a esta tutela indemnizatória.</font><br>
</p><p><font>48.ª</font><b><font> </font></b><font>Consabidamente, na responsabilidade pré-contratual emergente de ruptura injustificada das negociações, a indemnização deve visar apenas repor o lesado na situação em que estaria se não tivesse iniciado as negociações para a celebração do contrato.</font><br>
</p><p><font>49.ª Ora, se a Tech Data e a Vinzeo superaram constantemente as propostas uma da outra, então o montante que a Interlog receberia da Vinzeo – num cenário em que, não tendo negociado com a Tech Data, encetou contactos apenas com a sua concorrente – nunca seria de € 5.740.000,00.</font><br>
</p><p><font>50.ª O Tribunal </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>quo</font></i><font> não poderia condenar a Tech Data a pagar este valor, já que isso não corresponde à reposição da situação em que a Interlog estaria se não tivesse existido qualquer contacto entre ambas, com vista à celebração de um contrato.</font><br>
</p><p><font>51.ª Isso só sucederia projectando-se a situação em que a Interlog estaria caso a Vinzeo fosse, desde o princípio, a única proponente, até uma eventual celebração do negócio, sendo que nem sequer foi alegado (nem provado) nenhum elemento que permita formular conclusões a esse respeito.</font><br>
</p><p><font>52.ª Além disso, a condenação proferida pelo Tribunal recorrido importa um encaixe líquido, que a Interlog também não teria se não tivesse iniciado negociações com a Tech Data e mesmo que tivesse concluído um negócio com a Vinzeo.</font><br>
</p><p><font>53.ª De facto, neste cenário hipotético a Interlog teria custos associados ao</font><b><font> </font></b><font>contrato e à actividade a desenvolver em execução do mesmo, para encaixar</font><b><font> </font></b><font>apenas uma margem que não sabemos qual é nem existem elementos nos autos para calcular ou estimar, mas sabemos com toda a segurança que é muito diferente do montante indemnizatório atribuído no Acórdão ora em crise.</font><br>
</p><p><i><font>Sem</font></i><font> </font><i><font>prejuízo,</font></i><br>
</p><p><font>54.ª Como se o exposto não bastasse, tão-pouco se verifica </font><i><font>in</font></i><font> </font><i><font>casu</font></i><font> o necessário </font><b><u><font>nexo de causalidade</font></u></b><font> entre o facto e o dano.</font><br>
</p><p><font>55.ª Não só o alegado facto ilícito – cessação das negociações por parte da Tech</font><b><u><font> </font></u></b><font>Data – não constituiu, em concreto, causa do suposto prejuízo sofrido pela</font><b><font> </font></b><font>Interlog, como não representa, em abstracto, um evento adequado à sua</font><b><font> </font></b><font>produção.</font><br>
</p><p><font>56.ª O evento que concretamente ditou a impossibilidade de a Interlog vir a</font><b><font> </font></b><font>receber quaisquer montantes da Vinzeo foi, exclusivamente, a rejeição unilateral da “proposta” desta última, o que constituiu uma iniciativa da própria Interlog.</font><br>
</p><p><font>57.ª Assim, a situação em apreço reconduzir-se-ia, quanto muito, à figura da</font><b><font> </font></b><font>culpa do lesado (cfr. art.º 570.º do CC).</font><br>
</p><p><font>58.ª Ademais, para se verificasse a referida causalidade adequada, teria que se</font><b><font> </font></b><font>demonstrar que a conduta da Tech Data era susceptível de comprometer, de forma irremediável, o desencadeamento de novas conversações entre a Interlog</font><b><font> </font></b><font>e a Vinzeo (ou o reacendimento das negociações anteriores), a apresentação de uma nova proposta por parte desta, bem como o referido encaixe financeiro de €5.740.000,00 pela Interlog.</font><br>
</p><p><font>59.ª Mas nada disto foi alegado nem ficou provado.</font><br>
</p><p><font>60.ª</font><b><u><font> </font></u></b><u><font>Termos em que tem que se concluir que o Tribunal </font></u><i><u><font>a quo </font></u></i><u><font>incorreu numa</font></u><b><u><font> </font></u></b><u><font>errada interpretação e aplicação do disposto no art.º 227.º, 562.º, 563.º e 564.º</font></u><b><u><font> </font></u></b><u><font>do CC, já que</font></u><font> </font><u><font>não estão, de todo, verificados os pressupostos da</font></u><b><u><font> </font></u></b><u><font>responsabilidade pré-contratual, essenciais para a condenação da Tech Data.</font></u><br>
</p><p><font>E concluem: “deve o presente recurso de revista ser julgado procedente, consequentemente:</font><br>
</p><p><font>a) Declarada a nulidade da notificação do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 21 de novembro de 2019 (cfr. arts. 253.º e 195.º do CPC); ainda que assim não se entenda,</font><br>
</p><p><font>b) Declarada a nulidade do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 21 de novembro de 2019, por oposição entre os fundamentos e a decisão (cfr. art. 615.º, n.º 1, al. c), </font><i><font>ex</font></i><font> </font><i><font>vi</font></i><font> 674.º, n.º 1, al. c), ambos do CPC); caso assim não se entenda,</font><br>
</p><p><font>c) Integralmente revogado o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 21 de novembro de 2019 e, como consequência dessa revogação, que seja proferida decisão de absolvição das Recorrentes dos pedidos contra si formulados.”</font><br>
</p><p><b><font>15.</font></b><font> A Recorrida Massa Insolvente de Interlog Informática, S.A. contra-alegou, pugnando pelo infundado da revista, formulando as seguintes (transcritas) conclusões:</font><br>
</p><p><font>DAS NULIDADES:</font><br>
</p><p><font>1.ª Argúem as Recorrentes, em primeiro lugar, a nulidade da notificação efetuada do Acórdão recorrido, sustentando verificar-se uma omissão na parte final da p. 70 do Acórdão recorrido.</font><br>
</p><p><font>2.ª As Recorrentes confundem, porém, a incompletude da fundamentação da decisão com a incompletude da notificação da decisão, esta sim, eventualmente, geradora de nulidade, nos termos do disposto nos artigos 253.º e 195.º, ambos do CPC.</font><br>
</p><p><font>3.ª O que se verifica no caso vertente é a omissão, por lapso manifesto, de um trecho da fundamentação da decisão, a qual carece de ser corrigida por simples despacho, a requerimento de qualquer das partes ou por iniciativa do juiz, nos termos do disposto no artigo 614.º, n.º 1, do CPC, como, aliás, as próprias Recorrentes também fizeram.</font><br>
</p><p><font>4.ª Ao notificar as partes do Acórdão recorrido, a secretaria disponibilizou cópia legível da decisão e dos fundamentos, cumprindo de forma cabal o disposto no artigo 253.º do CPC; por isso, nenhuma nulidade se pode assacar ao ato de notificação.</font><br>
</p><p><font>5.ª Em segundo lugar, as Recorrentes invocam a nulidade do Acórdão, por alegada contradição entre os fundamentos e a decisão, nos termosdo disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea </font><i><font>c),</font></i><font> aplicável </font><i><font>ex</font></i><font> </font><i><font>vi</font></i><font> artigo 674.º, n.º 1, alínea </font><i><font>c),</font></i><font> do CPC.</font><br>
</p><p><font>6.ª Contudo, da leitura atenta do Acórdão recorrido não resulta a mínima contradição entre os seus fundamentos e a decisão.</font><br>
</p><p><font>7.ª Não é exata, nem verdadeira, a afirmação das Recorrentes no sentido de o Tribunal </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>quo</font></i><font> ter considerado não provado “</font><i><font>que</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>aceitação</font></i><font> </font><i><font>da</font></i><font> </font><i><font>proposta</font></i><font> </font><i><font>da</font></i><font> </font><i><font>Vinzeo</font></i><font> </font><i><font>representaria</font></i><font> </font><i><font>para</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>Interlog</font></i><font> </font><i><font>um</font></i><font> </font><i><font>encaixe</font></i><font> </font><i><font>financeiro</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>€5.740.000,00</font></i><font>”.</font><br>
</p><p><font>8.ª O que o Tribunal </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>quo</font></i><font> referiu foi apenas que, «</font><i><font>além</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>que</font></i><font> </font><i><font>já</font></i><font> </font><i><font>consta</font></i><font> </font><i><font>das</font></i><font> </font><i><font>alíneas</font></i><font> </font><i><font>FA)</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>JA)</font></i><font> [e que é muito] </font><i><font>nada</font></i><font> </font><i><font>se</font></i><font> </font><i><font>prova</font></i><font> </font><i><font>quanto</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>um</font></i><font> </font><i><font>encaixe</font></i><font> </font><i><font>garantido</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>€5.740.000,00</font></i><font> </font><i><font>por</font></i><font> </font><i><font>parte</font></i><font> </font><i><font>da</font></i><font> </font><i><font>autora,</font></i><font> </font><i><font>proveniente</font></i><font> </font><i><font>da</font></i><font> </font><i><font>Vinzeo</font></i><font>».</font><br>
</p><p><font>9.ª E o Tribunal recorrido não fundamentou a sua decisão de condenação pelo interesse contratual negativo em qualquer </font><i><font>«encaixe</font></i><font> </font><i><font>garantido»</font></i><font> proveniente da VINZEO.</font><br>
</p><p><font>10.ª Pelo contrário, o Tribunal </font><i><font>a</font></i><font> </font><i>< | [0 0 0 ... 0 0 0] |
ETJsu4YBgYBz1XKvkAZ1 | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font> </font><br>
<font> </font><div><br>
<font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font></div><br>
<p><b><font>I. Relatório</font></b>
</p><p>
</p><p><b><font>1.</font></b><font> </font><b><font>AA</font></b><font> demandou </font><b><font>Monte D'Alva S.G.P.S., S.A. </font></b><font>e </font><b><font>Fundo de Recuperação, FCR</font></b><font>, representado pela Entidade Gestora ECS – Sociedade Gestora de Fundos de Capital de Risco, S.A. (anteriormente denominada ECS - Sociedade de Capital de Risco), pedindo que a condenação dos Réus no pagamento ao autor da quantia de € 1 422 111,51 nos seguintes termos:</font><br>
</p><p><font>a) Condenação solidária dos Réus no pagamento de €500 000,00 a título de capital, relativo ao prémio de assinatura, acrescido dos juros de mora, no valor de €12 712,33 e nos vincendos até integral pagamento.</font><br>
</p><p><font>b) Condenação da 1.ª Ré no pagamento de €787 500,00 a título de capital, relativo aos prémios de Remuneração Anual Variável, referente aos exercícios de 2012 a 2016, acrescido dos juros de mora vencidos, contados até à presente data, no valor de €74 132,88, e nos juros vincendos até integral pagamento.</font>
</p><p><font>c) Condenação da 1.ª Ré no pagamento dos juros moratórios relativos à mora verificada no pagamento do Prémio de Remuneração Anual Variável, referente ao exercício de 2011, contados até 15/12/15, no valor de €22 766,30.</font>
</p><p><font>d) Condenação solidária dos Réus no pagamento do valor de €25 000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais.</font><br>
</p><p><font>e) Condenação solidária dos Réus no reconhecimento da obrigação de liquidação e pagamento do prémio de saída que, entretanto, se venha a apurar, em função dos pressupostos acordados, e ainda, no reconhecimento ao Autor dos seguintes direitos relativos ao Prémio de Saída:</font>
</p><p><font>i - Direito do Autor a receber do 1.º e 2.º Réus o Prémio de Saída contratualmente estipulado, logo que se verifique a condição pressuposto relativa à venda do ativo.</font>
</p><p><font>ii - O direito do Autor a que o Valor do Prémio de Saída seja calculado no momento do respetivo pagamento - atenta a fórmula de cálculo prevista na cláusula 3 do Acordo - e que terá como base de cálculo o "Valor Acumulado à Data" da saída do Autor, correspondente a 6 anos completos de exercício de mandato pelo autor, o que equivale a €1 100 000,00, deduzido do valor pago, a título de prémio de assinatura, nos termos da definição do "Valor Acumulado à Data".</font>
</p><p><font>iii - O direito do Autor a que o valor do "Encaixe FR" seja calculado com o englobamento do valor de todas as alterações realizadas pelo 1.º Réu e, ou 2.º Réu, no que respeita às sociedades identificadas nos artigos 38 a 62 da petição inicial, contadas desde a data do início do Contrato de Administração e até à data de verificação da condição de pagamento.</font><br>
</p><p><font>iv - O direito do Autor, para o efeito, por forma a viabilizar a efetiva possibilidade de apuramento do valor do Prémio de Saída, bem como o momento da verificação da condição de pagamento, a que o 1.º e 2.º Réus sejam obrigados a comunicar ao Autor, a cada alienação parcial ou total das participações sociais, direta ou indiretamente detidas por aquelas sociedades, estabelecendo um prazo máximo de 30 dias, para que se opere cada uma das comunicações, contado da data de alienação de cada uma das participações sociais em apreço.</font>
</p><p><font>v - O direito do Autor a receber os juros vincendos até integral pagamento do Prémio de Saída.</font>
</p><p><font>vi - No pagamento de uma sanção pecuniária compulsória, no valor não inferior a €250,00/dia, caso o 1.º e 2.º Réus, não cumpram pontual e tempestivamente as obrigações previstas na alínea iv.</font>
</p><p><font>f) Devem ainda os Réus ser condenados nos juros vencidos e vincendos até integral pagamento de todos os montantes peticionados.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Alegou, para tanto, que:</font>
</p><p><font>- celebrou com o 1.º Réu, em 1/3/2011, um Contrato de Administração, contrato este que foi denunciado - comunicação da denúncia, por referência ao termo do segundo período de vigência, dia 18/1/17.</font>
</p><p><font>- nesse mesmo dia 1/3/2011, o Autor e o 2.º Réu celebraram um acordo que visava estatuir e regular o pagamento de prémios ao Autor, entre outros, no caso de cessação do Contrato de Administração.</font>
</p><p><font>- foi acordado o pagamento de uma Remuneração Anual Bruta, de uma Remuneração Anual Variável, de um Prémio de Saída e de um Prémio de Assinatura.</font>
</p><p><font>- com a cessação do Contrato de Administração, o Autor é credor pelo valor do Prémio de Saída, bem como do Prémio de Assinatura.</font>
</p><p><font>- o Autor tem direito a uma Remuneração Anual Variável, por ter preenchido os pressupostos para a sua atribuição.</font>
</p><p><font>- não tendo cumprido o contrato, recusando-se a acordar as métricas necessárias ao pagamento da Remuneração Anual Variável, bem como a título de prémio de assinatura, os Réus colocaram em causa o bom-nome profissional do Autor.</font><br>
</p><p><b><font>2</font></b><font>. Citados, os Réus vieram contestar, impugnando o alegado pelo Autor, o 1.º réu deduziu reconvenção, concluindo ambos pela absolvição do pedido e pela condenação do Autor a restituir ao 1.º Réu o valor de €157 500,00 acrescida de juros de mora desde a notificação da contestação com reconvenção, até efetivo e integral pagamento.</font><br>
</p><p><font>Sustentaram, em síntese, que:</font><br>
</p><p><font>- quanto à Remuneração Anual Variável, nunca a Assembleia-Geral do 1.º Réu fixou qualquer remuneração.</font><br>
</p><p><font>- a cláusula do Contrato referente à Remuneração Anual Variável é nula, uma vez que os administradores que assinaram o referido contrato não tinham competência para acordar no teor da respetiva cláusula (e, caso assim não se entenda, a mesma é ineficaz).</font><br>
</p><p><font>- inexiste cláusula dos Estatutos do 1.º Réu que estabelecesse/estabeleça um limite à remuneração por referência aos resultados.</font><br>
</p><p><font>- de qualquer modo, o 1.º Réu, não teve lucros, nem resultados positivos.</font><br>
</p><p><font>- quanto ao Prémio de Assinatura, o 1.º Réu, nunca aprovou tal pagamento, nem o contrato de administração o prevê;</font><br>
</p><p><font>- quanto ao Prémio de Saída, o mesmo também não é devido, por não se terem verificado os pressupostos - fls. 443 e sgs. III vol.</font><br>
</p><p><b><font>3.</font></b><font> Na resposta à reconvenção o Autor impugnando o alegado pelo 1.º Réu, concluiu pela improcedência do pedido reconvencional e pediu a condenação do 1.º Réu, como litigante de má-fé, em multa e indemnização ao Autor, em valor nunca inferior a €5 000,00, acrescida de juros à taxa legal até integral pagamento.</font><br>
</p><p><b><font>4. </font></b><font>Após</font><b><font> </font></b><font>julgamento foi proferida sentença que julgando a ação parcialmente procedente, </font><u><font>condenou</font></u><font>:</font><br>
</p><p><font>a) O 2.º Réu Fundo de Recuperação, FRC, no pagamento ao Autor da quantia de € 500 000,00 (quinhentos mil Euros), acrescida dos juros vencidos e vincendos desde 18 de janeiro de 2017, à taxa de 4%, até integral pagamento, absolvendo-se o 1.º Réu Monte D'Alva SGPS, SA, desse pedido.</font><br>
</p><p><font>b) Reconhecer ao Autor o direito ao Prémio de Saída, sem prejuízo que, mesmo com o reconhecimento desse direito, o Prémio de Saída apenas será exigível e calculado nos precisos termos das premissas estabelecidas no mesmo "Acordo".</font><br>
</p><p><font>c) O 2.º Réu Fundo de Recuperação, FRC, a comunicar ao Autor cada operação, qualquer que seja a natureza, pelo qual o Fundo Recuperação, direta ou indiretamente, aliene a maioria da titularidade do Ativo, ou seja, as ações representativas do capital social da MIF detidas direta ou indiretamente pelo Fundo Recuperação, bem como todos os créditos acionistas que o Fundo Recuperação detenha, direta ou indiretamente, sobre a MIF e/ou as suas Participadas, absolvendo-se o I</font><sup><font>o</font></sup><font> réu Monte D'Alva SGPS, SA., desse pedido.</font><br>
</p><p><font>d) O 1.º Réu Monte D'Alva SGPS, SA, no pagamento dos juros devidos pela mora no pagamento da Remuneração Anual Variável referente ao ano de 2011, desde 1 de maio de 2013 até ao efetivo pagamento que ocorreu no dia 15 de dezembro de 2015, à taxa de 4%.</font><br>
</p><p><u><font>Absolveu:</font></u><br>
</p><p><font>e) O 1.º Réu Monte D'Alva SGPS, SA, do pedido de pagamento das Remunerações Anuais Variáveis, referentes aos exercícios de 2012 a 2016.</font><br>
</p><p><font>f) Os Réus do pedido de condenação em indemnização por danos não patrimoniais no montante de €25 000,00.</font><br>
</p><p><font>g) Os Réus no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória.</font><br>
</p><p><u><font>Julgou improcedente</font></u><font> o pedido reconvencional, bem como improcedente a litigância de má-fé (Réus), absolvendo Autor e Réus do pedido.</font><br>
</p><p><b><font>5.</font></b><font> Inconformados com esta decisão, Autor e Réus interpuseram recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa</font><br>
</p><p><b><font>6.</font></b><font> O Tribunal da Relação de Lisboa veio julgar “as apelações parcialmente procedentes e, consequentemente:</font><br>
</p><p><font>Apelação do autor:</font><br>
</p><p><font>1 - Revoga-se a sentença, no segmento que decidiu ter o autor direito a haver o valor dos juros de mora sobre a RAV/2011, absolvendo-se o réu Monte D'Alva do pedido.</font><br>
</p><p><font>2 - Fixa-se o prazo máximo de 30 dias para a(s) comunicação (s) ao autor por parte do réu Fundo de Recuperação, contados da data da (s) alienação (s).</font><br>
</p><p><font>3 - As custas da acção e da reconvenção, são suportadas pelas partes na proporção do decaimento.</font><br>
</p><p><font>Apelação dos réus (recurso subordinado): </font>
</p><p><font>1 - Revoga-se a sentença, no segmento que julgou improcedente a reconvenção, julgando-a procedente, condenando-se o autor a restituir ao réu Monte D'Alva o valor de € 157.500,00, acrescido dos juros de mora vencidos, desde 17/11/17, e nos vincendos até integral pagamento.</font><br>
</p><p><font>Confirma-se, no mais, a sentença”.</font><br>
</p><p><b><font>7.</font></b><font> Inconformado com tal decisão, veio o Autor interpor o presente recurso de revista, formulando as seguintes (transcritas) conclusões:</font><br>
</p><p><font>1.ª O A. ora Rte., não se conformando parcialmente com aquela decisão, vem recorrer do Acórdão proferido pelo Tribunal a quo quer por violação da lei de processo, quanto à omissão sobre o recurso de apelação apresentado, incidente sobre a decisão da matéria de facto, quer por violação da lei substantiva, quanto à aplicação da lei aos factos provados, por erro de interpretação e sua aplicação, e por consequência do decisório.</font><br>
</p><p><font>2.ª Quanto à matéria de facto, no que respeita à omissão de pronúncia pelo Tribunal a quo sobre factos relevantes suscitados no Recurso de Apelação, ou no mínimo quanto à falta de especificação dos fundamentos que justificam a eventual decisão sobre os mesmos.</font><br>
</p><p><font>3.ª Quanto à Matéria de Direito no que o Apelante, ora Rte. entende que o Tribunal </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>quo</font></i><font> decidiu incorretamente, não concordando com a avaliação que o mesmo fez da prova efetivamente produzida nos autos, e por consequência, não se conformando parcialmente com esta decisão, designadamente quanto à decisão que: i) Revoga a sentença, no segmento que julgou improcedente a reconvenção, julgando-a procedente, condenando-se autor a restituir ao réu Monte D' Alva o valor de € 157.500,00, acrescido dos juros de mora vencidos, desde 17/11/17, e nos vincendos até integral pagamento; ii) Revoga a sentença, no segmento que decidiu ter o autor direito a haver o valor dos juros de mora sobre a RAV/2011, absolvendo-se o réu Monte D' Alva do pedido.</font><br>
</p><p><font>4.ª Pelo que, o presente Recurso de Revista do ora Rte., delimita-se às referidas matérias de facto e de direito, na parte em que se entende que o Acórdão é omisso ou que quanto às mesmas entende dever o decisório alterado.</font><br>
</p><p><font>5.ª O Rte. fundamentou o Recurso de Apelação quanto à Matéria de Facto, nos seguintes termos: “</font><i><font>Salvo</font></i><font> </font><i><font>o</font></i><font> </font><i><font>devido</font></i><font> </font><i><font>respeito,</font></i><font> </font><i><font>não</font></i><font> </font><i><font>pode</font></i><font> </font><i><font>o</font></i><font> </font><i><font>Recorrente</font></i><font> </font><i><font>concordar</font></i><font> </font><i><font>com</font></i><font> </font><i><font>o</font></i><font> </font><i><font>Tribunal</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>quo</font></i><font> </font><i><font>relativamente</font></i><font> </font><i><font>à</font></i><font> </font><i><font>valoração</font></i><font> </font><i><font>da</font></i><font> </font><i><font>prova</font></i><font> </font><i><font>que</font></i><font> </font><i><font>se</font></i><font> </font><i><font>encontra</font></i><font> </font><i><font>produzida</font></i><font> </font><i><font>nos</font></i><font> </font><i><font>autos</font></i><font> </font><i><font>em</font></i><font> </font><i><font>sede</font></i><font> </font><i><font>da</font></i><font> </font><i><font>factualidade</font></i><font> </font><i><font>relativa</font></i><font> </font><i><font>à</font></i><font> </font><i><font>causa</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>pedir</font></i><font> </font><i><font>deduzida,</font></i><font> </font><i><font>porquanto</font></i><font> </font><i><font>entende-se</font></i><font> </font><i><font>que</font></i><font> </font><i><font>não</font></i><font> </font><i><font>fez</font></i><font> </font><i><font>uma</font></i><font> </font><i><font>correta</font></i><font> </font><i><font>avaliação</font></i><font> </font><i><font>da</font></i><font> </font><i><font>prova</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>natureza</font></i><font> </font><i><font>testemunhal</font></i><font> </font><i><font>que</font></i><font> </font><i><font>foi</font></i><font> </font><i><font>produzida</font></i><font> </font><i><font>em</font></i><font> </font><i><font>sede</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>audiência</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>discussão</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>julgamento,</font></i><font> </font><i><font>pelo</font></i><font> </font><i><font>que</font></i><font> </font><i><font>se</font></i><font> </font><i><font>apela</font></i><font> </font><i><font>da</font></i><font> </font><i><font>decisão</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>Tribunal</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>quo</font></i><font> </font><i><font>quanto</font></i><font> </font><i><font>aos</font></i><font> </font><i><font>seguintes</font></i><font> </font><i><font>factos</font></i><font> </font><i><font>dados</font></i><font> </font><i><font>por</font></i><font> </font><i><font>Factos</font></i><font> </font><i><font>Provados</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>Factos</font></i><font> </font><i><font>Não</font></i><font> </font><i><font>Provados</font></i><font>.</font><br>
</p><p><font>6.ª E quanto aos Factos Não Provados, no que interessa no âmbito do presente recurso de Revista, fundamentou o Rte.: </font><i><font>“Dos</font></i><font> </font><i><font>Factos</font></i><font> </font><i><font>Não</font></i><font> </font><i><font>Provados”</font></i><font> </font><i><font>Salvo</font></i><font> </font><i><font>o</font></i><font> </font><i><font>devido</font></i><font> </font><i><font>respeito,</font></i><font> </font><i><font>entende-se</font></i><font> </font><i><font>que</font></i><font> </font><i><font>o</font></i><font> </font><i><font>Tribunal</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>quo</font></i><font> </font><i><font>não</font></i><font> </font><i><font>fez</font></i><font> </font><i><font>uma</font></i><font> </font><i><font>correta</font></i><font> </font><i><font>valoração</font></i><font> </font><i><font>da</font></i><font> </font><i><font>prova</font></i><font> </font><i><font>que</font></i><font> </font><i><font>se</font></i><font> </font><i><font>encontra</font></i><font> </font><i><font>produzida</font></i><font> </font><i><font>nos</font></i><font> </font><i><font>autos,</font></i><font> </font><i><font>bem</font></i><font> </font><i><font>como</font></i><font> </font><i><font>daquela</font></i><font> </font><i><font>que</font></i><font> </font><i><font>foi</font></i><font> </font><i><font>produzida</font></i><font> </font><i><font>em</font></i><font> </font><i><font>sede</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>audiência</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>discussão</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>julgamento,</font></i><font> </font><i><font>quer</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>natureza</font></i><font> </font><i><font>documental,</font></i><font> </font><i><font>quer</font></i><font> </font><i><font>testemunhal,</font></i><font> </font><i><font>pelo</font></i><font> </font><i><font>que</font></i><font> </font><i><font>se</font></i><font> </font><i><font>apela</font></i><font> </font><i><font>da</font></i><font> </font><i><font>decisão</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>Tribunal</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>quo</font></i><font> </font><i><font>quanto</font></i><font> </font><i><font>aos</font></i><font> </font><i><font>seguintes</font></i><font> </font><i><font>factos</font></i><font> </font><i><font>dados</font></i><font> </font><i><font>por</font></i><font> </font><i><font>Não</font></i><font> </font><i><font>Provados:</font></i><font> </font><i><font>II.A.3.c)</font></i><font> </font><i><font>–</font></i><font> </font><i><font>Dos</font></i><font> </font><i><font>Factos</font></i><font> </font><i><font>v),</font></i><font> </font><i><font>w),</font></i><font> </font><i><font>x),</font></i><font> </font><i><font>y),</font></i><font> </font><i><font>z)</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>aa)</font></i><font> </font><i><font>da</font></i><font> </font><i><font>matéria</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>Facto</font></i><font> </font><i><font>Não</font></i><font> </font><i><font>Provada:</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> II.A.3.d) – Dos Factos bb) e cc) da matéria de Facto Não Provada.</font><br>
</p><p><font>7.ª E concluiu que em conformidade com as </font><i><font>conclusões</font></i><font> </font><i><font>expressas</font></i><font> </font><i><font>no</font></i><font> </font><i><font>Recurso</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>Apelação</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>por</font></i><font> </font><i><font>consequência,</font></i><font> </font><i><font>deve</font></i><font> </font><i><font>ser</font></i><font> </font><i><font>alterada</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>apreciação</font></i><font> </font><i><font>que</font></i><font> </font><i><font>incidiu</font></i><font> </font><i><font>sobre</font></i><font> </font><i><font>os</font></i><font> </font><i><font>Facto</font></i><font> </font><i><font>Não</font></i><font> </font><i><font>Provados</font></i><font> </font><i><font>v),</font></i><font> </font><i><font>x),</font></i><font> </font><i><font>aa),</font></i><font> </font><i><font>bb)</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>cc)</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>serem</font></i><font> </font><i><font>os</font></i><font> </font><i><font>mesmos</font></i><font> </font><i><font>fixado</font></i><font> </font><i><font>como</font></i><font> </font><i><font>Factos</font></i><font> </font><i><font>Provados,</font></i><font> </font><i><font>pelo</font></i><font> </font><i><font>que</font></i><font> </font><i><font>deverão</font></i><font> </font><i><font>aqueles</font></i><font> </font><i><font>factos</font></i><font> </font><i><font>passar</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>constar</font></i><font> </font><i><font>da</font></i><font> </font><i><font>Matéria</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>Facto</font></i><font> </font><i><font>Provada,</font></i><br>
</p><p><font>8.ª No Acórdão de que ora se recorre, relativamente à Apelação do ora </font><b><font>Rte</font></b><font>. incidente sobre a Matéria de Facto, e mais em concreto aquela incidente sobre a Matéria de Facto Não Provada os Venerandos Desembargadores pronunciam-se nos seguintes termos: </font><i><u><font>“</font></u></i><i><u><font>Ouanto aos factos Não Provados</font></u></i><font> </font><i><u><font>nenhuma alteracão a fazer com excepção da alínea b)</font></u></i><i><u><font>.</font></u></i><font> </font><i><font>Os</font></i><font> </font><i><font>factos</font></i><font> </font><i><font>constantes</font></i><font> </font><i><font>das</font></i><font> </font><i><font>alíneas</font></i><font> </font><i><font>a)</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>c)</font></i><font> </font><i><font>são</font></i><font> </font><i><font>conclusivos,</font></i><font> </font><i><font>d)</font></i><font> </font><i><font>(cfr.</font></i><font> </font><i><font>facto</font></i><font> </font><i><font>provado</font></i><font> </font><i><font>sob</font></i><font> </font><i><font>o</font></i><font> </font><i><font>n.º</font></i><font> </font><i><font>49</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>certidão</font></i><font> </font><i><font>-</font></i><font> </font><i><font>doc.</font></i><font> </font><i><font>18</font></i><font> </font><i><font>junto</font></i><font> </font><i><font>com</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>contestação),</font></i><font> </font><i><font>e),</font></i><font> </font><i><font>f)</font></i><font> </font><i><font>g)</font></i><font> </font><i><font>h)</font></i><font> </font><i><font>t),</font></i><font> </font><i><font>w)</font></i><font> </font><i><font>y)</font></i><font> </font><i><font>z)</font></i><font> </font><i><font>(depoimento</font></i><font> </font><i><font>indirecto/ausência</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>prova</font></i><font> </font><i><font>bastante).</font></i><br>
</p><p><font>9.ª Pelo que numa primeira análise sobressai a determinação “</font><i><font>nenhuma</font></i><font> </font><i><font>alteração</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>fazer</font></i><font> </font><i><font>com</font></i><font> </font><i><font>excepção</font></i><font> </font><i><font>da</font></i><font> </font><i><font>alínea</font></i><font> </font><i><font>b)</font></i><font>”, da qual parece resultar que o Acórdão de que ora se recorre se pronuncia sobre toda a factualidade não provada sobre a qual incide o recurso de Apelação apresentado pelo ora </font><b><font>Rte</font></b><font>., designadamente incluindo uma apreciação sobre os Factos Não Provados v), x), aa), bb) e cc).</font><br>
</p><p><font>10.ª Contudo o Acórdão de que ora se recorre não faz qualquer menção quanto aos fundamentos da decisão de não alterar os Factos Não Provados v), x), aa), bb) e cc), ao invés do que faz com os Factos Não Provados </font><i><font>constantes</font></i><font> </font><i><font>das</font></i><font> </font><i><font>alíneas</font></i><font> </font><i><font>a),</font></i><font> </font><i><font>c),</font></i><font> </font><i><font>d),</font></i><font> </font><i><font>e),</font></i><font> </font><i><font>f),</font></i><font> </font><i><font>g),</font></i><font> </font><i><font>h),</font></i><font> </font><i><font>t),</font></i><font> </font><i><font>w)</font></i><font> </font><i><font>y)</font></i><font> </font><i><font>z)</font></i><font> </font><i><font>em</font></i><font> </font><i><font>que</font></i><font> </font><i><font>o</font></i><font> </font><font>Tribunal </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>quo</font></i><font> identifica - é certo que sucintamente -, os fundamentos sobre a decisão que profere de não admitir a Apelação quanto a essa matéria e, por consequência, entender que não tem nenhuma alteração a fazer.</font><br>
</p><p><font>11.ª A falta de fundamentação da decisão quanto aos Factos Não Provados v), x), aa), bb) e cc), não só consiste em concreto um vicio da decisão, causa de nulidade do Acórdão, como cria no ora </font><b><font>Rte</font></b><font>. a duvida sobre se existe por parte do Tribunal </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>quo</font></i><font> omissão de pronuncia sobre questões que devesse apreciar ou se existe (apenas) falta de especificação dos fundamentos de facto que justificam essa mesma decisão.</font><br>
</p><p><font>12.ª Face à total ausência de fundamentação ou menção expressa sobre a análise dos Factos Não Provados v), x), aa), bb) e cc), poderemos ficar com a absoluta certeza de que o Tribunal </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>quo</font></i><font> também se referia aos mesmos quando decide </font><u><font>“</font></u><i><u><font>Quanto aos factos Não Provados nenhuma alteracão a fazer com excepção da</font></u></i><font> </font><i><u><font>alínea b</font></u></i><i><u><font>)</font></u></i><font>.”?</font><br>
</p><p><font>13.ª A decisão não faz qualquer expressa menção aos “esquecidos” Factos Não Provados v), x), aa), bb) e cc), desconhecendo-se se aquela matéria do recurso de Apelação do ora </font><b><font>Rte</font></b><font>. escapou ao crivo da análise do Tribunal </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>quo</font></i><font> e como tal não se encontra inserida na matéria objeto da decisão de “não alteração dos Factos Não Provados com excepção da alínea b)”, ou se simplesmente os Factos Não Provados v), x), aa), bb) e cc), foram de facto analisados pelo Tribunal </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>quo</font></i><font> encontrando-se o vicio da decisão (apenas) na falta de fundamentação da mesma.</font><br>
</p><p><font>14.ª O ora Rte. não pode conformar-se com o Acórdão proferido pelo Tribunal </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>quo</font></i><font>, por i) violar o seu dever de pronuncia sobre questões que devesse apreciar e que são juridicamente relevantes (art. 615.° n.° 1 al. d), do C.P.C.), ou, em alternativa, ii) violar o seu dever de fundamentação da decisão (art. 615.° n.° 1 al. b), do C.P.C.), razões pelas quais deverá ser declarada a nulidade do Acórdão.</font><br>
</p><p><font>15.ª Atendendo aos factos que devem ser dados como provados, aqui se reitera o teor da fundamentação da Apelação do Rte. quanto à prova bastante produzida nos autos para que os Factos Não Provados v), x), aa), bb) e cc), devam ser alterados e passem a ser reconhecidos como Factos Provados, e desse modo o Acórdão dê cumprimento ao disposto no art.° 665.°, n.° 1, do C.P.C., sendo o Acórdão de que ora se recorre substituído por Acórdão que não padeça dos mesmos vícios processuais e que julgue procedente o Recurso de Apelação apresentado pelo Rte. quanto à alteração da matéria de Facto Provada </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>por</font></i><font> </font><i><font>consequência,</font></i><font> </font><i><font>deve</font></i><font> </font><i><font>ser</font></i><font> </font><i><font>alterada</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>apreciação</font></i><font> </font><i><font>que</font></i><font> </font><i><font>incidiu</font></i><font> </font><i><font>sobre</font></i><font> </font><i><font>os</font></i><font> </font><i><font>Facto</font></i><font> </font><i><font>Não</font></i><font> </font><i><font>Provados</font></i><font> </font><i><font>w),</font></i><font> </font><i><font>x),</font></i><font> </font><i><font>y),</font></i><font> </font><i><font>z),</font></i><font> </font><i><font>aa),</font></i><font> </font><i><font>bb)</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>cc)</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>serem</font></i><font> </font><i><font>os</font></i><font> </font><i><font>mesmos</font></i><font> </font><i><font>fixado</font></i><font> </font><i><font>como</font></i><font> </font><i><font>Factos</font></i><font> </font><i><font>Provados,</font></i><font> </font><i><font>pelo</font></i><font> </font><i><font>que</font></i><font> </font><i><font>deverão</font></i><font> </font><i><font>aqueles</font></i><font> </font><i><font>factos</font></i><font> </font><i><font>passar</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>constar</font></i><font> </font><i><font>da</font></i><font> </font><i><font>Matéria</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>Facto</font></i><font> </font><i><font>Provada,</font></i><font> </font><i><font>com</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>seguinte</font></i><font> </font><i><font>redação:</font></i><br>
</p><p><i><font>“106-A</font></i><font> </font><i><font>-</font></i><font> </font><i><font>No</font></i><font> </font><i><font>exercício</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>2011,</font></i><font> </font><i><font>quando</font></i><font> </font><i><font>assumiu</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>liderança</font></i><font> </font><i><font>da</font></i><font> </font><i><font>sociedade</font></i><font> </font><i><font>1.ª</font></i><font> </font><i><font>Ré,</font></i><font> </font><i><font>o</font></i><font> </font><i><font>Autor</font></i><font> </font><i><font>encontrou</font></i><font> </font><i><font>uma</font></i><font> </font><i><font>situação</font></i><font> </font><i><font>no</font></i><font> </font><i><font>Grupo</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>grande</font></i><font> </font><i><font>dificuldade</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>fragilidade,</font></i><font> </font><i><font>financeira</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>comercial,</font></i><font> </font><i><font>designadamente:</font></i>
</p><p><i><font>-</font></i><font> </font><i><font>A</font></i><font> </font><i><font>Tesouraria</font></i><font> </font><i><font>fora</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>controlo;</font></i>
</p><p><i><font>-</font></i><font> </font><i><font>Os</font></i><font> </font><i><font>prazos</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>pagamentos</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>fornecedores</font></i><font> </font><i><font>vencidos;</font></i>
</p><p><i><font>-</font></i><font> </font><i><font>Total</font></i><font> </font><i><font>desconhecimento</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>volume</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>letras</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>cheques</font></i><font> </font><i><font>pré-datados</font></i><font> </font><i><font>em</font></i><font> </font><i><font>circulação;</font></i>
</p><p><i><font>-</font></i><font> </font><i><font>Inexistência</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>um</font></i><font> </font><i><font>orçamento</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>tesouraria</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>curto</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>médio-longo</font></i><font> </font><i><font>prazo;</font></i>
</p><p><i><font>-</font></i><font> </font><i><font>Desconhecimento</font></i><font> </font><i><font>das</font></i><font> </font><i><font>Marcas</font></i><font> </font><i><font>no</font></i><font> </font><i><font>mercado,</font></i><font> </font><i><font>com</font></i><font> </font><i><font>pouca</font></i><fo | [0 0 0 ... 0 0 0] |
EzFXu4YBgYBz1XKvEfeV | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<p><font> </font>
</p><p><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
</p><p>
</p><p><b><font>I. Relatório</font></b>
</p><p><b><font>1.</font></b><font> </font><b><font>AA</font></b><font> e mulher </font><b><font>BB</font></b><font> intentaram ação declarativa sob a forma de processo comum contra </font><b><font>Banco BIC Português, S.A.,</font></b><font> pedindo:</font>
</p><p><font>a) A condenação do Réu no pagamento aos Autores do capital e juros vencidos e garantidos que, à data de 10 de Fevereiro de 2017, perfaziam a quantia de €593 312,50 (quinhentos e noventa e três mil, trezentos e doze euros e cinquenta cêntimos), bem como dos juros vencidos desde a citação até efectivo e integral pagamento;</font>
</p><p><font>Ou, assim não se entendendo,</font>
</p><p><font>b) A declaração de nulidade de qualquer eventual contrato de adesão que o Réu invoque para ter aplicado os €550 000,00 (quinhentos e cinquenta mil euros) que os Autores lhe entregaram e que aplicou em obrigações subordinadas SLN 2004 e SLN 2006;</font><b><font> </font></b>
</p><p><font>c) A declaração de ineficácia em relação aos Autores da aplicação que o Réu tenha feito desses montantes;</font>
</p><p><font>d) A condenação do Réu na restituição aos Autores dos €550 000,00 (quinhentos e cinquenta mil euros) que ainda não receberam dos montantes que entregaram ao Réu, e de juros vencidos à taxa contratada, acrescido de juros legais vincendos, desde a data da citação até efectivo e integral cumprimento;</font>
</p><p><font>E, sempre,</font>
</p><p><font>e) A condenação do Réu no pagamento aos Autores da quantia de €20 000,00 (vinte mil euros), a título de danos não patrimoniais.</font>
</p><p><font>Alegam o alegado, essencialmente, o seguinte:</font>
</p><p><font>- subscreveram obrigações junto do BPN – Banco Português de Negócios, S.A., mais concretamente, obrigações SLNRM 2004 e SLN 2006, sendo uma de 2004 e dez de 2006, sempre no valor de €50 000,00 cada;</font>
</p><p><font>- tais obrigações foram publicitadas como se fossem um produto equivalente a um depósito a prazo e que poderiam ser resgatadas a qualquer altura, não comportando nenhum risco (capital garantido);</font>
</p><p><font>- tentaram reaver os seus depósitos, mas verificaram que não podiam resgatar as mencionadas aplicações, estando desapossados das quantias investidas;</font>
</p><p><font>- nunca lhes foi lido ou explicado qualquer contrato, nunca lhes foi entregue cópia que contivesse cláusulas sobre obrigações subordinadas SLN, nem que contivesse prazos de resolução unilateral pela sua parte ;</font>
</p><p><font>- jamais conheceram um qualquer título demonstrativo de que possuíam as referidas obrigações, até porque não lhes foi entregue o documento correspondente;</font>
</p><p><font>- pelo que alegam erro aquando da celebração do negócio ou incumprimento contratual que lhes causou prejuízos patrimoniais e não patrimoniais, reclamando ao Tribunal as importâncias elencadas, tanto a título principal como por via subsidiária.</font>
</p><p><b><font>2</font></b><font>. Citada, a Ré veio contestar, por impugnação e por exceção, impugnando os factos alegados pelos Autores e invocando a exceção de incompetência territorial, bem como a prescrição, pugnando pela absolvição do pedido.</font>
</p><p><b><font>3. </font></b><font>Por despacho de fls. 40 e 41, foi conhecida a exceção de incompetência territorial do Tribunal Judicial da Comarca ..., considerando-o territorialmente incompetente e competente o Tribunal Judicial da Comarca ....</font>
</p><p><b><font>4.</font></b><font> Realizada a audiência final, foi proferida sentença, sendo o dispositivo do seguinte teor:</font>
</p><p><font>“IV. Decisão.</font>
</p><p><font>Atento o circunstancialismo factual assente e a fundamentação jurídica invocada, o Tribunal julga a presente ação totalmente procedente, por provada na sua essencialidade, e improcedente a exceção de prescrição da responsabilidade civil da instituição bancária, por não provada; em consequência:</font>
</p><p><font>- Condena o Réu no pagamento aos Autores do capital e dos juros vencidos e garantidos que, à data de 10 de fevereiro de 2017, perfaziam a quantia de € 593 312,50 (quinhentos e noventa e três mil, trezentos e doze euros e cinquenta cêntimos), bem como dos juros de mora vencidos desde a citação até efetivo e integral pagamento;</font>
</p><p><font>- Condena o Réu no pagamento aos Autores da quantia global de € 20 000,00 (vinte mil euros), a título de danos não patrimoniais.</font>
</p><p><font>Custas a cargo do Réu, em exclusivo – determinando-se a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos e ao abrigo do preceituado no artigo 6.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais.</font>
</p><p><font>Registe e notifique”. </font>
</p><p><b><font>5. </font></b><font>A Ré interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa.</font>
</p><p><b><font>6.</font></b><font> O Tribunal da Relação de Lisboa julgou o recurso improcedente, confirmando a sentença recorrida.</font>
</p><p><b><font>7. </font></b><font>Inconformada com tal decisão, a Ré veio interpor o presente recurso de revista, formulando as seguintes (transcritas) conclusões:</font>
</p><p><font>1.ª O douto acórdão da Relação de Lisboa violou e fez errada aplicação e interpretação do disposto nos arts. 7º, 290º nº 1 alínea a), 304º-A e 312º a 314º-D e 323º a 323º-D e 327º do CdVM e 4º, 12º, 17º e 19º do D.L. 69/2004 de 25/02 e da Directiva 2004/39/CE e 364º, 483º e ss., 563º, 628º e 798º e ss. do C.C.</font>
</p><p><font>2.ª A putativa desconformidade entre o comportamento exigido ao Réu e o seu comportamento verificado tem que ver com o facto do Tribunal considerar que, a circunstância do funcionário do Banco Réu ter assegurado ao Autor (conforme ele próprio estava convencido) que a aplicação financeira era um produto sem risco e com capital, similar a um depósito a prazo, não transmitindo a característica da subordinação ou a possibilidade de insolvência da emitente, configura a prestação de uma informação falsa.</font>
</p><p><font>3.ª Porém, tal realidade não configura qualquer violação do dever de informação por prestação de informação falsa.</font>
</p><p><font>4.ª Não adianta aliás o douto Acórdão qual o risco que associa às Obrigações SLN e que entende deveriam ter sido informado ao Autor, sendo que não podemos deixar de entender que se refere ao verificado incumprimento do reembolso…</font>
</p><p><font>5.ª O único risco que percebemos existir na emissão obrigacionista em causa é exactamente o relativo ao cumprimento da obrigação de reembolso.</font>
</p><p><font>6.ª Este risco corresponde ao incumprimento da prestação principal da entidade emitente! Ou seja, corresponde ao chamado risco geral de incumprimento!</font>
</p><p><font>7.ª A possibilidade deste incumprimento não corresponde a qualquer especial risco inerente ao modo de funcionamento endógeno do instrumento financeiro... antes corresponde ao normal e universal risco comum a todos, repete-se... a todos, os contratos!</font>
</p><p><font>8.ª Do incumprimento da obrigação de reembolso da entidade emitente, em 2014 ou 2016, não podemos, sem mais, retirar que esse o risco dessa eventualidade fosse relevante – sequer concebível, à excepção de ser uma mera hipótese académica no momento da subscrição!</font>
</p><p><font>9.ª A SLN era titular de 100% do capital social do Banco-R., exercendo, por isso o domínio total sobre este.</font>
</p><p><font>10.ª O risco associado ao reembolso das Obrigações correspondia, então ao risco de solvabilidade da SLN.</font>
</p><p><font>11.ª E sendo esta totalmente dominante do Banco-R., então este risco de solvência, corresponderia, grosso modo, ao risco de solvabilidade do próprio Banco!</font>
</p><p><font>12.ª A segurança da subscrição de Obrigações emitidas pela SLN seria correspondente à segurança de um Depósito a Prazo no BPN.</font>
</p><p><font>13.ª O risco BPN ou risco SLN, da perspectiva da insolvência era também equivalente!</font>
</p><p><font>14.ª A única diferença consistiu no facto do Banco ter sido resgatado através da sua nacionalização, numa decisão puramente política e alicerçada num regime aprovado propositadamente para atender a essa situação e não em qualquer quadro legal previamente estabelecido.</font>
</p><p><font>15.ª A menção do dito risco praticamente inexistente, como de resto do capital garantido, não pode senão ser entendida no contexto da atribuição de uma segurança acima da média ao produto, de confiança no normal cumprimento de todas as obrigações da emitente, sustentada em factos e juízo objectivamente razoáveis e previsíveis.</font><br>
</p><p><font>16.ª A menção à expressão capital garantido não tem por si só a virtualidade de atribuir qualquer desaparecimento de todo o risco de qualquer tipo de aplicação … </font><br>
</p><p><font>17.ª A expressão capital garantido mais não é do que a </font><u><font>descrição de uma característica técnica do produto</font></u><font> – corresponde à garantia de que o valor de reembolso, no vencimento, é feito pelo valor nominal do título e correspondente ao respectivo valor de subscrição! Ou seja, o valor do capital investido é garantido!</font><br>
</p><p><font>18.ª A este propósito o Plano de Formação Financeira em site do Conselho de Supervisores Portugueses – </font><font>www.todoscontam.pt!</font><font> descreve as características de produtos financeiros, entre os quais as Obrigações, e explica a garantia de capital, exactamente nos termos que vimos de expor.</font><br>
</p><p><font>19.ª Ainda que se entenda que esta expressão mereceria uma densificação ou explicação aos clientes, a fim de evitar qualquer confusão, o certo é que, transmitindo uma característica técnica, não se poderá afirmar que o banco, ou os seus colaboradores agiram com culpa, e muito menos grave!</font><br>
</p><p><font>20.ª O Banco limitou-se a informar esta característica do produto, não sendo seu obrigações assegurar-se de que o cliente compreendeu a afirmação.</font><br>
</p><p><font>21.ª A interpretação das menções “sem risco” ou de “capital garantido” não é susceptível de ser feita apenas com recurso à impressão do destinatário, nos termos do previsto no artº 236º do CCiv. uma vez que esta disposição aplica-se, apenas e só, às declarações negociais.</font><br>
</p><p><font>22.ª A comercialização por intermediário financeiro de produto com a indicação de que o mesmo tem “capital garantido” não implica a corresponsabilização do referido intermediário pelo prejuízo decorrente da falta de reembolso por parte da entidade emitente.</font><br>
</p><p><font>23.ª Acresce que a expressão garantido pelo Banco era também ela consentânea com a realidade na altura da subscrição!</font><br>
</p><p><font>24.ª Efectivamente o banco era parte integrante do património da emitente das obrigações e como tal garante do cumprimento das suas obrigações.</font><br>
</p><p><font>25.ª Também por isso não faz qualquer sentido afirmar, ou querer retirar dessa afirmação, uma garantia de cumprimento no sentido de uma fiança pelo facto da mesma ser em absoluto redundante. O banco como elemento do património da emitente já era, com todo o seu património, garantia geral do cumprimento das obrigações daquela.</font><br>
</p><p><font>26.ª O dever de informação ao cliente, não se trata de um direito absoluto do cliente à prestação de informações exactas, mas apenas de um dever de esforço sério de recolha de informações o mais fiáveis possível pelo banco.</font><br>
</p><p><font>27.ª O grau de exactidão em relação às informações será variável, consoante o tipo de informação em causa.</font><br>
</p><p><font>28.ª No caso dos presentes autos, ficou demonstrado, e foi assumido pelo Autor, que era do seu interesse e vontade investir em produtos de com boa rentabilidade e de elevada segurança.</font><br>
</p><p><font>29.ª Apesar de o autor não ser investidor com especiais conhecimentos técnicos na área financeira o risco do produto em causa nos presentes autos era, pelas razões já várias vezes repetidas, baixo uma vez que nada fazia antever qualquer dificuldade futura do emitente.</font><br>
</p><p><font>30.ª Assim, não pode o Banco Recorrente senão concluir que foram salvaguardados os legítimos interesses do cliente.</font><br>
</p><p><font>31.ª Resultou demonstrado que os funcionários, mais concretamente o funcionário que o colocou, sempre acreditaram - até praticamente ao momento do incumprimento - que se tratava de produto seguro e se preocupavam com os interesses dos clientes.</font><br>
</p><p><font>32.ª Dispunha sobre esta matéria o artigo 304º do CVM no sentido de que os intermediários financeiros estão obrigados a orientar a sua actividade no sentido da protecção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado, devendo conformar a sua actividade aos ditames da boa-fé, agindo de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.</font><br>
</p><p><font>33.ª E, </font><u><font>quanto ao risco</font></u><font>, há aqui que chamar à colação o art. 312º nº 1 alínea a) do CdVM, que obriga então o intermediário financeiro a informar o investidor sobre os “riscos especiais envolvidos nas operações a realizar”.</font><br>
</p><p><font>34.ª Tal redacção refere-se necessariamente ao negócio de intermediação financeira enquanto negócio de cobertura que, depois, proporcionará negócios de execução.</font><br>
</p><p><font>35.ª Tal menção não pode nunca equivaler ao dever de informação sobre o instrumento financeiro em si!</font><br>
</p><p><font>36.ª A informação quanto ao risco dos instrumentos financeiros propriamente dito apenas veio a ser exigida prestar aos intermediários financeiros com o D.L. 357-A/2007 de 31/10, que aditou o art. 312º-E nº 1, passando a obrigar o intermediário financeiro a informar o cliente sobre os riscos do tipo de instrumento financeiro em causa.</font><br>
</p><p><font>37.ª O legislador não deixou nada ao acaso e logo no número seguinte, afirmou claramente o que se devia entender por risco do tipo do instrumento financeiro em causa nas quatro alíneas do nº 2 do art. 312º-E.</font><br>
</p><p><font>38.ª São ESTES e APENAS ESTES os riscos do tipo do instrumento financeiro sobre os quais o Intermediário Financeiro tem que prestar informação, mesmo na actual redacção do CdVM.</font><br>
</p><p><font>39.ª A alusão que a lei faz quanto ao </font><u><font>risco de perda da totalidade do investimento</font></u><font> está afirmada em função das características do investimento.</font><br>
</p><p><font>40.ª Trata-se, portanto, de um risco que tem que ser endógeno e próprio do instrumento financeiro e não motivado por qualquer factor extrínseco ao mesmo.</font><br>
</p><p><font>41.ª O investimento em causa foi feito em Obrigações não estando sujeito a qualquer volatilidade, sendo o retorno do investimento certo no final do prazo, por reembolso do capital investido ao valor nominal do título (de “capital garantido”), acrescido da respectiva rentabilidade.</font><br>
</p><p><font>42.ª Logo, não há necessidade de que a advertência do risco de perda da totalidade do investimento seja feita, porque a mesma não é aplicável ao caso, pois que nunca resultaria do mecanismo interno do instrumento em causa!</font><br>
</p><p><font>43.ª A informação acerca do risco da perda do investimento tem que ser dada em função dos riscos próprios do tipo de instrumento financeiro, o que deve ser feito se, e só se, tais riscos de facto existirem!</font><br>
</p><p><font>44.ª Em lado algum da lei resulta estar o intermediário financeiro obrigado a analisar ou avaliar a robustez financeira do emitente na actividade de intermediação financeira de recepção e transmissão de ordens.</font><br>
</p><p><font>45.ª E também em lado nenhum da lei resulta a obrigação de prevenir o investidor acerca das hipóteses de incumprimento das obrigações assumidas pelo emitente do instrumento financeiro ou até da probabilidade de insolvência do mesmo!</font><br>
</p><p><font>46.ª Esse hipotético incumprimento tem que ver com as qualidades ou circunstâncias do emitente (ou obrigado) do instrumento financeiro e não com o tipo do instrumento financeiro, conforme referido no art. 312º-E nº 1 do CdVM, que é expressão que aponta claramente para uma objectivização do risco em função do próprio instrumento de investimento e não para uma subjectivação em função do emitente!</font><br>
</p><p><font>47.ª O artigo 312º, alínea e) do CdVM refere-se apenas aos riscos da actividade dos serviços de intermediação financeira. Os deveres de transparência, lealdade e defesa dos interesses do investidor que sobre o intermediário financeiro impendem, obrigam apenas à informação sobre os riscos endógenos ao mecanismo de funcionamento do concreto instrumento financeiro, não abrangendo o risco geral de incumprimento das obrigações. Neste sentido não estava o intermediário financeiro obrigado a informar especificamente sobre o risco de insolvência da entidade emitente de determinado produto.</font><br>
</p><p><font>48.ª Do elenco de factos provados não resultam factos provados suficientes que permitam estabelecer uma ligação entre a qualidade (ou falta dela) da informação fornecida ao Autor e o acto de subscrição.</font><br>
</p><p><font>49.ª A nossa lei consagra essa perfeita autonomia de cada um dos pressupostos ou requisitos da responsabilidade civil, apresentando-os e regulando-os de forma perfeitamente estanque.</font><br>
</p><p><font>50.ª No que toca à causalidade não conseguimos sequer vislumbrar como passar da presunção de culpa – juízo de censura ético-jurídico sobre o agente do ilícito, e expressamente prevista na lei – à causalidade – nexo factual de associação de causa-efeito, como se de uma inevitabilidade se tratasse!</font><br>
</p><p><font>51.ª Do texto do art. 799º nº 1 do C.C. não resulta qualquer presunção de causalidade.</font><br>
</p><p><font>52.ª E, de resto, nos termos do disposto no artº 344º do Código Civil, a inversão de ónus depende de presunção, ou outra previsão, expressa da lei!</font><br>
</p><p><font>53.ª Se em abstracto, e de jure condendo até se pode, porventura e em tese, perceber esta interpretação para uma obrigação principal de um contrato – tendo por critério o interesse contratual positivo do credor -, não se justifica já quando estão em causa prestações acessórias do mesmo contrato.</font><br>
</p><p><font>54.ª Analisado o fim principal pretendido pelo contrato aqui em apreço – contrato de execução da actividade de intermediação financeira, de recepção e transmissão de ordens por conta de outrem -, parece-nos evidente que o mesmo se circunscreve à recepção e retransmissão de ordens de clientes – no caso o Autor é este o único </font><u><font>conteúdo típico e essencial do contrato e que é, portanto, susceptível de o caracterizar.</font></u><br>
</p><p><font>55.ª Não é por um dever de prestar ser mais ou menos relevante para qualquer parte, ou até para o comércio jurídico em geral, que será quantificável como prestação principal ou prestação acessória de um contrato. Releva outrossim se o papel de uma tal prestação na economia do contrato se revela como o núcleo típico ou não do acordo contratual entre as partes.</font><br>
</p><p><font>56.ª A única prestação principal neste contrato será a de recepção e transmissão de ordens do cliente.</font><br>
</p><p><font>57.ª Sendo uma obrigação acessória, a prestação de informação não estaria nunca ao abrigo da proclamada presunção de causalidade.</font><br>
</p><p><font>58.ª Estamos perante uma situação em que e configuram dois contratos distintos e autónomos entre si: por um lado, (i) um contrato de execução de intermediação financeira, e por outro, (ii) a contratação de um empréstimo obrigacionista do cliente a entidade terceira ao primeiro contrato!</font><br>
</p><p><font>59.ª Neste caso, estaremos perante uma falta de resultado no âmbito da emissão obrigacionista e não do contrato de execução de intermediação financeira.</font><br>
</p><p><font>60.ª O contrato de intermediação financeira foi já cumprido no acto de subscrição, tendo-se esgotado nesse momento.</font><br>
</p><p><font>61.ª É esta uma óbvia dificuldade: como pode a falta do resultado normativamente prefigurado de um contrato desencadear uma presunção de ilicitude, culpa e causalidade no âmbito de um outro contrato?</font><br>
</p><p><font>62.ª O juízo de verificação de causalidade mecânica, aritmética ou hipotética tem inevitavelmente de se fundar em factos concretos que permitam avaliar da referida probabilidade, e não apenas em juízos abstratos ou meras impressões do julgador!</font><br>
</p><p><font>63.ª A causalidade resume-se a uma avaliação de um dano hipotético apenas em casos em que esse dano não seja efectivo, como é o caso do citado dano da perda de chance! Em todos os restantes casos, o juízo deverá ser feito, não numa perspectiva probabilidade, mas sim de adequação entre uma causa e um efeito.</font><br>
</p><p><font>64.ª No âmbito da responsabilidade contratual, presumindo-se a culpa, caberá a quem alega o direito demonstrar a ilicitude, o nexo causal e o dano, que em caso algum se presumem!</font><br>
</p><p><font>65.ª O nexo causal sujeito a prova será necessariamente entre um concreto ilícito - uma concreta omissão ou falta de explicação de uma determinada informação - e um concreto dano (que não hipotético)!</font><br>
</p><p><font>66.ª Não basta afirmar-se genericamente, como afirma o Acórdão Recorrido que eles não foram informados do risco de insolvência ou da característica da subordinação e que é essa causa do seu dano!</font><br>
</p><p><font>67.ª Num primeiro momento é indispensável que o investidor prove que, sem a violação do dever de informação, não celebraria qualquer negócio, ou celebraria um negócio diferente do que celebrou.</font><br>
</p><p><font>68.ª Num segundo momento é necessário provar que aquele concreto negócio produziu um dano.</font><br>
</p><p><font>69.ª E, num terceiro momento é necessário provar que esse negócio foi causa adequada daquele dano, segundo um juízo de prognose objectiva ao tempo da lesão.</font><br>
</p><p><font>70.ª E nada disto foi feito!</font><br>
</p><p><font>71.ª Dizer simplesmente que não subscreveriam se soubessem que o capital não era garantido é manifestamente insuficiente pelas razões já acima explanadas relativamente à compreensão desta expressão.</font><br>
</p><p><font>72.ª Aceitar esta alegação seria o mesmo que dizer que este Autor, que se se define como cliente de depósito a prazo, nunca o subscreveria se soubesse que os mesmos não eram garantidos a 100%.</font><br>
</p><p><font>73.ª Dir-se-ia, a ser assim, que o nexo só se verificaria se resultasse provado que, se soubessem de todas as características dos produtos em causa, o Autor teria guardado os seus valores em casa, debaixo do colchão!!!</font><br>
</p><p><font>74.ª A origem do dano do Autor reside na incapacidade da SLN em solver as suas obrigações, circunstância a que o Banco Recorrido é alheio!</font><br>
</p><p><font>E conclui “pela revogação da douta decisão recorrida e a sua substituição por outra que absolva o Banco -R do pedido”.</font><br>
</p><p><b><font>8.</font></b><font> Os Recorridos apresentaram contra-alegações, concluindo pela improcedência do recurso.</font><br>
</p><p><b><font>9.</font></b><font> A instância veio a ser suspensa até ao julgamento para uniformização de jurisprudência.</font><br>
</p><p><b><font>10.</font></b><font> Foi proferido Acórdão pelo Pleno das Secções Cíveis no processo n.º1479/16...., que transitou em julgado.</font><br>
</p><p><b><font>11. </font></b><font>Cumpre apreciar e decidir.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>II. Delimitação do objeto do recurso</font></b><br>
</p><p><font>Como é jurisprudência sedimentada, e em conformidade com o disposto nos artigos 635º, nº 4, e 639º, nºs 1 e 2, ambos do Código de Processo Civil, o objeto do recurso é delimitado em função das conclusões formuladas pelo recorrente, pelo que, dentro dos preditos parâmetros, da leitura das conclusões recursórias formuladas pela Recorrente decorre que o objeto do presente recurso está circunscrito à questão de saber se estão verificados os pressupostos da responsabilidade civil da Ré.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>III. Fundamentação</font></b><br>
</p><p><b><font>1. As instâncias deram como provados os seguintes factos (com as alterações efetuadas pelo Tribunal da Relação):</font></b><br>
</p><p><b><font>1.1.</font></b><font> Os Autores eram clientes do BPN – Banco Português de Negócios, S.A., ora Réu, na sua agência de ..., com a conta número ...01, onde movimentavam parte do dinheiro, realizavam alguns pagamentos e efectuavam as suas poupanças;</font><br>
</p><p><b><font>1.2.</font></b><font> Em 12 de Abril de 2006 e em 11 de Maio de 2007, o Réu, através da respectiva gerente e funcionária (CC), da agência de ..., explicou, garantindo, ao Autor marido que tinha uma aplicação com capital garantido e com rentabilidade assegurada;</font><br>
</p><p><b><font>1.3.</font></b><font> O banco Réu, através da dita colaboradora, tinha conhecimento de que o Autor marido apenas estudara até à 4.ª classe e, por isso, não possuía qualificação ou formação técnica que lhe permitisse, à data, conhecer os diversos tipos de produtos financeiros e avaliar os riscos que cada um deles comportava;</font><br>
</p><p><b><font>1.4.</font></b><font> (…) E que, também por isso, tinha um perfil muito conservador no que respeitava ao investimento do seu dinheiro;</font><br>
</p><p><b><font>1.5.</font></b><font> Nesse contexto, o dinheiro dos Autores – em concreto, €550 000,00 – veio a ser colocado em obrigações SLNRMAIS – SLN Rendimento Mais 2004 (uma obrigação subordinada, no valor de €50 000,00) e SLNRM2 – SLN 2006 (dez obrigações subordinadas, de €50 000,00 cada), sem que os mesmos soubessem do que se tratava, desconhecendo, inclusive, que a SLN era uma empresa (cfr. documentos de fls. 11 e 14v);</font><br>
</p><p><b><font>1.6.</font></b><font> A subscrição daquela obrigação SLNRMAIS – SLN Rendimento Mais 2004 (uma obrigação subordinada, no valor de €50 000,00), a 11 de maio de 2007, foi a ocupação da posição contratual de uma outra pessoa, que a vendeu (cfr. documento de fls. 14v);</font><br>
</p><p><b><font>1.7.</font></b><font> Sempre foi dito ao Autor marido, pela mencionada gerente, que o capital era garantido, com juros semestrais, e que poderia levantar o capital e respectivos juros quando assim o entendesse, bastando, para tal, avisar a agência com três dias de antecedência;</font><br>
</p><p><b><font>1.8.</font></b><font> O Autor marido sempre se convenceu de que o dinheiro havia sido aplicado num produto financeiro seguro e com as características de um depósito a prazo, por isso, num produto com risco exclusivamente do banco;</font><br>
</p><p><b><font>1.9.</font></b><font> Se o Autor marido tivesse sido esclarecido de que poderia estar a dar ordem de compra de obrigações SLNRMAIS – SLN Rendimento Mais 2004 e SLNRM2 – SLN 2006, produto de risco, e de que o capital não era garantido pelo banco, jamais consentiria ou autorizaria tais aquisições;</font><br>
</p><p><b><font>1.10.</font></b><font> Jamais foi intenção dos Autores investir em produtos de risco, como era do conhecimento da gerente do Réu, e o Autor sempre esteve convencido de que o banco lhes restituiria o capital e juros, quando os solicitasse, tal como lhe havia sido assegurado;</font><br>
</p><p><b><font>1.11.</font></b><font> O Réu sempre assegurou aos Autores que as aplicações que estavam a realizar eram de capital e de juros garantidos, não prestando qualquer informação sobre outros aspectos;</font><br>
</p><p><b><font>1.12.</font></b><font> Daí a convicção com que os Autores ficaram sobre a segurança dos produtos em causa, cujos juros foram sendo semestralmente pagos (apenas até Maio de 2015), o que transmitiu segurança aos Autores e nunca os alertou para qualquer irregularidade;</font><br>
</p><p><b><font>1.13.</font></b><font> E que se manteve até Maio de 2015, altura em que o banco deixou de pagar os respectivos juros, em relação às obrigações SLNRM2 – SLN 2006;</font><br>
</p><p><b><font>1.14.</font></b><font> Em relação à obrigação subordinada SLNRMAIS – SLN Rendimento Mais 2004, que já se encontrava vencida, os Autores não puderam, como pretendiam, proceder ao respetivo levantamento, tendo ficado alarmados com tal realidade;</font><br>
</p><p><b><font>1.15.</font></b><font> Face a esta situação, e porque o banco Réu declinou a responsabilidade, os Autores tiveram de recorrer a juízo;</font><br>
</p><p><b><font>1.16.</font></b><font> Os Autores ignoravam que o seu dinheiro havia sido aplicado em produtos com características diferentes de um depósito a prazo e em entidade terceira; caso de tal soubessem, e que se tratava de produtos financeiros de risco, não os teriam adquirido;</font><br>
</p><p><b><font>1.17.</font></b><font> Jamais a gerente do Réu, ou algum funcionário do banco, leu ou explicou aos Autores o que eram obrigações subordinadas e, em concreto, quais as características e natureza daquelas obrigações subscritas;</font><br>
</p><p><b><font>1.18.</font></b><font> Jamais qualquer contrato lhes foi lido ou explicado, ou lhes foi entregue cópia que contivesse cláusulas sobre obrigações subordinadas SLN, nem que contivesse prazos de resolução unilateral pelos Autores;</font><br>
</p><p><b><font>1.19.</font></b><font> Para além dos documentos referenciados em 5., os Autores não conheceram, nem lhes foi entregue documento correspondente, qualquer título demonstrativo de que possuíam Obrigações SLN;</font><br>
</p><p><b><font>1.20.</font></b><font> O prazo de maturidade da obrigação SLNRMAIS – SLN Rendimento Mais 2004 ocorreu em 27 de Outubro de 2014; o prazo de maturidade das dez obrigações SLNRM2 – SLN 2006 ocorreu em 9 de Maio de 2016 (cfr. documentos de fls. 11, 14v e 30 a 33);</font><br>
</p><p><b><font>1.21.</font></b><font> Nas aludidas datas de vencimento, não foram restituídos aos aqui Autores os montantes aplicados, sendo que, na agência de ..., eram aconselhados a esperar;</font><br>
</p><p><b><font>1.22.</font></b><font> O mesmo aconteceu com o pagamento dos juros semestrais acordados (1.º semestre, 4,5 %; nove semestres seguintes, euribor a seis meses + 1,15 %; restantes semestres, euribor a seis meses + 1,50 %), que apenas foram pagos até maio de 2015, em relação às obrigações SLNRM2 – SLN 2006 (cfr. documentos de fls. 11 e 32v a 33);</font><br>
</p><p><b><font>1.23.</font></b><font> As orientações e as comunicações internas existentes no banco BPN, e que este transmitia aos seus comerciais nos respectivos balcões, consistiam em afirmar a segurança das aplicações financeiras em causa, a sua solidez, a boa rentabilidade e capital garantido;</font><br>
</p><p><b><font>1.24.</font></b><font> Como consequência directa e imediata do não pagamento pelo Réu, os Autores deixaram de poder usar, como bem lhes aprouvesse, o referido dinheiro aplicado;</font><br>
</p><p><b><font>1.25.</font></b><font> Além disso, o Réu colocou os Autores em estado de preocupação e ansiedade, com o receio de não reaverem, ou de não saberem quando iriam reaver, o seu dinheiro;</font><br>
</p><p><b><font>1.26.</font></b><font> (…) Provocando nos Autores ansiedade, tristeza e dificuldades financeiras na gestão da sua vida, os quais andam profundamente descontentes, sem a alegria de viver, por terem sido desapossados das economias de uma vida e sem perspectivas de futuro;</font><br>
</p><p><b><font>1.27.</font></b><font> O momento em que os Autores ficaram cientes dos termos do negócio, do risco associado ao mesmo e de que o banco não assumiria qualquer responsabilidade pelos produtos financeiros vendidos ocorreu em Novembro de 2015, quando não foram pagos os juros semestralmente acordados e o Autor se dirigiu ao balcão do Réu, em ...;</font><br>
</p><p><b><font>1.28.</font></b><font> No caso da obrigação subordinada SLNRMAIS – SLN Rendimento Mais 2004, os juros estipulados foram 4,5 % nos primeiros dez semestres, e euribor a seis meses + 1,75 % nos nove semestres restantes (cfr. documento de fls. 30 a 32);</font><br>
</p><p><b><font>1.29.</font></b><font> A presente acção judicial foi instaurada no dia 13 de Fevereiro de 2017 e o Réu citado para os seus termos no dia 16 de Fevereiro de 2017 (cfr. talão postal de fls. 19).</font><br>
</p><p><b><font>2. E deram como não provado:</font></b><br>
</p><p><b><font>2.I. </font></b><font>Instado pelos Autores, o banco Réu atribuiu a responsabilidade do pagamento à SLN (SLN – Socieda | [0 0 0 ... 0 0 0] |
EzJmu4YBgYBz1XKv8QKu | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font> </font><br>
<font> </font><div><br>
<font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: </font></div><br>
<br>
<font> </font><br>
<p><font> </font>
</p><p><b><font>I. Relatório</font></b>
</p><p>
</p><p><b><font>1.</font></b><font> </font><b><font>Sociedade de Construção M. Salvador & Filhos, Ld.ª</font></b><font> propôs ação declarativa com processo comum contra </font><b><font>AA</font></b><font> e </font><b><font>BB</font></b><font>, pedindo:</font>
</p><p><font>a) A declaração de resolução do contrato promessa de compra e venda por incumprimento definitivo imputado aos RR.;</font>
</p><p><font>b) A entrega do imóvel livre de pessoas e bens à A.;</font>
</p><p><font>c) A condenação dos RR. no pagamento da renda mensal de € 750,00 desde 7/9/2006 até à entrega do imóvel à A., acrescida de juros de mora a contar da citação.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Alega, em síntese, que:</font>
</p><p><font>- Em 21/1/2003 celebrou com o pai dos RR. contrato-promessa de compra e venda de uma parcela de terreno e da moradia aí implantada, pelo preço de € 187.050,00, tendo o promitente comprador e a família passado a aí residir;</font>
</p><p><font>- Na sequência do falecimento do promitente-comprador, a viúva celebrou com a A. um aditamento ao contrato-promessa, em 24/1/2006, acordando em novas condições de pagamento do remanescente do preço em dívida, no montante de € 121.960,21;</font>
</p><p><font>- Tendo falecido a viúva do promitente-comprador, foram habilitados como herdeiros os ora RR., os quais passaram a usufruir do bem prometido vender, sem que liquidassem a quantia de € 121.960,21, que continua por pagar, volvidos mais de 12 anos;</font>
</p><p><font>- Apesar de interpelado o 2º R. para cumprir, no prazo fixado pela A., persistiu o incumprimento.</font>
</p><p><b><font>2</font></b><font>. Citados, os Réus vieram contestar, deduzindo pedido reconvencional, alegando que:</font>
</p><p><font>- A 1ª R. nunca foi notificada pela A. para pagar o valor em dívida, sob pena de incumprimento definitivo do contrato promessa;</font>
</p><p><font>- Não são devidas quaisquer rendas porque não foi celebrado qualquer contrato de arrendamento nem foi convencionada qualquer obrigação de pagamento de qualquer quantia mensal, apenas se estando perante um contrato promessa com tradição do imóvel prometido vender;</font>
</p><p><font>- A A. impediu os RR. de aceder a crédito bancário para o pagamento do remanescente do preço do contrato prometido, no valor de € 105.000,00, não entregando o alvará de loteamento/construção nem a licença de utilização do imóvel, porque não existem, e assim estando impedida de vender o imóvel, o que sabia quando celebrou o contrato promessa de compra e venda.</font>
</p><p><font>Concluem pela improcedência da ação e pela procedência da reconvenção, com a modificação do contrato promessa quanto à cláusula de devolução em singelo, fixando-se o prazo de pagamento do remanescente do preço em 60 dias após a entrega pela A. do alvará e licença de utilização, e fixando-se em seis meses o prazo máximo para a A. vender o imóvel aos RR.</font>
</p><p><b><font>3</font></b><font>. A Autora replicou, mantendo o por si alegado na petição inicial, bem como conclui pela improcedência da reconvenção.</font>
</p><p><b><font>4</font></b><font>. Foi proferido despacho saneador, aí se admitindo a reconvenção e fixando-se o valor da causa, mais se identificando o objeto do litígio e enunciando-se os temas da prova.</font>
</p><p><b><font>5.</font></b><font> Realizada a audiência de julgamento foi proferida sentença que decidiu:</font>
</p><p><font>“</font><i><font>Pelo</font></i><font> </font><i><font>exposto,</font></i><font> </font><i><font>decide-se</font></i><font> </font><i><font>julgar</font></i><font> </font><i><font>parcialmente</font></i><font> </font><i><font>procedente</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>acção</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>resolução</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>contrato-promessa</font></i><font> </font><i><font>instaurada</font></i><font> </font><i><font>pela</font></i><font> </font><i><font>Sociedade</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>Construção</font></i><font> </font><i><font>M.</font></i><font> </font><i><font>Salvador</font></i><font> </font><i><font>&</font></i><font> </font><i><font>Filhos,</font></i><font> </font><i><font>Lda.</font></i><font> </font><i><font>contra</font></i><font> </font><i><font>AA</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>BB,</font></i><font> </font><i><font>e,</font></i><font> </font><i><font>consequentemente:</font></i>
</p><p><i><font>- declarar-se</font></i><font> </font><i><font>resolvido</font></i><font> </font><i><font>o</font></i><font> </font><i><font>contrato</font></i><font> </font><i><font>promessa</font></i><font> </font><i><font>relativo</font></i><font> </font><i><font>à</font></i><font> </font><i><font>parcela</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>terreno,</font></i><font> </font><i><font>correspondente</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>metade</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>1/163</font></i><font> </font><i><font>avos</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>prédio</font></i><font> </font><i><font>descrito</font></i><font> </font><i><font>na</font></i><font> </font><i><font>Conservatória</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>Registo</font></i><font> </font><i><font>Predial</font></i><font> </font><i><font>...</font></i><font> </font><i><font>com</font></i><font> </font><i><font>o</font></i><font> </font><i><font>n.º</font></i><font> </font><i><font>......65,</font></i><font> </font><i><font>com</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>área</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>230</font></i><font> </font><i><font>m2,</font></i><font> </font><i><font>designado</font></i><font> </font><i><font>pelo</font></i><font> </font><i><font>lote</font></i><font> </font><i><font>../…,</font></i><font> </font><i><font>localizado</font></i><font> </font><i><font>na</font></i><font> </font><i><font>Av.</font></i><font> </font><i><font>...,</font></i><font> </font><i><font>em</font></i><font> </font><i><font>Quinta</font></i><font> </font><i><font>...,</font></i><font> </font><i><font>inscrito</font></i><font> </font><i><font>na</font></i><font> </font><i><font>Conservatória</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>Registo</font></i><font> </font><i><font>Predial</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>...,</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>favor</font></i><font> </font><i><font>da</font></i><font> </font><i><font>autora</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>vivenda</font></i><font> </font><i><font>implantada</font></i><font> </font><i><font>nesse</font></i><font> </font><i><font>lote</font></i><font> </font><i><font>.../...atrás</font></i><font> </font><i><font>referido,</font></i><font> </font><i><font>com</font></i><font> </font><i><font>Licença</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>Construção</font></i><font> </font><i><font>n.º…..e</font></i><font> </font><i><font>Alvará</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>Construção</font></i><font> </font><i><font>n.º</font></i><font> </font><i><font>…84,</font></i><font> </font><i><font>emitidos</font></i><font> </font><i><font>pela</font></i><font> </font><i><font>Câmara</font></i><font> </font><i><font>Municipal ...;</font></i>
</p><p><i><font>- condenar-se</font></i><font> </font><i><font>os</font></i><font> </font><i><font>réus</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>entregar</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>parcela</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>terreno</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>vivenda</font></i><font> </font><i><font>à</font></i><font> </font><i><font>autora,</font></i><font> </font><i><font>retendo</font></i><font> </font><i><font>esta</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>quantia</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>€</font></i><font> </font><i><font>77.000,00</font></i><font> </font><i><font>entregue</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>título</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>sinal;</font></i>
</p><p><i><font>- absolver</font></i><font> </font><i><font>os</font></i><font> </font><i><font>réus</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>pedido</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>condenação</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>pagar</font></i><font> </font><i><font>à</font></i><font> </font><i><font>autora</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>quantia</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>€</font></i><font> </font><i><font>750,00</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>título</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>renda</font></i><font> </font><i><font>mensal</font></i><font> </font><i><font>até</font></i><font> </font><i><font>à</font></i><font> </font><i><font>restituição</font></i><font> </font><i><font>da</font></i><font> </font><i><font>parcela</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>terreno</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>vivenda</font></i><font> </font><i><font>nele</font></i><font> </font><i><font>implantada</font></i><font> </font><i><font>acima</font></i><font> </font><i><font>descritos.</font></i>
</p><p><i><font>Julgar</font></i><font> </font><i><font>integralmente</font></i><font> </font><i><font>improcedente</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>reconvenção</font></i><font> </font><i><font>deduzida</font></i><font> </font><i><font>pelos</font></i><font> </font><i><font>réus</font></i><font> </font><i><font>AA</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>BB</font></i><font> </font><i><font>contra</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>Sociedade</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>Construção</font></i><font> </font><i><font>M. Salvador</font></i><font> </font><i><font>&</font></i><font> </font><i><font>Filhos,</font></i><font> </font><i><font>Lda.,</font></i><font> </font><i><font>absolvendo-a</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>pedido”.</font></i>
</p><p><b><font>6. </font></b><font>Inconformados com esta decisão, os Réus interpuseram recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa.</font>
</p><p><b><font>7.</font></b><font> O Tribunal da Relação de Lisboa veio a julgar “improcedente o recurso dos RR., mantendo-se a sentença recorrida.” </font>
</p><p><b><font>8.</font></b><font> Inconformados com tal decisão, vieram os Réus interpor recurso de revista excecional.</font>
</p><p><font>O Relator admitiu o recurso de revista quanto à questão da violação do caso julgado, por ser uma das situações em que o recurso é sempre admissível (cf. artigos 629.º, n.º2, alínea c) e 672.º, n.º3, do Código de Processo Civil, e, quanto às restantes questões, por se verificar a dupla conforme, determinou que, oportunamente, os autos fossem remetidos à Formação de Juízes a que alude o n.º3 do artigo 672.º do Código de Processo Civil para verificação dos pressupostos da admissibilidade do recurso de revista excecional quanto a essas questões.</font>
</p><p><font>Os Réus formularam as seguintes (transcritas) conclusões, no que concerne à questão da violação do caso julgado:</font>
</p><p><font>1.ª </font><b><font>-</font></b><font> De igual modo, não podia o acórdão sob censura desconsiderar o caso julgado resultante da sentença proferida nos autos 3468/... e transitada em julgado, pois,</font>
</p><p><font>2.ª Em ambas as acções, com identidade de partes, o facto constitutivo do direito invocado pela A. </font><b><font>é</font></b><font> </font><b><font>a</font></b><font> </font><b><font>resolução</font></b><font> do contrato promessa e seu aditamento (</font><b><font>título</font></b><font> </font><b><font>que</font></b><font> </font><b><font>legitima</font></b><font> </font><b><font>a</font></b><font> </font><b><font>ocupação</font></b><font> </font><b><font>do</font></b><font> </font><b><font>mesmo</font></b><font> </font><b><font>imóvel</font></b><font> </font><b><font>por</font></b><font> </font><b><font>parte</font></b><font> </font><b><font>dos</font></b><font> </font><b><font>RR.)</font></b><font> - cfr. relatório da sentença proferida nos autos n.º 3468/....</font>
</p><p><font>3.ª Em ambas as acções, apenas um dos RR foi notificado do teor da notificação judicial avulsa com interpelação para cumprir as prestações em atraso – neste sentido pontos 10,11,12 e 13 dos factos provados insertos no teor da sentença proferida nos autos n.º 3468/09... e ponto 2.2.5 dos factos provados insertos no teor da sentença recorrida.</font>
</p><p><font>4.ª A sentença proferida nos autos n.º3468/..., perante a prova documental (contrato promessa e aditamento) e a factualidade assente (pontos 1, 2, 3, 4,5,6,7,8, 10,11,12 e 13 dos factos provados), considerou que </font><b><u><font>não havia</font></u></b><font> </font><b><u><font>motivo para a resolução do contrato</font></u></b><font>, mantendo-se o contrato promessa </font><i><font>“...ainda</font></i><font> </font><i><font>que</font></i><font> </font><i><font>os</font></i><font> </font><i><font>sucessores</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>promitente comprador</font></i><font> </font><i><font>possam ter</font></i><font> </font><i><font>incorrido</font></i><font> </font><i><font>em</font></i><font> </font><i><font>mora</font></i><font> </font><i><font>no</font></i><font> </font><i><font>cumprimento</font></i><font> </font><i><font>das</font></i><font> </font><i><font>suas</font></i><font> </font><i><font>obrigações</font></i><font>”</font>
</p><p><font>5.ª A sentença proferida em 1.ª instância ao não acatar e respeitar nessa definição ou regulação, os termos em que foi definida a situação que foi objecto da primeira decisão, julgando em conformidade.(vide acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 06.09.2016 (processo n.º 841/14.1TBFAF.G1.S1), de 19.01.2016 (processo n.º 126/12.8TBPTL.G1.S1 e de 26/02/2019 (processo nº 4043/10.8TBVLG.P1.S1), </font><b><font>incorreu</font></b><font> </font><b><font>por</font></b><font> </font><b><font>via</font></b><font> </font><b><font>disso</font></b><font> </font><b><font>na</font></b><font> </font><b><font>ofensa</font></b><font> </font><b><font>do</font></b><font> </font><b><font>caso</font></b><font> </font><b><font>julgado.</font></b>
</p><p><font>6.ª Ao não decidir nessa conformidade,o acórdão recorrido, para além derestringir direitos, liberdades e garantias dos RR com efeitos retroactivos, contrário ao expresso no artigo 18.º n.º 3 C.R.P., pois que foram absolvidos do petitório da A. nos autos anteriores e com a alteração da decisão judicial condenados à entrega dos imóveis,</font>
</p><p><font>7.ª Incorreu ainda, em erro na interpretação e aplicação do direito, tendo violado o disposto nos artigos 580°, n° 1, 581.º e 619.º n.º 1, do Cód.P.Civil, o que não pode ficar incólume.</font>
</p><p><b><font>9.</font></b><font> A Autora contra-alegou, pugnando pelo infundado da revista, e concluindo pela improcedência do recurso.</font>
</p><p><b><font>10.</font></b><font> Cumpre apreciar e decidir.</font>
</p><p>
</p><p><b><font>II. Delimitação do objeto do recurso</font></b>
</p><p>
</p><p><font>Como é jurisprudência sedimentada, e em conformidade com o disposto nos artigos 635º, nº 4, e 639º, nºs 1 e 2, ambos do Código de Processo Civil, o objeto do recurso consiste em saber se ocorreu a violação do caso julgado.</font>
</p><p>
</p><p><b><font>III. Fundamentação</font></b>
</p><p>
</p><p><b><font>1. </font></b><font>As instâncias deram como provados os seguintes factos</font><b><font>:</font></b>
</p><p><b><font>1.1.</font></b><font> Os RR são filhos de CC e de DD, ambos falecidos, respectivamente, em 24/7/2005 e em 7/9/2006, tendo aqueles sido declarados habilitados como sucessores destes, por escritura de habilitação de herdeiros outorgada em 20/2/2009, no Cartório Notarial de ..., sito na Rua ..., …, ….</font>
</p><p><b><font>1.2.</font></b><font> A favor da A. está inscrita, pela AP 4131 de 2010/05/04, por compra, a quota parte correspondente a 1/163 avos do prédio rústico, descrito sob o n.º 6563/… da Conservatória do Registo Predial ..., freguesia..., ... e ..., com a área total de 73880 m2, situado em ..., inscrito na matriz sob o n.º …31, da Secção … (Parte) composto por pinhal, a confrontar do Norte com EE; Nascente com FF; Sul com GG e outro e Poente com Estrada Nacional de ..., tendo sido desanexado do prédio descrito sob o n.º …..313, fls. 8 do Livro ….</font>
</p><p><b><font>1.3.</font></b><font> Na parcela de terreno referida em 1.2. construiu a A. uma moradia, designada por lote …/…, situada na Avenida ..., n.º … e n.º …, ..., freguesia de ..., estando conforme com o projecto constante da licença de construção n.º …98, tendo sido concedido ao promitente comprador a possibilidade de ocupar a moradia, o que vem sucedendo até à data.</font>
</p><p><b><font>1.4.</font></b><font> Em 21/1/2003 a A. como promitente vendedora e o pai dos RR. – CC – como promitente comprador, subscreveram o documento 2 junto com a P.I. (fls. 16 e 17), intitulado “</font><i><font>Contrato-Promessa</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>Compra</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>Venda</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>Recibo</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>Sinal”</font></i><font>, estabelecendo o seguinte:</font>
</p><p><font>“</font><i><font>(…)</font></i><font> </font><i><font>-</font></i><font> </font><i><font>1.</font></i><font> </font><i><font>A</font></i><font> </font><i><font>primeira</font></i><font> </font><i><font>Outorgante</font></i><font> </font><i><font>promete</font></i><font> </font><i><font>vender</font></i><font> </font><i><font>livre</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>quaisquer</font></i><font> </font><i><font>ónus</font></i><font> </font><i><font>ou</font></i><font> </font><i><font>encargos</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>o</font></i><font> </font><i><font>segundo</font></i><font> </font><i><font>Outorgante</font></i><font> </font><i><font>comprar,</font></i><font> </font><i><font>os</font></i><font> </font><i><font>seguintes</font></i><font> </font><i><font>imóveis:</font></i>
</p><p><i><font>1.1.</font></i><font> </font><i><font>-</font></i><font> </font><i><font>Parcela</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>terreno,</font></i><font> </font><i><font>correspondente</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>metade</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>1/163</font></i><font> </font><i><font>avos</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>prédio</font></i><font> </font><i><font>descrito</font></i><font> </font><i><font>na</font></i><font> </font><i><font>Conservatória</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>Registo</font></i><font> </font><i><font>Predial</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>...</font></i><font> </font><i><font>com</font></i><font> </font><i><font>o</font></i><font> </font><i><font>n.º</font></i><font> </font><i><font>….</font></i><font> </font><i><font>Este</font></i><font> </font><i><font>prédio</font></i><font> </font><i><font>tem</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>área</font></i><font> </font><i><font>total</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>75.000m2,</font></i><font> </font><i><font>pelo</font></i><font> </font><i><font>que</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>área</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>terreno</font></i><font> </font><i><font>objecto</font></i><font> </font><i><font>deste</font></i><font> </font><i><font>Contrato</font></i><font> </font><i><font>corresponderá</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>230m2</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>é</font></i><font> </font><i><font>designado</font></i><font> </font><i><font>por</font></i><font> </font><i><font>lote</font></i><font> </font><i><font>…,</font></i><font> </font><i><font>localiza-se</font></i><font> </font><i><font>na</font></i><font> </font><i><font>Avª.</font></i><font> </font><i><font>...,</font></i><font> </font><i><font>em</font></i><font> </font><i><font>Quinta</font></i><font> </font><i><font>...,</font></i><font> </font><i><font>encontrando-se</font></i><font> </font><i><font>devidamente</font></i><font> </font><i><font>registado</font></i><font> </font><i><font>na</font></i><font> </font><i><font>Conservatória</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>Registo</font></i><font> </font><i><font>Predial</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>...,</font></i><font> </font><i><font>em</font></i><font> </font><i><font>nome</font></i><font> </font><i><font>da</font></i><font> </font><i><font>primeira</font></i><font> </font><i><font>Outorgante.</font></i>
</p><p><i><font>1.2.</font></i><font> </font><i><font>Vivenda,</font></i><font> </font><i><font>implantada</font></i><font> </font><i><font>nesse</font></i><font> </font><i><font>lote</font></i><font> </font><i><font>.../...atrás</font></i><font> </font><i><font>referido,</font></i><font> </font><i><font>com</font></i><font> </font><i><font>Licença</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>Construção</font></i><font> </font><i><font>n.º</font></i><font> </font><i><font>…</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>Alvará</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>Construção</font></i><font> </font><i><font>n.º</font></i><font> </font><i><font>…,</font></i><font> </font><i><font>emitidos</font></i><font> </font><i><font>pela</font></i><font> </font><i><font>Câmara</font></i><font> </font><i><font>Municipal</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>.... 2-</font></i><font> </font><i><font>Os</font></i><font> </font><i><font>imóveis</font></i><font> </font><i><font>referidos</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>(1.1.)</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>(1.2.)</font></i><font> </font><i><font>encontram-se</font></i><font> </font><i><font>inseridos</font></i><font> </font><i><font>na</font></i><font> </font><i><font>AUGI</font></i><font> </font><i><font>com</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>designação</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>FF</font></i><font> </font><i><font>27,</font></i><font> </font><i><font>que</font></i><font> </font><i><font>integra</font></i><font> </font><i><font>o</font></i><font> </font><i><font>prédio</font></i><font> </font><i><font>n.º</font></i><font> </font><i><font>22.565,</font></i><font> </font><i><font>com</font></i><font> </font><i><font>parte</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>abranger</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>área</font></i><font> </font><i><font>da</font></i><font> </font><i><font>Quinta</font></i><font> </font><i><font>...</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>restante</font></i><font> </font><i><font>...</font></i><font> </font><i><font>II,</font></i><font> </font><i><font>sendo</font></i><font> </font><i><font>que</font></i><font> </font><i><font>as</font></i><font> </font><i><font>funções</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>Comissão</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>Administração</font></i><font> </font><i><font>são</font></i><font> </font><i><font>exercidas</font></i><font> </font><i><font>pela</font></i><font> </font><i><font>Associação</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>Moradores...</font></i><font> </font><i><font>II.</font></i>
</p><p><i><font>O</font></i><font> </font><i><font>Processo</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>Loteamento</font></i><font> </font><i><font>já</font></i><font> </font><i><font>foi</font></i><font> </font><i><font>aprovado</font></i><font> </font><i><font>pela</font></i><font> </font><i><font>Câmara</font></i><font> </font><i><font>Municipal</font></i><font> </font><i><font>..., encontrando-se</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>aguardar</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>emissão</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>Alvará</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>Loteamento</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>posterior</font></i><font> </font><i><font>Divisão</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>Coisa</font></i><font> </font><i><font>Comum.</font></i>
</p><p><i><font>3</font></i><font> </font><i><font>-</font></i><font> </font><i><font>O</font></i><font> </font><i><font>preço</font></i><font> </font><i><font>global</font></i><font> </font><i><font>da</font></i><font> </font><i><font>compra</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>venda</font></i><font> </font><i><font>é</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>187.050,00</font></i><font> </font><i><font>Euros</font></i><font> </font><i><font>(…),</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>pagar</font></i><font> </font><i><font>da</font></i><font> </font><i><font>seguinte</font></i><font> </font><i><font>forma:</font></i>
</p><p><i><font>3.1.</font></i><font> </font><i><font>Com</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>assinatura</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>presente</font></i><font> </font><i><font>Contrato-Promessa,</font></i><font> </font><i><font>30.000</font></i><font> </font><i><font>(…),</font></i><font> </font><i><font>como</font></i><font> </font><i><font>sinal</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>princípio</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>pagamento;</font></i>
</p><p><i><font>3.2.</font></i><font> </font><i><font>Em</font></i><font> </font><i><font>Março</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>corrente</font></i><font> </font><i><font>ano,</font></i><font> </font><i><font>um</font></i><font> </font><i><font>reforço</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>sinal</font></i><font> </font><i><font>no</font></i><font> </font><i><font>montante</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>30.000</font></i><font> </font><i><font>(…);</font></i>
</p><p><i><font>3.3.</font></i><font> </font><i><font>O</font></i><font> </font><i><font>restante</font></i><font> </font><i><font>da</font></i><font> </font><i><font>dívida</font></i><font> </font><i><font>no</font></i><font> </font><i><font>montante</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>127.050</font></i><font> </font><i><font>Euros</font></i><font> </font><i><font>(…),</font></i><font> </font><i><font>no</font></i><font> </font><i><font>prazo</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>ano</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>meio</font></i><font> </font><i><font>após</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>celebração</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>presente</font></i><font> </font><i><font>Contrato-Promessa.</font></i>
</p><p><i><font>(…)</font></i>
</p><p><i><font>5</font></i><font> </font><i><font>-</font></i><font> </font><i><font>A</font></i><font> </font><i><font>escritura</font></i><font> </font><i><font>definitiva</font></i><font> </font><i><font>será</font></i><font> </font><i><font>efectuada</font></i><font> </font><i><font>após</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>emissão</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>Alvará</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>logo</font></i><font> </font><i><font>que</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>Escritura</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>Divisão</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>Coisa</font></i><font> </font><i><font>Comum</font></i><font> </font><i><font>seja</font></i><font> </font><i><font>decidida</font></i><font> </font><i><font>pela</font></i><font> </font><i><font>Comissão</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>Administração</font></i><font> </font><i><font>da</font></i><font> </font><i><font>AUGI</font></i><font> </font><i><font>FF</font></i><font> </font><i><font>27</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>posteriormente</font></i><font> </font><i><font>efectuada,</font></i><font> </font><i><font>sendo</font></i><font> </font><i><font>marcada</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>comunicada</font></i><font> </font><i><font>ao</font></i><font> </font><i><font>segundo</font></i><font> </font><i><font>Outorgante</font></i><font> </font><i><font>pela</font></i><font> </font><i><font>primeira</font></i><font> </font><i><font>Outorgante</font></i><font> </font><i><font>no</font></i><font> </font><i><font>prazo</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>15</font></i><font> </font><i><font>dias,</font></i><font> </font><i><font>após</font></i><font> </font><i><font>ter</font></i><font> </font><i><font>em</font></i><font> </font><i><font>seu</font></i><font> </font><i><font>poder</font></i><font> </font><i><font>toda</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>documentação</font></i><font> </font><i><font>para</font></i><font> </font><i><font>o</font></i><font> </font><i><font>efeito</font></i><font> </font><i><font>necessária.</font></i>
</p><p><i><font>6</font></i><font> </font><i><font>-</font></i><font> </font><i><font>Em</font></i><font> </font><i><font>caso</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>força</font></i><font> </font><i><font>maior</font></i><font> </font><i><font>que</font></i><font> </font><i><font>impeça</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>realização</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>escritura,</font></i><font> </font><i><font>serão</font></i><font> </font><i><font>o</font></i><font> </font><i><font>sinal</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>restantes</font></i><font> </font><i><font>quantias</font></i><font> </font><i><font>entregues</font></i><font> </font><i><font>pelo</font></i><font> </font><i><font>segundo</font></i><font> </font><i><font>Outorgante,</font></i><font> </font><i><font>devolvidas</font></i><font> </font><i><font>faseadamente</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>na</font></i><font> </font><i><font>totalidade,</font></i><font> </font><i><font>sem</font></i><font> </font><i><font>direito</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>quaisquer</font></i><font> </font><i><font>j | [0 0 0 ... 0 0 0] |
0TJqu4YBgYBz1XKvvAQm | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font> </font><div><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: </font></div><br>
<br>
<font> </font><br>
<p><font> </font>
</p><p><b><font>I. Relatório</font></b>
</p><p>
</p><p>
</p><p><b><font>1.</font></b><font> </font><b><font>Construções Serra do Larouco, Lda</font></b><font>. intentou a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra </font><b><font>Vestas Portugal, Lda.</font></b><font> e </font><b><font>Iberwind II –</font></b><font> </font><b><font>Produção Sociedade Unipessoal, Lda.</font></b><font> pedindo a condenação solidária de ambas as Rés a pagarem-lhe a quantia de €166 024,83, Iva incluído à taxa legal em vigor, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos até efetivo e integral pagamento que, à data, liquidou em €169 867,10.</font>
</p><p><font>A Autora alegou, em síntese, que:</font>
</p><p><font>- No âmbito da sua atividade comercial de indústria de construção civil, empreitadas de obras públicas e compra e venda de bens imóveis, foi contactada, em 2004, pela Ré Vestas Portugal para proceder à construção de uma subestação, caminhos e plataformas para instalação de 37 aerogeradoras que atualmente compõem o Parque Eólico da ….; </font>
</p><p><font>- O preço acordado entre a Autora e a 1.ª Ré para a execução dos referidos trabalhos foi de €1 640 348,21, acrescidos de Iva à taxa legal, o qual já foi pago à Autora;</font>
</p><p><font> No decorrer dos trabalhos, em maio de 2004, a 1.ª Ré solicitou à Autora a execução de trabalhos vários que não estavam incluídos no acordo inicial estabelecido entre ambas e cujo valor foi fixado pela Autora e 1.ª Ré em €155 771,96, acrescido de Iva à taxa legal;</font>
</p><p><font> Após a conclusão dos referidos trabalhos, a 1.ª Ré apenas procedeu ao pagamento da quantia de €20 792,84, acrescido de Iva à taxa legal, tendo um funcionário da 1.ª Ré comunicado à Autora que a 1.ª Ré e a gerência da Companhia das Energias Renováveis da Serra dos Candeeiros, Lda. – então dona da obra – tinham acordado verbalmente que a primeira pagaria à Autora a quantia de €20.792,84, acrescida de Iva à taxa legal e que o remanescente (dos €1 640 348,21 ), acrescido de Iva à taxa legal seria pago pela segunda à Autora;</font>
</p><p><font>- Em janeiro de 2010, a Companhia das Energias Renováveis da Serra dos Candeeiros, Lda. foi incorporada, por fusão, na 2.ª Ré;</font>
</p><p><font>- Em dezembro de 2010, a Autora interpelou o presidente do Conselho de Administração do grupo Iberwind, grupo económico onde está inserido a 2.ª Ré, para proceder ao pagamento das quantias que lhe eram devidas, o qual declinou a responsabilidade da Iberwind pelo pagamento da quantia remanescente.</font>
</p><p>
</p><p><b><font>2</font></b><font>. Citadas, as Rés vieram contestar:</font>
</p><p><font>- A Ré Vestas Portugal, Lda. defendeu-se por exceção, invocando a incompetência absoluta do tribunal por preterição de tribunal arbitral e a prescrição do direito aos juros e mora, e, no mais, por impugnação.</font>
</p><p><font>- A Ré Iberwind, Lda. defendeu-se por exceção, invocando a incompetência territorial do tribunal e, no mais, por impugnação.</font>
</p><p>
</p><p><b><font>3. </font></b><font>A Autora respondeu às exceções deduzidas e, no mesmo articulado, requereu a ampliação do pedido, nos seguintes termos: «Deve o presente articulado superveniente ser admitido e, consequentemente, ser admitida a ampliação do pedido formulado pela Autora e, em consequência, caso se se considere que o valor da indemnização moratória devida à autora é a fixada no §3 da cláusula 9.ª do contrato junto pela ré BB com a sua contestação, serem as rés condenadas a pagar à autora e até efetivo e integral pagamento das quantias devidas à autora pelos serviços por si prestados, o montante mensal de €1 660,24 num total calculado até à presente data de €244 055,28 a título de cláusula penal moratória, valores esses acrescidos de juros de mora vencidos e vincendos até efetivo e integral pagamento e que, nesta data, se computam em €61 095,40.»</font>
</p><p>
</p><p><b><font>4. </font></b><font>Ambas as Rés se opuseram à ampliação do pedido.</font>
</p><p>
</p><p><b><font>5. </font></b><font>O Tribunal de 1.ª instância proferiu despacho, julgando procedente a exceção de incompetência territorial. </font>
</p><p>
</p><p><b><font>6. </font></b><font>Foi designada audiência prévia no âmbito da qual o Tribunal de 1.ª instância proferiu despacho não admitindo a ampliação do pedido requerida pela Autora com fundamento na respetiva inadmissibilidade legal e proferiu despacho-saneador no qual conheceu da exceção de incompetência absoluta por preterição de tribunal arbitral, julgando-a improcedente.</font>
</p><p>
</p><p><b><font>7. </font></b><font>Não se conformando com estas decisões, a Autora e a Ré Vestas Portugal, Lda. interpuseram recurso de apelação para o Tribunal da Relação …...</font>
</p><p>
</p><p><b><font>8.</font></b><font> O Tribunal da Relação …. proferiu a seguinte decisão:</font>
</p><p><font>“1. Julga-se procedente a apelação no que respeita ao recurso interposto pela Recorrente Vestas Portugal, Lda., e, em conformidade:</font>
</p><p><font>1.1. Revoga-se o despacho recorrido, julgando-se procedente a exceção de incompetência absoluta do tribunal por preterição de tribunal arbitral, absolvendo-se a Ré Vestas Portugal da instância e determinando-se o prosseguimento da instância apenas contra a ré Iberwind II - Produção Sociedade Unipessoal, Lda.</font>
</p><p><font>2- Julga-se improcedente a apelação no que respeita ao recurso interposto pela Recorrente Construções Serra do Larouco, Lda., mantendo-se o despacho recorrido”.</font>
</p><p>
</p><p><b><font>9. </font></b><font>Inconformada com tal decisão, a Autora veio interpor o presente recurso de revista (tendo sido admitido o recurso relativo à decisão da exceção de incompetência absoluta do tribunal por preterição do tribunal arbitral e não admitido o recurso relativo à decisão de não admissão da ampliação do pedido), formulando as seguintes (transcritas) conclusões (no que respeita ao recurso admitido):</font>
</p><p><font>1.ª Por douto acórdão datado de 10.10.2019, foi julgado procedente o recurso interposto da Ré Vestas Portugal, L.da e improcedente o recurso interposto pela ora Recorrente.</font>
</p><p>
</p><p><font>2.ª A Recorrente Vestas Portugal, L.da interpôs recurso da decisão do Tribunal de 1ª Instância que julgou improcedente a exceção da incompetência absoluta do tribunal por preterição do tribunal arbitral, que julgou procedente o recuso interposto pela mesma com os seguintes argumentos</font>
</p><p>
</p><p><font>A) porque tendo a Autora alegado a responsabilidade solidária das rés pelo pagamento do remanescente do preço devido pela execução dos trabalhos adicionais realizados pela autora na obra do Parque Éolico da …., bastava a intervenção de uma das Rés na ação para assegurar a legitimidade passiva (art. 517º do CC e art. 32º, nº 2, do CPC).</font>
</p><p>
</p><p><font>B) porque não compete ao juiz a quo pronunciar-se sobre a competência do tribunal arbitral ou sobre a incompetência do mesmo para dirimir um litígio que foi cometido pelas partes ao segundo aquando da negociação da sua relação negocial”.</font>
</p><p>
</p><p><font>3.ª A decisão do Tribunal recorrido apenas se poderia manter se as partes em litígio fossem apenas a ora Recorrente e a Recorrida Vestas, mas a resolução do caso concreto não passa apenas por saber se a Ré Vestas cumpriu incumpriu, ou não, com as suas obrigações contratuais.</font>
</p><p>
</p><p><font>4.ª Importa igualmente apurar, no caso concreto, se a Recorrida Iberwind assumiu, ou não, e, em caso de resposta afirmativa, cumulativamente, ou não, a responsabilidade pelo pagamento dos trabalhos adicionais realizados pela Recorrente na obra do Parque Éolico da …..</font>
</p><p><img><font>5.ª A cláusula compromissória constante de um contrato vale apenas entre as partes que a subscreveram (art. 406º do CC), sendo a mesma extensível a terceiros se os signatários da mesma o consentirem e o terceiro aderir, expressa ou tacitamente, à convenção arbitral.</font>
</p><p><img><font>6.ª No caso em apreço é manifesto, atenta a posição processual que a Recorrida Iberwind assumiu nos articulados e prova documental por si oferecidos, que a mesma rejeita ter celebrado com a Recorrida Vestas qualquer contrato através da qual a ora Recorrida Iberwind assumia a obrigação de proceder ao pagamento à ora Recorrente das quantias devidas a esta pela Recorrida Vestas pela execução do Parque Éolico da …, indeferindo-se, assim, da posição assumida que a mesma nunca pretendeu vincular-se à cláusula ínsita no ponto 17. 7 do contrato celebrado entre Recorrente e Recorrida Vestas.</font>
</p><p>
</p><p><font>6.ª Face à alegação da existência de um tal acordo de transmissão de dívida, não podemos olvidar que não obstante, estarmos perante dois contratos - de subempreitada e transmissão de dívida - celebrados entre diferentes partes - Recorrente e Ré Vestas e Ré Vestas e Ré Iberwind- ambos os contratos estão interligados entre si.</font>
</p><p>
</p><p><font>7.ª Ora, “apenas a demanda conjunta de ambas as Rés, com apreciação também ela conjunta dos factos atinentes à transmissão, ou não, da dívida em causa, e exoneração, ou não, da 1ª Ré primitiva devedora, é que poderá lograr uma decisão que produza o seu efeito útil normal, regulando definitivamente a situação concreta das partes quanto ao pedido formulado” (sic).</font>
</p><p>
</p><p><font>8.ª No caso sub judice impondo a causa de pedir e o pedido formulado no processo judicial a apreciação de dois contratos, sendo que apenas num deles existe convenção de arbitragem, urge determinar qual foi a vontade das partes nesta matéria para apurar se a competência do tribunal arbitral se pode ou não estender aos demais.</font>
</p><p>
</p><p><font>9.ª A existência de partes distintas nos contratos e de pactos de atribuição de competência nos demais contratos, afasta a possibilidade de se concluir que a intenção das partes foi estender a competência do tribunal arbitral constante da cláusula compromissória dum deles, à apreciação de todos os litígios decorrentes dos mesmos.</font>
</p><p>
</p><p><font>10.ª Existindo uma relação de interdependência relação entre os contratos ora em análise não faz qualquer sentido que se remeta para apreciação pelo tribunal arbitral o contrato onde se encontra plasmada cláusula compromissória dado o laço que une ambos os contratos;</font>
</p><p>
</p><p><font>11.ª Atento o disposto no artigo 96.º, n.º 1, do CPC, sendo o tribunal judicial competente em razão da matéria para conhecimento de todas as questões suscitadas pelas partes nos presentes autos, e existindo uma união de contratos bilateralmente dependentes, será também o mesmo competente para conhecimento das questões relativas ao único dos três contratos cujos litígios as partes haviam acordado submeter ao tribunal arbitral, por via da extensão de competência prevista no citado preceito legal (In Ac, da TRC de 15.12.2019, Proc. nº 477/11.8 TBACN.C1, publicado em </font><a><u><font>www.dgsi.pt</font></u></a><font>).</font><img><img><font>12.ª Deve a decisão que julgou procedente o recurso interposto pela Recorrida ser revogada, e, consequentemente ser substituída por uma outra que julgue improcedente a exceção da preterição do tribunal arbitral invocada pela Recorrida Vestas, devendo os autos prosseguir contra ambas as Rés.</font><br>
</p><p><font>E conclui: “Deve a decisão recorrida ser revogada e, consequentemente:</font><br>
</p><p><font>a) ser julgada improcedente a excepção da incompetência absoluta do Tribunal por preterição do tribunal arbitral invocada pela Recorrida Vestas, devendo os presentes autos prosseguir contra ambas as Recorridas”.</font><br>
</p><p><b><font>10.</font></b><font> A Recorrida Vestas Portugal, Lda. apresentou contra-alegações, formulando as seguintes (transcritas) conclusões: </font><br>
</p><p><font>1ª. A invocada solidariedade da obrigação cujo cumprimento vem peticionado nos presentes autos, dá aso, apenas, a uma situação de litisconsórcio voluntário passivo.</font><br>
</p><p><font>2.ª Não existe qualquer obstáculo a que as pretensões deduzidas contra as duas Rés sejam apreciadas pelo tribunal arbitral, quanto à ora Recorrida, que se vinculou à arbitragem, e pelo tribunal judicial, quanto à 2.ª Ré, igualmente recorrida.</font><br>
</p><p><font>3.ª A relação de solidariedade passiva que se verifica nos presentes autos não implica a concentração do litígio num só tribunal, nada impedindo que o litígio se distribua entre o tribunal arbitral, em relação a um dos alegados condevedores, e o tribunal judicial, quanto ao outro.</font><br>
</p><p><font>4.ª Atendendo à consagração legal do princípio “Kompetenz-Kompetenz” no número 1 do artigo 18.º da LAV e no número 1 do artigo 5.º da LAV, caberá ao tribunal arbitral analisar e decidir, prioritariamente, da sua competência.</font><br>
</p><p><font>E conclui pela improcedência do recurso.</font><b><font> </font></b><br>
</p><p><b><font>11.</font></b><font> Cumpre apreciar e decidir.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>II. Delimitação do objeto do recurso</font></b><br>
</p><p><font>Como é jurisprudência sedimentada, e em conformidade com o disposto nos artigos 635º, nº 4, e 639º, nºs 1 e 2, ambos do Código de Processo Civil, o objeto do recurso é delimitado em função das conclusões formuladas pelo recorrente, pelo que, dentro dos preditos parâmetros, da leitura das conclusões recursórias formuladas pela Recorrente decorre que o objeto do presente recurso está circunscrito à questão de saber se se verifica a exceção de incompetência absoluta por preterição do tribunal arbitral. </font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>III. Fundamentação</font></b><br>
</p><p><b><font>1. O Tribunal da Relação considerou demonstrados os seguintes factos:</font></b><br>
</p><p><b><font>1.1.</font></b><font> Entre a Construções Serra do Larouco, Lda. e a Vestas foi outorgado um contrato, em 01.10.2004, que as partes denominaram de «Contrato para a Execução de Obras de Construção Civil no Parque Eólico da ……, …./Portugal».</font><br>
</p><p><b><font>1.2.</font></b><font> Constam dos “Considerandos” do contrato supra referido, os seguintes pontos:</font><br>
</p><p><font>«</font><b><font>A.</font></b><font> A Vestas é uma empresa que vende e instala projetos de energia eólica. A Vestas realizou ou irá realizar uma oferta, ou celebrou um contrato para o fornecimento e instalação do projeto de energia eólica mais detalhadamente descrito no Anexo A (o “Projeto” na localização física também definida no Anexo A (o “Local”),</font><br>
</p><p><b><font>B.</font></b><font> O Empreiteiro é uma empresa com capacidade e experiência na prestação, execução e conclusão do trabalho descrito no Anexo B (as “Obras”).</font><br>
</p><p><b><font>C.</font></b><font> A Obra é parte integrante do Projeto e a Vestas pretende contratar o Empreiteiro, como subempreiteiro para a prestação, execução e conclusão das Obras, em conformidade com os termos e condições do presente Acordo, e o Empreiteiro pretende ser contratado.</font><br>
</p><p><font>[…]»</font><br>
</p><p><b><font>1.3.</font></b><font> A cláusula 3.ª sob a epígrafe Obrigações do Empreiteiro – Obrigação Geral estabelece que «O empreiteiro compromete-se, em conformidade com o Acordo, com a devida diligência e cuidado, a executar Obras de Construção Civil dentro do Prazo de Execução e em conformidade com o Programa.»</font><br>
</p><p><b><font>1.4.</font></b><font> A cláusula 4.2, sob a epígrafe Obrigações da Vestas, Pagamento do Preço do Contrato estabelece que: «A Vestas compromete-se a pagar ao Empreiteiro o Preço do Contrato nos momentos e da forma previstos na Secção 9.»</font><br>
</p><p><b><font>1.5.</font></b><font> A cláusula 9 sob a epígrafe Termos de Pagamento, estabelece que: «O Preço Contratual será pago da seguinte forma pela Vestas ao Empreiteiro na ocorrência dos seguintes eventos: (…)</font><br>
</p><p><font>Os montantes a pagar serão pagos no prazo de 30 dias após a ocorrência do evento e receção pela Vestas de uma fatura original aplicável (a “Data do vencimento”).</font><br>
</p><p><font>Se, por qualquer motivo, a Vestas não efetuar o pagamento no prazo de 15 dias após a Data de Vencimento, vencer-se-ão juros a uma taxa de 1% por mês a contar da Data de Vencimento e até o pagamento ser recebido pelo Empreiteiro.»</font><br>
</p><p><b><font>1.6.</font></b><font> A cláusula 17.7, sob a epígrafe Lei aplicável, foro e arbitragem, tem a seguinte redação: «Qualquer litígio, reivindicação ou disputa entre as Partes emergente ou relacionada com o presente Acordo ou violação do mesmo, que não possa ser resolvido amigavelmente, será submetido a arbitragem em conformidade com as Regras de Conciliação e Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional, em Portugal (Porto).</font><br>
</p><p><font>O painel de arbitragem será constituído por três pessoas, uma designada por cada uma das Partes e uma designada por comum acordo entre os dois árbitros. Se não for possível alcançar comum acordo para a designação do terceiro árbitro, então o juiz civil em Portugal designará um árbitro. Caso as Partes não tenham designado um árbitro no prazo de três semanas após o pedido da outra Parte, este árbitro será igualmente designado pelo juiz civil.</font><br>
</p><p><font>O contrato será registo pela Lei Portuguesa.</font><br>
</p><p><font>A decisão do painel de arbitragem será final e vinculativa para as Partes.</font><br>
</p><p><font>As Partes aceitam depositar um montante, determinado pelos árbitros, para cobrir os custos da arbitragem.»</font><br>
</p><p><b><font>2. O Tribunal de 1.ª instância proferiu o seguinte despacho (no que respeita à exceção de preterição do Tribunal arbitral):</font></b><br>
</p><p><font>«Da alegada incompetência absoluta do Tribunal por preterição de tribunal</font><b><font> </font></b><font>arbitral</font><br>
</p><p><font>Conforme decorre da leitura da contestação apresentada pela Ré Vestas Portugal, Lda., vem a mesma arguir, nos pontos 4º e ss. de tal articulado, a incompetência absoluta deste tribunal por preterição de tribunal arbitral, em face do acordado entre a mesma e a Autora na cláusula 17.7 do contrato de subempreitada por si junto a tal articulado.</font><br>
</p><p><font>Defende que, nos termos de tal cláusula, qualquer controvérsia, reclamação ou litígio entre elas decorrente ou relacionada com aquele contrato ou o seu incumprimento, que não possa ser resolvida amigavelmente, deverá ser submetida a arbitragem de acordo com as regras de conciliação e arbitragem da Câmara Internacional de Comércio em Portugal (Porto).</font><br>
</p><p><font>Invocando que o presente litígio se reporta a um alegado incumprimento de tal contrato, conclui pela sua necessária absolvição da instância, por força de tal cláusula contratual que retira competência deste Tribunal para apreciação do pleito no que a si diz respeito.</font><br>
</p><p><font>Respondeu a Autora a tal exceção no requerimento por si apresentado a 24-2-2018, pugnando pela sua improcedência em virtude da existência de litisconsórcio necessário passivo, o qual, conjugado com o facto da cláusula compromissória não vincular a Ré Iberwind II, torna impossível o exercício da pretensão da Autora vertida nos presentes autos, dirigida contra duas Rés, no âmbito de processo arbitral, que poderia apenas ser interposto contra uma delas.</font><br>
</p><p><font>Foi ainda concedida às partes a possibilidade de se pronunciarem quanto à presente exceção no âmbito da presente audiência prévia.</font><br>
</p><p><font>Cumpre apreciar e decidir.</font><br>
</p><p><font>Tal como decorre da leitura da petição inicial, o pedido alicerça-se numa alegada responsabilidade solidária das Rés no pagamento de trabalhos extra realizados no âmbito de contrato de subempreitada celebrado entre Autora e 1ª Ré, responsabilidade solidária essa decorrente duma alegada transmissão de dívida, acordada entre as Rés, mas sem exoneração do primitivo devedor (</font><i><font>in casu</font></i><font> a 1ª Ré) do crédito.</font><br>
</p><p><font>Atenta a forma como está conformada a relação controvertida na petição inicial, forma essa que é aquela que é determinante para aferição da competência deste Tribunal, afigura-se que estamos perante uma situação de litisconsórcio necessário passivo, nos termos do art. 33º, n.ºs 2 e 3 do CPC.</font><br>
</p><p><font>Apenas a demanda conjunta de ambas as Rés, com apreciação também ela conjunta dos factos atinentes à transmissão, ou não, da dívida em causa, e exoneração, ou não, da 1ª Ré primitiva devedora, é que poderá lograr uma decisão que produza o seu efeito útil normal, regulando definitivamente a situação concreta das partes quanto ao pedido formulado.</font><br>
</p><p><font>Cindir a apreciação da responsabilidade da 1ª Ré em ação a correr termos em processo arbitral, e a apreciação da responsabilidade da 2ª Ré nos presentes autos, para além de se traduzir numa menor eficiência na apreciação dos factos aqui em apreço, por “espartilhar” os mesmos, poderia originar decisões contraditórias ou incompatíveis (imagine-se, desde logo, duas sentenças em que se atribua a responsabilidade pelo pagamento peticionado unicamente à parte que não fosse demandada em tais autos), contrariando, consequentemente, o efeito útil normal das decisões a produzir.</font><br>
</p><p><font>Ora, existindo aqui litisconsórcio necessário passivo, é também certo, em face do alegado nos autos, que a 2ª Ré não se vinculou à cláusula compromissória em causa, quer na data de celebração do acordo que a positivou, quer por adesão posterior. A intervenção da referida 2ª Ré em processo arbitral para apreciação dos factos aqui em apreço está assim vedada pelo disposto no art. 36º, n.º 1, da LAV, aqui aplicável por força do art. 4º da Lei que aprovou a mesma. Como é manifesto, em face da impossibilidade de demanda conjunta das Rés em processo arbitral, numa situação de litisconsórcio necessário passivo, não pode o sistema jurídico tolerar uma situação em que a Autora fique consequentemente de mãos atadas, impedindo a demanda das referidas Rés em ação judicial por preterição de tribunal arbitral imposto apenas nas demandas contra uma das Rés.</font><br>
</p><p><font>Neste caso, e como bem indica a Autora, há que concluir que a pretensão da mesma apenas pode ser deduzida nos tribunais judiciais, atenta a situação de litisconsórcio necessário passivo existente e a não vinculação à cláusula compromissória duma das Rés.</font><br>
</p><p><font>Ou seja, em face de tudo o referido, importa concluir pela competência deste Tribunal para apreciação da presente lide, contra ambas as Rés em litisconsórcio necessário passivo, não se impondo a absolvição da instância da 1ª Ré pela mesma requerida.</font><br>
</p><p><font>Nestes termos, declaro improcedente a exceção de incompetência absoluta do Tribunal por preterição de Tribunal Arbitral. […]»</font><br>
</p><p><b><font> </font></b><br>
</p><p><b><font>3. Exceção de incompetência absoluta por preterição do tribunal arbitral</font></b><br>
</p><p><font>A Ré Vestas Portugal, Lda., na sua contestação, veio arguir a exceção de preterição do tribunal arbitral, com fundamento no acordado entre si e a Autora, no contrato de subempreitada (cláusula 17.7 do contrato).</font><br>
</p><p><font>O Tribunal de 1ª instância julgou improcedente a exceção arguida, considerando que, no caso presente, existia litisconsórcio necessário passivo, que a Autora não podia demandar a 2.ª Ré no Tribunal Arbitral e que cindir a apreciação da responsabilidade da 1.ª Ré em ação a correr termos em processo arbitral, e a apreciação da responsabilidade da 2.ª Ré nos presentes autos, para além de se traduzir numa menor eficiência na apreciação dos factos aqui em apreço, por “espartilhar” os mesmos, poderia originar decisões contraditórias ou incompatíveis, contrariando, consequentemente, o efeito útil normal das decisões a produzir. </font><br>
</p><p><font>E com esse fundamento, concluiu que não se verificava a exceção de preterição do tribunal arbitral, pelo que concluiu pela improcedência desta exceção, invocada pela Ré. </font><br>
</p><p><font>Não se conformando com esta interpretação, a Ré interpôs recurso de apelação e o Tribunal da Relação …. veio a julgar procedente o recurso, afirmando que estava verificada a exceção de preterição de tribunal arbitral. </font><br>
</p><p><font>Desta interpretação discorda a Autora, tendo interposto este recurso de revista.</font><br>
</p><p><font>Vejamos.</font><br>
</p><p><font>A preterição de tribunal arbitral voluntário resulta da infração da competência convencional de um tribunal arbitral que tem competência para apreciar determinado objeto, de tal modo que seja instaurada num tribunal comum uma ação que devia ser proposta num tribunal convencionado pelas partes.</font><br>
</p><p><font>(Acórdão do STJ, de 4/05/2005)</font><br>
</p><p><font>A preterição de tribunal arbitral (necessário ou voluntário) determina a incompetência absoluta do tribunal (alínea b) do artigo 96º do Código de Processo Civil), que pode ser arguida pelas partes, mas não pode ser suscitada oficiosamente pelo tribunal judicial (nº 1 do artigo 97º do Código de Processo Civil) e é uma exceção dilatória (alínea a) do artigo 577º do Código de Processo Civil) e as exceções dilatórias obstam a que o tribunal conheça do mérito da causa e dão lugar à absolvição da instância ou à remessa do processo para outro tribunal (nº 2 do artigo 576º do Código de Processo Civil).</font><br>
</p><p><font>A convenção de arbitragem pode ter por objeto um litígio atual, ainda que afeto a um tribunal do Estado (compromisso arbitral), ou litígios eventuais emergentes de determinada relação jurídica contratual ou extracontratual (cláusula compromissória) – nº 3 do artigo 1º da Lei nº 63/2011, de 14 de dezembro (LAV).</font><br>
</p><p><font>A competência convencionalmente atribuída ao tribunal arbitral pode ser exclusiva ou concorrente com o tribunal estadual.</font><br>
</p><p><font>Os tribunais são os órgãos da soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo (artigo 202º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa).</font><br>
</p><p><font>No nº 1 do artigo 209º da CRP determinou-se a existência do Tribunal Constitucional, do Supremo Tribunal de Justiça e Tribunais Judiciais de 1ª e 2ª instância, do Supremo Tribunal Administrativo e demais tribunais administrativos e fiscais e do Tribunal de Contas.</font><br>
</p><p><font>O nº 2 do artigo 209º da CRP prescreve que podem ainda existir tribunais marítimos, tribunais arbitrais e julgados de paz.</font><br>
</p><p><font>Por sua vez, preceitua o nº 1 do artigo 1º da Lei nº 63/2011, de 14 de dezembro, que desde que por lei especial não esteja submetido exclusivamente aos tribunais do Estado ou a arbitragem necessária, qualquer litígio respeitante a interesses de natureza patrimonial pode ser cometido pelas partes, mediante convenção de arbitragem, à decisão de árbitros.</font><br>
</p><p><font>A convenção de arbitragem pode ter por objeto um litígio atual, ainda que afeto a um tribunal do Estado (compromisso arbitral), ou litígios eventuais emergentes de determinada relação jurídica contratual ou extracontratual (cláusula compromissória) – nº 3 deste último preceito.</font><br>
</p><p><font>A convenção de arbitragem deve ser reduzida a escrito (nº 1 do artigo 2º da LAV - Lei nº 63/2011, de 14 de dezembro). O compromisso arbitral deve determinar com precisão o objeto do litígio; a cláusula compromissória deve especificar a relação jurídica a que os litígios respeitem (nº 6 do artigo 2º da LAV).</font><br>
</p><p><font>A sentença arbitral de que não caiba recurso e que já não seja susceptível de alteração nos termos do artigo 45º tem o mesmo carácter obrigatório entre as partes que a sentença de um tribunal estadual transitada em julgado e a mesma força executiva que a sentença de um tribunal estadual (artigo 42º, nº 7, da LAV). </font><br>
</p><p><font>Atento o que atrás se refere, podemos referir que os tribunais arbitrais, “embora não sejam órgãos de soberania como os tribunais estaduais, não deixam de ser entidades jurisdicionais a quem cabe definir o direito nas situações concretas que lhes são submetidas” (Acórdão do STJ, de 20/01/2011, consultável em </font><a><u><font>www.dgsi.pt</font></u></a><font>).</font><br>
</p><p><font>Ou, como refere Manuel Pereira Barrocas, “antes de mais, o tribunal arbitral não representa o Estado, nem qualquer órgão de soberania. Exerce uma atividade de natureza privada que resulta do poder das partes em o constituir. Não tem, em regra, caráter permanente ou duradouro no tempo.</font><br>
</p><p><font>(…) A referência que o artigo 209º, número 2, da Constituição faz aos tribunais arbitrais não visa integrá-los no sistema jurisdicional estadual, pois não fazem parte do aparelho estadual, mas apenas conferir dignidade constitucional à sua existência e, seguramente, permitir que não seja arguido de inconstitucionalidade o artigo 42º, número 7, da LAV que reconhece à sentença arbitral a mesma força executiva da sentença judicial”</font><br>
</p><p><font>- Manual de Arbitragem, 2ª. edição, pág.35 – </font><br>
</p><p><font>Como se afirma no Acórdão do STJ, de 10/03/2011 (consultável em </font><a><u><font>www.dgsi.pt</font></u></a><font>), “importa começar por definir claramente os parâmetros dentro dos quais incumbirá ao Supremo exercer os seus poderes cognitivos quanto à apreciação da substância da excepção dilatória de preterição de tribunal arbitral voluntário, deduzida pela R. – não podendo olvidar-se que, sendo os tribunais arbitrais constitucionalmente configurados como «tribunais» - isto é, como entidades dotadas das características de independência e imparcialidade que caracterizam o núcleo essencial da função jurisdicional, a que compete definir o direito nas concretas situações litigiosas entre particulares – não poderá deixar de lhes estará reservada uma relevante parcela de jurisdição, abrangendo, desde logo e em primeira linha, a aferição da sua própria competência, emergente do legítimo exercício da autonomia privada pelos interessados, consubstanciada na convenção da arbitragem.</font><br>
</p><p><font>Tal implica que, ao apreciar a referida excepção dilatória, devam os tribunais judiciais actuar com reserva e contenção, de modo a reconhecer ao tribunal arbitral prioridade na apreciação da sua própria competência, apenas lhes cumprindo fixar, de imediato e em primeira linha, a competência dos tribunais estaduais para a composição do litígio que o A. lhes pretende submeter quando, mediante juízo perfunctório, for patente, manifesta e insusceptível de controvérsia séria a nulidade, ineficácia ou inaplicabilidade da convenção de arbitragem invocada (justificando-se então, por evidentes razões de economia e celeridade, e face à evidência da questão, a imediata definição da competência para dirimir o litígio, de modo a dispensar a prévia instalação e pronúncia do tribunal arbitral sobre os pressupostos da sua própria competência).</font><br>
</p><p><font>(…) É que vigora, entre nós, o princípio lógico e jurídico da competência dos tribunais arbitrais para decidirem sobre a sua própria competência, designado em idioma germânico por Kompetenz-kompetenz e que, na sua acepção negativa, impõe a prioridade do tribunal arbitral no julgamento da sua própria competência, obrigando os tribunais estaduais a absterem-se de decidir sobre essa matéria antes da decisão do tribunal arbitral.</font><br>
</p><p><font>Com efeito, o artº 21º nº 1 da Lei de Arbitragem Voluntária consagra expressis verbis que «o tribunal arbitral pode pronunciar-se sobre a sua competência, mesmo que para esse fim seja necessário apreciar a existência, a validade ou a eficácia da convenção de arbitragem ou do contrato em que ela insira, ou a aplicabilidade da referida convenção»”.</font><br>
</p><p><font>Como refere Lopes dos Reis, “Aquele princípio (“Kompetenz-kompetenz) acarreta o efeito negativo de impor à jurisdição pública o dever de se abster de pronunciar sobre as matérias cujo conhecimento a lei comete ao árbitro, em qualquer causa que lhe seja submetida e em que se discutam aquelas questões, antes que o árbitro tenha tido a oportunidade de o fazer.</font><br>
</p><p><font>Isto é, do aludido princípio não decorre apenas que o árbitro tem competência para conhecer da sua própria co | [0 0 0 ... 0 0 0] |
dDFXu4YBgYBz1XKvjvfs | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font> </font><br>
<font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<p><font> </font>
</p><p><b><font>I. Relatório</font></b>
</p><p><b><font>1.</font></b><font> </font><b><font>AA </font></b><font>instaurou a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra </font><b><font>Banco BIC Português, S.A.,</font></b><font> pedindo a condenação da Ré no pagamento da quantia de €129 469,18, sendo €121 969,18 a título de danos patrimoniais e €7 500,00 a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora vincendos, até efetivo pagamento.</font>
</p><p><font>Alegaram, em síntese, que:</font>
</p><p><font>- subscreveu junto do BPN - Banco Português de Negócios, S.A., o produto financeiro que identificou;</font>
</p><p><font> - encontra-se privado do montante investido em virtude das características do produto e da insolvência da entidade emitente;</font>
</p><p><font>- lhe causa prejuízos cujo ressarcimento peticiona, porquanto apenas subscreveu o produto por lhe ter sido referido pelo funcionário bancário, que se tratava de produto do próprio banco, com juros interessantes, semelhante a um depósito a prazo, com retorno garantido de capital;</font>
</p><p><font>- confiou na informação, sendo que não subscreveria tal produto se tivesse conhecimento que o capital investido não era garantido ou que era outra entidade, desconhecida do grande público e sem a idoneidade que o Banco R. outrora evidenciava, a obrigada à restituição do capital e juros.</font>
</p><p><b><font>2</font></b><font>. Citada, a Ré veio contestar, por exceção, invocando a incompetência relativa do tribunal, em razão do território, a prescrição do direito e o abuso de direito, e por impugnação, impugnando os factos alegados.</font>
</p><p><b><font>3. </font></b><font>Realizada a audiência final, foi proferida sentença julgando a ação parcialmente procedente, condenando o Banco BIC Português, S.A., a pagar ao Autor a quantia de €100 000,00 a título de danos patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa de juros legal de 4%, ou outra que lhe sobrevier, contados desde 14/02/2017 até integral pagamento e a quantia de €2 000,00 a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa de juros legal de 4%, ou outra que lhe sobrevier, contados desde a data da citação até integral pagamento; e absolvendo a ré do demais peticionado.</font>
</p><p><b><font>4. </font></b><font>A Ré interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Évora.</font>
</p><p><b><font>5.</font></b><font> O Tribunal da Relação de Évora proferiu a seguinte decisão:</font>
</p><p><font>“Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação, na improcedência da apelação, em confirmar a sentença recorrida.”</font>
</p><p><b><font>6. </font></b><font>Inconformada com tal decisão, a Ré veio interpor o presente recurso de revista (tendo sido admitido o recurso de revista excecional), formulando as seguintes (transcritas) conclusões:</font>
</p><p><font>1.ª O recurso ora interposto é de revista excepcional, a admitir nos termos do disposto no art.º 672 nº1 als. a) e b) do CPC.</font>
</p><p><font>2.ª Ambas as decisões das instâncias acabam por condenar o Banco-R. no pagamento de indemnização por violação do dever de informação enquanto intermediário financeiro.</font>
</p><p><font>3.ª O âmbito dos concretos deveres de informação a observar pelo intermediário financeiro tem sido objecto de vasta jurisprudência, com soluções e orientações bastante distintas, para não fizer completamente opostas.</font>
</p><p><font>4.ª Pontifica a este propósito as diferentes posições quanto à necessidade e grau de informação do risco de insolvência da entidade emitente bem como do risco de incumprimento da obrigação de reembolso, por oposição à menção de “capital garantido”.</font>
</p><p><font>5.ª Varia, igualmente, e diríamos de forma inaudita, a </font><u><font>interpretação e consequências jurídicas do anúncio do produto de “capital garantido”,</font></u><font> ali vendo algumas decisões uma verdadeira fiança ou assunção de dívida – como parece ser o caso da decisão recorrida, ao passo que outras veem na mesma exacta expressão apenas uma afirmação de segurança do investimento num contexto de pressuposta segurança por parte de todo o contexto social e financeiro no momento em que é feita a aplicação, ou por fim, quem veja – como é na realidade, uma mera característica da própria emissão, em que o valor de reembolso é necessariamente igual ao valor nominal do título.</font>
</p><p><font>6.ª Estes concretos temas e questões, além de relevantes na discussão da pura dogmática jurídica, são hoje, na ressaca da chamada “crise das dívidas”, uma das pedras de toque de todo o sistema financeiro, por um lado, e judicial por outro, em face do volume de contencioso pendente em todos os Tribunais perante o não reembolso de inúmeras emissões de vários instrumentos de dívida.</font>
</p><p><font>Além disso,</font>
</p><p><font>7.ª O volume do contencioso exactamente com este objecto, com a definição e delimitação do dever de informação na comercialização de instrumentos financeiros em momento anterior a Dezembro de 2007, é hoje considerável e com um grande impacto na economia e na sociedade portuguesa em geral, até pela repetição de situações análogas em várias instituições bancárias, por corresponder a uma actividade corrente antes da chamada crise das dívidas.</font>
</p><p><font>8.ª Não podemos senão concluir pela admissibilidade do presente recurso de revista, nos citados termos do disposto no art.º 672º nº 1 . als. a) e b) do Código de Processo Civil.</font>
</p><p><font>Acresce que...</font>
</p><p><font>9.ª A menção à expressão capital garantido não tem por si só a virtualidade de atribuir qualquer senso desaparecimento de todo o risco de qualquer tipo de aplicação... A este propósito, de resto, e quase esvaziando tudo o que pudéssemos alegar, é eloquente o parecer adiante junto do PROF. PINTO MONTEIRO, onde se chega a esta mesma conclusão!</font>
</p><p><font>10.ª A expressão capital garantido mais não é do que a descrição de uma característica técnica do produto – corresponde à garantia de que o valor de reembolso, no vencimento, é feito pelo valor nominal do título e correspondente ao respectivo valor de subscrição! Ou seja, o valor do capital investido é garantido!</font>
</p><p><font>11.ª Veja-se a este propósito o Plano de Formação Financeira em site do Conselho de Supervisores Portugueses – </font><a><u><font>www.todoscontam.pt</font></u></a><font>!</font>
</p><p><font>12.ª Vale isto por dizer que, ainda que se entenda que esta expressão mereceria uma densificação ou explicação aos clientes, a fim de evitar qualquer confusão, o certo é que, transmitindo uma característica técnica, não se poderá firmar que o banco, ou os seus colaboradores agiram com culpa, e muito menos grave!</font>
</p><p><font>13.ª insistimos no facto de esta menção, ainda que interpretada por um “leigo” apenas deveria permitir concluir pela segurança atribuída ao instrumento financeiro em causa! E não a qualquer tipo de garantia absoluta de cumprimento da entidade emitente.</font>
</p><p><font>14.ª A apresentação de características de um produto financeiro meramente descritivas, com indicação de prazo, remuneração, garantia de capital, liquidez por endosso não parece constituir de qualquer forma uma forma de manifestação de uma vontade de vinculação por parte de quem as anuncia!</font>
</p><p><font>15.ª E o certo é que as Obrigações eram então, como são ainda de uma forma geral, um produto conservador, com um risco normalmente reduzido, indexado à solidez financeira da sociedade emitente. Ao que acrescia, no caso concreto, e em abono desta sociedade emitente pertencer ao mesmo Grupo que o Banco Réu - mais, de ser a sua sociedade totalmente dominante!</font>
</p><p><font>16.ª Tanto mais que o risco de um DP no Banco seria, então, semelhante a uma tal subscrição de Obrigações SLN, porque sendo a SLN dona do Banco a 100%, o risco da SLN estava indexado ao risco do próprio Banco.</font>
</p><p><font>17.ª Ao entender esta expressão como tendo valor negocial, o tribunal a quo violou o disposto no art.º 236º do Código Civil.</font>
</p><p><font>De resto,</font>
</p><p><font>18.ª O dever de informação quanto aos “riscos do tipo de instrumento financeiro” surge perfeitamente densificado quanto ao seu cumprimento, não deixando o legislador uma cláusula aberta que permita margem para dúvida quanto ao alcance do seu dever.</font>
</p><p><font>19.ª De facto, se é verdade que a informação tem que ser completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita (art. 7º CdVM), não é menos verdade que o cumprimento desse dever de transmissão da informação não se compadece com qualquer conceptologia idílica e de delimitação difusa quanto ao seu inadimplemento.</font>
</p><p><font>20.ª E desde logo, não se compadece com ideias simplistas como as de mera reprodução de prospectos dos produtos, principalmente antes da transposição da chamada DMIF, em que a complexidade técnica da documentação de cada instrumento financeiro era enorme.</font>
</p><p><font>21.ª A informação deve ser prestada não apenas de forma exaustiva, mas essencialmente de uma forma acessível, sendo que a mera reprodução do prospecto, como pretende a decisão recorrida, seria certamente tudo menos acessível.</font>
</p><p><font>22.ª A adequação da informação começa exactamente por afastar o cumprimento meramente formal do dito dever de informação, antes visando uma efectiva informação.</font>
</p><p><font>23.ª O CdVM estabelece objectiva e precisamente qual a informação que tem de ser prestada quanto a cada um dos contratos de intermediação financeira e até – em alguns casos –, quanto aos instrumentos financeiros objecto dessa intermediação.</font>
</p><p><font>24.ª E, quanto ao risco, há aqui que chamar à colação o art. 312º nº 1 alínea e) do CdVM, que obriga então o intermediário financeiro a informar o investidor sobre os “riscos especiais envolvidos nas operações a realizar”. Ora, tal redacção refere-se necessariamente ao negócio de intermediação financeira enquanto negócio de cobertura que, depois, proporcionará negócios de execução. E a verdade é que tal menção não pode nunca equivaler ao dever de informação sobre o instrumento financeiro em si (como, aliás, na redacção aplicável ao caso).</font>
</p><p><font>25.ª Neste sentido apontam não só o elemento histórico decorrente da redacção anterior da lei, como também o elemento sistemático já abordado, como até o seu próprio elemento literal.</font>
</p><p><font>26.ª Mas, o que é certo é que, o legislador não deixou nada ao acaso e logo no número seguinte, afirmou claramente o que se devia entender por risco do tipo do instrumento financeiro em causa.</font>
</p><p><font>27.ª Assim é que nas quatro alíneas do nº 2 do art. 312º-E obriga a que a descrição dos riscos do tipo do instrumento em causa incluam:</font>
</p><p><font>a. a) Os riscos associados ao instrumento financeiro, incluindo uma explicação do impacto do efeito de alavancagem e do risco de perda da totalidade do investimento;</font>
</p><p><font>b. b) A volatilidade do preço do instrumento financeiro e as eventuais limitações existentes no mercado em que o mesmo é negociado;</font>
</p><p><font>c. c) O facto de o investidor poder assumir, em resultado de operações sobre o instrumento financeiro, compromissos financeiros e outras obrigações adicionais, além do custo de aquisição do mesmo;</font>
</p><p><font>d. d) Quaisquer requisitos em matéria de margens ou obrigações análogas, aplicáveis aos instrumentos financeiros desse tipo.</font>
</p><p><font>28.ª São ESTES e APENAS ESTES os riscos do tipo do instrumento financeiro sobre os quais o Intermediário Financeiro tem que prestar informação!</font>
</p><p><font>29.ª A alusão que a lei faz quanto ao risco de perda da totalidade do investimento está afirmada em função das características do investimento. Trata-se, portanto, de um risco que tem que ser endógeno e próprio do instrumento financeiro e não motivado por qualquer factor extrínseco ao mesmo.</font>
</p><p><font>30.ª O investimento em Obrigações, não é sujeito a qualquer volatilidade, sendo o retorno do investimento certo no final do prazo, por reembolso do capital investido ao valor nominal do título (de “capital garantido”), acrescido da respectiva rentabilidade.</font>
</p><p><font>31.ª Logo, não há necessidade de que a advertência do risco de perda da totalidade do investimento seja feita, porque a mesma não é aplicável ao caso!</font>
</p><p><font>32.ª Recordemos que qualquer contrato, seja qual for a sua natureza, apenas um de dois destinos: o cumprimento ou incumprimento! Ou seja, é de uma ingenuidade atroz pensar-se que alguém toma a prestação de qualquer contrato como certa, e não apenas como mais ou menos segura!</font>
</p><p><font>33.ª Por isso, a informação acerca do risco da perda do investimento tem que ser dada em função dos riscos próprios do tipo de instrumento financeiro, o que deve ser feito SE E SÓ SE tais riscos de facto existirem!</font>
</p><p><font>34.ª Não se pode confundir a advertência sobre o risco de perda do investimento com a análise de qualquer qualidade e robustez (ou falta dela) do emitente do título!</font>
</p><p><font>35.ª Não cometeu o R. qualquer acto ilícito!</font>
</p><p><font>36.ª A decisão recorrida violou por errónea interpretação ou aplicação o disposto no art.º 312 do CdVM (na redacção aplicável), e os art.ºs 74 e 75 do RGCISF.</font>
</p><p><font>37.ª A prova da causalidade deveria ter provado que não houver aquela violação e nunca subscreveria o produto financeiro, tendo esta subscrição causado um dano, e que a produção desse dano resulta como consequência adequada da ilicitude.</font><br>
</p><p><font>E conclui: “pela procedência do presente recurso, e por via dele, pela revogação da decisão recorrida e sua substituição por outra que absolva o Réu do pedido”.</font><br>
</p><p><b><font>7.</font></b><font> O Recorrido não apresentou contra-alegações. </font><br>
</p><p><b><font>8.</font></b><font> A Formação de Juízes a que alude o n.º3 do artigo 672.º do Código de Processo Civil admitiu o recurso de revista (excecional).</font><br>
</p><p><b><font>9. </font></b><font>A instância veio a ser suspensa até ao julgamento para uniformização de jurisprudência.</font><br>
</p><p><b><font>10.</font></b><font> Foi proferido Acórdão pelo Pleno das Secções Cíveis no processo n.º1479/16...., que transitou em julgado.</font><br>
</p><p><b><font>11. </font></b><font>Cumpre apreciar e decidir.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>II. Delimitação do objeto do recurso</font></b><br>
</p><p><font>Como é jurisprudência sedimentada, e em conformidade com o disposto nos artigos 635º, nº 4, e 639º, nºs 1 e 2, ambos do Código de Processo Civil, o objeto do recurso é delimitado em função das conclusões formuladas pelo recorrente, pelo que, dentro dos preditos parâmetros, da leitura das conclusões recursórias formuladas pela Recorrente decorre que o objeto do presente recurso está circunscrito à questão de saber se estão verificados os pressupostos da responsabilidade civil da Ré.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>III. Fundamentação</font></b><br>
</p><p><b><font>1. As instâncias deram como provados os seguintes factos (após a alteração efetuada pelo Tribunal da Relação):</font></b><br>
</p><p><b><font>1.1.</font></b><font> O “B.P.N. - Banco Português de Negócios, S.A.”, (doravante, B.P.N., S.A.), vocacionado para a área de banca de investimentos, foi constituído em 1993 por via da fusão das sociedades financeiras S... e N....</font><br>
</p><p><b><font>1.2. </font></b><font>Em 27 de Outubro de 1999 foi criada a sociedade “B.P.N., S.G.P.S., S.A.” que integrava o capital do “B.P.N., S.A.” como seu principal e quase único ativo.</font><br>
</p><p><b><font>1.3.</font></b><font> Na data da subscrição do produto em causa nestes autos, a sociedade B.P.N., S.G.P.S., S.A. era detida na totalidade pela S.L.N., S.G.P.S., S.A. (hoje denominada GALILEI, S.G.P.S., S.A.).</font><br>
</p><p><b><font>1.4. </font></b><font>A S.L.N., S.G.P.S., S.A. era, até à nacionalização, a proprietária do B.P.N. – Banco Português de Negócios, S.A., dado ser a única acionista da B.P.N., S.G.P.S., S.A..</font><br>
</p><p><b><font>1.5.</font></b><font> Durante o ano de 2004 a administração da S.L.N., S.G.P.S., S.A. e do B.P.N., S.A. era exercida quase na íntegra pelas mesmas pessoas, mormente o presidente do conselho de administração, BB</font><br>
</p><p><b><font>1.6.</font></b><font> A S.L.N., S.G.P.S., S.A era a cúpula do GRUPO, com domínio sobre as suas participadas, direta ou indiretamente, domínio esse que, no caso do Banco B.P.N., S.A., era total.</font><br>
</p><p><b><font>1.7.</font></b><font> Por via da Lei 62-A/2008 de 11 de novembro, o Estado Português apropriou-se de todas as ações representativas do capital social do Banco Português de Negócios, S.A. (B.P.N.), pessoa coletiva n.º ...93, através de um regime jurídico de apropriação pública por via da nacionalização.</font><br>
</p><p><b><font>1.8.</font></b><font> O centro decisório de ambas as sociedades (S.L.N. e B.P.N.) era, em 2004, exatamente o mesmo, sendo confundível.</font><br>
</p><p><b><font>1.9.</font></b><font> As ações representativas do capital social do B.P.N., S.A. eram detidas pela S.L.N. S.G.P.S., S.A. (S.L.N.), ora denominada Galilei S.G.P.S., S.A..</font><br>
</p><p><b><font>1.10.</font></b><font> Não obstante a nacionalização, o B.P.N., pessoa coletiva n.º ...93, manteve a sua denominação, atividade económica e natureza jurídica, com a ressalva de, a partir da nacionalização, ser “uma sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos”.</font><br>
</p><p><b><font>1.11.</font></b><font> Por via do Decreto-Lei n.º 2/2010 de 5 de janeiro, foram estabelecidas as bases que haviam de reger o processo de reprivatização da dita entidade.</font><br>
</p><p><b><font>1.12.</font></b><font> Até dezembro de 2012, a pessoa coletiva n.º ...93, cujo objeto social era a atividade bancária, adotou a denominação “B.P.N. – Banco Português de Negócios, S.A.”.</font><br>
</p><p><b><font>1.13.</font></b><font> Em dezembro de 2012, mediante operação de fusão por incorporação, a pessoa coletiva n.º ...93 (sociedade incorporante), mantendo o objeto social original, incorporou os ativos e passivos do Banco BIC Português, pessoa coletiva n.º ...10 (sociedade incorporada), e alterou a denominação para “Banco Bic Português, S.A.”, tendo ocorrido transferência global do património da sociedade incorporada para o réu, operação essa registada na matrícula comercial pela ap. ...07.</font><br>
</p><p><b><font>1.14. </font></b><font>O autor é cliente do Banco Português de Negócios (BPN), onde tem conta aberta na agência de ....</font><br>
</p><p><b><font>1.15. </font></b><font>Na referida agência trabalhava como gestor de conta do autor um funcionário de sua confiança, CC.</font><br>
</p><p><b><font>1.16. </font></b><font>Funcionário que tinha saído de outra instituição bancária, o Finibanco, onde trabalhara, para ingressar nos quadros do BPN, agência de ..., tendo sido acompanhado pelo autor nesta transição.</font><br>
</p><p><b><font>1.17. </font></b><font>Com quem o autor tinha estabelecido uma relação de confiança, desde os tempos em que este funcionário exercia as mesmas funções no Finibanco.</font><br>
</p><p><b><font>1.18. </font></b><font>Vindo o autor a abrir junto do balcão do réu, agência de ..., a conta de depósito à ordem n.º ...01.</font><br>
</p><p><b><font>1.19. </font></b><font>A determinada altura do mês de setembro de 2004, o autor foi contactado por DD, para se deslocar à agência a fim de lhe apresentar um novo produto.</font><br>
</p><p><b><font>1.20. </font></b><font>Este funcionário, como tinha conhecimento de que o autor possuía aplicações a prazo, convenceu-o a aplicar dinheiro num produto com capital de retorno garantido, semelhante a um depósito a prazo.</font><br>
</p><p><b><font>1.21. </font></b><font>Disse-lhe ainda que os juros pagos seriam interessantes.</font><br>
</p><p><b><font>1.22. </font></b><font>O autor confiou na informação prestada pelo funcionário do réu.</font><br>
</p><p><b><font>1.23. </font></b><font>Não obstante ter um período de imobilização alargado, pois só seria retornado no dia 25.10.2014. 24- O autor acedeu em fazer a aplicação de dinheiro porque convencido que se tratava de um investimento seguro e porque confiava no funcionário em causa.</font><br>
</p><p><b><font>1.25.</font></b><font> O autor não possuía conhecimentos financeiros que o habilitassem a questionar a informação que o funcionário lhe transmitiu.</font><br>
</p><p><b><font>1.26. </font></b><font>Centrando a sua área profissional de atividade na assessoria jurídica a negócios imobiliários.</font><br>
</p><p><b><font>1.27. O autor normalmente optava por aplicações que não comportassem risco, cujo rendimento e a recuperação dos valores aplicados fossem seguros e com curtos prazos de vencimento.</font></b><br>
</p><p><b><font>1.28. </font></b><font>O funcionário que o contactou era disso conhecedor.</font><br>
</p><p><b><font>1.29. </font></b><font>A aplicação em causa teria como mínimo aplicável a quantia de €50.000,00 (cinquenta mil euros).</font><b><font> </font></b><br>
</p><p><b><font>1.30. </font></b><font>O autor mobilizou as quantias para a subscrição solicitada, ficando titular de 2 obrigações SLN Rendimento Mais, no valor nominal de 100 000,00€ (cem mil euros).</font><br>
</p><p><b><font>1.31. </font></b><font>O produto “SLN Rendimento Mais 2004” foi transacionado nos balcões comerciais do réu, tendo sido distribuído pelos funcionários dos mencionados balcões o documento que constitui fls. 28 e ss, cujo teor se dá por reproduzido para todos os efeitos.</font><br>
</p><p><b><font>1.32. </font></b><font>O documento em causa identificava o Conselho de Administração do BPN como sendo o órgão responsável pela decisão de lançamento do produto em causa.</font><br>
</p><p><b><font>1.33.</font></b><font> Sendo natural que os funcionários referissem aos clientes que se tratava de um produto com capital garantido.</font><br>
</p><p><b><font>1.34.</font></b><font> Tal documento elucidava os funcionários acerca das estratégias de venda do produto, indicando-lhes, inclusivamente, quais as respostas a apresentar às eventuais dúvidas do cliente de modo a convencê-lo da segurança da compra.</font><br>
</p><p><b><font>1.35.</font></b><font> Assim, a ré instruiu os seus funcionários, neste particular, a usar o seguinte argumentário (externa e internamente) para convencer os clientes a adquirirem o produto:</font><br>
</p><p><font>a) Capital garantido</font><br>
</p><p><font>b) Elevadas taxas de remuneração</font><br>
</p><p><font>c) Pagamento de juros periódico</font><br>
</p><p><font>d) Indicação de que, internamente, a campanha de venda deste produto iria integrar o denominado “Campeonato BPN 2004” e, ainda, que dada a importância estratégica deste produto iria existir mesmo uma “super prova especial” com indicação das condições de atribuição de prémio.</font><br>
</p><p><b><font>1.36.</font></b><font> As orientações e comunicações internas existente no B.P.N., S.A. e que esta transmitia aos seus comerciais nos respetivos balcões consistiam em afirmar a segurança do produto em causa, a sua solidez, a boa rentabilidade, a importância estratégica.</font><br>
</p><p><b><font>1.37.</font></b><font> O autor não subscreveria o produto se tivesse conhecimento de que o capital investido não era garantido e que era outra entidade a obrigada à restituição do capital aplicado.</font><br>
</p><p><b><font>1.38.</font></b><font> O capital no valor de €100.000,00 (cento mil euros) não foi pago no dia 25.10.2014.</font><br>
</p><p><b><font>1.39.</font></b><font> Até à presente data o autor nada recebeu e a S.L.N., ora denominada Galilei SGPS, S.A., emitente formal das obrigações, foi declarada insolvente em 05.07.2016.</font><br>
</p><p><b><font>1.40.</font></b><font> A 07 de Novembro de 2014, a ré difundiu através do sítio do Diário Económico ter dado claras instruções aos balcões para “não pagar dívida da ex-S.L.N.”.</font><br>
</p><p><b><font>1.41.</font></b><font> O autor não tinha, nem tem, conhecimentos no que concerne a mercados financeiros e/ou de capitais, o que era do conhecimento do funcionário do réu.</font><br>
</p><p><b><font>1.42.</font></b><font> Na data da subscrição não fazia a mínima ideia do que era a S.L.N., S.G.P.S., S.A..</font><br>
</p><p><b><font>1.43.</font></b><font> O autor, aquando da subscrição do produto em causa, estava convencido de que o fazia em condições semelhantes a um depósito a prazo.</font><br>
</p><p><b><font>1.44.</font></b><font> O Banco BPN foi a única entidade com quem o autor sempre contactou e onde pensou estar a aplicar o dinheiro.</font><br>
</p><p><b><font>1.45.</font></b><font> O produto financeiro em causa não possui as características que foram asseguradas ao autor. </font><br>
</p><p><b><font>1.46.</font></b><font> O autor ainda hoje é classificado pela ré como investidor não profissional.</font><br>
</p><p><b><font>1.47.</font></b><font> Os juros foram sendo pagos semestralmente.</font><br>
</p><p><b><font>1.48.</font></b><font> Ao tempo, o Banco B.P.N. era uma instituição bancária que oferecia confiança ao investidor, não podendo prever-se a nacionalização e posterior reprivatização.</font><br>
</p><p><b><font>1.49.</font></b><font> Desde 25.10.2014 deixaram de ser pagos os juros e não foi pago o capital no montante de €100.000,00 (cem mil euros).</font><br>
</p><p><b><font>1.50.</font></b><font> O autor tem sofrido desgaste e sente mágoa devido a toda esta situação.</font><br>
</p><p><b><font>1.51.</font></b><font> No dia 04.11.2014 o autor dirigiu uma missiva à Galilei SGPS, S.A. solicitando o pagamento do montante de €100.000,00, acrescido de juros, conforme documento junto a fls.51, cujo teor se dá por reproduzido.</font><br>
</p><p><b><font>1.52.</font></b><font> No dia 14.02.2017 o autor dirigiu uma missiva ao Conselho de Administração do Banco BIC, solicitava a devolução do montante de €100.000,00, conforme documento junto a fls.35, cujo teor se dá por reproduzido.</font><br>
</p><p><b><font>1.53.</font></b><font> Em resposta, o banco réu, por carta datada de 25.10.2017, negou a pretensão, conforme documento junto a fls.35vº, cujo teor se dá por reproduzido.</font><br>
</p><p><b><font>1.54.</font></b><font> A presente ação foi instaurada em 03.05.2018.</font><br>
</p><p><b><font>1.55.</font></b><font> Para além das “Obrigações SLN Rendimento Mais 2004” o autor possuía aplicações em “Obrigações BPN Rendimento Mais”, “BPN Rendimento Mais 2ª emissão” e Fundo FIMOBAD-Eurobic Tesouraria-FIMA.</font><br>
</p><p><b><font>1.56.</font></b><font> Desde a data da subscrição até 25.10.2014 o autor recebeu os juros semestralmente, à taxa de 6,25% que foi acordada.</font><br>
</p><p><b><font>2. E deram como não provados os seguintes factos:</font></b><br>
</p><p><b><font>2.a.</font></b><font> o funcionário disse ao autor que o banco/réu responderia pela dívida e que o produto se destinava a reforço/aumento do capital do próprio Banco;</font><br>
</p><p><b><font>2.b.</font></b><font> o autor mencionou ao funcionário que não subscreveria qualquer aplicação que comportasse risco de perda do capital aplicado;</font><br>
</p><p><b><font>2.c.</font></b><font> no que foi tranquilizado pelo funcionário e informado que devido à elevada procura do produto pelos clientes do BPN e qualidade e segurança teria de o subscrever com alguma brevidade;</font><br>
</p><p><b><font>2.d.</font></b><font> foi entregue ao autor a ficha técnica do produto ou a nota informativa;</font><br>
</p><p><b><font>2.e.</font></b><font> e que o empréstimo obrigacionista se destinava a colmatar graves falhas de solvabilidade de ambas as empresas;</font><br>
</p><p><b><font>2.f.</font></b><font> e que existem relações de subordinação do Banco intermediário e o Banco Efisa – autor da ficha técnica;</font><br>
</p><p><b><font>2.g.</font></b><font> o autor viu-se privado de ajudar as filhas no início da sua vida profissional;</font><br>
</p><p><b><font>2.h.</font></b><font> à data da subscrição do produto financeiro já era conhecido pelo funcionário que o Grupo se encontrava em sérias dificuldades;</font><br>
</p><p><b><font>2.i.</font></b><font> o incumprimento (das obrigações em causa) foi determinado pela nacionalização do BPN, separando o Banco do restante grupo de empresas;</font><br>
</p><p><b><font>2.j.</font></b><font> o autor foi informado de que o produto em causa consistia em valores mobiliários em representação de dívida da sociedade emitente, que procederia ao reembolso total ou parcial do investimento, que se tratava da sociedade-mãe do Banco; que as AA. tenham sido contactadas por um funcionário do BPN do balcão da ..., sem que o tivessem solicitado, tendo em tendo em vista aconselhá-las a investir valores que tinham depositados, cerca de € 500.000,00 (quinhentos mil euros)/cada, num produto com capital garantido;</font><br>
</p><p><b><font>2.k.</font></b><font> o réu apresentou as condições do produto, como as condições de reembolso e de obtenção de liquidez ao longo do prazo de 10 anos, que apenas seria possível por via de endosso ou venda a outro cliente;</font><br>
</p><p><b><font>2.l.</font></b><font> o réu sempre explicou os formulários dados a assinar ao autor;</font><br>
</p><p><b><font>2.m.</font></b><font> o funcionário do banco réu estava convencido da segurança do investimento e da adequação ao perfil de investidor do autor atenta a robustez financeira do grupo SLN.».</font><br>
</p><p><b><font>3. Da verificação da responsabilidade civil da Ré</font></b><br>
</p><p><font>No Acórdão recorrido entendeu-se que estavam demonstrados todos os pressupostos da responsabilidade civil da Ré.</font><br>
</p><p><font>A Ré insurge-se contra o assim decidido, colocando em causa, essencialmente, a verificação da ilicitude (por, no seu entendimento, não se ter verificada a violação dos seus deveres de informação) e do nexo de causalidade.</font><br>
</p><p><font>Vejamos.</font><br>
</p><p><font>No caso presente, pretende-se apurar da responsabilidade civil da Ré, como intermediário financeiro: o BPN colocou no mercado uma emissão de Obrigações Subordinadas ao Portador e Escriturais com o valor nominal unitário de €50 000,00 da SLN – Sociedade Lusa de Negócios, SGPS,S.A. através da sua comercialização junto dos seus clientes como produtos bancários sob a denominação “SLN Rendimento Mais 2004”.</font><br>
</p><p><font>- cf. artigos 289.º, n.º1, alínea a), 293.º, n.º1, alínea a) e 290.º, n.º1, alíneas a) e b), do Código dos Valores Mobiliários –</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>Assim, no caso presente, está em questão a responsabilidade civil da Ré, como intermediária financeira (artigos 312.º e 314.º, do CMV).</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>Ora, foi proferido Acórdão Uniformizador de Jurisprudência (proferido no processo n.º 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A) que apresenta os seguintes segmentos uniformizadores:</font><br>
</p><p><font>1. No âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual do intermediário financeiro, nos termos dos artigos 7.º, n.º 1, 312.º n.º 1, alínea a), e 314.º do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de outubro, e 342.º, n.º 1, do Código Civil, incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano.</font><br>
</p><p><font>2. Se o Banco, intermediário financeiro – que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro nem pretendia aplicar o seu dinheiro em “produtos de risco” – informou apenas o cliente, relativamente ao risco do produto, que o “reembolso do capital era garantido (porquanto não era produto de risco”), sem outras explicações, nomeadamente, o que eram obrigações subordinadas, não cumpre o dever de informação aludido no artigo 7.º, n.º1, do CVM. </font><br>
</p><p><font>3. O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir.</font><br>
</p><p><font>4. Para estabe | [0 0 0 ... 0 1 0] |
dTFju4YBgYBz1XKvVf-L | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><b><font> </font></b><font> </font><br>
<font> </font><div><br>
<font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: </font></div><br>
<br>
<font> </font><br>
<p><font> </font>
</p><p><b><font>I. Relatório</font></b>
</p><p>
</p><p><b><font>1. AA</font></b><font> instaurou a presente ação contra </font><b><font>BB </font></b><font>a fim de serem reguladas as responsabilidades parentais relativamente ao filho comum, ainda menor, </font><b><font>CC</font></b><font>, nascido a ... de Setembro de 2015,</font><font> </font><font>pretendendo que o menor fique aos seus cuidados e que a ele compitam as responsabilidades parentais.</font>
</p><p><font>Invoca o abandono do lar pela Requerida, a ausência de condições habitacionais da atual morada desta e a circunstância do menor ter estado continuamente ao cuidado da avó paterna desde sempre.</font>
</p><p><b><font>2.</font></b><font> Na conferência foi fixado regime provisório.</font>
</p><p><b><font>3. </font></b><font>A progenitora manifestou-se no sentido da residência alternada do menor, de sexta a sexta, ou, subsidiariamente, ser fixada junto dela.</font>
</p><p><font>Refere que o menor tem estado aos cuidados da avó, inicialmente devido à sua juventude e inexperiência e posteriormente, por imposição daquela e do Requerente, mas, presentemente, está apta e tem o apoio da família para ter o menor a seu cuidado.</font>
</p><p><b><font>4.</font></b><font> Realizou-se a audiência de julgamento e foi proferida a seguinte decisão: Tribunal de 1.ª instância proferiu, a ... de dezembro de 2020, a seguinte</font><b><font> </font></b><font>decisão: </font>
</p><p><font>“1.- Fixamos a residência habitual do menor CC junto do progenitor, AA, competindo a este orientar a vida corrente do mesmo.</font>
</p><p><font>2.- As questões de particular importância da vida do menor são da responsabilidade de ambos os progenitores, devendo ambos manter-se informados sobre os aspectos relevantes da vida daquele, designadamente sobre escola e saúde e providenciar para que o menor esteja contactável.</font>
</p><p><font>3.- A progenitora estará com o menor sempre que lhe seja possível, mediante combinação prévia com o R.te.</font>
</p><p><font>4.- O menor estará com a progenitora em fins de semana alternados, desde o final do horário do jardim/escola de Sexta e até Segunda de manhã, recolhendo-o e entregando-o no estabelecimento por ele frequentado.</font>
</p><p><font>Caso não seja possível, a mãe recolherá e entregará o menor em casa da avó paterna.</font>
</p><p><font>5.- Do mesmo modo, o menor pernoitará com a mãe uma vez por semana, em dia combinado pelos progenitores. Em caso de discordância, de Quarta para Quinta.</font>
</p><p><font>6.- O menor estará com a progenitora na primeira parte das férias de Natal, até ao meio dia de 25 de Dezembro nos anos ímpares e do meio dia de 25/12 até ao final das férias nos anos pares. E ainda uma semana pelas férias da Páscoa, salvo consenso, a primeira nos anos ímpares e a última nos anos pares.</font>
</p><p><font>Será considerado o calendário do ensino básico, ou outro, quando o menor completar aquele.</font>
</p><p><font>7.- O menor estará com a mãe três quinzenas alternadas pelo verão, de dia 15 até ao último dia, dos meses de Junho, Julho e Agosto.</font>
</p><p><font>Nestes meses e nas quadras de Natal e páscoa ficam suspensas as estadias de fim de semana e a pernoita a meio da semana.</font>
</p><p><font>8.- O menor, sendo possível, no dia do seu aniversário tomará uma refeição com pai e outra com a mãe.</font>
</p><p><font>9.- A progenitora entregará mensalmente a quantia de €100, a título de alimentos para o menor, através de transferência para a conta do R.te.</font>
</p><p><font>10.- O abono de família e as prestações sociais relativas ao menor são recebidas pelo progenitor.”</font>
</p><p><b><font>5. </font></b><font>Interposto recurso de apelação pela progenitora, o </font><b><font>Tribunal da Relação de </font></b><font>... proferiu Acórdão com a seguinte</font><b><font> </font></b><font>decisão:</font>
</p><p><font>“julgar improcedente a apelação e, consequentemente, confirmam a decisão recorrida”. </font>
</p><p><b><font>6. </font></b><font>Inconformada com o decidido, a progenitora</font><b><font> BB interpôs recurso de revista excecional, que foi admitido pela Formação de Juízes a que alude o n.º3 do artigo 672.º do Código de Processo Civil</font></b><font>, formulando as seguintes (transcritas) conclusões</font><b><font>: </font></b>
</p><p><b><font>A. </font></b><font>Vem o presente Recurso interposto da Douta Decisão proferida pelo venerando Tribunal da Relação de ..., na qual, para além do mais, se confirmou a atribuição da guarda ao Pai, consubstanciada, na prática, numa guarda atribuída efectivamente à avó paterna, concedendo-se à mãe visitas quinzenais e uma pernoita semanal.</font>
</p><p><b><font>B.</font></b><font> Com o devido respeito, que é muito, a recorrente não pode concordar com o teor do Douto Acórdão, considerando que no mesmo se incorreu numa incorrecta interpretação e aplicação do direito.</font>
</p><p><b><font>C.</font></b><font> O menor CC, nascido em .../09/2015, actualmente com cinco anos, é filho da Recorrente e do Recorrido, encontrando-se confiado, através de uma guarda conferida à avó paterna, por interposta pessoa (o Recorrido), como evidenciam os autos, a Douta Sentença e também o Douto Acórdão.</font>
</p><p><b><font>D. </font></b><font>Resulta dos factos assentes pelas Instâncias, que o pai “está” com o menor pelo menos nos dias em que tem o horário das 5 às 14 horas, o que demonstra, “a contrario”, que nas semanas em que o horário não é esse, o pai não está com o CC. Semanas nas quais, em cumprimento da Lei e no efectivo prosseguimento do superior interesse do CC, deveria ser confiado à mãe, a Recorrente.</font>
</p><p><b><font>E. </font></b><font>Estar com o CC não é ser, na prática, o progenitor guardião do CC, como também evidencia o Douto Acórdão. Se o pai visita o CC em casa da avó deste, é notório que a guarda verdadeira não é por ele detida, mas sim pela avó paterna. O CC reside com a avó, esta vai levá-lo e buscá-lo à escola, o pai visita-o. Trata-se realmente de uma guarda conferida à avó e não ao pai!</font>
</p><p><b><font>F. </font></b><font>A Recorrente não se conforma com os termos da guarda, dado que a flexibilidade que caracteriza os processos de Jurisdição Voluntária não afasta a imposição de legalidade que tem de estar subjacente às decisões proferidas, as quais não podem ser contra a Lei (seja a instituída em normas nacionais, seja a plasmada em normas supra-nacionais, designadamente Convenções).</font><br>
</p><p><b><font>G. </font></b><font>A decisão das Instâncias recorridas viola não só o disposto nos artigos 1878.º, 1885.º, 1906.º, todos do Código Civil, como também a Convenção sobre os Direitos da Criança, que determina que «todas as decisões relativas a crianças, adoptadas (…) por tribunais, (…), terão primacialmente em conta o interesse superior da criança», que «os Estados Partes comprometem-se a garantir à criança a protecção e os cuidados necessários ao seu bem-estar, tendo em conta os direitos e deveres dos pais», que «os Estados Partes garantem que a criança não é separada de seus pais contra a vontade destes», que «os Estados Partes diligenciam de forma a assegurar o reconhecimento do princípio segundo o qual ambos os pais têm uma responsabilidade comum na educação e no desenvolvimento da criança. A responsabilidade de educar a criança e de assegurar o seu desenvolvimento cabe primacialmente aos pais».</font><br>
</p><p><b><font>H. </font></b><font>Se nem a Recorrente, nem o Recorrido, possuem incapacidades educativas que os impeçam de ter junto de si o CC, se nada nos factos dados como provados permite concluir que o afastamento do menor da sua Mãe (inerente à confiança encapotada à avó paterna) é benéfico para a criança, impõe-se adoptar outra solução jurídica.</font><br>
</p><p><b><font>I.</font></b><font> O argumento da distância entre residências ou entre a residência da mãe e a escola da criança não merece acolhimento, pois tratam-se de sensivelmente dezasseis quilómetros (de estrada alcatroada).</font><br>
</p><p><b><font>J. </font></b><font> Nos presentes autos, como se extrai das doutas Decisões (primeira e segunda Instâncias), a guarda foi concedida formalmente ao pai, mas, na realidade o CC foi confiado, durante a semana, todas as semanas, à avó paterna, dado que o Recorrido trabalha em turnos rotativos incompatíveis com os horários do menor CC.</font><br>
</p><p><b><font>K.</font></b><font> Ou seja, o tribunal afastou o CC da Mãe, aqui recorrente, para o confiar à avó paterna, o que fez contra legem.</font><br>
</p><p><b><font>L.</font></b><font> A Recorrente não se opõe a tais convívios, todavia não pode consentir que os mesmos se façam sacrificando o superior interesse do CC, afastando-o da sua mãe. Os avós, pela sua idade, muitas vezes após o fim da sua vida activa (profissionalmente falando) têm naturalmente mais disponibilidade de tempo para cuidar dos netos. E devem fazê-lo, ajudando os pais, não substituindo-se a eles.</font><br>
</p><p><b><font>M. </font></b><font>Perante os factos dados como provados, designadamente a impossibilidade do pai/Recorrido cuidar do CC durante todos os dias úteis, a guarda partilhada com residências alternadas é a que melhor defende os interesses do CC.</font><br>
</p><p><b><font>N. </font></b><font>Devendo a Douta Decisão ser Revogada e substituída por outra que contemple o referido regime.</font><br>
</p><p><b><font>O.</font></b><font> Subsidiariamente, na eventualidade de se entender que não é possível optar por um regime de guarda partilhada, deverá o menor ser confiado à Recorrente, sua mãe.</font><br>
</p><p><b><font>P. </font></b><font>A Douta Decisão Recorrida, ao manter, ainda que indirectamente, a guarda atribuída à avó paterna, através do Requerido, sem ponderar verdadeiramente a possibilidade da guarda partilhada com residência alternadas, violou o disposto nos art. 1878º, 1885º, 1906, todos do Código Civil, o art.988.º do Código de Processo Civil, os art. 3º, 9º e 18º da Convenção sobre os Direitos da Criança, e ainda o art. 19º da Constituição da República Portuguesa.</font><br>
</p><p><font>E conclui “deve o Douto Acórdão recorrido ser revogado, e, consequentemente, deve ser alterado o regime relativo ao exercício das responsabilidades Parentais, fixando-se a guarda conjunta, com residências alternadas, dado ser (atentas as concretas circunstâncias), o único regime que acautela o superior interesse do CC.</font><br>
</p><p><font>Assim não se entendendo, subsidiariamente, deverá a guarda do CC ser atribuída à Recorrente, sua mãe, e não à avó paterna, ainda que por “interposta pessoa”.</font><br>
</p><p><b><font>7. </font></b><font>O progenitor </font><b><font>AA </font></b><font>apresentou</font><b><font> </font></b><font>resposta, concluindo pela improcedência do recurso, e apresentando as seguintes (transcritas) conclusões:</font><br>
</p><p><font>1ª A situação judicial dos presentes autos, na óptica do recorrido, preenche integralmente a norma do nº 3 do artigo 671 do Código do Processo Civil.</font><br>
</p><p><font>2ª Apesar deste obstáculo legal, vem a recorrente “justificar a REVISTA” invocando, para este seu objectivo, a via excepcional possibilitada pelas alíneas a) e b) do nº 1 do artigo 672 do Código de Processo Civil</font><b><font>.</font></b><br>
</p><p><font>3ª A recorrente, na justificação de admissibilidade recursiva, não deu cumprimento às alíneas a) e b) do nº 2 do artigo 672 do CPC.</font><br>
</p><p><font>4ª Pelo que não lhe deve ser admitido o presente recurso de revista extraordinária.</font><br>
</p><p><font>5ª O recorrido perfilha o entendimento, salvo melhor opinião, de que o acórdão recorrida não padece do invocado erro de Julgamento - por aplicação contra legem, ao atribuir a guarda do CC ao recorrido, por ser essa a solução que melhor acautela o superior interesse do menor.</font><br>
</p><p><font>6ª O tribunal recorrido entendeu que, não se verificando equivalência de condições oferecidas por cada um dos progenitores, teria de ajuizar sobre quem reunia as melhores condições para acautelar “o superior interesse do menor”.</font><br>
</p><p><font>7ª Estes factos, que subjazem a um juízo decisório, têm de ser concretizados em sede de prova, não podem fundamentar-se em abstracções, convicções, presunções … tem de haver sustentação. E essa prova a recorrente não fez: alega ter disponibilidade, mas não diz em que termos se concretiza, estando provado nos autos que todos os adultos do seu agregado familiar actual trabalham (e não se provou a disponibilidade dos seus pais para efectivar uma rectaguarda familiar no sentido de assegurar ao CC condições de segurança e vigilância).</font><br>
</p><p><font>8ª A decisão sobre a guarda e fixação de residência tem de procurar sustentação para além de factores afectivos e emocionais: </font><i><font>“Na</font></i><font> </font><i><font>decisão</font></i><font> </font><i><font>ou</font></i><font> </font><i><font>escolha</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>progenitor</font></i><font> </font><i><font>com</font></i><font> </font><i><font>quem</font></i><font> </font><i><font>o</font></i><font> </font><i><font>menor</font></i><font> </font><i><font>deve</font></i><font> </font><i><font>residir</font></i><font> </font><i><font>não</font></i><font> </font><i><font>podem</font></i><font> </font><i><font>ser</font></i><font> </font><i><font>valorizados</font></i><font> </font><i><font>exclusivamente aspectos</font></i><font> </font><i><font>ou</font></i><font> </font><i><font>vertentes</font></i><font> </font><i><font>puramente</font></i><font> </font><i><font>emocionais,</font></i><font> </font><i><font>afectivos</font></i><font> </font><i><font>ou</font></i><font> </font><i><font>sentimentais,</font></i><font> </font><i><font>devendo</font></i><font> </font><i><font>ponderar-se</font></i><font> </font><i><font>conjugadamente</font></i><font> </font><i><font>todas</font></i><font> </font><i><font>as</font></i><font> </font><i><font>vertentes</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>desenvolvimento</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>menor.”</font></i><font> </font><i><font>ac.</font></i><font> </font><i><font>RP</font></i><font> </font><i><font>supra citado.</font></i><br>
</p><p><font>9 ª Da prova produzida resultou claro: “O menor está bem integrado, recebe os cuidados apropriados e não há qualquer justificação para modificação na actual situação”;</font><br>
</p><p><font>10ª Resultou também claro que a mãe (que actualmente voltou para casa de seus pais) não tem condições habitacionais que satisfaçam as necessidades do menor (este não tem sequer uma cama só para si – tem de partilhar uma cama de solteiro com a mãe ou com uma tia), nem dispõe de retaguarda familiar com a qual possa contar, para assegurar a vigilância e segurança do menor fora dos horários lectivos.</font><br>
</p><p><font>11ª Foi acautelado pelo tribunal o direito de visita relativamente ao progenitor que não detém a guarda, garantindo assim a manutenção dos laços afectivos e a referência parental masculina e feminina, que constitui factor de especial relevância para o seu equilibrado crescimento psíquico, afectivo e emocional.</font><br>
</p><p><font>12ª A fixação da residência do menor com o pai, que mantém grande proximidade à família e conta com a avó paterna para cuidar do menor enquanto está profissionalmente ocupado e o menor não frequente o estabelecimento de ensino- que continuará a ser o mesmo - </font><u><font>foi a solução que o tribunal entendeu ser a que</font></u><font> </font><u><font>melhor garante os interesses do menor</font></u><br>
</p><p><font>13ª E daí que não se vislumbre de onde possa resultar qualquer atribuição da guarda ao recorrido, contra legem.</font><br>
</p><p><font>14ª – Pelo que entende o recorrido, deverem improceder os pedidos formulados pela recorrente, mantendo-se a decisão recorrida.</font><br>
</p><p><font>E conclui pela improcedência do recurso.</font><br>
</p><p><b><font>8.</font></b><font> Cumpre apreciar e decidir.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>II. Delimitação do objeto do recurso</font></b><br>
</p><p><font>Como é jurisprudência sedimentada, e em conformidade com o disposto nos artigos 635º, nº 4, e 639º, nºs 1 e 2, ambos do Código de Processo Civil, o objeto do recurso é delimitado em função das conclusões formuladas pelo recorrente, pelo que, dentro dos preditos parâmetros, da leitura das conclusões recursórias formuladas pela Recorrente, decorre que o objeto do presente recurso está circunscrito às seguintes questões:</font><br>
</p><p><font>- guarda conjunta, residência partilhada;</font><br>
</p><p><font>- atribuição da guarda do menor à Recorrente (subsidiariamente).</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>III. Fundamentação</font></b><br>
</p><p><b><font>1. A factualidade provada:</font></b><br>
</p><p><b><font>1.1.</font></b><font> CC nasceu a ... de Setembro de 2015.</font><br>
</p><p><b><font>1.2.</font></b><font> CC é filho de AA e de BB, então com 22 e 17 anos de idade, respectivamente.</font><br>
</p><p><b><font>1.3. </font></b><font> AA e BB viveram juntos desde 2014.</font><br>
</p><p><b><font>1.4.</font></b><font> AA e BB compraram casa em ... (...) trabalhando ele em ... e BB em ... e, desde há meses, em .... .</font><br>
</p><p><b><font>1.5.</font></b><font> Desde 2015 os progenitores têm trabalhado por turnos alternados, das 6:00 às 14:00 e das 14:00 às 22:00 horas.</font><br>
</p><p><b><font>1.6.</font></b><font> Devido aos horários dos progenitores, tem sido, desde 2015 a avó paterna, DD a cuidar do menor durante a semana, dando-lhe as refeições, remédios, levando-o a consultas, ao jardim de infância e tratando-lhe da roupa.</font><br>
</p><p><b><font>1.7.</font></b><font> Com DD tem casa com seis quartos e boas condições e nela vivem outros familiares, totalizando nove pessoas.</font><br>
</p><p><b><font>1.8.</font></b><font> Em casa de DD o menor tem um quarto só para ele, existindo grande proximidade entre ambos.</font><br>
</p><p><b><font>1.9.</font></b><font> Durante a semana os progenitores passavam a casa de DD, em ... (...) e estavam com o menor e este passava o fim-de-semana em casa e aos cuidados dos progenitores, dispondo aí de quarto próprio.</font><br>
</p><p><b><font>1.10.</font></b><font> O menor passou a frequentar o jardim de infância de ... ... e aí tem os amigos, sendo habitualmente levado e recolhido pela avó paterna. O menor apresenta-se cuidado e limpo e com bom comportamento.</font><br>
</p><p><b><font>1.11.</font></b><font> A 18 de Fevereiro de 2020, BB deixou a casa de ... onde vivia com AA e passou a morar em casa de seus pais, em ... (...) tendo esta três quartos.</font><br>
</p><p><b><font>1.12.</font></b><font> AA continuou a estar com o menor em casa da avó e a levá-lo para sua casa ao fim-de-semana.</font><br>
</p><p><b><font>1.13.</font></b><font> AA e BB mantêm ligação de afecto com o menor.</font><br>
</p><p><b><font>1.14.</font></b><font> Os pais de BB trabalham por turnos e a mãe trabalha ainda em limpezas na parte da manhã, indo depois para a fábrica, até à noite.</font><br>
</p><p><b><font>1.15.</font></b><font> BB tem três irmãs, também a viver com os pais.</font><br>
</p><p><b><font>1.16.</font></b><font> Desde que se mudou para casa dos pais, BB não entregou nem o abono nem qualquer quantia, nem ao R.te nem à avó paterna para as despesas do menor.</font><br>
</p><p><b><font>1.17.</font></b><font> E tem estado com o menor em casa da avó paterna.</font><br>
</p><p><b><font>1.18.</font></b><font> O menor tem pernoitado em alguns dos fins-de-semana com BB em casa dos avós maternos, partilhando o quarto com aquela e com tia materna.</font><br>
</p><p><b><font>1.19.</font></b><font> O progenitor tem despesas com o menor.</font><br>
</p><p><b><font>1.20.</font></b><font> AA declara vencimento de mil euros e BB declara vencimento de setecentos euros.</font><br>
</p><p><b><font> </font></b><br>
</p><p><b><font>2. Guarda conjunta, com residências alternadas</font></b><br>
</p><p><font>A Recorrente impugnou o Acórdão recorrido, pretendendo que seja decretada a guarda partilhada com residências alternadas do seu filho menor, designadamente pela verificação da impossibilidade do Recorrido, progenitor, de cuidar do menor durante todos os dias úteis, por ser esse o regime que melhor defende os interesses do menor. </font><br>
</p><p><font>Vejamos da possibilidade/conveniência do estabelecimento de um regime de residência alternada.</font><br>
</p><p><font>Prescreve o artigo 1906.º do Código Civil:</font><br>
</p><p><font>1. As responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho são exercidas em comum por ambos os progenitores nos termos que vigoravam na constância do matrimónio, salvo nos casos de urgência manifesta, em que qualquer dos progenitores pode agir sozinho, devendo prestar informações ao outro logo que possível.</font><br>
</p><p><font>2. Quando o exercício em comum das responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho for julgado contrário aos interesses deste, deve o Tribunal, através de decisão fundamentada, determinar que essas responsabilidades sejam exercidas por um dos progenitores.</font><br>
</p><p><font>3. O Exercício das responsabilidades parentais relativas aos atos da vida corrente do filho cabe ao progenitor com quem ele reside habitualmente ou a progenitor com quem ele se encontra temporariamente; porém este último, ao exercer as suas responsabilidades, não deve contrariar as orientações educativas mais relevantes, tal como elas são definidas pelo progenitor com quem o filho reside habitualmente.</font><br>
</p><p><font>4. O progenitor a quem cabe o exercício das responsabilidades parentais relativas aos atos da vida corrente poder exercê-las por si ou delegar o seu exercício.</font><br>
</p><p><font>5. O Tribunal determinará a residência do filho e os diretos de visita de acordo com o interesse deste, tendo em atenção todas as circunstâncias relevantes, designadamente o eventual acordo dos pais e a disponibilidade manifestada por cada um deles para promover relações habituais do filho com o outro.</font><br>
</p><p><font>6. Quando corresponder ao superior interesse da criança e ponderadas as circunstâncias relevantes, o tribunal pode determinar a residência alternada do filho com cada um dos progenitores, independentemente de mútuo acordo nesse sentido e sem prejuízo da prestação de alimentos.</font><br>
</p><p><font>7. Ao progenitor que não exerça, no todo ou em parte, as responsabilidades parentais assiste o direito de ser informado sobre o modo do seu exercício, designadamente sobre a educação e as condições de vida do filho.</font><br>
</p><p><font>8. O Tribunal decidirá sempre de harmonia com o interesse do menor, incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo e aceitando acordos ou tomando decisões que favoreçam amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades entre eles.</font><br>
</p><p><font>9. O tribunal procede à audição da criança, nos termos previstos nos artigos 4.º e 5.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>Como se sabe, os n.ºs 6 e 9 foram aditados pela Lei n.º 65/2020, de 4 de novembro, com entrada em vigor em 1/12/2020 – cf. artigo 3.º.</font><br>
</p><p><font>Nos termos do disposto na segunda parte do nº.2 do artigo 12.º do Código Civil, a nova redação do artigo 1906.º do código Civil aplica-se ao caso presente, na medida em que a lei nova deve aplicar-se às situações jurídicas que se constituíram na vigência da lei antiga e que transitam para o domínio da lei nova.</font><br>
</p><p><font>A questão da residência alternada tem vindo a ser objeto de discussão na doutrina e na jurisprudência.</font><br>
</p><p><font>A recente alteração ao artigo 1906.º do código Civil, efetuada pela Lei n.º 65/2020, de 4 de novembro, veio sanar essas divergências quanto à admissibilidade da residência alternada e regime desta, clarificando que a imposição legal prescinde do acordo dos pais, mas não da competência e aptidão dos mesmos na medida em que o fundamento da imposição da residência alternada é sempre a salvaguarda do superior interesse da criança.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>As posições em confronto apontam:</font><br>
</p><p><font>- Os opositores à alternância de residência –</font><br>
</p><p><font>- Que o regime de alternância de residência se revela desajustado no que concerne à consolidação dos hábitos, valores, e ideias na mente do menor, com prejuízo para a formação da sua personalidade, sobretudo em crianças de tenra idade, face ao revezamento sistemático entre casas e pais, com padrões de vida diferentes, saindo o mesmo prejudicado em resultado das separações repetidas relativamente a cada um dos seus progenitores, causadas pela constante mudança de residência:</font><br>
</p><p><font>Podendo causar instabilidade à criança;</font><br>
</p><p><font>Constitui uma fonte de insegurança e de problemas de adaptabilidade;</font><br>
</p><p><font>Compromete a continuidade e unicidade da educação;</font><br>
</p><p><font>É uma situação muito difícil e exigente para a criança;</font><br>
</p><p><font>Promove a hostilidade entre os progenitores.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>- Os defensores da alternância da residência –</font><br>
</p><p><font>- O filho volta, com a residência alternada, a ter com os progenitores uma relação o mais próximo possível da que com eles mantinha antes da separação dos pais, evitando quebrar a relação afetiva que antes tinha com ambos, isto é, a residência alternada poderá ser a situação que mais se aproxima daquela que existia quando os pais viviam juntos na mesma casa.</font><br>
</p><p><font>- O objetivo de fixar responsabilidades parentais não deve (salvo casos que o justifique) ser escolher um dos progenitores, mas antes verificar as potencialidades dos dois e organizar a nova relação entre eles e o filho.</font><br>
</p><p><font>- Os laços afetivos constroem-se no dia – a – dia e a fixação da residência junto de um só dos progenitores leva ao progressivo esbatimento da relação afetiva com o outro progenitor, fazendo com que o menor se sinta uma mera “visita” em casa deste, levando a que o progenitor desista de investir na relação por se sentir excluído do dia-a-dia da criança.</font><br>
</p><p><font>Desta forma, o menor sentirá que pertence aos dois lares em igualdade de circunstâncias e que pertence ao novo agregado familiar, que passará a ter um novo espaço para o menor, que o sentirá como um espaço permanente para si e não como espaço provisório.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>A regra da alternância de residência “é a modalidade que satisfaz o princípio da igualdade dos progenitores, imposto pelos artigos 36.º, n.º 5 e 13.º da CRP e pelo artigo 18.º da Convenção sobre os Direitos da Criança. É a forma de organização que melhor se adequa ao princípio de que os filhos não devem ser separados dos pais, salvo quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais para com eles (artigo 36.º, n.º 6, da CRP).”</font><br>
</p><p><font>- Jorge Duarte Pinheiro, Estudos de Direito das Famílias e das Crianças, AAFDL Editora, 2015, pp. 338/339 –</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>Importa também ter presente que o superior interesse da criança integra uma orientação para o julgador perante o caso concreto, no sentido de que a primazia deve ser dada à figura da criança, nomeadamente ao direito de manter relações gratificantes e estáveis com ambos os progenitores. </font><br>
</p><p><b><font> </font></b><br>
</p><p><font>No caso concreto.</font><br>
</p><p><font>Vejamos se estão verificadas as circunstâncias que possibilitem a residência alternada, sendo certo que a medida em causa não pode ser uma medida para satisfação de um dos pais, mas uma medida que potencie um melhor desenvolvimento e educação da criança.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>Dos factos provados não resulta que algum dos pais tenha qualquer incapacidade educativa que os impeçam de estar com o filho; nada neste sentido foi apontado pelas instâncias.</font><br>
</p><p><font>Desde 2015 os progenitores trabalhavam por turnos alternados, das 6 horas às 14 horas e das 14 horas às 22 horas, sendo que presentemente só o progenitor do menor continua a trabalhar por turno, em ... e a progenitora trabalha em ... em stand de automóveis.</font><br>
</p><p><font>Quando tinham vida em comum, os progenitores, devido aos seus horários de trabalho por turnos, decidiram que a avó paterna cuidaria do menor durante a semana, dando-lhe as refeições, remédios, levando-o a consultas, ao jardim de infância e tratando-lhe da roupa.</font><br>
</p><p><font>E durante a semana os progenitores passavam pela casa da avó paterna e estavam com o menor e este passava o fim-de-semana em casa e aos cuidados dos progenitores, dispondo de um quarto próprio.</font><br>
</p><p><font>Após a separação dos progenitores, o progenitor continuou a estar com o menor em casa da avó paterna e a levá-lo para a sua casa ao fim-de-semana, nos termos em que anteriormente o fazia.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>Assim, verifica-se que o menor, em determinados períodos, atento o trabalho por turnos do seu progenitor, não pode ser acompanhado pelo seu progenitor, sendo que se mostra aos cuidados da sua avó paterna.</font><br>
</p><p><font>E esta presta os cuidados devidos, apresentando-se o menor cuidado e limpo e com bom comportamento.</font><br>
</p><p><font>Contudo, e dado que os progenitores, como se encontra provado, mantêm uma ligação de afeto com o menor, e apesar da forma como o menor é cuidado pela sua avó paterna, é com os progenitores que os filhos devem estar (a não ser em casos justificados), porquanto é a estes que compete velar pela segurança e saúde dos filhos, sustentá-los, dirigir a respetiva educação dos filhos, representá-los e administrar o seu património (artigos 1877.º, 1878.º, 1905.º, 1906.º, 1911.º e 1912.º do Código Civil) e é no convívio com os pais que o menor crescerá mais feliz, com melhor educação, recebendo os impulsos de orientação dos dois lados da família alargada.</font><br>
</p><p><font>Deste modo, </font><font>tendo em consideração que não se verificam qualquer incapacidades educativas por parte dos progenitores, bem como os mesmos mantêm com o menor uma ligação de afeto e que, atendendo ao seu trabalho por turnos o progenitor não cuida permanentemente do menor quando o seu turno o não permite manter-se em contacto com o menor, a disponibilidade da progenitora, que presentemente, trabalha num stand de automóveis, deixando de trabalhar por turnos, como o fazia aquando da convivência com o progenitor, deverá a progenitora poder acompanhar mais de perto a educação e os cuidados do seu filho.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>O Recorrido invoca alguns argumentos para se opor à </font><font>alternância da residência, que se pode apresentar como o local de residência da progenitora e as condições de habitação que esta pode oferecer ao menor.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>Assim, encontra-se provado que o menor passou a frequentar o jardim de infância de ... e aí tem amigos, sendo habitualmente levado e recolhido pela avó paterna.</font><br>
</p><p><font>O progenitor vive em ... (...) e a progenitora em ... (...).</font><br>
</p><p><font>E o facto de a mãe do menor residir em ... (...) não será impeditiva de o menor residir com a progenitora, pois, como se refere na sentença proferida, “no caso presente deve ser ponderada a relativa proximidade geográfica (moram em municípios contíguos)” e, assim sendo, sem deixar de se ponderar que o menor terá de efetuar essa viagem, pois atendendo à integração do menor no ambiente escolar não deve abandonar essa escola (até por, a admitir a alternância de residência, a questão se colocaria quando o menor residisse com o pai), com a possibilidade de ter de se preparar para a escola mais cedo, mas é um pequeno contratempo que o | [0 0 0 ... 0 0 0] |
GjJmu4YBgYBz1XKv-gKM | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font> </font><font> </font><br>
<font> Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça:</font>
<p>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>I. Relatório</font></b><br>
</p><p><b><font>1.</font></b><font> Notificada do Acórdão de fls. 368/385 (do processo físico) e do despacho do Relator de fls. 361/364 (do processo físico), veio a Recorrente AA arguir a nulidade do Acórdão por violação do disposto nas alíneas d), segunda parte, e c) do nº1 do artigo 615º do Código de Processo Civil, referindo que existe excesso de pronúncia e ininteligibilidade do Acórdão e, ao mesmo tempo, e no que concerne ao despacho do Relator de fls. 361/364, a reforma quanto a custas.</font><br>
</p><p><b><font>2.</font></b><font> O Recorrido não se pronunciou. </font><br>
</p><p><b><font>3. </font></b><font>Cumpre apreciar e decidir.</font><br>
</p><p><b><font> </font></b><br>
</p><p><b><font>II. Delimitação do objeto da reclamação</font></b><br>
</p><p><font>A Recorrente veio reclamar para a conferência, arguindo a nulidade do Acórdão por excesso de pronúncia e ininteligibilidade do Acórdão e a reforma do despacho de fls. 361/364 quanto a custas. </font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>III. Fundamentação</font></b><br>
</p><p><b><font>1. Enquadramento preliminar</font></b><br>
</p><p><font>A violação das normas processuais que disciplinam, em geral e em particular (artigos 607º a 609º do Código de Processo Civil), a elaboração da sentença - do acórdão - (por força do nº 2 do artigo 663º e 679º), enquanto ato processual que é, consubstancia vício formal ou </font><i><font>error in procedendo</font></i><font> e pode importar, designadamente, alguma das nulidades típicas previstas nas diversas alíneas do nº 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil (aplicáveis aos acórdãos </font><i><font>ex vi</font></i><font> nº 1 do artigo 666º e artigo 679º do Código de Processo Civil).</font><br>
</p><p><font>No caso em presença, convoca a Recorrente as nulidades típicas previstas nas alíneas d), segunda parte, e c), segunda parte, do nº1 do artigo 615º do Código de Processo Civil.</font><br>
</p><p><font>Prescreve a alínea d), segunda parte, do nº 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil que é nula a sentença quando conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>Assim, verifica-se a nulidade invocada (excesso de pronúncia) quando se conheça de questões de que não podia tomar conhecimento, sendo, questões a conhecer, em sede de recurso, as que o recorrente tenha suscitado nas conclusões das suas alegações recursivas e as questões que sejam de conhecimento oficioso.</font><br>
</p><p><font>Por outro lado, verifica-se a nulidade de ininteligibilidade da decisão, quando ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que a torne ininteligível. </font><br>
</p><p><font>No que concerne ao despacho do Relator: o n.º 1 do artigo 616.º do Código de Processo Civil prescreve que a parte pode requer, no tribunal que proferiu a sentença, a sua reforma quanto a custas e multa, sem prejuízo do disposto no n.º 3. </font><br>
</p><p><b><font> </font></b><br>
</p><p><b><font>2. O caso concreto</font></b><br>
</p><p><font>Após esta indicação das normas jurídicas relevantes, importa agora reverter ao caso concreto.</font><br>
</p><p><font>No que respeita à nulidade do Acórdão:</font><br>
</p><p><font>Da análise do Acórdão resulta, com toda a clareza, que o tribunal se pronunciou sobre as questões suscitadas pela Reclamante (isto é, que estávamos em presença de um Acórdão da Relação que havia confirmado a sentença de 1.ª instância, sem voto de vencido e com fundamentação que não era essencialmente diferente e, por outro lado, que a limitação do recurso, por qualquer fundamento, não era inconstitucional). E eram estas as questões: a existência ou não da denominada dupla conforme e a inconstitucionalidade. </font><br>
</p><p><font>Por outro lado, o Acórdão, ora reclamado, é claro, explicando as razões das posições que assumiu, e extraindo, também, uma conclusão clara.</font><br>
</p><p><font>E tanto que é assim, que a própria Reclamante o entendeu perfeitamente, como a reclamação para a conferência é disso exemplo. </font><br>
</p><p><font>O que a Reclamante vem manifestar, em concreto, é a sua discordância quanto ao referido no Acórdão, bem como tem manifestado essa discordância ao longo do processo, de todas as decisões que lhe são desfavoráveis.</font><br>
</p><p><font>A Reclamante pode não concordar com as respostas dadas às questões, mas essa sua discordância não conduz à nulidade do Acórdão. </font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>Deste modo, não se verificam as nulidades arguidas.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>Quanto à reforma da decisão do Relator de fls. 361/364, quanto a custas:</font><br>
</p><p><font>Notificada do despacho que não admitiu o recurso de revista que havia interposto do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, veio a Reclamante apresentar o que denominou de reclamação para o Senhor Juiz Conselheiro Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, invocando os “(Artigos 652.º, n.ºs 3, 4, in fine, e 5, </font><i><font>ex vi</font></i><font> do artigo 679.º, e 686.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil). </font><br>
</p><p><font>O Relator proferiu despacho a “convolar-se a pretensão da reclamante como reclamação para a conferência” e condenou a Reclamante nas custas.</font><br>
</p><p><font>É desta condenação em custas que a Reclamante pede a reforma, juntando cópia, para justificar a sua pretensão, do Acórdão do STA, de 17 de janeiro de 2018, que determinou a convolação “da petição de oposição em petição de impugnação judicial”, e que concluiu “Sem custas”.</font><br>
</p><p><font>Ora, quanto ao Acórdão do STA referido, mais uma vez, a Reclamante se reporta a situações diferentes, como se tudo fosse igual.</font><br>
</p><p><font>Esta isenção de condenação em custas reporta-se às custas do recurso, por vencimento do recorrente e não ter sido deduzida oposição.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>O caso presente é diverso.</font><br>
</p><p><font>Contudo, a correção efetuada fundamenta-se no disposto no n.º3 do artigo 193.º do Código de Processo Civil, o erro na qualificação do meio processual utilizado pela parte é corrigido oficiosamente pelo juiz, determinando que se sigam os termos processuais adequados. </font><br>
</p><p><font>Deste modo, dado que o despacho a convolar para a conferência foi efetuado no âmbito da intervenção oficiosa do juiz, a decisão não é tributável. </font><br>
</p><p><font>Assim, nos termos do disposto no artigo 616.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, reforma-se a decisão do Relator de fls.361/364, quanto a custas, e, consequentemente, não se condena a reclamante nas custas.</font><br>
</p><p><b><font> </font></b><br>
</p><p><b><font>IV. Decisão</font></b><font> </font><br>
</p><p><font>Posto o que precede, acorda-se, em conferência:</font><br>
</p><p><font>- indeferir a presente reclamação, quanto às invocadas nulidades do Acórdão;</font><br>
</p><p><font>- reformar a decisão do Relator de fls.361/364, quanto a custas, ficando sem tributação essa decisão. </font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>Custas pela Reclamante na parte em que decaiu, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC.. </font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>Lisboa, 6 de julho de 2021 </font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>Pedro de Lima Gonçalves (relator) </font><br>
</p><p><font>Fátima Gomes </font><br>
</p><p><font>Fernando Samões</font><font> </font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p></font><p><font><font>Nos termos do disposto no artigo 15.º-A do decreto – Lei n.º 20/2020, de 1 de maio, declara-se que têm voto de conformidade dos Senhores Juízes Conselheiros Fátima Gomes e Fernando Samões.</font></font></p> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
GjJtu4YBgYBz1XKv-wfO | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font> </font><br>
<font> </font><div><br>
<font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: </font></div><br>
<br>
<font> </font><br>
<p><font> </font>
</p><p><b><font>I. Relatório</font></b>
</p><p><br>
</p><p><b><font>1.</font></b><font> </font><b><font>Bear Canyon Limited Liability Company</font></b><font> intentou a presente ação sob a forma de processo comum contra </font><b><font>Imocom Palácio Valverde – Gestão e Investimentos Imobiliários, S.A.</font></b><font>, entretanto declarada insolvente e devidamente representada pelo Administrador de Insolvência, pedindo que a Ré seja condenada a: </font><br>
</p><p><font>A) reconhecer o seu direito de propriedade sobre os seguintes imóveis: o prédio rústico sito em ...., freguesia ...., concelho ...., composto por terra de cultura com amendoeiras, alfarrobeiras e figueiras, com a área de 5 485 m2, descrito na Conservatória de Registo Predial de .... sob o n.º …./… e inscrito na matriz sob o artigo …; e, o prédio rústico sito em..., freguesia ..., concelho ..., composto por terra de areia com árvores, com a área de 5 000 m2, descrito na Conservatória de Registo Predial de .... sob o n.º …/… e inscrito na matriz sob o artigo …; </font><br>
</p><p><font>B) reconhecer que se apropriou, em benefício próprio, de uma parcela dos seus terrenos; e; </font><br>
</p><p><font>C) repor as referidas propriedades da Autora nos seus exatos termos, limites e confrontações que se verificavam anteriormente à execução das obras de construção do empreendimento turístico da ré (obras essas da exclusiva responsabilidade desta) livre de quaisquer ónus que limitem o exercício do seu direito de propriedade. </font><br>
</p><p><b><font>2</font></b><font>. Citada, a Ré deduziu pedido de intervenção acessória provocada da sociedade M.R.M. Boelaars Holding, B.V., sociedade que lhe vendera os terrenos onde seria construído um hotel, a qual veio a ser admitida. </font><br>
</p><p><b><font>3.</font></b><font> A Autora deduziu um articulado superveniente, o qual veio a ser admitido, onde pede ainda o nivelamento dos terrenos e do caminho público através da reposição das terras escavadas pela Ré. </font><br>
</p><p><b><font>4.</font></b><font> Foi proferida sentença, transitada em julgado, a julgar procedente a exceção de ilegitimidade processual passiva da Ré/insolvente, por preterição de litisconsórcio necessário, absolvendo-se a Ré Imocom da instância. </font><br>
</p><p><b><font>5.</font></b><font> Foi instaurado o competente incidente de intervenção provocada do Município ...., o qual veio a ser admitido, por despacho transitado em julgado.</font><br>
</p><p><b><font>6.</font></b><font> Citado, o Município … deduziu contestação pugnando pela improcedência da ação. </font><br>
</p><p><b><font>7.</font></b><font> Em resposta, a Autora manteve os pedidos formulados, acrescentando agora a al. c), dirigindo-os também ao interveniente.</font><br>
</p><p><b><font>8</font></b><font>. Foi proferida sentença, sendo o dispositivo do seguinte teor:</font><br>
</p><p><font>“A) Julgar improcedentes as exceções arguidas pelo interveniente MUNICÍPIO … na sua contestação;</font><br>
</p><p><font>B) Condenar a ré “IMOCOM PALÁCIO VALVERDE – GESTÃO E INVESTIMENTOS IMOBILIÁRIOS, S.A.”, entretanto declarada insolvente e devidamente representada pelo Sr. Administrador de Insolvência e o interveniente MUNICÍPIO … a reconhecerem o direito de propriedade da autora “BEAR CANYON LIMITED LIABILITY COMPANY” sobre os seguintes imóveis: o prédio rústico sito em …, freguesia de …., concelho de …, composto por terra de cultura com amendoeiras, alfarrobeiras e figueiras, com a área de 5 485 m2, descrito na Conservatória de Registo Predial de … sob o n.º …./… e inscrito na matriz sob o artigo …; e, o prédio rústico sito em …, freguesia de …, concelho de …, composto por terra de areia com árvores, com a área de 5 000 m2, descrito na Conservatória de Registo Predial de …. sob o n.º…./... e inscrito na matriz sob o artigo ...;</font><br>
</p><p><font>C) Condenar a ré a reconhecer que se apropriou, em benefício próprio, de uma parcela dos seus terrenos, com uma área não inferior a 203,06 m2, posteriormente cedida ao interveniente; e, </font><br>
</p><p><font>D) Condenar a ré e o interveniente à restituição à autora da aludida parcela de terreno, considerando a cedência ineficaz perante a autora; </font><br>
</p><p><font>E) Condenar a ré a repor as referidas propriedades da autora nos seus exatos termos, limites e confrontações que se verificavam anteriormente à execução das obras de construção do empreendimento turístico da ré (obras essas da exclusiva responsabilidade desta) livre de quaisquer ónus que limitem o exercício do seu direito de propriedade, com nivelamento dos terrenos e do caminho público através da reposição das terras escavadas pela ré”. </font><br>
</p><p><b><font>9. </font></b><font>Inconformados com esta decisão, a Ré e o interveniente interpuseram recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Évora.</font><br>
</p><p><b><font>10.</font></b><font> O Tribunal da Relação de Évora veio julgar “procedente o recurso em função do que se revoga a sentença recorrida e absolve-se a recorrente dos pedidos contra si formulados”.</font><br>
</p><p><b><font>11.</font></b><font> Inconformada com tal decisão, veio a Autora interpor o presente recurso de revista, formulando as seguintes (transcritas) conclusões:</font><br>
</p><p><font>II (A) CONHECIMENTO DE MATÉRIA NOVA EM SEDE DE RECURSO</font><br>
</p><p><font>1.ª No seu recurso de apelação a Ré Imocom veio pela primeira vez, num processo que se arrastava já há mais de 11 anos, invocar um novo argumento nunca antes suscitado ou discutido em primeira instância e que não foi, por isso, conhecido pelo Tribunal de primeira instância.</font><br>
</p><p><font>2.ª A Ré/Recorrente está sujeita aos princípios da concentração da defesa e da preclusão previstos no art. 573.º CPC.</font><br>
</p><p><font>3.ª Os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais através dos quais se visa reapreciar e modificar decisões já proferidas que incidam sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, e não criá-las sobre matéria nova, não podendo confrontar-se o Tribunal </font><i><font>ad</font></i><font> </font><i><font>quem</font></i><font> com questões novas, salvo aquelas que são de conhecimento oficioso.</font><br>
</p><p><font>4.ª E não consistindo a presunção constante do art. 1.268.º Cód. Civil em matéria de conhecimento oficioso, está necessariamente arredada de ser apreciada pelo Tribunal </font><i><font>ad</font></i><font> </font><i><font>quem</font></i><font> uma vez que nunca foi previamente submetida ao exame do Tribunal </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>quo</font></i><font>.</font><br>
</p><p><font>5.ª Pelo que, salvo o devido respeito por mais douta opinião, não deveria a douta Relação ter sequer conhecido desse argumento.</font><br>
</p><p><font>II(B) – DA PRESUNÇÃO DE PROPRIEDADE DECORRENTE DO REGISTO E DA ILISÃO DA PRESUNÇÃO DE PROPRIEDADE A FAVOR DA RÉ DECORRENTE DA POSSE (ÍLICITA) DESTA</font><br>
</p><p><font>6.ª O douto Tribunal de primeira instância deu como provada a aquisição pela Autora dos terrenos identificados nos pontos 3. e 9. a 11. dos factos provados, estando essa aquisição devidamente registada nas finanças e na Conservatória do Registo Predial (pontos 4. a 6. e 12. a 14. dos factos provados).</font><br>
</p><p><font>7.ª Tendo ficado igualmente provado que esses terrenos têm a área de 4.983m2 (ponto 7 dos factos provados) e 4.297m2 (ponto 15. dos factos provados).</font><br>
</p><p><font>8.ª Por sua vez, ficou provado que o terreno da Ré tem apenas 61.206m2 (facto provado 39. com a retificação introduzida pelo Acórdão da Relação …) e não os 62.835m2 que a Ré invocava.</font><br>
</p><p><font>9.ª Ou seja, ficou provada não só a propriedade sobre os terrenos da Autora, como também a área exacta de cada um destes, bem como a área real do terreno da Ré.</font><br>
</p><p><font>10.ª Tendo ainda ficado provado que imediatamente antes das obras iniciadas pela Ré, os marcos que delimitavam os terrenos da Autora estavam devidamente colocados e assinalados (pontos 31. a 34. dos factos provados).</font><br>
</p><p><font>11.ª E que apenas com o início dessas obras veio a Ré a ocupar uma área de 203,06m2 dos terrenos da Autora (pontos 19., 26. a 28. e 35. dos factos provados).</font><br>
</p><p><font>12.ª Assim, ao contrário do que se refere no douto Acórdão recorrido, existe matéria de facto suficiente para, em conjunto com a presunção de propriedade derivada do registo (art. 7.º Cód. Reg. Predial), reconhecer-se a propriedade sobre os terrenos a favor da Autora.</font><br>
</p><p><font>13.ª Ora, beneficiando a Autora da presunção de propriedade conferida pelo registo (art. 7.º Cód. Reg. Predial), competia à Ré ilidir tal presunção, provando que a parcela de terreno reivindicada não estava de facto originariamente inserida nos terrenos da Autora, o que a Ré não logrou fazer.</font><br>
</p><p><font>14.ªPelo contrário, provou-se antes que essa faixa de terreno estava de facto integrada nos terrenos da Autora e que apenas imediatamente antes do início das obras do hotel veio a ser ilicitamente ocupada pela Ré (factos provados 19. e 26. a 28.).</font><br>
</p><p><font>15.ª Estes factos que foram confirmados pela Relação de Évora demonstram, inequivocamente, que a Ré ocupou ilicitamente parte dos terrenos da Autora, pelo que, não só a Ré não conseguiu ilidir a presunção de propriedade (resultante do registo) a favor da Autora, como viu também ilidida a presunção do art. 1.268.º Cód. Civil que invoca a seu favor.</font><br>
</p><p><font>16.ª A manter-se o Acórdão recorrido isso resultaria em legitimar-se a conduta da Ré, quando se provou:</font><br>
</p><p><font>- O trato sucessivo da aquisição da propriedade pela Autora; </font><br>
</p><p><font>- Essa aquisição foi levada a registo;</font><br>
</p><p><font>- A existência de marcos a delimitar essa propriedade antes do início das obras (pontos 31. e 32. dos factos provados); e</font><br>
</p><p><font>- Ainda se provou que foi a Ré quem, no ano de 2007, invadiu e ilicitamente esbulhou parte dos terrenos da Autora.</font><br>
</p><p><font>17.ª Salvo o devido respeito (que é muito), o Direito e a Justiça não podem permitir que se mantenha tão “iníqua” decisão.</font><br>
</p><p><font>II(C) – INOPERAÇÃO DA PRESUNÇÃO DO ART.1.268.º CC INVOCADA PELA RÉ</font><br>
</p><p><font>18.ª Ainda sobre a presunção do art. 1.268.º Cód. Civil que supostamente beneficiaria a Ré, referia-se que quanto ao terreno descrito no n.º 3 dos factos provados (localizado mais a Sul) o mesmo foi adquirido pela Autora no ano de 1997, encontrando-se tal aquisição a favor da Autora devidamente registada desde esse ano junto da Conservatória do Registo Predial e das Finanças (factos provados n.ºs 3 a 5).</font><br>
</p><p><font>19.ª A Ré Imocom ocupou os terrenos da Autora em meados de Junho de 2007 (facto provado n.º 27) pelo que a "posse" da Ré sobre esse terreno é muito posterior ao registo da propriedade a favor da Autora., prevalecendo a presunção do art. 7.º Cód. Reg. Predial (cfr. art. 1.268.º n.º 1 Cód. Civil).</font><br>
</p><p><font>20.ª Já o segundo terreno da Autora localizado mais a Norte (descrito no facto provado n.º 9) apenas foi adquirido pela Autora em Dezembro de 2007 (na sequência de um contrato-promessa de Julho desse ano) e registada na Conservatória do Registo Predial em 04/1/2008 (factos provados n.ºs 9 a 12).</font><br>
</p><p><font>21.ª Contudo, como bem se refere na Sentença recorrida, "</font><i><font>logrou</font></i><font> </font><i><font>provar-se</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>legalidade</font></i><font> </font><i><font>da</font></i><font> </font><i><font>cadeia</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>transmissões</font></i><font> </font><i><font>dos</font></i><font> </font><i><font>anteriores</font></i><font> </font><i><font>proprietários</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>bem</font></i><font> </font><i><font>para</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>autora</font></i><font>".</font><br>
</p><p><font>22.ª De acordo com a certidão do registo predial junta como Doc. 6 da P.I., a Autora adquiriu esse imóvel dos seus anteriores proprietários, com registos de aquisição que remontam a 1986, estando o respectivo trato sucessivo das aquisições até à aquisição da Autora devidamente comprovado no referido registo predial.</font><br>
</p><p><font>23.ª Dispõe o art. 1.268.º, n.º 1 do Cód. Civil que "</font><i><font>O</font></i><font> </font><i><font>possuidor</font></i><font> </font><i><font>goza</font></i><font> </font><i><font>da</font></i><font> </font><i><font>presunção</font></i><font> </font><i><font>da</font></i><font> </font><i><font>titularidade</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>direito</font></i><font> </font><i><font>excepto</font></i><font> </font><i><font>se</font></i><font> </font><i><font>existir,</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>favor</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>outrem,</font></i><font> </font><i><font>presunção</font></i><font> </font><i><font>fundada</font></i><font> </font><i><font>em</font></i><font> </font><i><font>registo</font></i><font> </font><i><font>anterior</font></i><font> </font><i><font>ao</font></i><font> </font><i><font>início</font></i><font> </font><i><font>da</font></i><font> </font><i><font>posse</font></i><font>".</font><br>
</p><p><font>24.ª E conforme se deixou exposto acima, existe um registo anterior da propriedade que remonta a 1986.</font><br>
</p><p><font>25.ª Registo esse que, ao abrigo do trato sucessivo, igualmente beneficia a Autora.</font><br>
</p><p><font>26.ª Note-se, também, que a posse se transfere com a propriedade (art. 1.264.º Cód. Civil).</font><br>
</p><p><font>27.ª E o possuidor apenas perde a posse por um acto de posse (esbulho) de terceiro, após um ano de duração da nova posse (art. 1.267.º, n.º 1, al. d) Cód. Civil).</font><br>
</p><p><font>28.ª O que quer dizer que, no momento em que o terreno foi vendido à Autora, os anteriores proprietários não tinham ainda perdido a posse em virtude do acto de esbulho da Ré (pois o acto de esbulho é de "meados de Julho de 2007" e a venda é de Dezembro de 2007).</font><br>
</p><p><font>29.ª Pelo que, a Autora sucedeu nessa posse que lhe foi transmitida pelos anteriores proprietários.</font><br>
</p><p><font>30.ª Além disso, estando em causa uma invasão de propriedade com escavações e outros actos de violência sobre a coisa da Autora, considera-se que a posse foi tomada por um acto de esbulho violento.</font><br>
</p><p><font>31.ª Actos esses de violência sobre a coisa que apenas terminaram "</font><i><font>em</font></i><font> </font><i><font>data</font></i><font> </font><i><font>posterior</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>07</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>Outubro</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>2010</font></i><font>" (facto provado n.º 40).</font><br>
</p><p><font>32.ª E havendo violência, a nova posse apenas tem início quando a violência cessa (art. 1267.º, n.º 2 Cód. Civil).</font><br>
</p><p><font>33.ª Assim, a posse da Ré Imocom apenas se iniciou efectivamente depois de 7 de Outubro de 2010.</font><br>
</p><p><font>34.ª Sendo, na realidade, a posse e o registo da propriedade a favor da Autora anteriores à posse da Ré Imocom, prevalecendo sobre esta.</font><br>
</p><p><font>35.ª Também por essa razão fica devidamente provada a propriedade dos terrenos e da parcela reivindicada a favor da Autora.</font><br>
</p><p><font>36.ª Aliás, a propriedade dos terrenos em si mesma nunca foi contestada pela Autora (tendo esses factos sido logo vertidos para a matéria assente, por acordo das partes, em sede de despacho saneador).</font><br>
</p><p><font>37.ª O que era verdadeiramente controverso era a delimitação de tais terrenos, recusando a Ré a reconhecer que tinha invadido e ocupado a área delimitada como fazendo parte dos terrenos da Autora.</font><br>
</p><p><font>38.ª Tendo a Autora logrado fazer prova inequívoca sobre as exactas áreas e delimitações de tais terrenos.</font><br>
</p><p><font>II(D) – </font><u><font>SUBSIDIARIAMENTE</font></u><font>, DO CONHECIMENTO DA IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO DEDUZIDA PELA AUTORA NAS SUAS CONTRA-ALEGAÇÕES DE APELAÇÃO</font><br>
</p><p><font>39.ª A delimitação da área reivindicada encontra-se definida nos n.ºs 19., 28., 29., 34., 35., 39. e 40. dos factos provados.</font><br>
</p><p><font>40.ª Estando também claramente definida nos desenhos elaborados pelos Senhores Peritos e constantes de fls. 879 e 880 dos autos.</font><br>
</p><p><font>41.ª Subsidiariamente (e sem conceder), tal como se referiu já nas contra-alegações de apelação (ver conclusões lxvi. a lxxvi. dessas contra-alegações), para a hipótese de se entender que os factos provados não são suficientes para delimitar, com precisão, os terrenos da Autora e, consequentemente, a área destes que foi ocupada pela Ré Imocom e que deverá ser restituída, nos termos do art. 682.º, n.º 3 CPC se requer que o processo desça à Relação para apreciação da impugnação da resposta de não provados dada aos factos descritos sob as alíneas a) a g) dos factos não provados da douta Sentença.</font><br>
</p><p><font>42.ª O douto Tribunal </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>quo</font></i><font> deu as confrontações alegadas pela Autora como não provadas, uma vez que estas apenas constariam da descrição do registo predial e por os peritos terem determinado que os marcos existentes e a realidade das confrontações e delimitações é, na verdade, outra.</font><br>
</p><p><font>43.ª Ora, salvo o devido respeito, não se pode aceitar que a resposta à matéria de facto se cinja a "sim, provado" ou "não provado".</font><br>
</p><p><font>44.ª Mesmo que se entenda (no que não se concede) que essa matéria de facto extravasa o âmbito das alíneas a) a g) dos factos não provados, são os factos em causa instrumentais ou complementares e resultaram inequivocamente da prova pericial produzida nos autos, pelo que, também por essa razão, devem ser dados como provados nos termos do art. 5.º, n.º 2, als. a) e b) CPC.</font><br>
</p><p><font>45.ª Assim, perante a alegação pela Autora de que as confrontações dos terrenos seriam umas, se ficou provado que essas confrontações não são afinal correctas, mas da prova produzida resultou ainda assim provado quais são as reais confrontações e delimitações, não pode o Tribunal apenas responder como "não provado" aos temas da prova (anteriores artigos da Base Instrutória) que versam sobre essas mesmas confrontações.</font><br>
</p><p><font>46.ª Ora, os peritos, num trabalho minucioso que durou vários anos conseguiram, finalmente, delimitar com exactidão as confrontações dos terrenos da Autora, conforme consta dos relatórios de fls. 858 e segs. e fls. 983 e segs. dos autos.</font><br>
</p><p><font>47.ª Em particular, nas fls. 991 (e respectiva imagem 8) e fls. 1.010 dos autos (que corresponde ao segundo daqueles relatórios periciais) dá-se por perfeitamente delimitadas as estremas e delimitações dos terrenos da Autora, tendo por base os marcos físicos ainda existentes e cuja localização é aceite pelas partes no processo (marcos M1, M2, M3 e M4 a Poente do terreno da Ré) - ver também factos provados n.ºs 31 a 33 sobre a localização dos marcos.</font><br>
</p><p><font>48.ª Deve, assim, ser dado como provado que os terrenos da Autora têm as seguintes confrontações e delimitações:</font><br>
</p><p><font>- Terreno identificado no n.º 3 dos factos provados:</font><br>
</p><p><font>o Do marco M1 (localizado a Sudoeste junto à estrada que liga a Quinta ...... a Vale .....) ao marco M2 localizado directamente a Norte deste – 86,76 m;</font><br>
</p><p><font>o Do referido marco M1 ao marco MR2 localizado directamente a Este/Nascente deste (igualmente a Sul junto à estrada que liga a Quinta ..... a Vale .....) – 61,24 m;</font><br>
</p><p><font>o Do marco M2 (que separa os dois terrenos da Autora a Oeste/Poente) ao marco MR1 directamente a Nascente/Este deste – 50,98 m; e</font><br>
</p><p><font>o Do marco MR1 (que separa os dois terrenos da Autora a Este/Nascente) ao marco MR2 directamente a Sul deste – 111,75 m.</font><br>
</p><p><font>- Terreno identificado no n.º 9 dos factos provados:</font><br>
</p><p><font>o Do marco M2 (que separa os dois terrenos da Autora a Oeste/Poente) ao marco M3 (directamente a Norte deste) – 46,80 m;</font><br>
</p><p><font>o Do marco M3 ao marco M4 directamente a Norte deste (e que delimita o topo Noroeste do terreno em causa) – 34,39 m;</font><br>
</p><p><font>o Do marco M4 (estrema Noroeste) ao marco M5 (estrema Nordeste) – 48,13 m; e </font><br>
</p><p><font>o Do marco M5 (estrema Nordeste) ao marco MR1 (que separa os dois terrenos da Autora a Este/Nascente) – 85,46 m.</font><br>
</p><p><font>49.ª Tendo-se delimitado, com a precisão acima referida, os terrenos da Autora, restará à Ré respeitar essas mesmas delimitações, devolvendo e repondo na sua configuração original a parcela de terreno que ilicitamente ocupou e que se encontra dentro dos terrenos da Autora.</font><br>
</p><p><font>E conclui pela procedência do recurso e pela revogação do acórdão recorrido.</font><br>
</p><p><b><font>12.</font></b><font> A Ré Imocom Palácio Valverde – Gestão e Investimentos Turísticos, S.A. contra-alegou, pugnando pelo infundado da revista, requerendo, ainda, a ampliação do objeto do recurso (subsidiariamente, interpondo recurso subordinado, quanto ao julgamento da matéria de facto) formulando as seguintes (transcritas) conclusões:</font><br>
</p><p><font>1.ª O Tribunal </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>quo</font></i><font> dirimiu, com acerto e denodo, o presente litígio de Direitos Reais.</font><br>
</p><p><font>2.ª Nada de </font><i><font>iníquo</font></i><font> se surpreende num Acórdão que indeferiu a pretensão de uma </font><i><font>offshore</font></i><font> se locupletar de terrenos que sabe não lhe pertencerem, perigando a recuperação e a satisfação dos credores (Estado, trabalhadores, etc…) de uma sociedade insolvente, sob a ameaça de que a Recorrida teria de destruir património edificado (embora sem situar o objeto da destruição pretendido, que até aventa incluir infraestruturas comunitárias, como uma estrada e passeio municipais…).</font><br>
</p><p><font>3.ª Não cabe ao Tribunal </font><i><font>ad</font></i><font> </font><i><font>quem</font></i><font> proceder à retificação de erros materiais que não hajam sido arguidos previamente ante o Tribunal </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>quo</font></i><font> – cfr. artigos 614.º/2 e 666.º/2 do CPC.</font><br>
</p><p><font>4.ª O Tribunal </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>quo</font></i><font> entendeu que a A. não provou a titularidade do direito de propriedade sobre a “parcela” em querela – primeiro elemento da causa de pedir da «ação de reivindicação» –, absolvendo a R. do pedido.</font><br>
</p><p><font>5.ª Para tanto, o Tribunal da Relação preconizou - com mérito - que a A./Recorrente deveria ter invocado e provado uma </font><i><font>causa</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>aquisição</font></i><font> </font><i><font>originária</font></i><font> </font><i><font>da</font></i><font> </font><i><font>propriedade</font></i><font> sobre a “porção” de terra reclamada (porquanto em crise não está um imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial, mas apenas, reforça-se, uma </font><i><font>porção</font></i><font> de terreno).</font><br>
</p><p><font>6.ª O que a A., manifestamente, não fez!</font><br>
</p><p><font>7.ª Este juízo, que se afigura correto, </font><u><font>não vem questionado pela A.</font></u><font> no seu recurso de revista já que </font><u><font>esta não nega que não tenha provado </font></u><i><u><font>atos de posse</font></u></i><font> sobre o “talhão” – razão pela qual o recurso de revista improcede de plano (cfr. artigo 635.º/4 e5 CPC). </font><i><font>Note-se,</font></i><font> </font><i><font>aliás,</font></i><font> </font><i><font>que</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>aquisição</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>“segundo”</font></i><font> </font><i><font>prédio</font></i><font> </font><i><font>pela</font></i><font> </font><i><font>Recorrente</font></i><font> </font><i><font>ocorre</font></i><font> </font><i><font>já</font></i><font> </font><i><font>durante</font></i><font> </font><i><font>as</font></i><font> </font><i><font>obras</font></i><font> </font><i><font>realizadas</font></i><font> </font><i><font>pela</font></i><font> </font><i><font>R,</font></i><font> </font><i><font>donde</font></i><font> </font><i><font>nenhuma</font></i><font> </font><i><font>posse</font></i><font> </font><i><font>houve</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>imóvel</font></i><font> </font><i><font>referido</font></i><font> </font><i><font>por</font></i><font> </font><i><font>banda</font></i><font> </font><i><font>da</font></i><font> </font><i><font>postulante.</font></i><font> </font><i><font>A</font></i><font> </font><i><font>aquisição</font></i><font> </font><i><font>do prédio constituiu</font></i><font> </font><i><font>tão-somente um</font></i><font> </font><i><font>meio</font></i><font> </font><i><font>para a Recorrente arremeter contra</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>Recorrida,</font></i><font> </font><i><font>criar</font></i><font> </font><i><font>um</font></i><font> </font><i><font>«pomo</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>discórdia»,</font></i><font> </font><i><font>litigar</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>lucrar</font></i><font> </font><i><font>à</font></i><font> </font><i><font>custa</font></i><font> </font><i><font>da</font></i><font> </font><i><font>Recorrida…</font></i><br>
</p><p><font>8.ª O reivindicante que pretende o reconhecimento de um (putativo) direito real sobre uma </font><u><font>parcela de imóvel descrito</font></u><font> encontra-se onerado com a prova de uma causa de aquisição originária do </font><i><font>ius</font></i><font> </font><i><font>in</font></i><font> </font><i><font>re</font></i><font> sobre essa “porção”, dado que não lhe assiste a presunção tabular prevista no artigo 7.º CRP (cfr. Artigo 584.º/4 CPC).</font><br>
</p><p><font>9.ª Com efeito, a presunção registal não faz fé quanto à localização, área, confrontações ou linha perimetral dos prédios a que se refere (neste sentido militam, de modo unânime, a Academia, a doutrina registal – nomeadamente, do Instituto dos Registos e Notariado – e a Jurisprudência).</font><br>
</p><p><font>10.ª O registo não delimita os prédios em função das suas coordenadas geográficas (latitude e longitude) – anote-se, aliás, que, no concelho …, sequer existe cadastro geométrico dos domínios rústicos.</font><br>
</p><p><font>11.ª Por conseguinte, não é viável asseverar, com base exclusiva no registo, que determinada parcela de terreno </font><i><font>integra</font></i><font> um imóvel descrito (ac. STJ 21.6.2001; P. 01B1521) e, como tal, o titular inscrito beneficia da presunção legal relativamente a essa parcela.</font><br>
</p><p><font>12.ª Noutra formulação, no seio do sistema registal português, não é admissível afirmar, por consulta às tábuas e sem mais, a titularidade do «prédio continente» e deduzir, ato contínuo, a propriedade sobre uma concreta “área” naquele (pretensamente) «contida» (v. ac. STJ 14.11.2013; P. 74/07.3TCGMR).</font><br>
</p><p><font>13.ª A presunção registal funciona quando não se questiona a localização, área e configuração do imóvel disputado, quando as partes identificam mutuamente (ou o demandado não impugna) o </font><i><font>quid</font></i><font>sobre oqual assenta o«conflito de títulos».Ora, resulta à evidência da matéria de facto provada que o objeto da querela não está sequer caracterizado, não se sabe onde se localiza, nem se se encontra “ocupado” (mormente, pela ora Recorrida).</font><br>
</p><p><font>14.ª Por conseguinte, </font><u><font>a A. não pode beneficiar da presunção assente no registo</font></u><font>.</font><br>
</p><p><font>15.ª O Tribunal </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>quo</font></i><font> andou, pois, bem, ao denotar que “</font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>presunção</font></i><font> </font><i><font>estabelecida</font></i><font> </font><i><font>no</font></i><font> </font><i><font>citado</font></i><font> </font><i><font>artigo7.º</font></i><font> </font><i><font>não</font></i><font> </font><i><font>pode</font></i><font> </font><i><font>servir</font></i><font> </font><i><font>como</font></i><font> </font><i><font>critério</font></i><font> </font><i><font>identificador</font></i><font> </font><i><font>da</font></i><font> </font><i><font>titularidade</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>uma</font></i><font> </font><i><font>parte</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>um</font></i><font> </font><i><font>prédio</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>que</font></i><font> </font><i><font>duas</font></i><font> </font><i><font>pessoas</font></i><font> </font><i><font>se</font></i><font> </font><i><font>arrogam</font></i><font> </font><i><font>ser</font></i><font> </font><i><font>proprietários,</font></i><font> </font><i><font>quando</font></i><font> </font><i><font>haja</font></i><font> </font><i><font>dúvidas</font></i><font> </font><i><font>sobre</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>localização</font></i><font> </font><i><font>(em</font></i><font> </font><i><font>qual</font></i><font> </font><i><font>prédio)</font></i><font> </font><i><font>dessa</font></i><font> </font><i><font>parte</font></i><font>”.</font><br>
</p><p><font>16.ª Mas ainda que assim fosse e como conclui o Tribunal da Relação, a ação tampouco procederia.</font><br>
</p><p><font>17.ª É neste passo – e só agora – que “entra em ação” a presunção do artigo 1268.º CC (todo o teor das conclusões que precedem a presente não vem impugnado pela A., o que dita, s.m.o., a improcedência da revista).</font><br>
</p><p><font>18.ª Na verdade, como bem expôs o Tribunal da Relação, ainda que a A. beneficiasse da pre-sunção legal (o que não ocorre), esta sempre cederia ante a presunção assente naposse da R. (sendo que o acervo fático ilustra vários atos de posse por parte da ora Recorrida).</font><br>
</p><p><font>19.ª Ou seja, mesmo que a A. beneficiasse do artigo 7.º CRP, sempre haveria que considerar o disposto no artigo 1268.º CC, dirimindo o conflito a favor da ora Recorrida, porquanto a posse desta </font><i><font>antecede</font></i><font> o registo em nome daquela (da Recorrente).</font><br>
</p><p><font>20.ª A ação estaria, pois, necessariamente votada ao insucesso.</font><br>
</p><p><font>21.ª A presunção do artigo 1268.º CC não constitui </font><i><font>ius</font></i><font> </font><i><font>novorum</font></i><font>, porquanto os Tribunais (de Recurso) não estão limitados no Direito que aplicam (cfr. Artigo 5.º/3 CPC e a natureza substitutiva – e não meramente cassatória – do recurso de apelação).</font><br>
</p><p><font>22.ª Acrescente-se que o Tribunal da Relação convocou a presunção em apreço para reforçar – mas </font><u><font>não para fundar o douto Acórdão recorrido</font></u><font>. Este preceito foi invocado a título de </font><i><font>obiter</font></i><font> </font><i><font>dictum</font></i><font> (como argumento de segundo plano, supletivo e meramente reforçativo), não integrando o silogismo judiciário.</font><br>
</p><p><font>23.ª Como argumento </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>latere</font></i><font>, o Tribunal da Relação de Évora – que assentou o veredito na interpretação (aliás, escorreita) do alcance do artigo 7.º CRP – apenas cogita que, ainda que esta presunção revestisse valia </font><i><font>in</font></i><font> </font><i><font>casu</font></i><font>, nem assim se podia reconhecer razão à A.!</font><br>
</p><p><font>24.ª A Recorrente argumenta que a presunção contida noartigo12 | [0 0 0 ... 0 0 0] |
xTJpu4YBgYBz1XKvMQO- | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><b><font> </font></b><br>
<font> </font><div><br>
<font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: </font></div><br>
<br>
<font> </font>
<p><b><font>I. Relatório</font></b>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font>1. </font></b><font>O </font><b><font>Ministério Púbico </font></b><font>requereu a prolação de decisão sobre o pedido de regresso à Islândia das menores </font><b><font>AA</font></b><font> e </font><b><font>BB</font></b><font> ao abrigo da Convenção de Haia sobre os Aspetos Civis do Rapto Internacional de Crianças, de 25 de outubro de 1980.</font>
</p><p><b><font>2.</font></b><font> Autuado os autos como Ação Tutelar Comum, procedeu-se à audição do progenitor e das menores. </font>
</p><p><b><font>3. </font></b><font>O Tribunal de 1.ª instância proferiu, a 14 de dezembro de 2020, a seguinte</font><b><font> </font></b><font>decisão:</font>
</p><p><font>“determinar o regresso das menores AA e BB à Islândia, a fim de serem entregues à progenitora”.</font>
</p><p><b><font>4. </font></b><font>Interposto recurso de apelação pelo progenitor, o </font><b><font>Tribunal da Relação do ......</font></b><font> proferiu, a 23 de fevereiro de 2021, Acórdão com a seguinte</font><b><font> </font></b><font>decisão:</font>
</p><p><font>“julgar procedente a apelação e em consequência revogar a decisão recorrida não se ordenando o regresso das menores AA e BB à Islândia, permanecendo as mesmas em Portugal a residir com o progenitor.”</font>
</p><p><b><font>5. </font></b><font>Inconformada com o decidido, a progenitora</font><b><font> CC </font></b><font>interpôs recurso de revista, formulando as seguintes (transcritas) conclusões</font><b><font>: </font></b>
</p><p><font>1.ª O </font><i><font>art.</font></i><font> </font><i><font>662°</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>CPC</font></i><font> consagra que o Tribunal da Relação só pode alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa, o que não foi o caso. Era algo que lhe estava vedado por lei, constituindo assim uma </font><b><font>nulidade</font></b><font>, que expressamente se invoca, devendo, em consequência, o art.º. 18ºa ser eliminado.</font>
</p><p><font>1. Mais. Se a decisão do juiz </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>quo</font></i><font>, devidamente fundamentada (foi o caso) for uma das situações plausíveis, segundo as regras da experiência e pela prova produzida, ela será inalterável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção do julgador.</font>
</p><p><font>2.ª Os </font><b><font>princípios</font></b><font> </font><b><font>da</font></b><font> </font><b><font>imediação</font></b><font> </font><b><font>e</font></b><font> </font><b><font>da</font></b><font> </font><b><font>oralidade</font></b><font> são extremamente importantes para uma justa e correta apreciação de mérito, princípios esses que não estiveram presentes, com o devido respeito, na elaboração do Acórdão da Relação. Apenas a 1ª instância ouviu e presenciou quer as menores, quer o progenitor. Só essa instância teve a perceção fidedigna da realidade que foi levada ao tribunal.</font>
</p><p><font>2. Foi notório estar-se na presença de menores preocupadas em transmitir uma imagem positiva do pai, que sentem como a figura mais vulnerável (ponto 9 da matéria de facto dada como provada); que verbalizam não quererem regressar à Islândia por estarem magoadas com a mãe, sendo que tal mágoa é causada pela conduta do progenitor, que relata o relacionamento da mãe com um terceiro como uma “traição a si e às filhas” (pontos 10 e 11 da matéria de facto dada como provada).</font>
</p><p><font>3. Fruto dessa conduta do progenitor, as menores mostram-se incapazes de fazer a distinção entre conjugalidade e parentalidade (ponto 12) e não são encorajadas a falar com a mãe pelo telefone(ponto 13)e que após a separação dos progenitores, em abril de 2020, apenas estiveram pontualmente com a mãe, rejeitando o convívio pelos motivos apontados (ponto 19).</font>
</p><p><font>4. Não está, porém, vedado legalmente ao Supremo verificar se o uso de presunções judiciais pelo Tribunal da Relação </font><i><font>ofende</font></i><font> </font><i><font>qualquer</font></i><font> </font><i><font>norma</font></i><font> </font><i><font>legal,</font></i><font> </font><i><font>se</font></i><font> </font><i><font>padece</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>alguma</font></i><font> </font><i><font>ilogicidade</font></i><font> </font><i><font>ou</font></i><font> </font><i><font>se</font></i><font> </font><i><font>parte</font></i><font> </font><i><font>de factos não</font></i><font> </font><i><font>provados</font></i><font> - </font><i><font>Acórdão</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>STJ,</font></i><font> </font><i><font>datado</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>14</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>Janeiro</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>2016,</font></i><font> </font><i><font>proferido</font></i><font> </font><i><font>no</font></i><font> </font><i><font>Âmbito</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>processo</font></i><font> </font><i><font>nº1391/13.9TTCBR.C1.S1</font></i><font>, devidamente completado pelo </font><i><font>Acórdão</font></i><font> </font><i><font>487/14.4TTPRT.P1.S1,</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>07</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>Julho</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>2016</font></i><font>, ambos disponíveis em </font><a><u><font>www.dgsi.pt</font></u><font>.</font></a>
</p><p><font>3.ª Este Supremo Tribunal não deve ficar indiferente a </font><b><font>erros</font></b><font> </font><b><font>de</font></b><font> </font><b><font>apreciação</font></b><font> </font><b><font>da</font></b><font> </font><b><font>prova</font></b><font> resultantes da violação de direito probatório material, podendo constituir fundamento de revista a violação de disposição legal expressa que exija certa espécie de prova ou que fixe a respetiva força probatória</font><u><font>.</font></u>
</p><p><font>1. Trata-se no fundo de verdadeiros </font><b><font>erros</font></b><font> </font><b><font>de</font></b><font> </font><b><font>direito</font></b><font> que, como tal, se integram também na esfera de competências do Supremo.</font>
</p><p><font>2. Ao Supremo Tribunal de Justiça impõe-se a efetivação desse controlo, </font><i><font>in</font></i><font> </font><i><font>concreto</font></i><font>, no pleno uso dos seus poderes legais, que lhe permitem verificar se existiu, ou não, o erro e a ofensa de uma disposição expressa da lei, nos precisos termos estabelecidos pelo nº 3, do art. 674º, do CPC.</font>
</p><p><font>3. Não poderá aditar-se um ponto que está em clara contradição como o que é demonstrado nos autos que é o que se retira da ata de audição de menores de fls 93 ss. Que quando relatam a separação, o seu discurso começa a revelar algumas incongruências, denotando influência de adulto; que a preocupação é transmitir uma imagem positiva do pai, figura sentida como mais vulnerável; que o seu discurso sugere que existe vontade de estarem com a mãe, mas encontram-se num conflito de lealdade, mostrando-se assim condicionadas.</font>
</p><p><font>4. Mais – e isto foi concretamente dito por uma perita, a Srª Psicóloga nomeada pelo Tribunal, a sua maturidade é compatível com a sua idade, mas a pressão a que são sujeitas condiciona a apreciação que fazem dos eventos e, por consequência, aferições e conclusões da sua realidade.</font>
</p><p><font>5. Ocorreu assim nulidade entre a eliminação do ponto 16 da matéria de facto dada como provada, o aditamento de um novo ponto e a prova nos autos, tornado essa decisão ininteligível. Ou seja, sendo claro para todos que as crianças são instrumentalizadas por adultos, que são objeto de manipulação nas palavras do Ministério Publico a fls 89, como poderá afirmar-se que se sentem integradas socialmente? Se o socialmente para todos em geral é neste momento questionável, para duas crianças que chegaram a este país em .. de Julho, após estarem ausente cinco anos, os últimos três na Islândia, é inaceitável, inverosímil, não aceitável segundo as regas de experiência comum.</font>
</p><p><font>4.ª A solução preconizada pelo Acórdão recorrido vai no sentido de beneficiar o infrator, de atribuir um prémio a quem tem conduta que o Acórdão recorrido classifica de reprovável, o que é solução que a moral e a lei colocam em causa.</font>
</p><p><font>1. E estamos, não esqueçamos, perante um </font><b><font>pedido</font></b><font> </font><b><font>de</font></b><font> </font><b><font>retorno</font></b><font> </font><b><font>feito</font></b><font> </font><b><font>ao</font></b><font> </font><b><font>abrigo</font></b><font> </font><b><font>da</font></b><font> </font><b><font>Convenção</font></b><font> </font><b><font>Internacional</font></b><font> </font><b><font>de</font></b><font> </font><b><font>Haia</font></b><font>.</font>
</p><p><font>2. A Convenção de Haia relativa ao Rapto Internacional de Crianças tem como objetivo concreto, o restabelecimento, mais rápido possível, da situação anterior à subtração internacional da criança, mesmo que haja uma anterior decisão estrangeira de regulação das responsabilidades parentais e atribuição de eficácia a essa sentença pela autoridade judiciária do Estado para o qual a criança foi ilegitimamente transferida.</font>
</p><p><font>3. Ora, um dos pressupostos para o acionamento da Convenção de Haia para obtenção do regresso da criança ao país de origem é antes de mais existir uma retenção ilícita, sendo que o artigo 3.º explícita quando a mesma é ilícita. E dúvidas não existem de que a retenção das menores em Portugal é ilícita.</font>
</p><p><font>4. Por isso, e porque foi logo despoletado o processo expedito para pedir o regresso de uma criança, com fundamento em </font><i><font>rapto</font></i><font>, disciplinado na Convenção de Haia de 1980, </font><b><font>a</font></b><font> </font><b><font>jurisprudência</font></b><font> </font><b><font>tem</font></b><font> </font><b><font>uniforme</font></b><font> </font><b><font>e</font></b><font> </font><b><font>repetidamente</font></b><font> </font><b><font>observado</font></b><font> </font><b><font>que</font></b><font> </font><b><font>se</font></b><font> </font><b><font>destina</font></b><font> </font><b><i><font>apenas</font></i></b><font> </font><b><font>a</font></b><font> </font><b><font>obter</font></b><font> </font><b><font>esse</font></b><font> </font><b><font>regresso,</font></b><font> </font><b><font>uma</font></b><font> </font><b><font>vez</font></b><font> </font><b><font>apurada</font></b><font> </font><b><font>a</font></b><font> </font><b><font>ilicitude</font></b><font> </font><b><font>da</font></b><font> </font><b><font>deslocação</font></b><font> </font><b><font>ou</font></b><font> </font><b><font>da</font></b><font> </font><b><font>retenção,</font></b><font> </font><b><font>e</font></b><font> </font><b><font>não</font></b><font> </font><b><font>a</font></b><font> </font><b><font>discutir</font></b><font> </font><b><font>o</font></b><font> </font><b><font>regime</font></b><font> </font><b><font>de</font></b><font> </font><b><font>exercício</font></b><font> </font><b><font>das</font></b><font> </font><b><font>responsabilidades</font></b><font> </font><b><font>parentais</font></b><font>.</font>
</p><p><font>5. Assim se decidiu, por exemplo, no </font><i><font>acórdão</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>Supremo</font></i><font> </font><i><font>Tribunal</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>Justiça</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>9</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>Outubro</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>2003</font></i><font> </font><i><font>(</font></i><i><font>www.dgsi.pt</font></i><i><font>,</font></i><font> </font><i><font>proc.</font></i><font> </font><i><font>n.º</font></i><font> </font><i><font>03B2507</font></i><font>), frisando que a definição desse processamento simplificado e urgente era uma das vias encontradas para </font><i><font>“contrariar</font></i><font> </font><i><font>o</font></i><font> </font><i><font>uso</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>meios</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>autotutela”</font></i><font> (para resolver divergências relacionadas com aquele exercício).</font>
</p><p><font>5.ª E nem sequer é questionável o </font><b><font>conceito</font></b><font> </font><b><font>de</font></b><font> </font><b><font>residência</font></b><font> </font><b><font>habitual</font></b><font>, já que os pais se separaram e deixaram de viver na mesma casa, já que, como salienta a Ilustre Juíza Conselheira Maria dos Prazeres Beleza, no seu artigo sobre </font><i><font>Jurisprudência</font></i><font> </font><i><font>sobre</font></i><font> </font><i><font>rapto</font></i><font> </font><i><font>internacional</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>crianças</font></i><font>, na Revista Julgar nº 24, de 2014, publicado pela Coimbra Editora, (embora inserido no âmbito do Regulamento aplicável aos Estados Membros da União Europeia, o que não é o caso da Islândia) “…o Tribunal de Justiça da União Europeia pronunciou-se no sentido de que </font><i><font>“o</font></i><font> </font><i><font>conceito</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>«residência</font></i><font> </font><i><font>habitual»,</font></i><font> </font><i><font>na</font></i><font> </font><i><font>acepção</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>artigo</font></i><font> </font><i><font>8.°,</font></i><font> </font><i><font>n.°</font></i><font> </font><i><font>1,</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>regulamento</font></i><font> </font><i><font>,</font></i><font> </font><i><font>deve</font></i><font> </font><i><font>ser</font></i><font> </font><i><font>interpretado</font></i><font> </font><i><font>no</font></i><font> </font><i><font>sentido</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>que</font></i><font> </font><i><font>essa</font></i><font> </font><i><font>residência</font></i><font> </font><i><font>corresponde</font></i><font> </font><i><font>ao</font></i><font> </font><i><font>local</font></i><font> </font><i><font>que</font></i><font> </font><i><font>revelar</font></i><font> </font><i><font>uma</font></i><font> </font><i><font>determinada</font></i><font> </font><i><font>integração</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>menor</font></i><font> </font><i><font>num</font></i><font> </font><i><font>ambiente</font></i><font> </font><i><font>social</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>familiar.</font></i><font> </font><i><font>Para</font></i><font> </font><i><font>esse fim,</font></i><font> </font><i><font>devem</font></i><font> </font><i><font>ser</font></i><font> </font><i><font>tidas</font></i><font> </font><i><font>em</font></i><font> </font><i><font>consideração,</font></i><font> </font><i><font>nomeadamente,</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>duração,</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>regularidade,</font></i><font> </font><i><font>as</font></i><font> </font><i><font>condições</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>as</font></i><font> </font><i><font>razões</font></i><font> </font><i><font>da</font></i><font> </font><i><font>permanência</font></i><font> </font><i><font>no</font></i><font> </font><i><font>território</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>um</font></i><font> </font><i><font>Estado</font></i><font> </font><i><font>Membro</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>da</font></i><font> </font><i><font>mudança</font></i><font> </font><i><font>da</font></i><font> </font><i><font>família</font></i><font> </font><i><font>para</font></i><font> </font><i><font>esse</font></i><font> </font><i><font>Estado,</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>nacionalidade</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>menor,</font></i><font> </font><i><font>o</font></i><font> </font><i><font>local</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>as</font></i><font> </font><i><font>condições</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>escolaridade,</font></i><font> </font><i><font>os</font></i><font> </font><i><font>conhecimentos</font></i><font> </font><i><font>linguísticos,</font></i><font> </font><i><font>bem</font></i><font> </font><i><font>como</font></i><font> </font><i><font>os</font></i><font> </font><i><font>laços</font></i><font> </font><i><font>familiares</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>sociais</font></i><font> </font><i><font>que</font></i><font> </font><i><font>o</font></i><font> </font><i><font>menor</font></i><font> </font><i><font>tiver</font></i><font> </font><i><font>no</font></i><font> </font><i><font>referido</font></i><font> </font><i><font>Estado.</font></i><font> </font><i><font>Incumbe</font></i><font> </font><i><font>ao</font></i><font> </font><i><font>órgão</font></i><font> </font><i><font>jurisdicional</font></i><font> </font><i><font>nacional</font></i><font> </font><i><font>determinar</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>residência</font></i><font> </font><i><font>habitual</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>menor</font></i><font> </font><i><font>tendo</font></i><font> </font><i><font>em</font></i><font> </font><i><font>conta</font></i><font> </font><i><font>o</font></i><font> </font><i><font>conjunto</font></i><font> </font><i><font>das</font></i><font> </font><i><font>circunstâncias</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>facto</font></i><font> </font><i><font>relevantes</font></i><font> </font><i><font>em</font></i><font> </font><i><font>cada</font></i><font> </font><i><font>caso</font></i><font> </font><i><font>concreto”</font></i>
</p><p><font>1. Ora, feitas as contas, estas crianças estivera, por decisão do seu progenitor, fora de Portugal durante cinco anos, três dos últimos na Islândia, onde, aí sim, estavam inseridas social e escolarmente, dominando a língua inglesa. Mas antes disso, já o pai se tinha ausentado para o estrangeiro, deixando cá a família, em busca de melhores condições de vida, passando as menores os primeiros anos de vida quase em exclusivo com a mãe.</font>
</p><p><font>2. Este mesmo conceito de residência habitual tem vindo a ser aplicado entre nós — cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20 de Janeiro de 2009, proc. n.º 08B2777, do Tribunal da Relação de Lisboa de 12 de Julho de 2012, </font><font>www.dgsi.pt</font><font>, proc. n.º 1327/12.4TBCSC. L1-2, do Tribunal da Relação de Coimbra de 20 de Abril de 2013, </font><font>www.dgsi.pt</font><font>, proc. 1211/08.6TBAND-A.C1, do Tribunal da Relação de Lisboa de 1 de Outubro de 2013, </font><font>www.dgsi.pt</font><font>, proc. 1536/12.6T2AMD.L1-7, do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido em 10 de Outubro de 2013 no mesmo processo, ou do Tribunal da Relação de Guimarães de 7 de Maio de 2013, </font><font>www.dgsi.pt</font><font>, proc. n.º 257/10.9TBCBT-D.G1, dando relevo à </font><i><font>“maior</font></i><font> </font><i><font>facilidade em</font></i><font> </font><i><font>reunir</font></i><font> </font><i><font>os</font></i><font> </font><i><font>elementos</font></i><font> </font><i><font>necessários</font></i><font> </font><i><font>à</font></i><font> </font><i><font>defesa</font></i><font> </font><i><font>dos</font></i><font> </font><i><font>interesses</font></i><font> </font><i><font>da</font></i><font> </font><i><font>criança”</font></i><font>.</font>
</p><p><font>6.ª A </font><b><font>definição</font></b><font> </font><b><font>do</font></b><font> </font><b><font>processamento</font></b><font> </font><b><font>simplificado</font></b><font> </font><b><font>e</font></b><font> </font><b><font>urgente</font></b><font> </font><b><font>previsto</font></b><font> </font><b><font>na</font></b><font> </font><b><font>Convenção</font></b><font> </font><b><font>Internacional</font></b><font> </font><b><font>de</font></b><font> </font><b><font>Haia</font></b><font> </font><b><font>aqui</font></b><font> </font><b><font>em</font></b><font> </font><b><font>causa,</font></b><font> </font><b><font>foi</font></b><font> </font><b><font>uma</font></b><font> </font><b><font>das</font></b><font> </font><b><font>vias</font></b><font> </font><b><font>encontradas</font></b><font> </font><b><font>para</font></b><font> </font><b><i><font>“contrariar</font></i></b><font> </font><b><i><font>o</font></i></b><font> </font><b><i><font>uso</font></i></b><font> </font><b><i><font>de</font></i></b><font> </font><b><i><font>meios</font></i></b><font> </font><b><i><font>de</font></i></b><font> </font><b><i><font>autotutela”</font></i></b><font> para resolver divergências relacionadas com o exercício das responsabilidades parentais, especialmente quanto à guarda da criança, dissuadindo os protagonistas de tentar criar situações de facto que lhes sejam favoráveis, numa discussão posterior sobre a guarda da criança —quer tentando deslocar a competência dos tribunais para o Estado onde se encontram, quer criando ligações da criança ao novo ambiente, de modo a que lhe seja prejudicial uma decisão de regresso ao Estado de onde foi deslocada.</font>
</p><p><font>1. Uma das razões principais invocadas e “…uma das preocupações do Regulamento (CE) n.º 2201/2003 do Conselho, em complemento da Convenção de Haia de 25 de Outubro de 1980, foi, precisamente, a de combater o </font><i><font>rapto</font></i><font> internacional de crianças, que geralmente tem como protagonistas os respetivos progenitores, em divergência sobre o Estado de residência da criança ou, mais amplamente, sobre a respetiva guarda, e que se deslocam para Estado diferente com a criança sem o acordo do outro, ou que, após uma deslocação consensual, se recusam a regressar e pretendem mantê-la consigo.” – vide artigo já referido da revista Julgar.</font>
</p><p><font>2. O objetivo destes instrumentos internacionais é pois o de “… </font><i><font>funcionar</font></i><font> </font><i><font>preventivamente,</font></i><font> </font><i><font>através</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>mecanismos</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>dissuasão</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>criação</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>situações</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>facto</font></i><font> </font><i><font>favoráveis</font></i><font> </font><i><font>ao</font></i><font> </font><i><font>autor</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>rapto,</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>repressivamente,</font></i><font> </font><i><font>pela</font></i><font> </font><i><font>simplificação</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>reconhecimento</font></i><font> </font><i><font>das</font></i><font> </font><i><font>decisões</font></i><font> </font><i><font>em</font></i><font> </font><i><font>matéria</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>exercício</font></i><font> </font><i><font>das</font></i><font> </font><i><font>responsabilidades</font></i><font> </font><i><font>parentais,</font></i><font> </font><i><font>nomeadamente</font></i><font> </font><i><font>quanto</font></i><font> </font><i><font>à</font></i><font> </font><i><font>guarda</font></i><font> </font><i><font>da</font></i><font> </font><i><font>criança,</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>pelo</font></i><font> </font><i><font>carácter</font></i><font> </font><i><font>simplificado</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>expedito</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>processamento</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>pedido</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>regresso,</font></i><font> </font><i><font>como</font></i><font> </font><i><font>aprofundadamente</font></i><font> </font><i><font>se</font></i><font> </font><i><font>explica</font></i><font> </font><i><font>no</font></i><font> </font><i><font>acórdão</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>Tribunal</font></i><font> </font><i><font>da</font></i><font> </font><i><font>Relação</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>Lisboa</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>5</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>Junho</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>2012,</font></i><font> </font><i><font>www.dgsi.pt</font></i><i><font>,</font></i><font> </font><i><font>proc.</font></i><font> </font><i><font>n.º</font></i><font> </font><i><font>773/08.2TBLNH.L1-7.</font></i><font>” – artigo citado, a pág.. 79.</font>
</p><p><font>3. Foi junta a lei islandesa, onde os pais, por acordo, tinham fixado residência com as menores, onde é expressamente vedado qualquer um dos progenitores levar as crianças para fora do país sem autorização do outro. E no dia .. de Julho, três dias antes do rapto, o progenitor requerido esteve perante as autoridades islandesas que expressamente lhe referiram que não podia impedir a mãe de ver as crianças, que tinha de as partilhar.</font>
</p><p><font>4. A resposta foi o rapto. Ao invés de se submeter à lei do país que escolheu para sua residência habitual, o progenitor ora Recorrido optou por um mecanismo de autotutela, raptando as menores, contando que a justiça portuguesa o favorecesse, bastando para o efeito prosseguir o processo de instrumentalização das crianças, de manipulação, nas palavras do Ministério Publico (fortes, mas altamente esclarecedoras).</font>
</p><p><font>5. </font><font>Averiguar da ilicitude da deslocação ou retenção de uma criança, alegada como fundamento do pedido de regresso apresentado nos tribunais portugueses, reconduz-se normalmente a determinar se aquele que deslocou a criança para Portugal tinha o poder de, por si só, decidir sobre o respetivo local de residência, ou se a deslocação ou retenção foi ou não efetuada com o acordo ou com o consentimento do titular (ou cotitular) desse poder - (</font><i><font>acórdão</font></i><font> </font><i><font>d</font></i><font> </font><i><font>o</font></i><font> </font><i><font>Tribunal</font></i><font> </font><i><font>da</font></i><font> </font><i><font>Relação</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>Coimbra</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>22</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>Junho</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>2010,</font></i><font> </font><i><font>www.dgsi.pt</font></i><i><font>,</font></i><font> </font><i><font>proc.</font></i><font> </font><i><font>n.º</font></i><font> </font><i><font>786/09.7T2OBR-A.C1</font></i><font>).</font>
</p><p><font>7.ª Sendo a </font><b><font>retenção</font></b><font> </font><b><font>das</font></b><font> </font><b><font>crianças</font></b><font> </font><b><font>em</font></b><font> </font><b><font>Portugal</font></b><font> </font><b><font>ilícita</font></b><font> </font><b><font>por</font></b><font> </font><b><font>parte</font></b><font> </font><b><font>do</font></b><font> </font><b><font>progenitor</font></b><font>, tal constitui, sem mais, fundamento para que se determine o regresso imediato das crianças. </font><font>É que, </font><font>da conjugação disposta pelos </font><i><font>artigos</font></i><font> </font><i><font>12º</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>13º,</font></i><font> resulta então que, quando o procedimento, nos termos do </font><i><font>artigo</font></i><font> </font><i><font>7º</font></i><font>, seja instaurado até um ano, as circunstâncias que podem fundamentar uma decisão de retenção são dadas exclusivamente pelo </font><i><font>artigo</font></i><font> </font><i><font>13</font></i><font> </font><i><font>segundo</font></i><font> </font><i><font>parágrafo,</font></i><font> </font><i><font>alíneas</font></i><font> </font><i><font>A)</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>B)</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>pelo</font></i><font> </font><i><font>terceiro</font></i><font> </font><i><font>parágrafo</font></i><font>; quando, contrariamente, o procedimento seja instaurado depois de um ano da subtração, às circunstâncias previstas pelo artigo 13º parágrafo segundo e terceiro, acrescenta-se aquela referente ao artigo 12º parágrafo segundo (o juiz poderá fundamentar uma decisão de retenção, baseando-se igualmente sobre o facto que o menor se tenha integrado no novo ambiente).</font>
</p><p><font>1. Dito de outra forma, para que assim não seja, para que não seja ordenado o regresso das menores, é necessário que haja prova do consentimento posterior (al. </font><i><font>a)</font></i><font>) ou o </font><b><font>risco</font></b><font> (al. </font><i><font>b)</font></i><font>), cabendo o ónus da prova a quem se opõe ao regresso (</font><i><font>acórdão</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>Tribunal</font></i><font> </font><i><font>da</font></i><font> </font><i><font>Relação</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>Lisboa</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>26</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>Junho</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>2012,</font></i><font> </font><i><font>www.dgsi.pt</font></i><i><font>,</font></i><font> </font><i><font>proc.</font></i><font> </font><i><font>n.º</font></i><font> </font><i><font>1534/11.7TMLSB-A-L1-7</font></i><font>).</font>
</p><p><font>2. Nas decisões jurisprudenciais, ao abrigo da presente Convenção em análise, existe uma insistência de que o risco a que o preceito alude não deve consistir apenas na (inevitável) perturbação psicológica resultante para a criança do seu regresso. Existe uma premência, por parte da jurisprudência, de que </font><b><font>este</font></b><font> </font><b><font>risco</font></b><font> </font><b><font>deve</font></b><font> </font><b><font>resultar</font></b><font> </font><b><font>de</font></b><font> </font><b><font>um</font></b><font> </font><b><font>perigo</font></b><font> </font><b><font>imputável</font></b><font> </font><b><font>ao</font></b><font> </font><b><font>progenitor</font></b><font> </font><b><font>cujo</font></b><font> </font><b><font>direito</font></b><font> </font><b><font>foi</font></b><font> </font><b><font>violado</font></b><font> </font><b><font>e</font></b><font> </font><b><font>que</font></b><font> </font><b><font>procura</font></b><font> </font><b><font>a</font></b><font> </font><b><font>restituição</font></b><font> </font><b><font>da</font></b><font> </font><b><font>criança</font></b><font>. Para além de ser exigida a prova dos riscos inadmissíveis a que a criança estaria exposta ao regressar ao estado requerente, existem ainda decisões que exigem que se comprove que as autoridades requerentes não tutelariam o bem-estar da criança. Nada disso foi demonstrado.</font>
</p><p><font>3. </font><font>Na falta de qualquer prova, </font><b><font>é</font></b><font> </font><b><font>imperativo</font></b><font> </font><b><font>determinar</font></b><font> </font><b><font>o</font></b><font> </font><b><font>regresso</font></b><font> (</font><i><font>acórdão</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>Tribunal</font></i><font> </font><i><font>daRelação</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>Lisboa</font></i><font> </ | [0 0 0 ... 0 0 0] |
yzFju4YBgYBz1XKvyv9r | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font> </font><b><font> </font></b><font> </font><br>
<font> </font><div><br>
<font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: </font></div><br>
<br>
<font> </font><br>
<p><font> </font>
</p><p><b><font>I. Relatório</font></b>
</p><p>
</p><p><b><font>1.</font></b><font> </font><b><font>Alexandre & Vieira, Lda.</font></b><font> intentou ação, com processo comum, sob a forma ordinária, contra o </font><b><font>Município de Lisboa, </font></b><font>pedindo, no essencial,</font><b><font> </font></b><font>a anulação </font><u><font>ou</font></u><font>, caso assim não se entendesse, a resolução do contrato de doação celebrado com o Réu, em</font><b><font> </font></b><font>16/01/1981, e a consequente </font><u><font>restituição do prédio</font></u><font> (terreno para construção) que foi objeto do contrato </font><u><font>ou</font></u><font>, não sendo a restituição possível, o </font><u><font>pagamento de indemnização correspondente ao seu valor atual</font></u><font>, a liquidar em execução de sentença, bem como o cancelamento do registo de aquisição do prédio a favor do Réu e de todos os registos realizados posteriormente.</font><br>
</p><p><font>Fundamentou, em suma, a sua pretensão no facto de o Réu ter alienado o prédio doado, no qual se encontram a ser construídos dois edifícios para fins habitacionais, quando na escritura de doação ficou acordado que o mesmo seria afeto à instalação de via pública e equipamentos, sendo que se soubesse que o terreno iria ser transmitido a particulares nunca teria feito a doação, o que só sucedeu em virtude das exigências dos serviços camarários já que, de outro modo, poderia ter construído e comercializado, em seu benefício, os edifícios que estão em construção.</font><br>
</p><p><b><font>2</font></b><font>. Citado, o Réu veio contestar, alegando que a escritura de doação consubstanciou uma cedência que lhe foi feita em virtude de uma operação de loteamento e posterior licenciamento de obras de construção e não um negócio jurídico gratuito, sem qualquer contrapartida, que resultou de uma negociação empreendida entre as partes desde 1967 no âmbito da execução de um plano de urbanização e que a Autora esgotou todo o seu direito de edificabilidade com as construções que havia realizado, não podendo, por isso, fazer outras.</font><br>
</p><p><font>Concluiu, por isso, pela falta de fundamento para a pretendida anulação ou resolução do contrato, por não ter existido qualquer incumprimento da sua parte.</font><br>
</p><p><b><font>3. </font></b><font>A Autora requereu, entretanto, a ampliação do pedido – que foi admitida –, passando a constar da alínea C) do petitório “a condenação do réu a pagar à autora uma indemnização correspondente ao valor actual da parcela de terreno onde estão implantados os edifícios construídos nos lotes .../041 e .../042 (parte do loteamento municipal .../09), em montante não inferior a € 6.000.000,00”.</font><br>
</p><p><b><font>4. </font></b><font>O </font><b><font>Tribunal de 1.ª instância</font></b><font> julgou a ação procedente e, em consequência:</font><br>
</p><p><font>- Declarou resolvido o contrato de doação outorgado, em 16-01-1981, entre a autora e o réu Município;</font><br>
</p><p><font>- Condenou o réu a pagar uma indemnização à autora no valor de € 5.745.148,44;</font><br>
</p><p><font>- Ordenou o cancelamento do registo de aquisição do prédio descrito na 5.ª Conservatória do .../09 sob o n.º ...835, a favor da CM..., efetuado pela inscrição n.º ...948-Ap.14, de 06-02-1981, bem como de todos os registos realizados posteriormente, nomeadamente em prédios destacados ou desanexados do imóvel acima referido (cf. sentença de 20/12/2010).</font><br>
</p><p><b><font>5. </font></b><font>De tal decisão apelaram o Réu e a Autora, o primeiro a título principal e a segunda subordinadamente e apenas no que toca aos juros.</font><br>
</p><p><b><font>6. </font></b><font>Por </font><u><font>acórdão de 31-01-2012</font></u><font>, o </font><b><font>Tribunal da</font></b><font> </font><b><font>Relação</font></b><font>: </font><b><font>(i)</font></b><font> julgou parcialmente procedente o recurso de apelação interposto pelo Réu, revogou a sentença na parte em que declarou resolvido o contrato de doação e em que ordenou o cancelamento do registo de aquisição do prédio a favor do Réu e os registos posteriormente realizados e alterou, no mais, a sentença, condenando o Réu a pagar à Autora quantia a liquidar, resultante da diferença entre o valor (atual) do terreno doado se lhe tivesse sido dado o destino constante da escritura de doação e o valor (atual) que o mesmo passou a ter com o destino que, na realidade, lhe veio a ser dado; </font><b><font>(ii)</font></b><font> julgou improcedente o recurso de apelação interposto pela Autora, confirmando, nessa parte, a sentença.</font><br>
</p><p><b><font>7. </font></b><font>Continuando inconformado, o Réu interpôs recurso de revista.</font><br>
</p><p><b><font>8.</font></b><font> Por </font><u><font>acórdão de 12/03/2013</font></u><font>, o </font><b><font>STJ</font></b><font>: </font><b><font>(i)</font></b><font> concedendo parcial provimento à revista, revogou, em parte, o Acórdão da Relação e </font><b><font>condenou o Réu a pagar à Autora quantia a liquidar</font></b><font>, resultante da </font><u><font>diferença entre o valor atual do terreno doado se lhe tivesse sido dado</font></u><font>, integralmente, </font><u><font>o destino constante da escritura de doação</font></u><font> e o </font><u><font>valor atual que o mesmo passou a ter com o destino que lhe veio a ser dado</font></u><font>, </font><u><font>levando-se em conta</font></u><font>, nesse cálculo, o </font><u><font>valor do terreno onde foi implantada a infraestrutura correspondente à parte da Rua ...</font></u><font> que está implantada no prédio descrito sob o n.º ...835 (já com o esclarecimento feito por Acórdão do STJ de 4/06/2013 proferido na sequência do pedido de aclaração deduzido pela recorrida); </font><b><font>(ii)</font></b><font> julgou improcedente o pedido de condenação por litigância de má fé suscitado pela contraparte.</font><br>
</p><p><b><font>9. </font></b><font>A autora deduziu </font><b><font>incidente de liquidação (</font></b><font>cf. requerimento de 7/02/2014), pedindo que o </font><u><font>valor da indemnização</font></u><font> em que o Réu foi condenado seja </font><u><font>fixado em € 8.339.234,00</font></u><font>, bem como que o mesmo seja condenado no pagamento de </font><u><font>juros de mora</font></u><font>, à taxa legal, desde a data do trânsito em julgado dos acórdãos do STJ (21/06/2013) até integral pagamento e de </font><u><font>juros, à taxa de 5% ao ano</font></u><font>, desde o trânsito em julgado da decisão do presente incidente até integral pagamento, nos termos do artigo 829.º-A, n.º 4, do Código Civil.</font><br>
</p><p><b><font>10. </font></b><font>O Réu deduziu </font><b><font>oposição</font></b><font>, pugnando pela improcedência do incidente e alegando que a pretensão da Autora constitui abuso de direito.</font><br>
</p><p><b><font>11. </font></b><font>Por despacho de 2/05/2014, foi fixado o objeto do litígio, foram enunciados os temas da prova (retificados por despacho de 27/05/2014) e foi admitida a prova testemunhal e a prova pericial requerida pelas partes.</font><br>
</p><p><b><font>12. </font></b><font>Foi junto (cf. requerimento constante do processo eletrónico com data de 30/01/2015) aos autos o </font><b><font>relatório pericial</font></b><font>, datado de 23/01/2015, do qual consta que os </font><u><font>peritos do Tribunal e da Autora</font></u><font> utilizaram uma metodologia de base análoga – concluindo pela fixação do valor da indemnização em </font><u><font>€5 894 963,72</font></u><font>, correspondente à diferença entre €5 939 479,72 (valor do prédio com o destino que lhe foi dado) e €44 516,00 (valor do prédio com o destino previsto na escritura de doação, reportado a janeiro de 2015).</font><br>
</p><p><font>Já o </font><u><font>perito do Réu</font></u><font>, discordando da referida metodologia e do respetivo cálculo, concluiu que tal indemnização deve ser fixada em </font><b><u><font>€564 872,55</font></u></b><font>, correspondente à diferença entre €2 863 330,74 (valor do prédio com o destino que lhe foi dado) e €2 298 458,19 (valor do prédio com o destino previsto na escritura de doação) – embora este último valor na resposta aos temas da prova que constituíam o objeto da perícia apareça como sendo €2 259 490,19.</font><br>
</p><p><font>Na sequência do pedido apresentado pelo Réu, os peritos do Tribunal e da Autora prestaram esclarecimentos por relatório datado de 19/03/2015, tendo o Réu, nessa sequência, requerido a realização de segunda perícia (cf. requerimento de 6/04/2015), pretensão à qual a Autora se opôs – com fundamento na sua intempestividade, inadmissibilidade, irrelevância e improcedência (cf. resposta de 16/04/2015) – mas que foi deferida por despacho de 20/04/2015.</font><br>
</p><p><b><font>13. </font></b><font>Foi junto aos autos </font><b><font>relatório pericial</font></b><font>, datado de 14/12/2015, concernente à </font><b><font>segunda perícia (</font></b><font>cf. requerimento de 15/12/2015).</font><br>
</p><p><font>Nesta segunda perícia também não foi possível obter unanimidade, tendo os </font><u><font>peritos do Tribunal e da Autora</font></u><font> concluído pela fixação do valor da indemnização em </font><b><u><font>€5 628 113,00</font></u></b><font>, correspondente à diferença entre €5 672 629,00 (valor do prédio com o destino que lhe foi dado, reportado a dezembro de 2015) e €44 516,00 (valor do prédio com o destino previsto na escritura de doação, reportado a dezembro de 2015).</font><br>
</p><p><font>Já o </font><u><font>perito do Réu</font></u><font>, discordando da referida metodologia e do respetivo cálculo, concluiu que tal indemnização deve ser fixada em </font><b><u><font>€3 593 108,00</font></u></b><font>, correspondente à diferença entre €4 309 203,00 (valor do prédio com o destino que lhe foi dado e valor do solo para equipamentos e via pública, atualizados) e €716 095,00 (valor do prédio com o destino previsto na escritura de doação, atualizado a 2015).</font><br>
</p><p><font>À semelhança do que havia acontecido aquando da primeira perícia, os peritos prestaram, por solicitação do Réu, esclarecimentos, através de relatório datado de 18/02/2016 que foi junto aos autos, tendo os </font><u><font>peritos do Tribunal e da Autora</font></u><font> esclarecido, no que ora releva, que o valor do terreno resultante do aproveitamento máximo útil permitido pelo alvará de loteamento LM/.../09 e a consequente área útil de construção total de 5 871,97 m2 é de </font><b><u><font>€7 101 205,00</font></u></b><b><font> </font></b><font>(já depois de deduzido o valor do solo doado para jardins e via pública - €43 690,00), ao passo que o </font><u><font>perito do Réu</font></u><font> concluiu pela fixação de tal valor em </font><u><font>€</font></u><b><u><font>4 664 275,00</font></u></b><font> (já com a dedução do valor atual do terreno doado - €716 095,00).</font><br>
</p><p><b><font>14.</font></b><font> Após realização da audiência de julgamento, o </font><b><font>Tribunal de 1.ª instância</font></b><font> proferiu, em </font><u><font>2/11/2016</font></u><font>, </font><b><font>sentença</font></b><font> na qual, julgando parcialmente procedente o incidente de liquidação, condenou o Réu a pagar à Autora a quantia de </font><u><font>€2 920 000,00.</font></u><br>
</p><p><b><font>15. </font></b><font>A Autora, inconformada, interpôs </font><b><font>recurso de apelação</font></b><font>, sendo que, por </font><u><font>Acórdão de 21/11/2017</font></u><font>, o </font><b><font>Tribunal da</font></b><font> </font><b><font>Relação de Lisboa</font></b><font> julgou improcedente o recurso, com a consequente confirmação da sentença.</font><br>
</p><p><b><font>16. </font></b><font>Continuando inconformada, a Autora interpôs </font><b><font>recurso de revista</font></b><font>, pedindo, a final, a fixação da quantia indemnizatória em €7 101 205,00 reportada a 2015, acrescida de juros de mora desde essa data até integral pagamento, bem como da sanção pecuniária compulsória – juros à taxa de 5% ao ano – desde a data do trânsito em julgado da decisão que vier a ser proferida.</font><br>
</p><p><b><font>17.</font></b><font> Por </font><u><font>Acórdão de 18-10-2018</font></u><font>, o </font><b><font>STJ </font></b><font>anulou o Acórdão recorrido, determinando a baixa dos autos à Relação, a fim de se proceder a uma nova e mais conforme apreciação da prova pericial.</font><br>
</p><p><b><font>18. </font></b><font>Nessa sequência, o </font><b><font>Tribunal da</font></b><font> </font><b><font>Relação</font></b><font> proferiu, em </font><u><font>22/01/2019</font></u><font>, novo </font><u><font>Acórdão</font></u><font> no qual, na parcial procedência da apelação, alterou a decisão da 1.ª instância, condenando o Réu a pagar à autora a quantia de </font><b><font>€5 895 789,00</font></b><font>, acrescida de juros desde a data da liquidação realizada em 1.ª instância até efetivo e integral pagamento.</font><br>
</p><p><b><font>19. </font></b><font>Não se conformando com o decidido, a A</font><u><font>utora</font></u><font> e o </font><u><font>Réu</font></u><font> interpuseram </font><b><font>recurso de revista</font></b><font>, tendo apresentado as respetivas contra-alegações em relação ao recurso da contraparte.</font><br>
</p><p><b><font>20. </font></b><font>O </font><b><font>Tribunal da</font></b><font> </font><b><font>Relação</font></b><font> pronunciou-se, por </font><u><font>Acórdão de 26/03/2019</font></u><font>, no sentido de não se verificar a nulidade arguida pelo Réu.</font><br>
</p><p><b><font>21. </font></b><font>Os autos foram remetidos ao </font><b><font>STJ </font></b><font>que, por </font><u><font>decisão sumária de 16/12/2019</font></u><font>, anulou o Acórdão recorrido, determinando nova baixa dos autos a fim de ser proferida nova decisão em consonância com o anterior Acórdão de 18/10/2018 e respeito com os postulados que aí foram mencionados.</font><br>
</p><p><b><font>22. </font></b><font>Por </font><u><font>Acórdão de 19/05/2020</font></u><font>, o </font><b><font>Tribunal da</font></b><font> </font><b><font>Relação</font></b><font> julgou parcialmente procedente a apelação e, em consequência, alterou a decisão, condenando o Réu a pagar à Autora a quantia de </font><b><font>€6 200 000,00</font></b><font>, acrescida de juros desda e data da liquidação em 1.ª instância até efetivo e integral pagamento.</font><br>
</p><p><b><font>23. </font></b><font>É desta decisão que as partes, permanecendo inconformadas, recorrem agora novamente de revista, pugnando, respetivamente, em sede de contra-alegações pela improcedência do recurso da contraparte.</font><br>
</p><p><b><font>24. </font></b><font>Os recursos de revista interpostos foram admitidos por despacho do Juiz Relator no Tribunal da Relação e, por </font><u><font>Acórdão de 13/10/2020</font></u><font>, o </font><b><font>Tribunal da</font></b><font> </font><b><font>Relação </font></b><font>pronunciou-se acerca da </font><b><font>nulidade</font></b><font> arguida pelo Réu no sentido da sua inverificação. Porém, a fim de não restarem dúvidas, clarificou o segmento decisório no sentido de, na condenação no pagamento da quantia de €6 200 000,00, acrescida de juros, à taxa legal, desde a data da liquidação em 1.ª instância até ao efetivo e integral pagamento, </font><u><font>se dever levar em consideração</font></u><font> – para efeitos de imputação no montante total devido – os </font><u><font>pagamentos parciais efetuados na pendência dos autos e a sua correspetiva contabilização para efeitos do cálculo dos juros de mora</font></u><font> que serão devidos.</font><br>
</p><p><b><font>25. </font></b><font>A Autora e o Réu apresentaram alegações, formulando as seguintes (transcritas) conclusões:</font><br>
</p><p><font>- Autora –</font><br>
</p><p><font>A - </font><u><font>DO ÂMBITO E ALCANCE DOS ACS. STJ DE 2013.03.12 E DE 2013.06.04</font></u><br>
</p><p><font>1ª. Os doutos acórdãos deste Venerando </font><u><font>STJ,</font></u><font> de </font><u><font>2013.03.12</font></u><font> e de </font><u><font>2013.06.04</font></u><font>, ambos já </font><u><font>transitados em julgado</font></u><font>, condenaram o </font><u><font>ML</font></u><font>, pelo </font><u><font>incumprimento (parcial) do</font></u><font> </font><u><font>contrato de doação</font></u><font>, a pagar à ora recorrente “o valor pecuniário equivalente à quantia, a liquidar, que resultar da </font><u><font>diferença</font></u><font> entre o </font><u><font>valor actual do terreno doado</font></u><font> se lhe tivesse sido, integralmente, dado o destino constante da escritura de doação, e o </font><u><font>valor actual</font></u><font> </font><u><font>que esse mesmo terreno passou a ter</font></u><font> com o destino que lhe veio a ser dado”, tendo-se em conta o </font><u><font>“valor do terreno onde foi implantada a infra-estrutura</font></u><font> correspondente à parte da Rua ...” (v. fls. 1450 e 1504 dos autos) – cfr. </font><u><font>texto</font></u><font> n.º s 1 e 2;</font><br>
</p><p><font>2ª. Os referidos arestos </font><u><font>excluíram expressamente</font></u><font> </font><u><font>qualquer outra dedução ou redução</font></u><font> </font><u><font>ao valor indemnizatório a liquidar</font></u><font>:</font><br>
</p><p><font>a) </font><u><font>DETERMINANDO</font></u><font> a fixação do “</font><u><font>valor actual do terreno doado</font></u><font>” e esclarecendo de </font><u><font>forma expressa </font></u><font>que </font><u><font>a fixação indemnização se opera</font></u><font> </font><u><font>exclusivamente pela “subtracção entre dois valores </font></u><i><u><font>actuaís </font></u></i><u><font>que serão encontrados</font></u><font> </font><u><font>para o </font></u><i><u><font>terreno </font></u></i><u><font>doado</font></u><font>: o valor que este teria se lhe tivesse sido dado o </font><u><font>destino que</font></u><font> </font><u><font>presidiu à doação</font></u><font> e o valor que esse mesmo terreno passou a ter com o </font><u><font>destino que,</font></u><font> </font><u><font>efectivamente, lhe foi dado</font></u><font>” (v. Ac. STJ de 2013.06.04, a fls. 1504 dos autos);</font><br>
</p><p><font>b) </font><u><font>DECIDINDO</font></u><font> que não pode ser “reflectido no montante indemnizatório a atribuir à A., os </font><u><font>proventos por esta conseguidos com a construção licenciada e com a venda dos</font></u><font> </font><u><font>andares daí resultantes</font></u><font>” (v. Ac. STJ de 2013.03.12, a fls. 1441 e segs. dos autos);</font><br>
</p><p><font>e</font><br>
</p><p><font>c) </font><u><font>PROIBINDO EXPRESSAMENTE</font></u><font> a consideração dos “</font><u><font>proventos económicos que a A.</font></u><font> </font><u><font>retirou com o licenciamento da construção noutros prédios seus, não fazendo qualquer</font></u><font> </font><u><font>sentido apelar ao princípio compensatio lucri cum damno</font></u><font>” (v. Ac. STJ de 2013.03.12, a fls. 1441 e segs. dos autos) – cfr. </font><u><font>texto</font></u><font> n.º s 3 e 4;</font><br>
</p><p><font>B </font><u><font>– DA INDEMNIZAÇÃO DEVIDA À RECORRENTE</font></u><br>
</p><p><font>3.ª O douto acórdão recorrido violou frontalmente a força vinculativa, eficácia, </font><u><font>autoridade</font></u><font> e </font><u><font>intangibilidade do caso julgado</font></u><font> dos doutos acórdãos deste</font><u><font> </font></u><font>Venerando </font><u><font>STJ</font></u><font>, de </font><u><font>2013.03.12 e de 2013.06.04</font></u><font> (v. arts 2º, 9º, 18º, 204º e 205º/2 da</font><u><font> CRP</font></u><font> e arts. 358º e segs. e 619º e segs. do </font><u><font>NCPC</font></u><font>), bem como o disposto nos arts. 4º</font><u><font> </font></u><font>e 117º/4 do </font><u><font>RJUE</font></u><font>, aprovado pelo DL 555/99, de 16/12, no art. 68º/4 do DL 445/91, de</font><u><font> </font></u><font>20/11 e no art. 32º/5 do DL 448/91, de 29/11, como resulta das seguintes razões</font><u><font> </font></u><font>principais:</font><br>
</p><p><font>a) Os doutos acórdãos liquidandos </font><u><font>afastaram e excluíram expressamente qualquer redução ao montante indemnizatório realizada pelo acórdão recorrido</font></u><font>, determinando que a indemnização deve ser fixada através da “subtracção entre os dois (referidos) valores actuais” (v. fls. 1450 e 1504 dos</font><u><font> </font></u><font>autos), “até porque </font><u><font>se ocorresse a devolução em espécie, a coisa seria adquirida com essa importância</font></u><font>” (cfr. art. 205º da </font><u><font>CRP;</font></u><font> cfr. arts. 358º e segs e 619º e</font><u><font> </font></u><font>segs. do </font><u><font>NCPC</font></u><font>) – cfr. </font><u><font>texto</font></u><font> n.º s 5 e 6;</font><br>
</p><p><font>b) Os doutos acórdãos liquidandos decidiram que </font><u><font>não pode</font></u><font> ser “reflectido no montante indemnizatório a atribuir à A., os </font><u><font>proventos por esta conseguidos com a construção licenciada e com a venda dos andares daí resultantes</font></u><font>”, pelo que nunca poderia agora ser </font><u><font>reduzido</font></u><font> o valor de </font><u><font>“€ 7.101.205,00</font></u><font> (que) recolh(eu) o respaldo da </font><u><font>maioria dos laudos apresentados</font></u><font> (concretamente dos peritos da A. Alexandre & Vieira, Lda. e do Tribunal)” (v. fls. 46 do acórdão recorrido):</font><br>
</p><p><font>I. Com base em alegados </font><u><font>proventos ou rendimentos</font></u><font> (v. fls. 46 e segs. Do</font><u><font> </font></u><font>acórdão recorrido), cuja consideração foi </font><u><font>expressamente recusada e afastada</font></u><font> pelas decisões liquidandas (v. art. 619º do NCPC) – cfr.</font><u><font> texto</font></u><font> n.ºs 7 e 7.1.;</font><br>
</p><p><font>II. Penalizando-se a </font><u><font>única parte que cumpriu as obrigações contratualmente assumidas</font></u><font> e desconsiderando-se por completo que foi o </font><u><font>infractor</font></u><font> - </font><u><font>Município de Lisboa</font></u><font> - quem “</font><u><font>beneficiou dos proventos com a venda do terreno em causa a terceiros para comércio imobiliário</font></u><font>, quando (…) </font><u><font>nunca poderia auferir tais montantes pecuniários</font></u><font>” (v. fls. 47 do acórdão) – cfr. </font><u><font>texto</font></u><font> n.º 7.2 e 7.3;</font><br>
</p><p><font>c) O </font><u><font>licenciamento concedido pelo Réu Município de Lisboa, para a construção de três prédios pela A.</font></u><font> consubstancia o </font><u><font>exercício de um poder público vinculado</font></u><font> (v. art. 266º da </font><u><font>CRP</font></u><font>, arts. 3º e segs. do </font><u><font>NCPA</font></u><font>), não constituindo </font><u><font>contrapartida municipal e fundamento da redução do valor já concretamente liquidado</font></u><font> (v. fls. 46 do acórdão), tendo o acórdão recorrido violado, neste </font><u><font>segmento decisório</font></u><font>, o </font><u><font>caso julgado</font></u><font> dos </font><u><font>doutos arestos liquidandos</font></u><font>, bem como o disposto no art. 205º da </font><u><font>CRP</font></u><font> e nos arts. 358º e segs e 619º e segs. do </font><u><font>NCPC</font></u><font> – cfr. </font><u><font>texto</font></u><font> n.º 8;</font><br>
</p><p><font>d) A qualificação do referido licenciamento como </font><u><font>contrapartida municipal da cedência dos terrenos em causa</font></u><font> viola ainda frontalmente o </font><u><font>princípio da legalidade</font></u><font> (v. arts. 2º e 266º da </font><u><font>CRP</font></u><font>), bem como o disposto nos arts.</font><u><font> </font></u><font>4º e 117º/4 do </font><u><font>RJUE,</font></u><font> aprovado pelo DL 555/99, de 16 de Dezembro, no art. 68º/4 do DL 445/91, de 20 de Novembro, e no art. 32º/5 do DL 448/91, de 29 de Novembro, pois “a exigência, pela câmara municipal ou por qualquer dos seus membros, de mais-valias não previstas na lei ou de </font><u><font>quaisquer contrapartidas</font></u><font> (…) confere ao titular da licença (…) o </font><u><font>direito a reaver as quantias indevidamente pagas ou, nos casos em que as contrapartidas, compensações ou donativos sejam realizados em espécie, o direito à respetiva devolução e à indemnização a que houver lugar</font></u><font>” (v. art. 117º/4 do </font><u><font>RJUE</font></u><font>; cfr. arts. 17º, 30º, 33º, 42º e 43º do DL 400/84, de 31 de Dezembro; Portaria 230/85, de 24 de Abril; arts. 7º. 12º e 19º/2 do DL 289/73, de 6 de Junho; Portaria 678/73, de 9 de Outubro; e arts. 15º e segs. do DL 166/70, de 15 de Abril) – cfr. </font><u><font>texto</font></u><font> n.º 8;</font><br>
</p><p><font>e) O valor indemnizatório devido à ora recorrente, liquidado em conformidade com o decidido com </font><u><font>trânsito em julgado</font></u><font> nos doutos acórdãos deste Venerando </font><u><font>STJ,</font></u><font> de </font><u><font>2013.03.12</font></u><font> e de </font><u><font>2013.06.04</font></u><font>, deve ser assim fixado no montante de </font><u><font>“€ 7.101.205,00</font></u><font> (que) recolh(eu) o respaldo da</font><u><font> maioria dos laudos apresentados</font></u><font> (concretamente dos peritos da A. Alexandre &</font><u><font> </font></u><font>Vieira, Lda. e do Tribunal)” (v. fls. 46 do acórdão recorrido), sendo</font><u><font> </font></u><font>manifesta a </font><u><font>ilegalidade e inadmissibilidade</font></u><font> das limitações e reduções que lhe foram introduzidas pelo </font><u><font>acórdão recorrido</font></u><font> (cfr. art. 205º da CRP; cfr. arts. 358º e segs e 619º e segs. do </font><u><font>NCPC</font></u><font>) – cfr. </font><u><font>texto</font></u><font> n.º s 5 a 9;</font><br>
</p><p><font>C – </font><u><font>DOS JUROS DE MORA</font></u><br>
</p><p><font>4ª. Conforme se decidiu nos doutos </font><u><font>acórdãos liquidandos</font></u><font> deste Venerando STJ, de</font><u><font> 2013.03.12</font></u><font> e de </font><u><font>2013.06.04</font></u><font> (v. fls. 1417 e segs., 1457 e 1504 dos autos; cfr. arts. 358º a 361º e 556º do </font><u><font>NCPC</font></u><font>), a condenação do ML teve, como </font><u><font>“ratio decidendi</font></u><font>” e fundamento único, o </font><u><font>incumprimento parcial do contrato de doação</font></u><font>, de </font><u><font>1981.01.16</font></u><font>, em consequência de </font><u><font>condutas ilícitas do Município de Lisboa</font></u><font>, pelo que, estando em causa </font><u><font>“responsabilidade por facto ilícito</font></u><font> ou pelo risco, o devedor </font><u><font>constitui-se em mora desde a citação</font></u><font>” (v. art. 805º/3, segunda parte, do </font><u><font>Código Civil</font></u><font>; cfr. Ac. STJ de 2008.03.04, </font><u><font>Proc.</font></u><font> 08A183, in </font><a><u><font>www.dgsi.pt</font></u><font>) </font></a><font>– cfr. </font><u><font>texto</font></u><font> n.ºs 10 a 12;</font><br>
</p><p><font>5ª. O douto </font><u><font>acórdão recorrido</font></u><font> reeditando o decidido no aresto do Tribunal </font><u><font>a quo</font></u><font>, de</font><u><font> 2017.11.21</font></u><font> e de </font><u><font>2019.01.22</font></u><font>, que foram </font><u><font>integralmente anulados</font></u><font> pelos doutos acórdãos deste Venerando STJ, de </font><u><font>2018.10.18</font></u><font> e de </font><u><font>2019.12.16</font></u><font>, fixou o montante da indemnização, com base nos valores constantes nos </font><u><font>relatórios periciais</font></u><font> apresentados no presente processo, que </font><u><font>foram actualizados</font></u><font> apenas ao </font><u><font>ano de 2015</font></u><font> (v. fls. 1704, 1705, 1709 e 1712 dos autos) – cfr. </font><u><font>texto</font></u><font> n.º s 13 e 14;</font><br>
</p><p><font>6ª. No caso em análise tem de ser reconhecido o </font><u><font>crédito de juros</font></u><font> de que a ora</font><font> recorrente é titular desde 2015 até à data em que vier a ser paga a indemnização, e não apenas desde a </font><u><font>data da sentença</font></u><font> proferida no presente incidente (</font><u><font>2016.11.02</font></u><font>), como se decidiu no </font><u><font>acórdão recorrido</font></u><font>, sob pena de nunca ser </font><u><font>integralmente reparada</font></u><font> a lesão que foi causada à ora recorrente pelo </font><u><font>Município de Lisboa</font></u><font> (v. arts. 562º e segs. e 805º do </font><u><font>C. Civil</font></u><font>; cfr. art. 665º do </font><u><font>NCPC</font></u><font>) – cfr. </font><u><font>texto</font></u><font> n.ºs 13 e 14;</font>
</p><p><font>7ª. O Município de Lisboa deve ser assim condenado no pagamento de </font><u><font>juros de mora desde 2015</font></u><font> – momento que nos </font><u><font>relatórios e esclarecimentos periciais</font></u><font> em análise foi considerado relevante para a determinação do </font><u><font>valor actualizado dos terrenos em causa</font></u><font> –, </font><u><font>até integral pagamento do montante indemnizatório</font></u><font> (v. arts. 562º e</font><u><font> </font></u><font>segs. e 805º do </font><u><font>C. Civil</font></u><font>), acrescendo ainda </font><u><font>sanção pecuniária compulsória</font></u><font> – juros </font><u><font>à taxa de 5% ao ano</font></u><font> –, desde a data do </font><u><font>trânsito em julgado</font></u><font> da decisão que vier a ser proferida (v. art. 829º-A do </font><u><font>C. Civil</font></u><font>) – cfr. </font><u><font>texto</font></u><font> n.º s 10 a 15.</font>
</p><p><font>E conclui “deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se o douto acórdão recorrido, com as legais consequências.”</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>- Réu -</font><br>
</p><p><font>1.ª O Acórdão em crise comprometeu-se a respeitar duas condições;</font><br>
</p><p><font>2.ª A primeira, aproximar-se ao valor mais elevado e, simultaneamente, não se distanciar excessivamente do outro valor;</font><br>
</p><p><font>3.ª Todavia, fez exactamente o contrário;</font><br>
</p><p><font>4.ª Aproximou-se demasiado do laudo mais alto e, afastou-se significativamente do outro valor;</font><br>
</p><p><font>5.ª Optando, deste modo, por se colar ao valor mais alto;</font><br>
</p><p><font>6.ª O que significa um afastamento do valor mais baixo de quase o dobro;</font><br>
</p><p><font>7.ª Desrespeitando, claramente, os valores que devem presidir a um julgamento de equidade;</font><br>
</p><p><font>8.ª E, não cumprindo na íntegra os comandos emanados do Acórdão do STJ, que ele próprio se propôs respeitar;</font><br>
</p><p><font>9.ª Maior evidência de equidade seria apurar a diferença de valor entre os dois laudos e fixar, como valor indemnizatório essa mesma diferença;</font><br>
</p><p><font>10.ª Ou, porque não, fixar como valor de metade dessa diferença, achando assim o meio termo entre aqueles dois valores díspares das perícias, e assim cumprindo a equidade;</font><br>
</p><p><font>11.ª Só assim seriam respeitados, na íntegra os valores da equidade;</font><br>
</p><p><font>12.ª Considerando o que acima fica dito, o Acórdão em crise denota uma completa falta de fundamentação e, por isso, padece de nulidade – alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC;</font><br>
</p><p><font>13.ª Acresce que não podia olvidar, uma vez que consta dos autos, que o ora Recorrente já pagou à Recorrida a quantia de 2.920.000,00;</font><br>
</p><p><font>14.º E, assim sendo, ao valor que vier a ser fixado haverá, certamente, que deduzir aquele;</font><br>
</p><p><font>15.ª Questão que terá óbvia implicação na incidência dos juros;</font><br>
</p><p><font>16.ª Essa incidência deverá apenas aplicar-se ao valor final que resultar do abatimento dos 2.900.000,00;</font><br>
</p><p><font>17.ª ao decidir como decidiu o Douto Acórdão incorreu em diversos erros de julgamento e violou a alínea d) do n.º1 do artigo 615.º do CPC.</font><br>
</p><p><font>E conclui que “deve ser concedido provimento ao presente Recurso e, em consequência, ser anulado o Acórdão em crise.”</font><br>
</p><p><b><font>26.</font></b><font> Cumpre apreciar e decidir.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>II. Delimitação do objeto do recurso</font></b><br>
</p><p><font>Co | [0 0 0 ... 0 0 0] |
SDFau4YBgYBz1XKvEvlZ | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font>
<p><font> </font>
</p><p><b><font>I.</font></b><font> </font><b><font>Relatório</font></b>
</p><p>
</p><p><b><font>1</font></b><font>. </font><b><font>AA </font></b><font>intentou ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra </font><b><font>BB</font></b><font>, </font><b><font>CC</font></b><font> e </font><b><font>DD</font></b><font>, pedindo:</font>
</p><p><font>a) A condenação da 1ª Ré a pagar-lhe, a título de indemnização, a quantia de €63 631,88, correspondente ao valor atualizado da indemnização recebida na sequência do sinistro de que foi vítima e que utilizou para suportar os custos iniciais da construção da moradia que foi edificada no prédio doado pelos pais da ora 1.ª Ré à mesma, acrescida de juros de mora desde a citação até efetivo e integral pagamento.</font>
</p><p><font>b) A condenação da 1ª Ré a pagar-lhe, a título de indemnização, a quantia de €39 862,20, valor esse correspondente ao da meação do ora autor na indemnização devida pela ora 1ª Ré ao património comum do casal pela construção da benfeitoria descrita em 20) da petição inicial, acrescida de juros de mora desde a citação até efetivo e integral pagamento.</font>
</p><p><font>c) O decretamento da ineficácia em relação ao Autor do ato de compra e venda do imóvel, celebrado entre a 1.ª Ré e o 3.º Réu, em representação do 2.º Réu.</font>
</p><p><font>d) A determinação ao 2.º Réu da restituição do prédio descrito em 20) da petição inicial, de modo a que o Autor se possa pagar à custa desse prédio.</font>
</p><p><font>Para tanto, alegou, em síntese:</font>
</p><p><font>- O Autor e a Ré foram casados, segundo o regime da comunhão de adquiridos,</font>
</p><p><font>entre 16/09/1995 e 20/02/2014, data em que foi decretado o divórcio, vivendo, porém, na mesma casa até agosto de 2016, data em que seguiram vidas totalmente separadas;</font>
</p><p><font>- Após a doação de 5/04/1994, referida em 10) da petição inicial, outorgada pelos pais da 1.ª Ré a seu favor do prédio rústico ali descrito, o casal decidiu construir a sua casa de morada de família (após a qual a o prédio passou a descrever-se como prédio misto, inscrito na matriz predial urbana sob o art....62º e rústica sob o art.1026º), obras para as quais usou: o valor da indemnização por si auferida em 1997, no valor de 8 500 000$00 (bem que considera próprio seu); o valor obtido com recurso a empréstimos bancários contraídos junto da Banco 1... a 15/01/2001 e a 15/10/2001, no valor global de cerca de 12.000.000$00, para garantia dos quais foram constituídas e registadas duas hipotecas sobre o imóvel, ficando a moradia concluída em 2002.</font>
</p><p><font>- A 1/03/2017 este imóvel foi objeto de penhora no processo nº43/08...., em que foi exequente o Banco 2... e credor reclamante o Banco 1..., data na qual o casal ainda não havia procedido à partilha do acervo comum.</font>
</p><p><font>- O Autor e a 1ª Ré, como não tinham condições para liquidar os valores reclamados pelos credores: em setembro de 2015 decidiram vender o imóvel por €165 000,00, recorrendo aos serviços da “C..., Lda.”; em 16/03/2017 decidiram alterar aquele valor para o valor de €149 000,00, sendo que, após a obtenção de interessado na compra a 17/08/2017 e feita a correspondente ficha de reserva para o preço acordado de €137 500,00, foi redigido o contrato-promessa de compra e venda a 6/09/2017, que a 1.ª Ré acabou por não assinar.</font>
</p><p><font>- A 1.ª Ré, sem o seu conhecimento, encetou diligências para vender o imóvel, tendo mesmo procedido ao distrate da hipoteca e ao cancelamento da penhora que sobre o mesmo recaiam e outorgou a 31/10/2017 com o 3.º Réu, em representação do 2.º Réu, escritura pública de compra e venda daquele prédio pelo valor de €135 000,00, inviabilizando a realização das operações do art.1689º do C. Civil em sede de inventário.</font>
</p><p><font>- Sendo o imóvel um bem próprio da 1.ª Ré, tendo a construção erigida sobre o prédio rústico que lhe havia sido doado pelos pais sido feita com dinheiro próprio seu e com recurso a financiamento bancário, constituindo tal construção uma benfeitoria útil, deve ser indemnizado pelas regras do enriquecimento sem causa pelo valor de €103 494,00, correspondente à soma: do valor de €63 631,88 do seu investimento na construção de 20 500 000$00/€102 253,46 com o bem próprio da sua indemnização (valor de €42 397, 82, atualizado com os índices do preço de consumidor para o valor de €63 631,88); do valor de €39 862, 00, correspondente ao valor de ½ do valor do financiamento de 12 000 000$00/€59 855,74, atualizado com os índices de preço do consumidor para o valor de €79 724,40 (€79 724,40: 2 = €39 862,00).</font>
</p><p><font>- Os 2º e 3º Réus são responsáveis, uma vez que: pela mera consulta da certidão de ónus do prédio, a que o 2º e o 3º Réus tiveram acesso, era possível perceber que a moradia havia sido construída na pendência do casamento do Autor com a 1.ª Ré, mostrando-se averbado desde 30/11/2000 que a 1.ª Ré era casada com o Autor, ainda assim não se abstiveram aqueles de fazer o negócio e de entregar à 1.ª Ré a totalidade do preço; o 3º Réu, que se dedica à atividade do imobiliário, conhecia o litígio que opunha o ex-casal.</font>
</p><p><font>- Agiram os Réus em comunhão de esforços com o propósito concretizado de obstar a que o autor recebesse as quantias que lhe eram devidas pela venda da casa de morada de família do casal, uma vez que a 1.ª Ré é operária têxtil, tem acumulado dívidas ante terceiros e familiares, tendo ainda sido alvo de um processo executivo iniciado pelo Finicrédito, e não tem quaisquer outros bens que possam garantir o pagamento do aludido crédito do Autor.</font>
</p><p><font>- Como o imóvel alienado era o único património da 1.ª Ré capaz de assegurar o crédito do Autor, emergente da cessação da relação conjugal, ficou o mesmo com a venda outorgada a 31/10/2017 impossibilitado de obter a satisfação daquele, tem direito, com a impugnação pauliana, à restituição do bem ao património da 1ª Ré, nos termos do art.616º, n.º1 do Código Civil.</font>
</p><p><b><font>2.</font></b><font> Citados, os Réus vieram contestar.</font>
</p><p><font> - A 1.ª Ré defendeu-se por exceção e por impugnação:</font>
</p><p><font> a) Arguiu a exceção de ineptidão da petição inicial por cumulação de pedidos substancialmente incompatíveis e por contradição do pedido com a causa de pedir.</font>
</p><p><font>b) Defendeu que, caso assim não se entendesse, deveria ser feita a compensação de créditos, com os créditos que a 1ª Ré tem sobre o Autor: do valor global de €10050,00, a título de alimentos do filho EE, a que o Autor foi condenado e não pagou; do valor de €1 750,00, a título de danos não patrimoniais à própria 1.ª Ré, a que foi condenado e não pagou.</font>
</p><p><font>c) Impugnou a matéria alegada, defendendo, nomeadamente, que o valor da indemnização que o Autor recebeu, por força do acidente que sofreu, foi usado para liquidar os honorários do seu Advogado, para fazer a aquisição de um veículo automóvel, e, posteriormente, com o valor remanescente, para abertura de uma loja de artesanato, em ..., adquirindo o Autor o mobiliário, o recheio e, além disso, para pagar o salário de uma funcionária.</font>
</p><p><font>d) Alegou:</font>
</p><p><i><font>d1)</font></i><font> A contração de dívidas na pendência do casamento, como justificação de dividas do casal e de pagamentos referidos em </font><i><font>d2)</font></i><font>: que após a doação referida e enquanto aguardavam a aprovação do crédito bancário, o casal solicitou à irmã da 1.ª Ré, FF, um empréstimo de €3 850,00, para dar início à construção do prédio urbano, pelo que foi com este valor e com dinheiro do casal que se iniciou a edificação; que o casal adquiriu ainda diversos bens móveis para rechear a habitação por €7 000,00, que ficaram a pagar a prestações até ao divórcio; que, além dos empréstimos referidos, o casal contraiu um crédito pessoal na Banco 1... de 2 000$00 e um outro ao Banco 2...; que, face às dificuldades atravessadas o imóvel foi penhorado a 1/03/2017, no processo n.º 43/06...., onde era exequente o Banco 3... (€5 088,66) e credor reclamante a Banco 1..., assim como está pendente a execução n.º 763/11...., onde é exequente o Finicrédito pelo valor de €5 588,92; que, para liquidar uma dívida feita pelo Autor junto da A..., para adquirir materiais de construção civil, a filha do casal, GG, contraiu um empréstimo bancário de €5 000,00, uma vez que aqueles já não possuíam crédito junto da banca; que, além disso, o casal a HH, irmão da 1.ª Ré, o valor de €1 600,00, para saldar prestações em atraso à Banco 1...;</font>
</p><p><i><font>d2)</font></i><font> Que, antes da celebração da escritura de 31/10/2017, teve de pagar: as despesas identificadas em 78) da contestação, no total de €1 169,89; os pagamentos descritos em 79) no momento da sua outorga, no valor total de €55 458,50 e no valor total de €14 663,00.</font>
</p><p><i><font>d3)</font></i><font> Que terá que pagar imposto por mais-valias.</font>
</p><p><font>A 1.ª Ré deduziu reconvenção, na qual:</font>
</p><p><font>a) Reiterou neste âmbito os factos alegados, concluindo que, valendo o prédio rústico onde foi erigida a construção, pelo menos €50 000,00 e tendo em conta os créditos referidos, nada deve ao Autor.</font>
</p><p><font>b) Pediu a condenação do Autor a pagar-lhe os seguintes valores, de que se julga credora: o valor de €32 739,85 (que achou pela dedução à meação do valor da venda do imóvel do valor de € 50 000, 00, dos créditos supra referidos e de ½ dos pagamentos feitos); a metade das mais valias pela venda do prédio urbano, a liquidar posteriormente.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>- Os 2.º e 3.º Réus apresentaram igualmente a sua contestação, na qual:</font>
</p><p><font>a) Arguiram a ilegitimidade para a causa do 3.º Réu, por este ter agido como simples procurador do 2º Réu.</font>
</p><p><font>b) Impugnaram factos alegados e formularam um pedido de condenação (sem discriminar como reconvenção), alegando e defendendo: que o 2.º Réu é pessoa de bem e estava convencido que estava a celebrar um negócio legal, do qual teve conhecimento porque uma placa estava colocada no local; que, além disso, como é nacional de outro país e reside no estrangeiro, nem sequer fala português; que, tendo a casa sido erigida em prédio que só à 1.ª Ré pertencia e que só a seu favor se mostrava registado, a venda efetuada não padecia de qualquer vício; que o 2.º Réu não conhece nem o Autor nem a 1.ª Ré, desconhecia que tinham sido casados, tendo o negócio sido intermediado pela imobiliária “B...”; que o 2.º Réu assim como o 3.º Réu agiram de boa-fé, não tendo por objetivo causar qualquer prejuízo ao Autor, sendo que foi liquidado integralmente o preço; que, face ao estado degradado em que o imóvel se encontrava, após a sua compra, o 2.º Réu começou a executar obras de restauro e de melhoramento do mesmo, tendo nomeadamente feito as obras descritas nos arts. 54.º a 69.º da sua contestação, e ainda adquiriu mobílias e eletrodomésticos, com o que gastou um valor total de €93 850,00; que, além disso, o 2.º Réu pagou o IMT, imposto de selo e registos o valor de €3 043,05; que, caso o Tribunal não absolva os contestantes, deve condenar o Autor e a 1.ª Ré a pagar ao 2.º Réu a quantia global de €231 893,05, correspondente ao preço pago pela aquisição, ao valor das obras realizadas no prédio e equipamentos adquiridos e ao valor das despesas liquidadas com a escritura, registos e impostos.</font>
</p><p><b><font>3.</font></b><font> O Autor apresentou réplica, pronunciando-se sobre as exceções e reconvenção deduzidas.</font>
</p><p><b><font>4.</font></b><font> A 16/01/2019 foi proferido despacho em que se decidiu:</font>
</p><p><font>a) Indeferir liminarmente o pedido deduzido pelos 2.º e 3.º réus contra o autor e 1.ª ré, quanto ao valor de € 231 893,05, acrescido do valor das obras em curso.</font>
</p><p><font>b) Declarar nulo todo o processo, nos termos dos arts. 186.º/1 e 2-c) e 4, 196.º e 278.º/1-b), 576.º/1 e 2, 577.º/b) e 578.º do C. P. Civil, por ineptidão da petição, e absolver os réus da instância.</font>
</p><p><font>c) Declarar, ainda que assim não se entendesse, nulo todo o processo, nos termos dos arts. 193.º, 196.º e 278.º/1-b), 576.º/1 e 2, 577.º/b) e 578.º do C. P .Civil, por erro na forma de processo, não sendo nenhum ato aproveitável e, em consequência, absolver os réus da instância.</font>
</p><p><b><font>5.</font></b><font> Inconformado com esta decisão, o Autor interpôs recurso de apelação.</font>
</p><p><b><font>6.</font></b><font> O Tribunal da Relação de Guimarães proferiu acórdão a julgar a apelação procedente e a ordenar o prosseguimento dos autos.</font>
</p><p><b><font>7.</font></b><font> Foi proferido despacho saneador, no qual: foram admitidos os pedidos reconvencionais deduzidos pela 1ª Ré, com exceção do referente ao crédito por alimentos devidos a EE (€10 050,00), mantendo-se o indeferimento liminar do pedido de condenação do Autor e da 1.ª Ré no montante indicado pelos 2.º e 3.ºs Réus, que não foi objeto de recurso; julgaram-se as partes legítimas, sem prejuízo dos eventuais efeitos da impugnação pauliana (a proceder, definiu-se o objeto do litígio e fez-se ainda a indicação dos temas da prova).</font>
</p><p><b><font>8. </font></b><font>Realizou-se a audiência final a 7/06/2021.</font>
</p><p><b><font>9.</font></b><font> A 11/06/2021 a 1.ª Ré juntou ainda documentação para prova do alegado sob os arts. 66 e 67 da contestação, face ao alegado nas declarações de parte do Autor quanto ao empréstimo contraído pela filha GG junto do Banco 4..., bem ainda cópia da carta com a denúncia do contrato de mediação assinado com a C..., Lda..</font>
</p><p><b><font>10.</font></b><font> Na sequência da admissão desses documentos por despacho proferido a 14/06/2021, veio o Autor exercer o contraditório a 16/06/2021.</font>
</p><p><b><font>11.</font></b><font> Juntou ainda a 1.ª Ré documentos a 22/06/2021, que o Autor impugnou a 30.06.2021.</font>
</p><p><b><font>12.</font></b><font> A 28/09/2021 foi proferida sentença, sendo o dispositivo do seguinte teor:</font>
</p><p><font>«Pelo exposto, o Tribunal decide:</font>
</p><p><font>a) julgar totalmente improcedente a acção e, em consequência, absolve os réus de todos os pedidos contra si formulados pelo autor;</font>
</p><p><font>b) julgar parcialmente procedente a reconvenção e, em consequência, condena o autor a pagar à 1.ª ré/reconvinte, por força de crédito dela própria (as indemnizações) sobre o autor ou por força de crédito dela própria sobre o património comum, o valor global de 21.980,12 Eur. (vinte e um mil, novecentos e oitenta euros e doze cêntimos), absolvendo-se o autor/reconvindo do demais valor peticionado.».</font>
</p><p><font>- Na elaboração desta parte do relatório seguiu-se, de perto, o relatório elaborado pelo Tribunal da Relação de Guimarães - </font>
</p><p><b><font>13. </font></b><font>Inconformado, o Autor interpôs recurso de apelação, tendo o Tribunal da Relação de Guimarães proferido Acórdão, com o seguinte dispositivo:</font>
</p><p><font>“Pelo exposto, as juízes desembargadoras da ... Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, julgando parcialmente procedente o recurso, revogam a decisão recorrida e julgando a ação e a reconvenção parcialmente procedentes:</font>
</p><p><b><font>1.</font></b><font> Condenam a 1ª ré a pagar ao autor o valor de €7 604, 205, acrescido de juros de mora à taxa civil, desde a sua citação.</font>
</p><p><b><font>2.</font></b><font> Julgam improcedentes os demais pedidos da ação e da reconvenção”.</font>
</p><p><b><font>14. </font></b><font>Inconformados, o Autor e a Ré vieram interpor recurso de revista, formulando as seguintes (transcritas) conclusões:</font>
</p><p><b><u><font>- O Autor</font></u></b>
</p><p><font>1.ª Por acórdão datado de 31.03.2021 julgou o Tribunal a quo parcialmente o recurso interposto pelo ora Recorrente e, consequentemente, foi a 1ª Ré condenada a pagar ao Autor a quantia de €7 604, 20 acrescida de juros de mora à taxa civil desde a sua citação.</font>
</p><p><font>2.ª Como fundamento para a interposição do referido recurso o recorrente invocou violação da lei processual strito sensu e, noutros casos, a inidoneidade do meio de prova para prova dos factos que integravam a lista de factos assentes, argumentos esses que não tendo sido atendidos pelo Tribunal recorrido motivam igualmente a interposição do presente recurso.</font>
</p><p><font>3.ª Resulta dos pontos 57, 58 e da lista de factos assentes o seguinte:</font>
</p><p><font>- 57. O autor contraiu ainda uma dívida com a empresa de materiais de construção civil denominada de “A.C.C. – António da Costa Carvalho & Ca. Lda.”, com sede na Rua ..., em ..., ...;</font>
</p><p><font>- 58. Que iniciou contra o aqui autor a execução n.º 393/11...., que correu termos no ... Juízo cível ..., e onde foi alcançado acordo para pagamento em vinte e seis prestações do valor de 4.220,00 Eur. (quatro mil, duzentos e vinte euros), com início a 20.12.2013, e que não foi integralmente cumprido;</font>
</p><p><font>- 59. Pelo que, a filha do extinto casal, GG, para que os pais liquidassem tal dívida e fosse levantada a penhora registada sobre a casa de morada de família, anuiu em contrair um empréstimo junto do Banco 5... em Novembro de 2015, aprovado pelo valor de € 6.296,62 (seis mil, duzentos e noventa e seis euros e sessenta e dois cêntimos);</font>
</p><p><font>4.ª Os pontos 57, 58 e 59 da matéria de facto foram dados como provados tendo em conta o teor dos documentos juntos com o requerimento remetido pela Ré aos presentes autos a 11 de Junho de 2021, ou seja, já depois de encerrada a audiência de discussão e julgamento, tendo o Tribunal recorrido entendido que a respectiva junção é admissível porquanto foi facultado ao autor o exercício do contraditório.</font>
</p><p><font>5.ª O art. 423º limita temporalmente o momento da junção de documentos aos autos: o encerramento da discussão em primeira instância.</font>
</p><p><font>6.ª Analisando cada um dos documentos juntos após o encerramento da audiência de discussão e julgamento constata-se que documentos em causa – acordo formulado no processo executivo nº393/11...., proposta de crédito subscrita pela filha dos Autores, carta de rescisão do primeiro contrato de mediação, impõe-se concluir que a Ré BB não estava impedida de juntar com os articulados por si oferecidos ou até mesmo até ao encerramento da audiência de discussão e julgamento, os referidos documentos, pelo que a sua junção é manifestamente extemporânea, atento o disposto no art. 423.º, n.º2 e 3 do CPC e não poderiam tais documentos ser valorados no âmbito dos presentes autos.</font>
</p><p><font>7.ª Assim sendo, e por manifesta violação da lei processual mais concretamente dos preceitos supra enunciados, devem ser expurgados da lista de factos assentes os pontos 57, 58 e 59 por a matéria de facto dele resultante ter sido dada como provada em violação clara e ostensiva das regras de direito processual, nomeadamente, da norma do art. 423.º do CPC, norma essa que define qual o limite temporal para apresentação de documentos.</font>
</p><p><font>8.ªPorquediretamenterelacionadocomoponto59dalistadefactosassentes,deve igualmente ser expurgado da lista de factos assentes o ponto 60 (“Em virtude de os pais não possuírem crédito junto da banca”).</font>
</p><p><font>9.ª Não obstante o convite do Tribunal de 1ª Instância para se pronunciar sobre, sobre o teor dos referidos documentos, a verdade é que, o mesmo, atento o momento em que os mesmos foram juntos, ficou impossibilitado de confrontar as testemunhas II e GG com o teor dos mesmos, assim como de requerer que se oficiasse à AT que informasse os presentes autos qual a matrícula do carro adquirido pela testemunha GG no ano de 2015.</font>
</p><p><font>10.ª A junção pela Ré BB dos documentos referidos na conclusão 6. após o encerramento da audiência de discussão e julgamento impediu o ora Recorrente de exercer verdadeiro contraditório relativamente ao conteúdo dos mesmos, motivo pelo qual sempre se imporia a rejeição da respectiva junção por a mesma violar o princípio do contraditório.</font>
</p><p><font>11.ª O Tribunal a quo não poderia manter na lista de factos assentes o ponto 58 porquanto o referido documentose encontra incompleto, e,tratando-sede requerimento junto aprocesso judicial, os factos dele resultantes só poderiam ser valorados se fosse junta certidão do mesmo, o que não sucedeu in casu.</font>
</p><p><font>12.ª Para que fosse dado como provado que o destino dado ao empréstimo contraído pela referida GG, cujo valor é manifestamente superior ao valor ao do acordo celebrado entre o Autor e a A... tornava-se necessário que fosse junto aos presentes autos documento comprovativo da data, e montantes pagos, pela referida GG, informação facilmente alcançável através da junção da certidão das peças processuais do processo executivo em causa, nomeadamente requerimentos a solicitar guias de pagamento e comprovativos de pagamento.</font>
</p><p><font>13.ª Por manifesta falta de prova documental que comprove o destino das quantias do empréstimo contraído pela filha dos Autores deve igualmente ser dado como não provado o facto vertido no ponto 59 da lista de factos assentes.</font>
</p><p><font>O Tribunal recorrido deu como provado nos pontos 45, 61, 62 e 63 viii), e 69º os seguintes factos:</font>
</p><p><font>“45. Enquanto o crédito que o casal solicitou e referido em 12. não se encontrava aprovado, o autor e a 1.ª ré solicitaram um empréstimo à irmã da 1.ª ré, de nome FF, no valor de €3.850,00 (três mil, oitocentos e cinquenta euros), para dar início à construção do prédio urbano.</font>
</p><p><font>61. Ainda por força das dificuldades económicas que vivenciaram e para beneficiarem de período de carência junto da Banco 1...., o casal contraiu ainda um empréstimo com o irmão da 1.ª ré, HH, no valor de € 1.600,00 (mil e seiscentos euros);</font>
</p><p><font>62. Com o qual saldaram prestações bancárias em atraso junto à Banco 1....</font>
</p><p><font>63. Posteriormente à celebração da dita escritura pública de compra e venda do referido imóvel, a ré fez ainda pagamentos, a saber:</font>
</p><p><font>(…) viii. € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros), pagos à irmã da 1.ª ré, de nome JJ, relativo ao empréstimo concedido por esta ao casal para libertar uma tranche do empréstimo referido em 12.;</font>
</p><p><font>69. O Réu CC tem nacionalidade francesa, reside no estrangeiro e não fala, nem entende português”</font>
</p><p><font>13.ª Estes 5 pontos que integram a lista de factos dada como assente devem igualmente ser retiradas porquanto o(s) meio(s) de prova de que as instâncias se socorreram para dar os mesmos como provados são inidóneos para a prova dos mesmos.</font>
</p><p><font>14.ª Nenhum documento foi junto aos presentes autos que ateste a existência do empréstimo da quantia de € 3850, 00 ao dissolvido casal: nem o documento a que alude o art. 1143º do CC na sua parte final, nem qualquer outro documento que comprove a entrega pela testemunha FF da quantia de € 3850, 00 à Ré BB e ao Autor, nomeadamente extractos bancários, de onde teriam sido retirados os referidos valores ou cheque.</font>
</p><p><font>15.ª Mais resulta até do ponto 66 vii que a 1ª Ré pagou à testemunha FF €3005,51, valor diverso do referido no ponto 45, havendo assim contradição entre estes dois concretos pontos da lista de factos assentes.</font>
</p><p><font>16.ª Resulta do Ponto 5 da lista de factos assentes, por escritura pública datada de 05.04.1994, os pais da 1ª ré doaram à mesma, e por conta da sua quota disponível o prédio rústico melhor descrito no referido ponto da matéria de facto, e, no ponto 7 que o Autor e 1ª ré decidiram construir no referido terreno aquela que viria a ser a casa morada-de-família.</font>
</p><p><font>17.ª Mais resulta do ponto 8 da lista de factos assentes que, em data não concretamente apurada, mas situável em 1999/2000, tiveram início os trabalhos de construção da referida moradia.</font>
</p><p><font>18.ª No intervalo de tempo que medeou entre a doação do terreno e o início dos trabalhos de construção do prédio, e tal como resulta provado dos pontos 9, 10 e 11, o Autor recebeu a quantia de PTE 8 500 000$00, a título de indemnização pelos danos sofridos em virtude de um sinistro de que foi vítima.</font>
</p><p><font>19.ª A decisão ora em crise viola as mais elementares regras da experiência comum, porquanto não é verosímil que, um casal que tenha como projeto de vida a construção de uma habitação, e em que um dos membros tenha recebido uma avultada quantia decorrente de um infortúnio, recorra a empréstimos particulares para dar corpo a esse mesmo projeto, sendo certo que, o valor que a referida testemunha alega ter emprestado aos Autores (o equivalente a €3840, 00), atentos os custos de construção de uma habitação não era sequer suficiente para a execução dos trabalhos iniciais de construção da referida habitação, nem sequer, para pagar o projecto de arquitectura de uma habitação e os elevados custos que, já na década de 90, implicava um pedido de licenciamento de obra particular.</font>
</p><p><font>20.ª O Tribunal a quo não tomou em consideração o facto de a testemunha FF e a Ré serem irmãs, e terem sido, em tempos sócias da mesma sociedade, a F..., sociedade essa a qual segundo o depoimento prestado pela referida testemunha foi declarada insolvente, insolvência essa que foi declarada culposa, como, aliás, resulta do depoimento da testemunha KK.</font>
</p><p><font>21.ª O Tribunal a quo não tomou em consideração o teor do depoimento da testemunha JJ que a referida sociedade acumulou dívidas, entre outras entidades, ao I..., IP, dívidas essas por cujo pagamento são igualmente responsáveis os antigos sócios, a saber, a 1ªRé, a e os seus irmãos, FF, JJ e HH e que os mesmos, por forma a contornar a lei, e em clara fraude à mesma, continuaram a laborar desta feita com uma nova sociedade em nome do marido da referida testemunha.</font>
</p><p><font>22.ª Extravasando as relações entre a Autora e seus irmãos, as simples relações familiares, e estendendo-se as mesmas à atividade profissional dos mesmos, impõe-se questionar a razão de ser de tais empréstimos tendo em conta que a 1º ré era sócia da mesma sociedade e dela retirava proventos idênticos aos dos seus irmãos, que, em sede de audiência de discussão e julgamento não deixaram de alardear a desafogada situação financeira em que vivem por contraponto com a 1ª Ré.</font>
</p><p><font>23.ª Resumindo, inexistindo in casu documento comprovativo da existência da dívida alegada pela 1º Ré a favor da sua irmã elaborado nos termos previstos no art. 1143º do CC, ou comprovativo da transferência patrimonial da referida verba das contas da irmã da 1ª Ré, FF para uma conta titulada pelo Autor e 1ªRé, deve ser expurgado da lista de factos assentes o ponto 45 da mesma.</font>
</p><p><font>24.ª Os mesmos argumentos permanecem válidos para o empréstimo alegadamente realizado pelos irmãos da 1º Ré JJ e HH.</font>
</p><p><font>25.ª Nenhum documento foi junto aos presentes autos que ateste a transferência das referidas verbas, e, são os mesmos tenham efectivamente existido, as respectivas datas.</font>
</p><p><font>26.ª Os factos vertidos nos pontos 45, 61, 62 e 63 viii) devem ser igualmente expurgados da lista de factos assentes, atenta a manifesta insuficiência da prova testemunhal produzida para que in casu se dê como provados tais factos, porquanto nenhum outro elemento probatório foi junto aos autos que ateste a entrega das referidas quantias pelos irmãos da Ré a esta e ao Autor, montantes e datas dos referidos empréstimos.</font>
</p><p><font>27.ª Ao dar como provados os factos vertidos nos pontos 45, 61, 62 e 63 viii) da lista de factos assentes o Tribunal recorrido violou as regras 342º, nº 1, do CC e 1143º do CC.</font>
</p><p><font>28.ª No que à selecção da matéria de facto diz respeito, o Tribunal a quo manteve como não provados os factos 1, 2 e 3 da lista de factos não assentes, a saber:</font>
</p><p><font>1. Parte do custo inicial da construção da referida moradia foi suportado com o valor da indemnização recebida pelo autor.</font>
</p><p><font>2. O custo total da construção importou na quantia de 20.500.000$00 (vinte milhões e quinhentos mil escudos).</font>
</p><p><font>3. Sendo que, do referido valor € 42.397,82 (quarenta e dois mil, trezentos e noventa e sete euros e oitenta e dois cêntimos), era dinheiro proveniente da indemnização que o autor recebeu referida de 9. a 11. dos factos provados.</font>
</p><p><font>29.ª O Tribunal recorrido considerou que o Autor não impugnou expressamente a não inclusão na lista de factos assentes dos pontos 1, 2 e 3 da matéria de facto não provada.</font>
</p><p><font>30.ª Da conclusão 19 do recurso interposto para o Venerando Tribunal da Relação de Guimarães, pese embora o lapso de escrita, consta expressamente a referida impugnação. (A matéria de facto que integra o ponto 1, 2 e 3 da lista de factos dada como assente tentas as declarações de parte do ora Autor, mas também as regras da experiência comum, uma vez que o valor dos empréstimos contraídos por Autor e Ré eram em 2001, manifestamente insuficientes para construir uma moradia com as características daquela que foi erigida pelo ora Autor e 1ª Ré, e o valor da respectiva construção apenas poderia ser complementado com um valor semelhante àquele que foi recebido pelo Autor a título de indemnização.</font>
</p><p><font>31.ª O Tribunal a quo considerou que as declarações de parte do ora Autor são insuficientes para dar como provados os factos 1, 2 e 3 da lista de factos assentes, porquanto a mesma é contraditada por outros depoimentos, nomeadamente a da 1ª Ré e da sua irmã FF.</font>
</p><p><font>32.ª Ora, atento o lapso temporal decorrido entre o início dos trabalhos de construção da moradia, a data do decretamento do divórcio entre o Autor e 1ª Ré, e a propositura da presente acção, decorreram quase 20 anos, não sendo exigível ao ora Autor que, durante cerca de 20 anos guardasse comprovativos dos movimentos bancários.</font>
</p><p><font>33.ª Tendo o Tribunal recorrido dado como provado que as obras de construção da moradia tiveram lugar cerca de 1/2 anos antes de as partes terem contraído um empréstimo bancário para financiamento da mesma, não tendo sido provadas outras fontes de rendimentos do dissolvido casal, que não a indemnização por este obtida, e atento os montantes habitualmente despendidos na construção de uma habitação, torna-se forçoso concluir que a versão carreada para os presentes autos pelo Autor, e por ele narrada nas suas declarações de parte, são mais verosímeis do que carreada para os presentes autos pela 1ª Ré.</font>
</p><p><font>34.ª As declarações de parte do ora Autor, conjugada com outros elementos de prova, nomeadamente com os contratos de empréstimo que o Autor e 1ª Ré celebraram com a C..., SA, do qual resulta que os Autores solicitaram dois empréstimos de apenas PTE 1 000 000$00 para construção da respectiva habitação, bem como o facto provado no ponto 8, do qual resulta os trabalhos de construção da mesma terem-se iniciado 1/2 anos antes importam que se deem como provados os factos que integram a lista de factos não provados sob o nº 1, 2, e 3.</font>
</p><p><font>35.ª A considerar-se como não provados tais factos, salvo o devido respeito por melhor opinião, viola-se o valor probatório das declarações de parte prestadas pelo Autor (art. 466º do CPC).</font>
</p><p><font>36.ª O Tribunal recorrido também não considerou como provados os factos vertidos nos pontos 6 e 7 da lista de factos não assentes não obstante a informação prestada pela AT a informar que a 1º ré não é titular de qualquer património, e a prova testemunhal produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, mais concretamente, o depoimento da testemunha JJ que em sede de audiência de discussão e julgamento declarou que “a BB lhe chegou a pedir dinheiro para dar de comer aos filhos e que ela chegou a ter apoio alimentar da Segurança Social”.</font>
</p><p><font>37.ª Ao não dar como provados tais factos com base quer na informação prestada pela AT quer pela prova testemunhal produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, o Tribunal recorrido violou as normas do art. 369º e 392º do CC.</font>
</p><p><font>38.ª O Tribunal recorrido também considerou como não provados os pontos 8, 9 e 10 da lista de factos não provados, onde se pode ler o seguinte:</font>
</p><p><font>8. Em tempos, o autor e a 1.ª ré abordaram o 3.º réu, que se de | [0 0 0 ... 0 0 0] |
SDJou4YBgYBz1XKvigOT | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font> </font><br>
<font> </font><div><br>
<font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: </font></div><br>
<br>
<font> </font><br>
<p><font> </font>
</p><p><b><font>I. Relatório</font></b>
</p><p>
</p><p><b><font>1.</font></b><font> AA intentou a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum ordinário, contra </font><b><font>Diocese ……</font></b><font>, pedindo que a Ré seja condenada a pagar-lhe a quantia de €30 500,00 (trinta mil e quinhentos euros), a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros moratórios, desde a citação e até efetivo e integral pagamento.</font><br>
</p><p><font> Alegou, em síntese, que:</font><br>
</p><p><font>- é sacerdote católico e durante 10 anos exerceu tais funções ao serviço da Ré;</font><br>
</p><p><font>- em fins de agosto de 2010, entregou-lhe um atestado médico do foro psiquiátrico, não podendo continuar a exercer as funções de sacerdote nas paróquias…….. e …….. o que a Ré reconheceu; </font><br>
</p><p><font>- a Ré comunicou que deveria deixar as duas paróquias até .../09/2010, devendo o passal dos ………. ficar livre a partir de tal data e que este podia residir na Casa Sacerdotal ……. ou …….;</font><br>
</p><p><font>- o Autor foi fazendo os seus próprios descontos para a Segurança Social do seu vencimento enquanto padre;</font><br>
</p><p><font>- na sua doença foi acolhido por uma família amiga e abandonado ao seu destino pelos seus pares, bem como pela Ré;</font><br>
</p><p><font>- em .../12/2010, a Ré admoestou-o, porque, alegadamente, vivia uma situação escandalosa, querendo referir-se que vivia na mesma casa em que uma senhora chamada BB, divorciada e com ... filhas menores também residia;</font><br>
</p><p><font>- naquela casa viviam também os pais desta senhora e o seu irmão, quando de visita à sua família nas férias escolares;</font><br>
</p><p><font>- não procurando saber se o Autor partilha qualquer quarto ou cama com a mesma;</font><br>
</p><p><font>- o que de facto não sucede, dado que o Autor tem o seu próprio quarto, não vivendo maritalmente com tal senhora;</font><br>
</p><p><font>- com quem apenas mantém uma relação de grande amizade, bem como com a família, e por isso com amargura e estupefação levou-o a escrever a carta datada de .../02/2011, que junta;</font><br>
</p><p><font>- o Autor não abandonou as paróquias onde se encontrava, antes foi mandado sair de lá e não vive qualquer relação escandalosa com a dita senhora;</font><br>
</p><p><font>- nos 24 meses que antecederam esta situação, o Autor foi sujeito às maiores pressões e difamações provocadas pela Ré e a si dirigidas;</font><br>
</p><p><font>- acusando-o de se encontrar em situação de escândalo para com os seminaristas, mantendo que vivia em união de facto com a dita BB e retirou-o de dar aulas no Seminário…, onde lecionou por 15 anos;</font><br>
</p><p><font>- pressionando-o para que fosse falar com o Bispo …… e para que fosse viver para uma das casas Sacerdotais ou em …… ou em ……., fazendo tábua rasa do atestado que lhe enviou;</font><br>
</p><p><font>- e afirmando até que não estava para sustentar a mulher e os filhos com quem o Autor vivia, o que lhe provocou uma profunda depressão, da qual não consegue sair e para a qual é medicado;</font><br>
</p><p><font>- vive uma tristeza profunda, tem dias que não dorme, em que passa as noites em claro, em que chora, ansioso, revoltado com as inverdades de que está a ser vítima por parte da Ré;</font><br>
</p><p><font>- vive com medo do futuro, aumentando o seu estado nervoso pelos que estes danos merecem a tutela do direito.</font><br>
</p><p><b><font>2</font></b><font>. Citada, a Ré veio contestar, defendendo-se por exceção e impugnação, concluindo, no sentido da procedência da exceção invocada, com a sua consequente absolvição da instância ou, caso assim não se entenda, pela improcedência do pedido, com a sua consequente absolvição do mesmo pela improcedência da ação, alegando que:</font><br>
</p><p><font>- atendendo que a admoestação que lhe foi aplicada pela Diocese de …… e porque o Autor é padre, não pode ser dirimida nos tribunais comuns, mas apenas discutida e tratada nos tribunais eclesiásticos;</font><br>
</p><p><font>- o direito a aplicar apenas pode ser o direito canónico, dado que as questões </font><i><font>in</font></i><font> </font><i><font>casu,</font></i><font> se prendem com o voto de celibato do Autor, pelo que se invoca a incompetência material para este tribunal comum julgar esta questão que apenas deve e pode ser dirimida nos tribunais eclesiásticos aplicando-se o direito canónico;</font><br>
</p><p><font>- o que determinará a absolvição da Ré da instância, atenta a incompetência absoluta do Tribunal;</font><br>
</p><p><font>- mantendo o Autor a categoria de sacerdote católico, e assumindo o mesmo que vive na mesma casa que a Dª BB, tal não pode suceder;</font><br>
</p><p><font>- sendo igualmente do conhecimento público que o Autor se faz acompanhar em locais públicos com esta senhora, o que tem provocado grande estranheza juntos dos seus paroquianos, causando escândalo público;</font><br>
</p><p><font>- quem provocou estes comentários foi o próprio Autor, com o seu comportamento e, por isso, não pode agora acusar a Ré das consequências de tais atitudes;</font><br>
</p><p><font>- relativamente ao atestado médico que juntou, a Ré recebeu-o e por isso libertou-o das obrigações que o mesmo disse que não podia assumir;</font><br>
</p><p><font>- não difamou o Autor antes foi ele que juntou os documentos eclesiásticos demonstrando o que se estava a passar na igreja e, portanto, de qualquer forma não se encontram verificados os pressupostos da responsabilidade civil.</font><br>
</p><p><b><font>3</font></b><font>. Em sede de réplica, veio o Autor responder à exceção invocada, no sentido da sua improcedência, defendendo a competência do foro para conhecer do pedido deduzido, considerando a questão suscitada como de mera responsabilidade civil.</font><br>
</p><p><b><font>4.</font></b><font> Dispensou-se a realização da audiência prévia, fixado o valor da causa, tendo sido proferido despacho saneador, que conheceu da exceção de incompetência material e internacional dos tribunais judiciais comuns, julgando improcedente a exceção; foi fixado o objeto do litígio e indicados os temas de prova.</font><br>
</p><p><font>Foi interposto recurso de apelação da decisão que julgou improcedente a exceção de incompetência arguida, tendo a mesma sido julgado improcedente.</font><br>
</p><p><font>Interposto recurso de revista pela Ré, o STJ veio a negar a revista.</font><br>
</p><p><b><font>5.</font></b><font> Realizada a audiência de julgamento foi proferida sentença a julgar a ação parcialmente procedente, </font><b><i><font>“e</font></i></b><font> </font><b><i><font>em</font></i></b><font> </font><b><i><font>consequência,</font></i></b><font> </font><b><i><font>condeno</font></i></b><font> </font><b><i><font>a</font></i></b><font> </font><b><i><font>Ré</font></i></b><font> </font><b><i><font>DIOCESE</font></i></b><font> </font><b><i><font>……,</font></i></b><font> </font><b><i><font>a</font></i></b><font> </font><b><i><font>pagar</font></i></b><font> </font><b><i><font>ao</font></i></b><font> </font><b><i><font>autor</font></i></b><font> </font><b><i><font>AA,</font></i></b><font> </font><b><i><font>a</font></i></b><font> </font><b><i><font>título</font></i></b><font> </font><b><i><font>de</font></i></b><font> </font><b><i><font>indemnização</font></i></b><font> </font><b><i><font>civil</font></i></b><font> </font><b><i><font>pelos</font></i></b><font> </font><b><i><font>danos</font></i></b><font> </font><b><i><font>não</font></i></b><font> </font><b><i><font>patrimoniais</font></i></b><font> </font><b><i><font>e</font></i></b><font> </font><b><i><font>morais</font></i></b><font> </font><b><i><font>por</font></i></b><font> </font><b><i><font>este</font></i></b><font> </font><b><i><font>sofridos</font></i></b><font> </font><b><i><font>em</font></i></b><font> </font><b><i><font>consequência</font></i></b><font> </font><b><i><font>das</font></i></b><font> </font><b><i><font>condutas</font></i></b><font> </font><b><i><font>da</font></i></b><font> </font><b><i><font>ré,</font></i></b><font> </font><b><i><font>a</font></i></b><font> </font><b><i><font>quantia</font></i></b><font> </font><b><i><font>total</font></i></b><font> </font><b><i><font>de</font></i></b><font> </font><b><i><font>18.000,00</font></i></b><font> </font><b><i><font>€</font></i></b><font> </font><b><i><font>(dezoito</font></i></b><font> </font><b><i><font>mil</font></i></b><font> </font><b><i><font>euros),</font></i></b><font> </font><b><i><font>acrescidos</font></i></b><font> </font><b><i><font>os</font></i></b><font> </font><b><i><font>juros</font></i></b><font> </font><b><i><font>de</font></i></b><font> </font><b><i><font>mora,</font></i></b><font> </font><b><i><font>os</font></i></b><font> </font><b><i><font>quais</font></i></b><font> </font><b><i><font>são</font></i></b><font> </font><b><i><font>devidos</font></i></b><font> </font><b><i><font>desde</font></i></b><font> </font><b><i><font>a</font></i></b><font> </font><b><i><font>data</font></i></b><font> </font><b><i><font>da</font></i></b><font> </font><b><i><font>citação</font></i></b><font> </font><b><i><font>para</font></i></b><font> </font><b><i><font>a</font></i></b><font> </font><b><i><font>presente</font></i></b><font> </font><b><i><font>acção,</font></i></b><font> </font><b><i><font>até</font></i></b><font> </font><b><i><font>integral</font></i></b><font> </font><b><i><font>e</font></i></b><font> </font><b><i><font>efectivo</font></i></b><font> </font><b><i><font>pagamento</font></i></b><font> </font><b><i><font>pela</font></i></b><font> </font><b><i><font>Ré.”</font></i></b><br>
</p><p><b><font>6. </font></b><font>Inconformada com esta decisão, a Ré interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação …….. .</font><br>
</p><p><b><font>7.</font></b><font> O Tribunal da Relação ……. veio a proferir a seguinte decisão: </font><br>
</p><p><b><font>“I)</font></b><font> </font><b><font>Julgar</font></b><font> </font><b><font>procedente o recurso</font></b><font> </font><b><font>de</font></b><font> </font><b><font>apelação interposto pela</font></b><font> </font><b><font>Apelante/Recorrente/Ré</font></b><font> </font><b><font>DIOCESSE</font></b><font> </font><b><font>……….</font></b><font>, em que figura como Apelado/Recorrido/Autor </font><b><font>AA;</font></b><br>
</p><p><b><font>II)</font></b><font> Em consequência, </font><b><font>revoga-se</font></b><font> </font><b><font>a</font></b><font> </font><b><font>sentença</font></b><font> </font><b><font>recorrida/apelada,</font></b><font> que se </font><b><font>s</font></b><font>ubstitui por decisão que </font><b><font>julga</font></b><font> </font><b><font>totalmente</font></b><font> </font><b><font>improcedente</font></b><font> </font><b><font>a</font></b><font> </font><b><font>acção,</font></b><font> </font><b><font>com</font></b><font> </font><b><font>consequente</font></b><font> </font><b><font>absolvição</font></b><font> </font><b><font>da</font></b><font> </font><b><font>Ré</font></b><font> </font><b><font>do</font></b><font> </font><b><font>pedido</font></b><font> deduzido;</font><br>
</p><p><b><font>III)</font></b><font> Considerar prejudicado o conhecimento do segmento recursório da invocada nulidade de sentença por ausência de fundamentação do quantum indemnizatório fixado nos termos das alíneas b) e c), do nº. 1, do artº. 615º, do Cód. de Processo Civil.” </font><br>
</p><p><b><font>8.</font></b><font> Inconformado com tal decisão, veio o Autor interpor o presente recurso de revista, formulando as seguintes (transcritas) conclusões:</font><br>
</p><p><font>1.ª Nos presentes autos a então recorrente concluiu pela procedência do recurso, revogando-se a sentença recorrida, passando: “a) Os factos erradamente julgados como provados pelo Tribunal a quo, por manifesta má apreciação da prova, nos pontos 10, 11, 13, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30, 31, 32, 33, 34, 35, 36 e 38 da matéria de facto tida por provada, constantes do corpo da sentença ora impugnada</font><u><font>,</font></u><font> </font><u><font>a ser julgados como não provados,</font></u><font> alterando-se, assim, o juízo de prova feito incorretamente pelo Tribunal a quo, e, como consequência lógica, absolvendo-se a Apelante da totalidade do pedido;</font><br>
</p><p><font>2.ª Ora, na apreciação da matéria de facto, contrariamente ao que fora alegado e concluído pelos recorrentes o douto tribunal ad quo decidiu o seguinte:</font>
</p><p><font>(…)</font>
</p><p><u><font>- os pontos factuais 13 e 17 são considerados como irrelevantes, atenta a conclusão e</font></u><font> </font><u><font>proposição de direito nos mesmos contida;</font></u>
</p><p><u><font>- o ponto factual 16 é considerado, em parte, irrelevante, por que conclusivo e, no</font></u><font> </font><u><font>demais, eliminado, por que já contido, com maior objectividade e pura densificação</font></u><font> factual, noutros pontos factuais julgados provados;</font>
</p><p><font>(…)</font><br>
</p><p><font>Tendo a recorrente, no que concerne a toda a matéria de facto pedido, tão somente que a mesma fosse considerada não provada, o Venerando Tribunal recorrido, considera os seguintes pontos 13, 16 e 17 como irrelevantes e elimina-os.</font><br>
</p><p><font>3.ª Ao proferir uma decisão, o julgador deve ficar adstrito ao pedido formulado pelas partes. O juiz, ao sentenciar, precisa percorrer uma trilha, um caminho, até chegar ao objetivo final, que é resolver o mérito da demanda, nos termos do que lhe foi entregue pelas partes, ou, como preferem alguns, nos termos do pedido. Ademais, os limites da decisão devem respeitar não apenas o pedido, mas também a causa depedir eos sujeitos da relação processual. É que se chama de limites objetivos e subjetivos da sentença.</font><br>
</p><p><font>4.ª Ao apreciara matéria de facto para além do alegado e concluído pela recorrida o douto acórdão violou, o disposto nos artigos 1 e 2, do artº. 639º e 662.º do Cód. de Processo Civil. Sendo nula nessa parte por força do disposto no artigo 615.º, n.º 1, al. E) do CPC.</font><br>
</p><p><font>Devendo, em consequência, manter-se os pontos 13, 16 e 17:</font><br>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>13. Não vivendo, qualquer relação escandalosa, tal como clarificada pela ré;</font><br>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>16. Provado apenas e com o esclarecimento de que, ao contrário do que diz a ré, o autor não abandonou as paróquias onde tinha sido colocado, antes foi mandado sair por esta e, o autor não vive qualquer relação escandalosa, ou marital, com a citada BB, vive antes uma relação de profunda amizade com esta e a sua família, pai, mãe, filhas e irmão;</font><br>
</p><p><font>17. Provado apenas e com o esclarecimento de que, nos 24 meses que antecederam esta situação, isto é, nos dois anos antes de Setembro de 2010, o autor foi sujeito pela ré a pressões e difamações;</font><br>
</p><p><font>5.ª Há que entender e, claramente aceitar, que o Estado Português reconhece, perante a Santa Sé, a existência de uma ordem jurídica canónica e que o exercício da respetiva jurisdição, pertence à Igreja Católica. Aqui chegado, concluiremos sempre, como o fez a douta Relação ……., no sentido em que, “importa indagar se a factualidade provada traduz ou comprova a existência de atos que possam lograr qualificar-se como ilícitos e culposos, fundantes de pedido indemnizatório, ou seja, que não se reportam aos praticados pela autoridade eclesiástica, no pleno exercício do seu múnus”.</font><br>
</p><p><font>6.ª E, é aqui, que nos parece que baterá todo o cerne da presente questão. É que não está em causa a admoestação praticada pela Ré,a mesma tem plena legitimidade para o fazer, está em causa o seu texto, conteúdo e aqui, a ré, com o devido respeito, ultrapassou o seu múnus, adjetivou, qualificou e, assim sendo, parece-nos que a decisão, que não ataque as máximas canónicas, deveria ter sido outra.</font><br>
</p><p><font>7.ª Na realidade, é dado comoprovado que ao admoestar o autor a ré pediu-lhe garantias de que o mesmo deveria abandonar “a </font><u><font>situação escandalosa</font></u><font> em que te encontras”, ponto 8 dado como provado e sublinhado nosso, por referência, acrescenta-se, como provado, “ao facto de, na residência que o acolheu, viver BB, divorciada, com ... filhas menores” e mais, resulta provado que “a ré, não averiguou, por meios próprios, nomeadamente junto do autor, se este partilhava quarto ou cama com a indicada BB”.</font><br>
</p><p><font>8.ª Dito de outra forma, o que está aqui em causa, não é o ato de admoestar, que é competência eclesiástica, mas o que vem para lá e além dele: a adjetivação de “escandalosa” de uma relação que a recorrida não averiguou se existia. Terminasse em “relação” e nada demais daqui resultaria, mas tal situação foi classificada de “escandalosa”, o mesmo que imoral, indecente, difamatório, indecoroso, infame, pernicioso, ruinoso, vergonhoso, sem que, no terreno, tal fosse averiguado. E é aqui, que se ultrapassam os limites.</font><br>
</p><p><font>9.ª É que a ré poderia ter pedido garantias de que o autor tivesse abandonado a situação em se encontrava, mas não, vai mais além, “a situação escandalosa” e é por isso a “amargura e estupefação, perante aquela admoestação”, resultando provado que o autor mantém “</font><u><font>tão-só</font></u><font>, uma relação de grande amizade com aquela família” (sublinhado nosso) sendo perfeitamente inócuo, porque traduz apenas a sua opinião o contato mantido pelo Senhor Vigário Geral, com o autor, ao afirmar, não ultrapassando limites, que “a situação por este vivenciada, ao ser visto frequentemente acompanhado por uma senhora e as filhas desta, era comentada e constituía mau exemplo para os seminaristas a quem lecionava”.</font><br>
</p><p><font>10.ª O direito à honra e à boa fama – tanto próprio como alheio – é um bem mais precioso do que as riquezas e de grande importância para a vida pessoal, familiar e social”, in </font><a><u><font>https://opusdei.org/pt-pt/article/tema-37-o-oitavo-mandamento-do-decalogo</font></u></a><font>.</font><br>
</p><p><font>11.ª Terá o texto contido na admoestação tido em conta tal? Parece-nos que não, salvo o respeito devido, basta atentar-se à prova plasmada em 11, supra, dos factos provados:</font><br>
</p><p><font>“A ré, não averiguou, por meios próprios, nomeadamente junto do autor, se este partilhava quarto ou cama com a indicada BB”. A tudo isto, há mesmo a dizer a inexistência de qualquer processo canónico e/ou eclesiástico prévio à mesma ou superveniente, pelo que a carta não poderia deixar de ser apreciada, por estar fora de tal âmbito.</font><br>
</p><p><font>12.ª O princípio geral da Responsabilidade por factos ilícitos encontra-se consagrado no artigo 483º do Código Civil: «Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação». Com a análise destes preceitos, decorre que o dever de reparação resultante da responsabilidade civil por factos ilícitos depende de vários pressupostos.</font><br>
</p><p><font>13.ª O Código Civil não se limita à fixação, no artigo 483º/1, dos mencionados critérios básicos. Contempla alguns casos especiais de ilicitude que não se enquadrariam nessa previsão genérica como é o caso da Ofensa do crédito ou do bom nome – artigo 484º Infere-se da lei que tem de haver imputação de um facto, não bastando alusões vagas e gerais. A regra consiste na irrelevância da veracidade ou falsidade do facto, mas sempre que esteja em causa a proteção de interesses legítimos, parece admitir a «exceptio veritatis». O facto afirmado ou difundido deve mostrar-se suscetível de afetar o crédito ou a reputação da pessoa visada.</font><br>
</p><p><font>14.ª Nos caso sub judice apurou-se a responsabilidade da recorrida por factos ilícitos, pois verifica-se:</font><br>
</p><p><font>a)Um acto voluntário de um agente da recorrida, no exercício das suas funções sob a forma de acção;</font><br>
</p><p><font>b) A ilicitude, que advém da ofensa, por esse facto, de direitos ou de disposições legais que se destinam a proteger interesses alheios;</font><br>
</p><p><font>c) A culpa, como nexo de imputação ético-jurídico que liga o facto à vontade do agente, que na forma de mera culpa se afere pela diligência que teria naquelas circunstâncias um bónus patter familia. Pressupõe uma censura de ordem jurídica ao comportamento do lesante;</font><br>
</p><p><font>d) O dano, prejuízo de ordem patrimonial ou não patrimonial, produzido na esfera jurídica do lesado. Só havendo direito a indemnização, no caso desta última, quando o dano, pela sua gravidade, avaliada segundo um padrão objectivo e não à luz de factores subjectivos, mereça a tutela do direito (cfr. artigo 496º, nº 1 do Código Civil); </font><br>
</p><p><font>e) O nexo de causalidade entre o facto (acto ou omissão) e o dano, a apurar segundo a teoria da causalidade adequada (cfr. artigo 563º do Código Civil), que pressupõe que os danos se apresentem como consequência normal, provável e típica do facto ilícito.</font><br>
</p><p><font>15.ª Pois, conforme resulta provado nos autos:</font><br>
</p><p><font>Nos dois anos anteriores a Setembro de 2010, a Ré, nomeadamente através do Sr. Vigário Geral, afirmou ao Autor que a situação por este vivenciada, ao ser visto frequentemente acompanhado por uma senhora e as filhas desta, era comentada e constituía mau exemplo para os seminaristas a quem leccionava;</font><br>
</p><p><font>16.ª A 29 de Dezembro de 2010, a ré veio admoestar o autor, padre canónico há 10 anos, dizendo que o mesmo deveria dar-lhe </font><u><font>“garantias de abandonares a situação escandalosa</font></u><font> </font><u><font>em que te encontras</font></u><font>” por referência ao facto de, na residência que o acolheu, viver BB, divorciada, com ... filhas menores sendo que em tal residência habitam igualmente os pais de BB, bem como um irmão desta, quando de visita à família nas férias escolares;</font><br>
</p><p><font>17.ª A Ré não averiguou, por meios próprios, nomeadamente junto do Autor, se este partilhava quarto ou cama com a indicada BB; O autor tem quarto próprio e não vive maritalmente com a indicada pessoa, Mantendo, tão-só uma relação de grande amizade com aquela família;</font><br>
</p><p><font>18.ª A amargura e estupefacção, perante aquela admoestação, levaram a que o autor respondesse à ré, missiva recebida em ... .02.2011 e que consta de fls. 9 a 13 dos autos; Na sequência do descrito nos factos 3 a 5, 7 a 11, 15, 18 e 20, o Autor mergulhou numa profunda depressão, da qual não consegue sair, e, para a qual é medicado, vive, o autor, por força de tal situação, uma tristeza profunda, tem dias em que não dorme e em que passa as noites em claro, em que chora, ansioso, revoltado, com as atitudes que imputa à Ré, vive com medo do seu futuro, aumentando o seu estado nervoso ;</font><br>
</p><p><font>Pelo que deveria ter sido mantida a douta sentença de primeira instância, mantendo-se a condenação da recorrida aí sentenciada.</font><br>
</p><p><font>19.ª Ao proceder de modo diverso o acórdão recorrido violou o disposto no artigo 483.º e 484.º, 496.º e 563.º do Código Civil, fazendo uma má aplicação do direito aos factos.</font><br>
</p><p><font>Normas violadas: números 1 e 2, do artº. 639º e 662.º do Cód. de Processo Civil. Sendo nula nessa parte por força do disposto no artigo 615.º, n.º 1, al. E) do CPC e 483.º e 484.º, 496.º e 563.º do Código Civil.</font><br>
</p><p><font>E conclui: “deve o douto acórdão recorrido ser declarado nulo na parte em que elimina os pontos 13, 16 e 17 da matéria dada por provada, sendo o mesmo revogado e, em consonância, a recorrida condenada ao pagamento ao recorrente da verba fixada em 1.ª instância, por decorrerem dos autos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual”.</font><br>
</p><p><b><font>9.</font></b><font> A Ré contra-alegou, pugnando pelo infundado da revista, concluindo pela improcedência do recurso e formulando as seguintes (transcritas) conclusões:</font><br>
</p><p><font>1.ª Havia já recorrido o Recorrido para o Tribunal da Relação de ……… por entender que os seguintes factos dados como provados pela Meritíssima Juíza a quo não o deveriam ter sido, a saber, os indicados nos pontos: 9, 10, 11, 13, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30, 31, 32, 33, 34, 35, 36 e 38 da matéria de facto julgada provada.</font><br>
</p><p><font>2.ª A Relação concedeu parcialmente razão à Recorrida, alterando a redação dos pontos factuais 10, 11, 18, 20, 26 e 34 que se mantiveram provados, os pontos 13, 16 e 17 foram considerados irrelevantes, os pontos 19, 21 a 25 foram julgados como não provados e os demais mantidos como estavam, sendo que a matéria da prova não é passível, agora, de sindicância nesta sede, pelo que não se voltará à mesma.</font><br>
</p><p><font>3.ª O Tribunal da Relação ……….. entendeu e bem que os pontos 13, 16 e 17 da matéria de facto julgada provada pela sentença recorrida reportam-se não a verdadeira matéria de facto mas sim a conclusões sobre factos e, como tal, sendo insuscetíveis de um juízo probatório, são irrelevantes, a saber:</font><br>
</p><p><font>4.ª “13. Não vivendo, qualquer relação escandalosa, tal como clarificada pela ré;”</font><br>
</p><p><font>5.ª “16. Provado apenas e com o esclarecimento de que, ao contrário do que diz a ré, o autor não abandonou as paróquias onde tinha sido colocado, antes foi mandado sair por esta e, o autor não vive qualquer relação escandalosa, ou marital, com a citada BB, vive antes uma relação de profunda amizade com esta e a sua família, pai, mãe, filhas e irmão;”</font><br>
</p><p><font>6.ª “17. Provado apenas e com o esclarecimento de que, nos 24 meses que antecederam esta situação, isto é, nos dois anos antes de Setembro de 2010, o autor foi sujeito pela ré a pressões e difamações;” </font><br>
</p><p><font>7.ª No ponto 13 3 no 1ue se entende por relação escandalosa – que, por si, é também uma conclusão -, não resulta elemento factual algum desse ponto;</font><br>
</p><p><font>8.ª Quanto ao ponto 16 este está eivado de conclusões: “não abandonou as paróquias”, foi “mandado sair por esta”, “não vive qualquer relação escandalosa, ou marital”, “vive antes uma relação de profunda amizade”, sendo que não é indicado facto algum que materialize qualquer duma dessas conclusões, quanto mais de todas de todas juntas “num único facto”. </font><br>
</p><p><font>9.ª E quanto ao ponto 17 “o autor foi sujeito pela ré a pressões e difamações;” não explicando quais (independentemente da prova quanto às supostas pressões e difamações que não logrou fazer, mormente quando a sua testemunha, BB, não foi capaz de imputar um único facto a uma pessoa específica, independentemente de trabalhar/representar ou não a Diocese).</font><br>
</p><p><font>10.ª O Tribunal para quem se recorre fica limitado pelo princípio do pedido, tal como já o havia sido o tribunal a quo, o que, em termos de recurso, se reporta ao que é alegado e objeto de conclusão e, desse modo, define-se o objeto do recurso, ao que deve ser apreciado. No entanto, não fica o tribunal ad quem vinculado quanto à interpretação do Direito nem quanto à sua aplicação. Uma vez definido o objeto da lide pelas partes, o Tribunal apenas está limitado pela lei e pela consciência do julgador na apreciação da questão sub judice.</font><br>
</p><p><font>11.ª Ora, julgar como factualmente irrelevante a matéria conclusiva considerada, impropriamente, como de facto, não constitui nenhuma ultrapassagem das barreiras legais ao princípio do pedido. Note-se que o pedir que seja julgado como não provado não impede o tribunal de considerar não se tratar de verdadeiros factos a matéria impugnada. Tal não implica um plus em relação ao pedido, estando, pelo contrário, compreendido não só no efeito pretendido (o ser considerado como não provado implica uma inexistência ou irrelevância factual para efeitos do processo), como também na margem de manobra de apreciação do julgador.</font><br>
</p><p><font>12.ª Quanto à questão da responsabilidade civil bem andou o Tribunal da Relação ……… ao entender que não houve qualquer comportamento ilícito do Sr. Bispo …….. ou do Sr. Vigário Geral em representação da Diocese, tendo os comportamentos de ambos se cingido ao normal exercício das respetivas funções, mormente o Sr. Bispo quando enviou a carta ao Recorrente em que este estriba o seu pedido.</font><br>
</p><p><font>13.ª O dito mal-estar de que o Recorrente se queixa reporta-se a uma situação com os seus paroquianos que o terá levado a apresentar uma baixa médica à Diocese em finaisdeagostode2010–doc. junto aos autos declarando não reunir as condições para continuar a exercer as suas funções sacerdotais, tendo-o aquela, consequentemente, libertado destas informando-o de que deveria deixar as duas paróquias a seu cargo até ao dia ..../09/2010, bem como o passal ……….. adstrito ao sacerdote que ficasse encarregue dessas paróquias, e que, para não ficar sem ter para onde ir residir durante a sua convalescença, poderia ir residir para qualquer uma das duas casas sacerdotais disponíveis (uma em ……… e a outra em ……….) à sua escolha.</font><br>
</p><p><font>14.ª A carta de que o Recorrente se queixa data de .../12/2010, ou seja de altura claramente posterior à situação que terá causado a maleita que levou apresentação da sua baixa médica, razão pela qual não é causa adequada a causar-lhe os danos de que se queixa.</font><br>
</p><p><font>15.ª Do depoimento de D. BB resulta que esta refere situações de ameaças/pressões, sem precisar, que não consegue imputar a um/nos sujeito/s específico/s, mais refere que o Recorrente, quando estava na paróquia ……..., terá adoecido e procurado ajuda psiquiátrica tendo estado de baixa médica de 2010 a 2013. Ora, como já se referiu, o facto imputado à Recorrida – carta de admoestação canónica – como causador do sofrimento infligido ao Recorrente data de momento posterior à baixa médica do Recorrente, ou seja é já posterior aos danos que o mesmo havia pretensamente sofrido às mãos de terceiros não identificados pela testemunha D. BB.</font><br>
</p><p><font>16.ª Apesar de instada pelo Tribunal a quo por diversas vezes, a testemunha nunca conseguiu identificar qualquer uma das pessoas que, pretensamente, fizeram qualquer pressão sobre o Recorrente, limitando-se a generalizações inconclusivas.</font><br>
</p><p><font>17.ª Bem andou a Relação ao concluir que o depoimento da D. BB “(…) revelou pouca consistência factual, fundando-se na adução e imputação de generalidades, falho na concretização e identificação, por um lado e, por outro, direcionando todas as imputações para a Ré, de forma indiscriminada e acrítica.”</font><br>
</p><p><font>18.ª “Todavia, tal não legitima, por que falhas de densificação factual, imputações no sentido de que “todas as coisas vinham sempre da Dioceses”, sem as concretizar, que afinal não assistiu pessoalmente a quaisquer conversas, apenas mencionando o que alegadamente o autor lhe transmitiu que as “pressões continuaram”, mas sem nunca as traduzir em atos concretos e precisos, acabando por apontar para as cartas juntas aos autos (documentos n.º 1 e 2, juntos com a petição inicial), e que afinal, por parte do Bispo de ……, houve apenas um telefonema, pouco antes do Autor intentar a presente ação”.</font><br>
</p><p><font>19.ª Previamente ao julgamento dos factos, teve lugar um recurso quanto à questão da competência dos tribunais judiciais para decidirem sobre matéria de direito canónico, tendo ficado definido, pós-recurso, que “atendendo aos termos pelos quais o A. estruturou a sua pretensão, tratar-se-á na ação, não de avaliar a (des)conformidade à lei canónica de tais atos praticados pela Diocese de ……., mas sim, de apurar se as alegadas falsidades que, censuravelmente, tenham visado o A. teriam sido adequadamente idóneas a causar as putativas ofensas aos direitos de personalidade do mesmo, com as repercussões por ele invocadas.”</font><br>
</p><p><font>20.ª Acrescentando que “a relação jurídica sub judice, tal como é conformada pelo demandante, é a pretensão ao ressarcimento de repercussões advindas, não de violações de direito canónico, mas de imputações – “difamações/pressões” – ilícitas e culposas que, | [0 0 0 ... 0 0 0] |
JTJpu4YBgYBz1XKvqQTl | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><b><font> </font></b><font> </font><br>
<font> </font>
<p><font> </font></p><div><br>
<font>Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça:</font></div><br>
<br>
<font> </font>
<p><b><font>I. Relatório</font></b>
</p><p>
</p><p><b><font>1.</font></b><font> </font><b><font>AA</font></b><font> intentou a presente ação declarativa de condenação, em processo comum, contra </font><b><font>BB</font></b><font>, pedindo que a Ré seja condenada:</font><br>
</p><p><font>- a reconhecer a plena propriedade do Autor sobre a fração autónoma destinada à habitação, designada pela letra “G”, também composta de garagem nas traseiras identificada pelo n.º …. e arrecadação identificada pelo n.º …, sita no …. andar ….. do prédio constituído em propriedade horizontal, com entradas pelos n.ºs …/…, da Rua …, freguesia …, cidade…; </font><br>
</p><p><font>- na imediata desocupação do imóvel e à sua restituição livre de pessoas e bens;</font><br>
</p><p><font>- à razão diária de €50,00 enquanto não for cumprida a condenação e a título de sanção pecuniária compulsória.</font><br>
</p><p><b><font>2.</font></b><font> Citada, a Ré veio contestar, tendo deduzido o seguinte pedido reconvencional:</font><br>
</p><p><font>- seja o Autor condenado a reconhecer o direito de propriedade da Reconvinte sobre a meação do imóvel em apreço, adquirido por compra em junho de 1979, assim como o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre a meação complementar do mesmo prédio por via de usucapião.</font><br>
</p><p><b><font>- </font></b><font>seja declarada a nulidade do contrato de compra e venda invocado pelo Autor como causa de pedir e/ou ineficácia dessa aquisição em face da Reconvinte;</font><br>
</p><p><font>- cancelamento de todas as inscrições em vigor na CRP sobre o dito imóvel e registo da plena propriedade do mesmo, única e exclusivamente, em seu favor.</font><br>
</p><p><b><font>3. </font></b><font>O Tribunal de 1.ª instância veio a julgar procedente a ação, condenando a Ré nos pedidos formulados pelo Autor e julgou improcedente a reconvenção, absolvendo o Autor dos pedidos reconvencionais.</font><br>
</p><p><b><font>4.</font></b><font> A Ré interpôs recurso de apelação.</font><br>
</p><p><b><font>5.</font></b><font> O Tribunal da Relação … veio a julgar improcedente o recurso de apelação, mantendo a decisão do Tribunal de 1.ª instância, e concluindo da forma seguinte “negar provimento ao recurso, julgando improcedente a apelação, confirmando a sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª instância, ainda que por fundamentos distintos”.</font><br>
</p><p><b><font>6. </font></b><font>Inconformada, veio a Ré interpor recurso de revista, invocando como fundamento o disposto no artigo 671.º, n.ºs 1 e 3, </font><i><font>a contrario</font></i><font>, do Código de Processo Civil. </font><br>
</p><p><b><font>7. </font></b><font>Tendo sido suscitada a questão da não admissibilidade do recurso de revista, por a fundamentação do Acórdão recorrido não ser substancialmente diferente da fundamentação da sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª instância, foi cumprido o disposto no artigo 655.º </font><i><font>ex vi</font></i><font> artigo 679.º, ambos do Código de Processo Civil.</font><br>
</p><p><b><font>8. </font></b><font>A Recorrente veio responder, referindo que a fundamentação das decisões é substancialmente diferente, que havia interposto recurso de revista excecional e que tinha requerido o julgamento ampliado da revista.</font><br>
</p><p><b><font>9.</font></b><font> O Relator proferiu despacho, não admitindo o presente recurso, por o mesmo não ser admissível nos termos do disposto nos n.ºs 1 e 3 do artigo 671º do Código de Processo Civil, não ter sido interposto recurso de revista excecional no momento próprio e que só seria admissível o julgamento ampliado da revista (por decisão do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça) se o recurso de revista tivesse sido admitido. </font><br>
</p><p><b><font>10.</font></b><font> Notificada, a Recorrente veio apresentar reclamação para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, que o Relator convolou para reclamação para a conferência do despacho do Relator, por, no seu entendimento, a fundamentação ser substancialmente diferente, ter interposto recurso de revista excecional e ter requerido o julgamento ampliado de revista.</font><br>
</p><p><b><font>10.</font></b><font> Cumpre apreciar e decidir.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>II. Do objeto da reclamação</font></b><br>
</p><p><font>A Reclamante veio manifestar a sua discordância do despacho do Relator que não admitiu o recurso, sobre as seguintes questões: </font><br>
</p><p><font>- a não existência de fundamentação essencialmente diferente;</font><br>
</p><p><font>- a revista excecional;</font><br>
</p><p><font>- o julgamento ampliado da revista.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font> </font><b><font>III. Fundamentação</font></b><br>
</p><p><b><font>1. </font></b><font>Releva para a decisão o que consta do relatório que antecede.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>2. Do mérito da Reclamação</font></b><br>
</p><p><b><font>2.1. A existência da denominada dupla conforme</font></b><br>
</p><p><font>No despacho do Senhor Juiz Desembargador Relator de admissão do recurso de revista já havia sido admitido que poderia ocorrer a dupla conforme. Afirma-se nesse despacho: “Sucede que, em nosso ver, e sem prejuízo de douta opinião em contrário, a fundamentação do acórdão ora recorrido pode ser tida como essencialmente diferente da invocada pelo tribunal de 1.ª instância, circunstância que importa acautelar e, com ela, a própria admissibilidade do recurso de Revista interposto, à luz do preceituado no citado n.º 3 do artigo 671.º, sendo certo, ademais, que esta nossa decisão liminar não vincula, como é consabido, o Venerando Supremo Tribunal de Justiça quanto à questão da admissibilidade do presente recurso de revista”. </font><br>
</p><p><font>Analisadas as fundamentações (da sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª instância e do Acórdão recorrido), o Relator concluiu pela não existência de fundamentação essencialmente diferente, pelos motivos constantes do despacho que proferiu, </font><u><font>e com o qual concordámos</font></u><font>.</font><br>
</p><p><font>Assim:</font><br>
</p><p><font>“A Ré interpõe recurso de revista do acórdão da Relação que negou provimento ao recurso de apelação, confirmando a sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª instância que julgou a ação totalmente procedente e improcedente a reconvenção.</font><br>
</p><p><font>Trata-se de uma ação de reivindicação de um imóvel adquirido pelo Autor numa venda judicial, no âmbito de uma execução intentada contra o ex-cônjuge da Ré sem que esta, apesar de citada nesses autos nos termos do artigo 825.º do anterior Código de Processo Civil, tenha requerido a separação de meações, recusando-se, contudo, a desocupar o imóvel objeto de adjudicação ao aqui Autor.</font><br>
</p><p><font>Em reconvenção peticionou a demandada que se reconhecesse o seu direito de propriedade sobre a meação do imóvel e, bem assim, sobre a meação complementar por via do instituto da usucapião, e ainda a nulidade da compra e venda e consequente cancelamento das inscrições respetivas no registo predial.</font><br>
</p><p><u><font>O Tribunal de 1.ª instância</font></u><font> julgou a ação totalmente procedente e improcedente a reconvenção com fundamento, em síntese, em: i) ter o Autor a seu favor a presunção de titularidade decorrente do registo da aquisição por compra decorrente da venda judicial; ii) não ter a Ré demonstrado qualquer título válido para o direito de propriedade invocado que se sobrepusesse, nomeadamente, por decorrer do artigo 825.º do anterior Código de Processo Civil e do artigo 1696.º do Código Civil, que tendo sido citada na execução para requerer a separação de meações sem que o tenha feito, prosseguiu a execução com a venda do bem imóvel em causa, o qual, por ser um bem comum do casal, responde subsidiariamente pelas dívidas ainda que próprias de um dos membros do casal, não se tratando, pois, de qualquer venda de um bem alheio mas antes de uma venda forçada que não carece de consentimento do cônjuge; iii) não demonstrou a Ré os pressupostos de facto invocados tendo em vista o reconhecimento da aquisição por usucapião.</font><br>
</p><p><font> O </font><u><font>Tribunal da Relação</font></u><font>, após ter modificado parcialmente a matéria de facto, nomeadamente e com maior relevância no que concerne à factualidade relativa à demonstração da alegada situação de usucapião (cfr. facto 1.24), julgou a apelação improcedente e confirmou a sentença recorrida, “</font><i><font>ainda que por fundamentos distintos</font></i><font>”.</font><br>
</p><p><font>Fundamentou, em síntese, a sua decisão na circunstância de: i) não haver lugar na ação à apreciação de quaisquer eventuais nulidades ou irregularidades ocorridas no decurso dos autos de execução nos quais foi vendido o imóvel, designadamente no que se refere ao modo como foi cumprido o disposto no artigo 825.º do anterior Código de Processo Civil; ii) decorrer dos termos conjugados do artigo 825.º do anterior Código de Processo Civil com o artigo 1696.º, n.º 1, do Código Civil, que não tendo a Ré, após ser citada para o efeito, requerido a separação de meações, a execução prossegue nos bens penhorados, sem que a circunstância de se tratar de um bem comum constitua qualquer irregularidade; iii) o facto de se ter apurado que, na data da venda, a Ré já se encontrava divorciada do executado devedor não faz com que se tenha tratado de uma venda de um bem alheio uma vez que, conforme entende a jurisprudência, não tendo os ex-cônjuges procedido à partilha até ao momento da execução continua a aplicar-se o regime do artigo 825.º do anterior Código de Processo Civil uma vez que o património ainda permanece comum, interpretando-se extensivamente este preceito nestas situações; iv) não tendo a Ré requerido a separação de meações não pode agora, na presente ação, invocar a aquisição do imóvel por usucapião com fundamento em que, desde 1992, que tem a sua posse publicamente e com a convicção de que é apenas seu na medida em que, por efeito dos princípios da autorresponsabilidade das partes e da preclusão, deixou de ter legitimidade substantiva para invocar essa aquisição, ficando, pois, prejudicada a apreciação da verificação dos pressupostos da usucapião.</font><br>
</p><p><font>Deste aresto veio a Ré/Reconvinte interpor </font><u><font>recurso de revista</font></u><font>, </font><u><font>com julgamento ampliado</font></u><font>, nos termos do artigo 686.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, invocando, para além de diversas nulidades, que a confirmação da sentença recorrida pela Relação foi com fundamentos distintos.</font><br>
</p><p><font>O Tribunal da Relação …. proferiu novo acórdão no qual se pronunciou pela inexistência das apontadas nulidades, designadamente, de omissão de pronúncia quanto à questão da usucapião, por entender ocorrer um efeito preclusivo da sua invocação decorrente de não ter exercido os direitos decorrentes do artigo 825.º do anterior Código de Processo Civil.</font><br>
</p><p><font>O Senhor Juiz Desembargador Relator, proferiu </font><u><font>despacho singular a respeito da admissibilidade da revista</font></u><font>, e após ter feito menção a não ter sido interposto recurso de revista excecional, e ressalvando opinião vinculativa em contrário do tribunal superior, entendeu que podendo a fundamentação do acórdão recorrido ser tida como essencialmente diferente da invocada pelo Tribunal de 1ª instância, admitiu o recurso de revista. </font><br>
</p><p><font>Ora, importa analisar se ocorre o fundamento de rejeição de revista decorrente da dupla conforme, nos termos do artigo 671.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, designadamente no que respeita à existência de uma “fundamentação essencialmente diferente” entre as decisões das instâncias.</font><br>
</p><p><font>Do confronto das decisões proferidas pelas instâncias, e encontrando-se assente que existiu identidade ou sobreposição total entre os segmentos decisórios, entende-se que a fundamentação empregue pela sentença da 1.ª instância e pelo acórdão da Relação não foi </font><i><font>essencialmente</font></i><font> </font><i><font>diferente</font></i><font> por forma a justificar a admissão da revista, nos termos conjugados do artigo 671.º, n.</font><sup><font>os</font></sup><font> 1 e 3, do Código de Processo Civil.</font><br>
</p><p><font>A circunstância do acórdão recorrido ter confirmado a sentença findando com a menção a “</font><i><font>ainda que por fundamentos distintos</font></i><font>” não se mostra decisiva uma vez que, não só o juízo final quanto à admissibilidade do recurso cabe ao tribunal superior, como a utilização de fundamentos distintos não implica, por si, que tenha ocorrido fundamentação </font><i><font>essencialmente</font></i><font> diferente.</font><br>
</p><p><font>No caso presente, com efeito, não se vislumbra que as instâncias tenham percorrido um percurso jurídico substancialmente diverso, antes, pelo contrário, situaram-se e enquadraram normativamente as pretensões formuladas pelas partes nos mesmos institutos e regras jurídicas, sem que se surpreenda qualquer caminho ou via de solução inovadora ou diversa que não possa ser reconduzida à análise e interpretação das mesmas regras jurídicas.</font><br>
</p><p><font>Nesse sentido, mostrou-se decisivo para o sentido decisório proferido pelas instâncias a análise e interpretação que foi feita do disposto no artigo 825.º do anterior Código de Processo Civil, coincidindo a sentença e o acórdão recorrido na conclusão da procedência da pretensão reivindicatória do Autor, fundada na aquisição do imóvel decorrente de venda judicial, não poder ser impedida ou modificada pela defesa invocada pela Ré reconvinte na medida em que, demonstrada a ausência de reação pela Ré à citação para requerer a separação de meações, tal ter tido como consequência o prosseguimento da execução para venda do bem imóvel comum. Nessa medida, concluíram unanimemente as instâncias pela validade da venda judicial e pela ausência de fundamentos para considerar ter ocorrido qualquer venda de um bem alheio ou violação do regime de bens e de responsabilidade das dívidas dos cônjuges, decorrendo desse normativo e do disposto no artigo 1696.º, n.º 1, do Código Civil, a legalidade da venda de um bem comum ainda que respeitante a uma dívida própria do ex-cônjuge da aqui Ré.</font><br>
</p><p><font>A circunstância do acórdão recorrido ter dado enfâse ao facto de na altura da citação não serem já o executado e a Ré casados mas, ainda assim, não tendo sido feita partilha dos bens comuns do casal, haveria que dar cumprimento ao disposto no artigo 825.º do Código de Processo Civil, sustentando esse entendimento em diversa jurisprudência conhecida, apenas constitui um complemento à exegese que resulta da aplicação dos mesmos preceitos legais, não se surpreendendo, pois, qualquer fundamentação inovatória ou que não se pudesse reconduzir ao mesmo mecanismo legal. </font><br>
</p><p><font>Pode-se concluir, pois, que o </font><i><font>eixo da fundamentação jurídica</font></i><font> que se revelou decisivo para a decisão unânime de procedência da ação e de improcedência da reconvenção assentou no mesmo quadro legal, sendo a desconsideração ou consideração de argumentos pelo Tribunal da Relação em confronto com o que já resultava da sentença do Tribunal de 1.ª instância, mero reforço ou desenvolvimento do que já se encontrava nuclearmente decidido pelo tribunal recorrido.</font><br>
</p><p><font>No mais, a própria modificação da matéria de facto operada pelo Tribunal da Relação, ainda que impressiva e distinta da perfilhada inicialmente pelo Tribunal de 1.ª instância no que se refere à factualidade relativa à pretensão da Ré reconvinte a respeito da aquisição do bem por usucapião, acabou por não se revelar essencial ou materialmente relevante para o desfecho final, já que considerou o acórdão recorrido </font><i><font>prejudicada</font></i><font> a necessidade de apreciação da verificação dos pressupostos dessa forma de aquisição originária por constituir decorrência lógica da aplicação – precisamente – do regime que decorre da ausência de reação à citação para efeitos do artigo 825.º do anterior Código de Processo Civil, ficar a demandada impedida de invocar a usucapião por falta de legitimidade substantiva para o fazer, por efeito dos princípios da autorresponsabilidade das partes e da preclusão.</font><br>
</p><p><font>Assim, verificando-se que a fundamentação utilizada pelas instâncias se referiu e assentou na aplicação das mesmas regras e institutos jurídicos, e tendo o Tribunal da Relação seguido no essencial o mesmo percurso jurídico – ainda que com o aditamento de argumentos como sucedeu com a interpretação extensiva do artigo 825.º do anterior Código de Processo Civil ou com a desconsideração de vias trilhadas pelo Tribunal de 1.ª instância no que respeita à ausência de pressupostos para o reconhecimento da usucapião –, sem que tenha presidido a cada uma das decisões uma diversidade de fundamentação de natureza essencial, e uma vez que o reforço dos argumentos que decorre do acórdão recorrido não pôs em causa a fundamentação da sentença, antes reforçou e levou mais longe nos seus pressupostos o que resulta do artigo 825.º do anterior Código de Processo Civil, tornando desnecessária, inclusive, a apreciação jurídica daquilo que se referia à pretendida aquisição por usucapião, entende-se não ocorrer uma </font><i><font>fundamentação essencialmente diferente</font></i><font> que conduza a um juízo de admissão da revista normal.” </font><br>
</p><p><font>Deste modo, conclui-se que o Acórdão da Relação confirmou a decisão da 1.ª instância, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente (não sendo necessário, como se sabe, que a fundamentação seja igual), pelo que, estando em presença da denominada dupla conforme, o recurso de revista, regime regra, não é admissível (nº.s 1 e 3 do artigo 671.º do Código de Processo Civil)”.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>2.2. Revista excecional</font></b><br>
</p><p><font>A Reclamante refere que simultaneamente com a revista dita normal também interpôs recurso de revista excecional.</font><br>
</p><p><font>Ora, tal não ocorreu, como se afirmou no despacho do Relator.</font><br>
</p><p><font>“No despacho do Senhor Juiz Desembargador Relator, quando se pronunciou sobre a admissibilidade do recurso de revista, afirmou-se “Nestes termos, cumpre decidir da admissibilidade do recurso de revista interposto, sendo certo que não está em causa, à luz do teor do requerimento de interposição de recurso, um recurso de Revista Excepcional (cfr. artigo 672.º, n.º 3, do CPC)”.</font><br>
</p><p><font>Como se constata do seu requerimento de interposição de recurso de revista, a Recorrente não interpôs recurso de revista excecional, não invocando qualquer dos pressupostos da admissão da revista excecional previstos no n.º 1 do artigo 672.º do Código de Processo Civil, até pela simples razão de a Recorrente partir do pressuposto que o recurso de revista dita normal era admissível nos termos do disposto nos n.ºs 1 e 3 do artigo 671.º do Código de Processo Civil.</font><br>
</p><p><font>Ora, era no momento da interposição do recurso, que a Recorrente devia ter invocado o disposto no artigo 672.º do Código de Processo Civil, sendo extemporânea a alegação neste momento, como o STJ vem decidindo.</font><br>
</p><p><font>Deste modo, não é admissível o recurso de revista excecional”.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>2.3. O julgamento ampliado da revista</font></b><br>
</p><p><font>A Recorrente insiste que deve ser o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça a deferir ou indeferir o julgamento ampliado da revista por si requerido, não sendo da competência do Relator.</font><br>
</p><p><font>Como foi afirmado pelo Relator o deferimento ou indeferimento do julgamento ampliado da revista é da competência do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça; contudo, e antes que o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça se pronuncie sobre o julgamento ampliado da revista é necessário que a revista seja admitida. </font><br>
</p><p><font>E como foi referido, “importa, por outro lado, clarificar, desde já, uma questão que a Recorrente vem referindo com insistência: o julgamento ampliado da revista, previsto no artigo 686.º do Código de Processo Civil.</font><br>
</p><p><font>Como é óbvio nos seus termos, para que se possa concluir pelo julgamento ampliado da revista, é necessário que o recurso de revista seja admitido.”</font><br>
</p><p><font>Assim,</font><b><font> </font></b><font>o julgamento ampliado da revista (artigo 686.º do Código de Processo Civil), como anteriormente se referiu, só se poderia colocar se o recurso de revista fosse admissível (o que, como se referiu, não é), sendo que, só depois de admitido, os autos seriam presentes ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, com parecer do Relator, para se pronunciar sobre o requerido julgamento ampliado da revista.</font><br>
</p><p><font>Deste modo, também nesta parte, a Recorrente não tem razão. </font><br>
</p><p><font>A Recorrente veio suscitar ainda questões sobre a constitucionalidade (questões de constitucionalidade que com frequência são suscitadas quando as decisões não são favoráveis às partes) na não apresentação dos autos ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, de considerar que não estamos em presença de uma fundamentação essencialmente diferente, ocorrendo a dupla conforme, inviabilizadora do recurso de revista e da não admissão da revista excecional. </font><br>
</p><p><font>Ora, como já havia afirmado o Relator, com o que se concorda, não ocorre qualquer violação dos princípios constitucionais.</font><br>
</p><p><font>Assim:</font><br>
</p><p><font>“Em primeiro lugar, importa referir que não se verifica a violação do disposto no nº 4 do artigo 20º da CRP pois:</font><br>
</p><p><font>- preceitua que “todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objeto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo.</font><br>
</p><p><font>“A exigência de um processo equitativo, constante do artigo 20º, nº 4, se não afasta a liberdade de conformação do legislador na concreta estruturação do processo, impõe, antes de mais, que as normas processuais proporcionem aos interessados meios efectivos de defesa dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos e paridade entre as partes na dialéctica que elas protagonizam no processo. Um processo equitativo postula, por isso, a efectividade do direito de defesa no processo, bem como dos princípios do contraditório e da igualdade de armas”</font><br>
</p><p><font>(Jorge Miranda, Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 2005, pág.192) </font><br>
</p><p><font>Como se afirma no Acórdão do STJ, de 12 de abril de 2018 (consultável em </font><a><u><font>www.dgsi.pt</font></u></a><font>), a exigência de um processo equitativo, consagrado no artigo 20º, nº4, da Constituição, não afasta a liberdade de conformação do legislador na concreta modelação do processo. Impõe apenas que, no seu núcleo essencial, os regimes adjectivos proporcionem aos interessados meios efectivos de defesa dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, bem como uma efectiva igualdade de armas entre as partes no processo, não estando o legislador autorizado a criar obstáculos que dificultem ou prejudiquem, arbitrariamente ou de forma desproporcionada, o direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efectiva. </font><br>
</p><p><font>Como se referiu no Acórdão desta secção, no âmbito do processo nº 1849/16.8YLPRT.L1.S1,”…o princípio da admissibilidade ilimitada dos recursos ou o da não delimitação do seu objecto … não encontra sustento no texto da Constituição e a jurisprudência do Tribunal Constitucional vem assumindo que, no nosso ordenamento jurídico, o direito de acesso aos tribunais e à tutela jurisdicional efectiva, particularmente em matéria cível, não é infindo, apenas estando vedado ao legislador ordinário o estabelecimento do conteúdo do genérico direito ao recurso de actos jurisdicionais com uma redução intolerável ou arbitrária”.</font><br>
</p><p><font>Por isso a jurisprudência constitucional vem unanimemente afirmando que, em matéria cível, o direito de acesso aos tribunais não integra forçosamente o direito ao recurso, no qual não se integra forçosamente um triplo ou, sequer, duplo grau de jurisdição, apenas estando vedado ao legislador ordinário o estabelecimento do conteúdo do genérico direito ao recurso de actos jurisdicionais com uma redução intolerável ou arbitrária. Porém, uma tal arbitrariedade não afeta, manifestamente, as normas citadas com a dita interpretação, que são, compreensivelmente, justificadas pela necessidade da racionalização dos (escassos) meios disponibilizados para administrar a Justiça, com a qual o proclamado princípio da tutela jurisdicional efetiva se deve compatibilizar.</font><br>
</p><p><font>Também tal direito não é necessariamente decorrente do que se dispõe na Declaração Universal dos Direitos do Homem ou na Convenção Europeia dos Direitos do Homem (cfr. Ribeiro Mendes, in Recursos em Processo Civil, págs. 99 e 100). </font><br>
</p><p><font>Ora, a limitação de recurso não é arbitrário e é, compreensivelmente, justificada pela necessidade de racionalizar os (escassos) meios disponibilizados para administrar a Justiça, não permitindo que o debate de determinadas questões, entre as mesmas partes, se espraie indefinidamente, em prejuízo da paz jurídica, que ao Estado, como defensor do interesse público, compete assegurar. </font><br>
</p><p><font>A jurisprudência do tribunal Constitucional tem sido sempre unânime e precisa no sentido do nº 1 do artigo 20º da Constituição não decorre um direito geral ao recurso.</font><br>
</p><p><font>Como se refere no Acórdão do Tribunal Constitucional (nº 589/2005), de 2 de novembro de 2005, consultável </font><a><u><font>www.tribunalconstitucional.pt</font></u></a><font>, “o direito de acesso aos tribunais para defesa dos direitos e interesses legítimos “é, entre o mais, o direito a uma solução jurídica dos conflitos, a que se deve chegar em prazo razoável e com observância das regras da imparcialidade e independência, possibilitando-se, designadamente, um correcto funcionamento do contraditório”. Mas esse acesso aos tribunais não tem que ser assegurado sempre em mais de um grau de jurisdição: mesmo no domínio do processo penal, “a Constituição não impõe […] que o legislador consagre a faculdade de recorrer de todo e qualquer acto do juiz”.</font><br>
</p><p><font>Por outro lado, disse este Tribunal, no acórdão nº 673/95 (Diário da República, 2ª Série, nº 68, de 20 de Março de 1996, p. 3786 ss):</font><br>
</p><p><font>“[…] Que não há aí violação do artigo 20º e mais rigorosamente do seu nº 1, da Constituição – […] – é um dado que ressalta de posições ditas e reafirmadas por este Tribunal Constitucional, apoiando-se na doutrina e na sua já vasta jurisprudência a propósito tirada, no sentido de que o direito de acesso aos tribunais postulado pelo artigo 20º, nº 1, da Lei Fundamental não garante, necessariamente, em todos os casos e por si só, o direito a um duplo ou a um triplo grau de jurisdição, sendo que a garantia de um duplo grau de jurisdição referentemente a réus condenados em processo criminal não é imposta por aquele normativo constitucional, antes decorrendo do que se preceitua no nº 1 do artigo 32º da Constituição.</font><br>
</p><p><font>E, igualmente, tem defendido que aquela Lei não consagra um direito geral de recurso das decisões judiciais (afora aquelas de natureza criminal condenatória, recurso esse, porém, que deflui da necessidade de previsão de um segundo grau de jurisdição, necessidade essa, repete-se, imposta pelo nº 1 do artigo 32º). Acrescenta, todavia, com suporte na própria doutrina, que, uma vez que a Constituição prevê «a existência de tribunais de recurso na ordem dos tribunais judiciais» - o mesmo acontecendo na ordem dos tribunais administrativos e fiscais – e que lei infra-constitucional, designadamente os diplomas adjectivos fundamentais e os que regem a organização judiciária […], também prevêem esses órgãos de administração de justiça funcionando como tribunais também vocacionados para decidir em sede de impugnação das decisões emanadas de tribunais de hierarquia inferior, então não será lícito ao legislador ordinário suprimir em bloco os tribunais de recurso e os próprios recursos ou ir até ao ponto de limitar de tal modo o direito de recorrer, que, na prática, se tivesse de concluir que os recursos tinham sido suprimidos. (…)</font><br>
</p><p><font>É, portanto, entendimento pacífico na jurisprudência constitucional que </font><font>o direito de acesso à justiça não comporta o sistemático exercício do direito ao recurso, visando assegurar o duplo grau de jurisdição perante todas as decisões que afectem determinado interveniente processual”.</font><br>
</p><p><font>Por outro lado, nem a Declaração Universal dos Direitos do Homem ou a Convenção Europeia dos Direitos do Homem impõem que o direito de acesso ao tribunal contém em si o direito ao recurso. </font><br>
</p><p><font>Como afirma Lopes do Rego, in O Direito fundamental de acesso aos tribunais e a reforma do processo civil, inserido nos Estudos em Homenagem a Cunha Rodrigues, pág. 764, as “limitações derivam, em última análise, da própria natureza das coisas, da necessidade imposta por razões de serviço e pela própria estrutura da organização judiciária de não sobrecarregar os Tribunais Superiores com a eventual reapreciação de todas as decisões proferidas pelos restantes tribunais”.</font><br>
</p><p><font>Assim, podendo o legislador impor restrições no âmbito dos recursos, não se vislumbra que, no caso concreto, essa limitação viole o princípio da proporcionalidade, porquanto estamos em presença de uma decisão que não conhece do mérito da causa e ponha termo ao processo. </font><br>
</p><p><font>A Reclamante parte, assim, do princípio que a CRP impõe a existência do direito ao recurso.</font><br>
</p><p><font>Como se afirma no Acórdão nº 415/01, de 3 de outubro de 2001, do Tribunal Constitucional, “não se tratando de um recurso interposto num processo de natureza penal, caso em que haveria que tomar em conta o disposto no nº1 do seu artigo 32º, cabe começar por determinar se a Constituição garante o direito ao recurso no âmbito do processo civil em geral ou, em particular, no domínio das providências cautelares, como é o caso.</font><br>
</p><p><font>Ora a verdade é que, como o Tribunal Constitucional tem afirmado uniforme e repetidamente, não resulta da Constituição, em geral, nenhuma garantia do duplo grau de jurisdição, ou seja, nenhuma garantia genérica de direito ao recurso de decisões judiciais; nem tal direito faz parte integrante e necessária do princípio constitucional do acesso ao direito e à justiça, expressamente consagrado no citado artigo 20º da Constituição.</font><br>
</p><p><font>Como, por exemplo, se entendeu expressamente no acórdão nº 638/98 (Diário da República, II Série, de 15 de Maio de 1999), e ainda recentemente se reafirmou no acórdão nº 202/99 (Diário da República, II Série, de 6 de Fevereiro de 2001), aprovado em plenário, “7. O artigo 20º, nº 1, da Constituição assegura a todos “o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos”.</font><br>
</p><p><font>Tal direito consiste no direito a ver solucionados os conflitos, segundo a lei aplicável, por um órgão que ofereça garantias de imparcialidade e independência, e face ao qual as partes se encontrem em condições de plena igualdade no que diz respeito à defesa dos respectivos pontos de vista (designadamente sem que a insuficiência de meios económicos possa prejudicar tal possibilidade). Ao fim e ao cabo, este direito é ele próprio uma garantia geral de todos os restantes direitos e interesses legalmente protegidos.</font><br>
</p><p><font>Mas terá de ser assegurado em mais de um grau de jurisdição, incluindo-se nele também a garantia de recurso? Ou bastará um grau de jurisdição?</font><br>
</p><p><font>A Constituição não contém preceito expresso que consagre o direito ao recurso para um outro tribunal, nem em processo administr | [0 0 0 ... 0 0 0] |
GjFiu4YBgYBz1XKvtP95 | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font> </font><font> </font><br>
<font> </font><div><br>
<font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: </font></div><br>
<br>
<font> </font><br>
<p><font> </font>
</p><p><b><font>I. Relatório</font></b>
</p><p>
</p><p><b><font>1.</font></b><font> Na providência cautelar de embargos de obra nova n.º 1482/18.... do Juízo Local Cível ..., da Comarca ..., em que é Embargante </font><b><font>AA </font></b><font>e</font><b><font> </font></b><font>Embargado </font><b><font>BB </font></b><font>foi proferida, na sequência dos anteriores recursos e deliberações do Tribunal da Relação, a quarta sentença nesta providência, agora datada de 28/ago./2020, mediante a qual se decidiu o seguinte:</font>
</p><p><font>“Nos termos supra expostos, por se não encontrarem reunidos os pressupostos legais, indefere-se a presente providência cautelar especificada de ratificação judicial de embargo extrajudicial de obra nova, absolvendo-se o requerido BB do peticionado.</font>
</p><p><font>Custas pelo requerido, a atender na ação principal. – cfr. arts. 527.º, n.º 1 e 539.º, n.ºs 1 e 2 do C.P.Civil”.</font>
</p><p><b><font>2.</font></b><font> </font><font>No primeiro acórdão, datado de 08/nov./2018, foi deliberado o seguinte:</font>
</p><p><font>“Nos termos e fundamentos expostos, delibera-se conceder provimento ao recurso interposto pela requerente AA e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida, a qual deverá ser substituída por outra que, caso ainda assim se entenda, mande aperfeiçoar o requerimento inicial, superando as deficiências que considere aí existentes quanto à alegação da matéria de facto.”</font>
</p><p><b><font>3.</font></b><font> No segundo acórdão, desta vez datado de 10/jul./2019, foi deliberado o seguinte:</font>
</p><p><font>“Nos termos e fundamentos expostos, delibera-se conceder parcial provimento ao recurso interposto pela requerente AA e, em consequência, determina-se:</font>
</p><p><font>1.º) alterar os factos provados em conformidade com o anteriormente mencionado em a) dos fundamentos do recurso e elencados de 1 a 11, fixando como controvertido o agora designado item 12.</font>
</p><p><font>2.º) a realização de inspeção judicial ao local, devendo o tribunal ser auxiliado por topógrafo, que na ocasião deverá realizar um levantamento topográfico de acordo com a planta topográfica anexa ao já referido “Acordo de Delimitação de Estremas e Colocação de Marcos”, obtendo-se as devidas fotografias dessa diligência.</font>
</p><p><font>3.ª) após tal diligência de prova deverá ser proferida nova sentença, fixando o facto ainda controvertido e realizando o correspondente enquadramento jurídico dos factos provados.”</font>
</p><p><b><font>4.</font></b><font> No terceiro acórdão de 18/jun./2020 deliberou-se o seguinte:</font>
</p><p><font>“conceder provimento ao recurso interposto pela requerente AA e, em consequência, anula-se a sentença recorrida, devendo ser designada audiência pública para alegações das partes, através dos seus advogados.”</font>
</p><p><b><font>5. </font></b><font>A Requerente insurgiu-se igualmente contra a referida quarta sentença, tendo em 29/set./2020 interposto recurso</font><b><font> </font></b><font>de apelação.</font>
</p><p><b><font>6.</font></b><font> O Tribunal da Relação do Porto proferiu a seguinte decisão:</font>
</p><p><font>“Nos termos e fundamentos expostos, delibera-se considerar extinta a presente instância recursiva, decorrente da sua impossibilidade superveniente.”</font>
</p><p><b><font>7. </font></b><font>Inconformada com tal decisão, a Requerente veio interpor o presente recurso de revista (</font><b><font>tendo sido admitido o recurso relativamente às questões da violação das regras de competência em razão da hierarquia e da violação do caso julgado</font></b><font>) formulando as seguintes (transcritas) conclusões (no que respeita ao recurso admitido):</font>
</p><p><font>1.ª O procedimento cautelar, atento o valor que lhe foi fixado confere às partes dois graus de jurisdição.</font>
</p><p><font>2.ª A competência da Veneranda Relação é competência em recurso, para questões apreciadas em 1ª instância, ali decididas e que as partes queiram ver reapreciadas pela via de recurso.</font>
</p><p><font>3.ª A Veneranda Relação considerou que apesar de discutida na 1ª instância a questão da impossibilidade de prosseguimento da providência cautelar, não houve despacho sobre a mesma e que as decisões tácitas não têm enquadramento relevante, nem vinculação no sistema jurídico português.</font>
</p><p><font>4.ª E acabou a decidir, em termos de recurso, uma questão que diz não decidida e logo também não recorrida em sede de 1ª instância.</font>
</p><p><font>5.ª Violou o direito da autora a um segundo grau de jurisdição e a sua própria competência hierárquica.</font>
</p><p><font>6.ª Já que na constatação da questão como essencial, deveria ter devolvido os autos à 1ª instância</font>
</p><p><font>7.ª Ao não proceder desta forma, violou as regras de competência hierárquica e o disposto no artº 68º nº 2 do C.P.C.</font>
</p><p><font>8.ª Nos autos da acção principal, a instância definida nos termos da petição inicial, estabilizou-se com a citação dos Réus.</font>
</p><p><font>9.ª No despacho saneador, proferido em 01/fev/2019, o Tribunal modificou a instância, quanto às pessoas e quanto ao pedido.</font>
</p><p><font>10.ª A autora interpôs recurso de apelação autónoma, não se conformando com aquela decisão nem com a legalidade da mesma.</font>
</p><p><font>11.ª Tudo o que nos autos, posteriormente ao douto despacho saneador, foi praticado e decidido, ficou dependente da correção da decisão proferida no despacho saneador, a verificar na decisão que viesse a ser proferida na apelação autónoma.</font>
</p><p><font>12.ª Esse recurso decidido em acórdão de 13/jan./2020 que revogou a decisão de 01/fev/2019, tendo como consequência que, a partir dessa data se recuperasse a instância, nos termos primitivos.</font>
</p><p><font>13.ª O julgamento, entretanto realizado e a sentença proferida no processo principal em 29/abr/2019, foram realizados e obtida, sabendo todos os intervenientes na instância, que estavam dependentes do que viesse a ser decidido no recurso de apelação autónoma.</font>
</p><p><font>14.ª Sabiam nomeadamente que com o douto saneador, a liberdade da autora na propositura da acção e na definição para ela na suaestratégiade prova foi cerceada e que por isso.</font>
</p><p><font>15.ª O julgamento realizado decorreu com exclusão de uma das partes intervenientes na instância e sob pedido reformulado sob condição e com vontade coagida da autora.</font>
</p><p><font>16.ª O que desde logo resultou na sentença, dirigida apenas aos Réus resultantes da redução da instância e com interesse no pedido que a autora condicionalmente teve de reformular.</font>
</p><p><font>17.ª Por isso se tem entendido, face à omissão da lei, que há uma “suspensão do caso julgado” eventualmente obtido na sentença final e que na procedência da apelação autónoma há que aplicar, por analogia, o disposto no art. 195.º, n.º 2, CPC: a procedência do recurso implica a inutilização e a repetição de todos os actos que sejam afectados por aquela procedência; entre esses actos inclui-se a sentença final.</font>
</p><p><font>18.ª O trânsito em julgado do acórdão de 13/jan./2020 importa o reconhecimento de que todos os atos praticados após a decisão revogada são irregulares, por assentarem em pressupostos que se reconhecem errados e quesó podem ser aproveitados na medida em que por independentes, teriam sido praticados, mesmo que o erro não tivesse existido, mostrando-se que a sua repetição seria absolutamente inútil.</font>
</p><p><font>19.ª Não é este o caso da sentença de 29/abr/2019 que como se disse decidiu sob pedido que não o inicialmente formulado pela autora, e foi obtida retirando-se à autora o direito a definir toda a sua estratégia processual, inclusa a determinação dos meios de prova.</font>
</p><p><font>20.ª Veja-se, por exemplo a impossibilidade de utilizar o depoimento de CC que sendo réu, nada tem a confessar para o julgamento com o pedido modificado.</font>
</p><p><font>21.ª Considerar que essa sentença poderia beneficiar do princípio de trânsito em julgado com prioridade à decisão proferida na apelação autónoma intercalar, seria estabelecer e conceder ao caso julgado, que não tem no sistema jurídico natureza absoluta, e que embora previsto na Constituição, não lhe é ali conferida a natureza de princípio ao ponto de se sobrepor ao da definição de Estado de direito democrático e garantia de Justiça estabelecidos nos artºs 2º e 20º da Constituição.</font>
</p><p><font>22.ª E, tão pouco é assim, porquanto essa sentença, confirmada embora no acórdão de 21/nov/2019, só se consolidou com a decisão sobre a reclamação desse acórdão, obtida no acórdão de 06/fev/2020.</font>
</p><p><font>23.ª A decisão que determinou a revogação do despacho saneador transitou em julgado em 13/jan/2020, e a sentença final dependente da correção da alteração da instância operada no saneador, apenas transitou em julgado em 06/fev/2020.</font>
</p><p><font>24.ª Impõe-se pois se dê cumprimento ao disposto no artº 625º do C.P.C., atendendo-se à decisão que transitou em julgado em 1º lugar.</font>
</p><p><font>25.ª A veneranda relação, não atentando na prioridade de trânsitos em julgado violou este preceito legal.</font>
</p><p><font>26.ª Mais ocorre que face à sequência dos acórdãos, a questão não está ainda decidida definitivamente no processo principal da 1ª instância, pelo que a apreciação desta questão, em sede de recurso, apenas o poderá ser naquela instância e processo, onde pende já um outro recurso, intentado pela autora em data anterior a esta decisão de que se recorre.</font>
</p><p><font>27.ª Declarar-se, como aqui se declarou que a questão está definitivamente resolvida no processo principal, é pois mais uma intromissão da Veneranda Relação, em matéria excluída à sua competência.</font>
</p><p><font>28.ª No âmbito da providência cautelar e já após a prolação dos acórdãos de 13/jan/2020 num dos recursos e 21/nov/2019 e 06/fev/2020 no outro recurso, a Mma juiz levantou a questão da decisão final proferida no processo e a relação desta decisão com a caducidade da providência.</font>
</p><p><font>29.ª Foi essa questão ali discutida e o processo cautelar prosseguiu os seus termos, com audiência produção de prova e sentença final.</font>
</p><p><font>30.ª A decisão de prosseguir com os autos e inclusive com a prolação da sentença, não são despachos de mero expediente pelo que vinculam o Tribunal, em termos de coerência e respeito devido às partes, que acreditaram e confiaram nessas decisões.</font>
</p><p><font>31.ª A Veneranda Relação ao fazer retroceder os atos da providência ao momento do seu próprio último acórdão, não valorando nada do processado posterior, violou o disposto no artº 620º do C.P.C.</font>
</p><p><font>E conclui:</font>
</p><p><font>“</font><font> </font><font>Nos termos da legislação referida. DEVE reconhecer-se o erro de direito das instâncias por forma a repor a Lei e o Direito, e, em consequência revogar-se a decisão da Veneranda Relação, determinando-se o prosseguimento dos termos do recurso de Apelação na providência</font><font> cautelar”. </font><br>
</p><p><b><font>8.</font></b><font> Não foram apresentadas contra-alegações. </font><br>
</p><p><b><font>9.</font></b><font> Cumpre apreciar e decidir.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>II. Delimitação do objeto do recurso</font></b><br>
</p><p><font>Como é jurisprudência sedimentada, e em conformidade com o disposto nos artigos 635º, nº 4, e 639º, nºs 1 e 2, ambos do Código de Processo Civil, o objeto do recurso é delimitado em função das conclusões formuladas pelo recorrente, pelo que, dentro dos preditos parâmetros, e tendo presente que a admissão do recurso de revista foi limitado, as questões a apreciar são: </font><br>
</p><p><font>- a violação da competência em razão da hierarquia;</font><br>
</p><p><font>- a violação do caso julgado. </font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>III. Fundamentação</font></b><br>
</p><p><font>Para análise do objeto do recurso importa ter em consideração os seguintes elementos:</font>
</p><p><b><font>1. </font></b><b><u><font>Por referência aos autos principais:</font></u></b>
</p><p><font>a. Em sede de petição inicial, a Autora/Recorrente formulou os seguintes pedidos:</font><br>
</p><p><font>“</font><i><font>A) Que se reconheça que a Autora é dona e legítima proprietária dos prédios rústicos denominados ... e ..., sitos no ..., freguesia de ..., concelho de ..., inscritos sob os artigos ...20 e …21, e descritos na Conservatória de Registo Predial de ... sob o ...46.</font></i><br>
</p><p><i><font>B) Que se reconheça à Autora. o direito de preferência na aquisição do prédio rústico denominado ..., sito no ..., freguesia de ..., concelho de ..., inscrito sob o artigo ...92 e descrito na Conservatória de Registo Predial de ... sob o nº ...78, transaccionado e a que aludem os artigos 4 e ss desta petição, substituindo-se aos 1ºs RR no ali referido contrato particular autenticado de compra e venda.</font></i><br>
</p><p><i><font>C) Que seja ordenado o cancelamento de todo e quaisquer registos que os 1ºs RR BB e DD, compradores, hajam feito a seu favor em consequência da compra do supra referido prédio, sempre com todas as demais consequências que ao caso couberem.</font></i><br>
</p><p><i><font>D) Que os 1ºs RR sejam condenados a repor o prédio da autora no estado em que se encontrava em 3 de Março de 2018, fixando-se-lhes um prazo de 30 dias para esse efeito, e impondo-se-lhes sanção pecuniária compulsória de valor não inferior a =150,00 €= por cada dia de atraso na entrega/reposição do prédio na situação anterior.</font></i><br>
</p><p><i><font>SUBSIDIARIAMENTE e PREVENINDO A HIPÓTESE DA ACÇÃO DE PREFERÊNCIA NÃO PROCEDER,</font></i>
</p><p><i><font>E) Que os 1ºs RR sejam condenados a reconhecerem e a respeitarem como linha de demarcação do prédio da autora a fixada na planta junta com o documento nº 7</font></i><font>.”</font>
</p><p><font>b. Por despacho saneador proferido em 01.02.2019, foram os RR. absolvidos da instância relativamente aos pedidos deduzidos nas als. B) e C) da petição inicial, referentes à pretensão de preferência, tendo os autos prosseguido para apreciação dos demais pedidos formulados.</font>
</p><p><font>c. A Recorrente interpôs recurso do despacho saneador.</font>
</p><p><font>d. Em 29.04.2019, foi proferida sentença nos autos principais que julgou a ação, parcialmente, procedente, reconhecendo </font><i><font>o direito de propriedade da Autora sobre os prédios rústicos denominados ... e ..., sitos no ..., freguesia de ..., concelho de ..., inscritos sob os artigos ...20 e …21, e descritos na Conservatória de Registo Predial de ... sob o n.º ...46, absolvendo os Réus dos demais pedidos.</font></i>
</p><p><b><font>e. </font></b><font>A sentença proferida foi objeto de recurso, tendo o Tribunal da Relação do Porto, em 21.11.2019, alterado, parcialmente, a factualidade a provada, </font><b><font>mantendo</font></b><font>, no entanto, </font><b><font>a sentença recorrida.</font></b>
</p><p><font>f. A Autora/Recorrente reclamou para a Conferência, invocando a nulidade do acórdão proferido.</font>
</p><p><font>g. Em 13.01.2020, o Tribunal da Relação do Porto proferiu acórdão nos termos do qual </font><b><font>revogou o despacho saneador recorrido</font></b><font>, mencionado na al. b. </font><i><font>supra</font></i><font>, determinando o prosseguimento dos autos para conhecimento dos pedidos mencionados nas als. B) e C). </font>
</p><p><font>h. Por decisão de 06.02.2020 foi a reclamação apresentada, mencionada na al. f. supra, julgada, integralmente, improcedente. </font>
</p><p><b><font>2. </font></b><b><u><font>Por referência aos autos de procedimento cautelar (embargo de obra nova):</font></u></b>
</p><p><font>a. Na sequência de acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, de 18.06.2020, que determinou a reabertura da audiência para alegações das partes, pelo Tribunal de primeira instância foi proferido o seguinte despacho: “</font><i><font>Por Acórdão proferido neste apenso decidiu-se o seguinte: "anula-se a sentença recorrida, devendo ser designada audiência pública para alegações das partes, através dos seus advogados". Sucede, porém, que relativamente à matéria objeto do procedimento cautelar já transitou em julgado a sentença proferida na ação principal de que o mesmo é dependência, julgando a ação improcedente, o que releva nos termos do disposto nos arts. 373.º, n.ºs 1, al. c) e 3 do C.P.Civil. Assim, ao abrigo do disposto no art. 6.º do C.P.Civil, determino a notificação dos Mandatários das partes para, em 5 dias, informarem da intenção de produzirem alegações orais, para o que será necessário designar data, devendo, nesse caso, informar da verificação de alguma das situações previstas no art. 6.º-A, n.º 4 da Lei n.º 1-A/2020.03.19 e, em caso afirmativo, da possibilidade de praticarem o ato via webex ou outro meio idóneo de comunicação à distância, ou se, não obstante o decidido pelo Venerando Tribunal da Relação do Porto, prescindem desse ato público, sendo-lhes facultada a possibilidade de, em prazo a determinar, alegarem por escrito</font></i><font>.” </font>
</p><p><font>b. Por despacho proferido em 21.08.2020, o Tribunal de primeira instância agendou data para continuação de audiência de julgamento, admitindo a produção de prova por declarações de parte.</font>
</p><p><font>c. Em 28.08.2020, por decisão final proferida no respetivo apenso, foi a providência cautelar requerida julgada improcedente, absolvendo-se o R. do peticionado.</font>
</p><p><font>d. Por acórdão proferido em 11.02.2021 (objeto do recurso), foi declarada a inutilidade superveniente da lide, com fundamento na decisão proferida nos autos principais mencionada em 1.d. </font><i><font>supra</font></i><font>.</font><br>
</p><p><b><font>3. </font></b><font>Vem a embargante interpor recurso de revista do acórdão da Relação que julgou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide.</font><br>
</p><p><font>O Tribunal de 1.ª instância julgou improcedente o embargo de obra nova requerido, tendo o Tribunal da Relação do Porto considerado, em suma, que a 1.ª instância não se pronunciou sobre a utilidade ou inutilidade da providência, seja de forma explícita ou de forma implícita, e que a apreciação da sentença proferida pela 1.ª instância não revestia de qualquer utilidade por ter sido a ação principal a que estes autos se encontram apensos julgada improcedente, por decisão transitada em julgado.</font><br>
</p><p><font>Não se conformando com a decisão proferida pelo Tribunal da Relação do Porto, veio a embargante interpor recurso de revista invocando, em suma, que:</font>
</p><p><font>i) O Tribunal da Relação não podia conhecer de uma questão não suscitada em sede de recurso, uma vez que sobre a qual não recaiu qualquer decisão da primeira instância. </font>
</p><p><font>ii) O Tribunal da Relação do Porto tinha o dever de conhecer do objeto do recurso, pois que o trânsito em julgado da sentença proferida nos autos principais ficou prejudicado por força do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto em 13.01.2020, do que resulta que a ação principal não se encontra, ainda, decidida. </font>
</p><p><font>iii) A prolação de sentença no âmbito dos autos de procedimento cautelar vincula o Tribunal e é geradora de uma situação de confiança.</font><br>
</p><p><font>Invoca, pois, a Recorrente que o Tribunal da Relação do Porto, ao decidir como decidiu, violou as regras de competência em razão da hierarquia e que ocorre na decisão proferida ofensa ao caso julgado. </font><br>
</p><p><b><font>4.</font></b><font> </font><b><font>Da violação de regras de competência em razão da hierarquia</font></b>
</p><p><font>Entende a Recorrente que o Tribunal da Relação do Porto violou as regras de competência em razão da hierarquia, considerando que, ao não conhecer do objeto do recurso, violou o direito da Autora a um duplo grau de jurisdição e a sua própria competência hierárquica.</font>
</p><p><font>No caso dos autos, há que salientar que o Tribunal de 1.ª instância não se pronunciou, expressamente, quanto à caducidade da providência cautelar. Assim, depois de ter dado prazo para exercício do direito ao contraditório quanto à eventual caducidade da providência, o Tribunal de 1.ª instância proferiu despacho a admitir as declarações de parte requeridas e, após, proferiu sentença conhecendo da providência requerida.</font>
</p><p><font>Ora, se é certo que inexiste qualquer decisão expressa quanto à matéria, é também verdade </font><font>que </font><u><font>apenas ao proferir a sentença o Tribunal de 1.ª instância tomou posição definida</font></u><font>, ainda que implícita, quanto à utilidade de conhecimento da providência requerida. Veja-se que, até esse momento, o Tribunal de 1.ª instância podia ter decidido pela extinção da instância por verificação de inutilidade superveniente da lide, sem qualquer perigo de decisão incompatível, sendo evidente que o despacho de admissão de prova por declarações de parte, enquanto despacho interlocutório, não contém em si mesmo, ainda que implicitamente, uma manifestação de entendimento quanto à caducidade da providência. É, pois, quanto a esse aspeto, totalmente, omisso.</font>
</p><p><font>Se assim é, temos por evidente que </font><font>não há caso julgado da decisão implícita inserta na sentença proferida, já que da mesma foi interposto recurso (cf. artigo 628.º do Código de Processo Civil). Não há, pois, nenhuma situação de confiança a tutelar.</font>
</p><p><font>Assim, a questão que se coloca no caso dos autos é a de saber se, perante a decisão do Tribunal de 1.ª instância – não transitada em julgado -, o Tribunal da Relação do Porto não poderia ter concluído como concluiu, tendo, por esse motivo, extravasado os seus poderes como Tribunal de recurso.</font>
</p><p><font>Como é consabido, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente, não podendo o Tribunal de recurso conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso, conforme decorre dos artigos 635º, n.º 4, 639.º, n.º 1, e artigo 608.º, n.º 2, este último aplicável </font><i><font>ex vi</font></i><font> artigo 663.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.</font>
</p><p><font>Assim, sendo </font><font>a inutilidade superveniente da lide uma exceção dilatória inominada de conhecimento oficioso, sempre competiria ao Tribunal da Relação do Porto conhecê-la, não estando condicionado i) pelo entendimento, ainda que implícito, propugnado pelo Tribunal de 1.ª a instância, nem tampouco ii) pelo objeto do recurso.</font>
</p><p><font>Neste sentido, veja-se o Acórdão proferido por este Supremo Tribunal, em 3/11/2020 (processo n.º18049/19.8T8PRT.P1.S1) que, em situação similar, decidiu que “</font><i><font>Nada impedia a Relação de se pronunciar afirmativamente sobre a ilegitimidade passiva dos RR, ainda que não tenha sido suscitada nos autos, por se tratar de questão de conhecimento oficioso e ainda não se encontrar decidida com trânsito em julgado, uma vez que apenas o Julgado de Paz declarara genericamente (num mero despacho tabelar) a legitimidade das partes, sem a apreciar concretamente.</font></i><font>”</font>
</p><p><font>Ademais, dispõe a este propósito a al. h), do n.º 1, do artigo 652.º do Código de Processo Civil que compete ao relator </font><i><font>julgar extinta a instância por causa diversa do julgamento ou julgar findo o recurso, por não haver que conhecer do seu objeto</font></i><font>, não decorrendo de tal poder a violação do direito a um segundo grau de jurisdição.</font>
</p><p><font>Nas palavras de Rui Pinto (Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 2018, Almedina ) “</font><i><font>a hierarquização dos tribunais exprime-se, antes do mais, num duplo plano de competência excludente e de competência revogatória. Assim, sempre que o processo é remetido ao tribunal hierarquicamente superior é devolvida (devolução de subida) com ele a competência decisória: o tribunal recorrido perde competência e o tribunal de recurso ganha competência. Mas o que define esta última como competência superior é a circunstância de esta ser, além disso, uma competência de revogação de decisão alheia (…). Esta qualificação implica que a regra pela qual na contradição de julgados prevalece o mais antigo (cf. 625.º, n.º 1) valha entre decisões da mesma hierarquia, não valha entre decisões ligadas por uma relação de recurso: a segunda prevalece sobre a primeira e suprime a primeira</font></i><font>”. </font>
</p><p><font>Por força deste entendimento, há, pois, que concluir que, sem prejuízo do caso julgado formal, que </font><i><font>in casu</font></i><font>, como vimos, não ocorre, o Tribunal da Relação não fica refém do decidido pelo Tribunal de 1.ª instância, podendo e devendo exercer os poderes que lhe são conferidos nos termos da lei. </font>
</p><p><font>O que fica dito </font><i><font>supra </font></i><font>vale, por maioria de razão, </font><font>em caso de total ausência de decisão, explícita ou implícita, por parte do Tribunal de 1.ª instância, não configurando a decisão de extinção da instância a violação do direito a um duplo grau de jurisdição, mas o simples exercício dos poderes decisórios da Relação, tal como se encontram discriminados na nossa lei processual. </font>
</p><p><font>Se assim é, há que concluir que o Tribunal da Relação não extravasou os poderes que lhe são cometidos nos termos das normas </font><i><font>supra</font></i><font> citadas, não se verificando qualquer violação das regras de competência em razão da hierarquia.</font>
</p><p>
</p><p><b><font>5.</font></b><font> </font><b><font>Verificação da exceção de caso julgado</font></b><br>
</p><p><font>A Recorrente defende, ainda, que o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto viola o caso julgado, uma vez que não teve em consideração a decisão proferida pelo mesmo Tribunal em 13/01/2020. </font><br>
</p><p><font>Não assiste razão à recorrente.</font><br>
</p><p><font>Como se sabe, do caso julgado decorrem, essencialmente, dois efeitos, a saber: impossibilidade de qualquer tribunal voltar a pronunciar-se sobre a questão decidida (efeito negativo ou exceção de caso julgado) e vinculação do mesmo tribunal ou de outros tribunais à decisão proferida (efeito positivo ou autoridade de caso julgado).</font><br>
</p><p><font>Com o caso julgado visa-se, essencialmente, assegurar a certeza e segurança jurídicas que se afiguram indispensáveis à vida em comunidade, impedindo a verificação de decisões judiciais incompatíveis entre si, podendo ser material ou formal, conforme a decisão verse sobre a relação material controvertida ou recaia sobre a relação processual.</font><br>
</p><p><font>Dito isto, no caso que nos ocupa, cruzam-se, a nosso ver, duas questões diferentes e autónomas entre si, a saber se: i) a decisão ínsita no Acórdão proferido em 13/01/2020 afeta a decisão proferida em 21/11/2019 (transitada em segundo lugar), ambas proferidas nos autos principais e se ii) existe contraditoriedade do Acórdão sob escrutínio e o Acórdão proferido em 13/01/2020, no âmbito dos autos principais.</font><br>
</p><p><font>A primeira questão prende-se, essencialmente, com o disposto no artigo 625.º do Código de Processo Civil que determina que “</font><i><font>1 - Havendo duas decisões contraditórias sobre a mesma pretensão, cumpre-se a que passou em julgado em primeiro lugar.</font></i><br>
</p><p><i><font>2 - É aplicável o mesmo princípio à contradição existente entre duas decisões que, dentro do processo, versem sobre a mesma questão concreta da relação processual.</font></i><font>”.</font><br>
</p><p><font>A este propósito o Prof. Alberto dos Reis deixou escrito que “</font><i><font>é essencial que as duas decisões incidam sobre o mesmo objeto. Isto quer dizer que a parte dispositiva das duas sentenças ou dos dois despachos há-de ter resolvido o mesmo ponto concreto, de direito ou de facto</font></i><font>”</font><br>
</p><p><font>- Código de Processo Civil Anotado, Volume V, p. 192, 4.ª Edição, 2012, Coimbra Editora -</font><br>
</p><p><font>De acordo com a jurisprudência e doutrina dominantes na matéria, a existência de contradição entre duas decisões passadas em julgado determina a ineficácia da decisão transitada em julgado em segundo lugar, ineficácia essa que deve ser declarada no próprio processo em que a decisão afetada foi proferida, </font><i><font>in casu</font></i><font>, nos autos principais.</font><br>
</p><p><font>- Neste sentido, entre outros, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 7/01/2016, proferido no âmbito do processo 503/10.9PCOER-A.S1; </font><br>
</p><p><font>veja-se, ainda, Assim, Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, Volume II, Coimbra Editora, 2001, anotação ao artigo 675.º, p. 693 -</font><br>
</p><p><font>Em face do que ficou dito, fica evidente que não compete a este Supremo Tribunal pronunciar-se sobre a eventual contraditoriedade entre as duas decisões a que se fez referência. De resto, o Tribunal de 1.ª instância já se pronunciou quanto a este particular, através de despacho proferido em 19/11/2020 nos autos principais, nos termos do qual considerou que inexistia qualquer incompatibilidade entre o Acórdão proferido em 13/01/2020 e a sentença proferida em 21/11/2019.</font><br>
</p><p><font>Contudo, como decorre da compulsa dos autos, o despacho a que se fez referência não transitou em julgado. Existe, pois, uma indefinição nesta matéria.</font><br>
</p><p><font>Ora, não sendo da competência deste Supremo Tribunal a apreciação da contraditoriedade entre as decisões proferidas em 13/01/2020 e em 21/11/2019, ambas transitadas em julgado, cumpre apreciar a única questão que releva, que é a de saber em que medida o Acórdão sob recurso viola a decisão proferida em 13/01/2020.</font><br>
</p><p><font>Como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 30/06/2020 (processo n.º 8063/07.1TBCSC-E.L1.S1), “</font><i><font>A violação do caso julgado tem como pressuposto ser a própria decisão impugnada a contrariar anterior decisão transitada em julgado, violando-a, ela mesma diretamente</font></i><font>.”. </font><br>
</p><p><font>Assim, não se trata de apreciar se o Tribunal da Relação do Porto decidiu bem ou mal, isto é, não releva apreciar se, perante a situação de indefinição a que se fez referência </font><i><font>supra</font></i><font>, a decisão a que chegou aquele Tribunal encerra em si mesmo um erro de julgamento, mas tão-só de aferir se, ao decidir como decidiu, violou o caso julgado, único fundamento de recurso sindicável por este Supremo Tribunal.</font><br>
</p><p><font>Ora, analisado o Acórdão proferido em 13/01/2020, proferido no âmbito dos autos principais, temos por evidente que ali se discutem apenas os pressupostos de que depende a cumulação de pedidos, concluindo o Tribunal da Relação que nada obsta à cumulação do pedido de reconhecimento de propriedade e do pedido de reconhecimento do direito de preferência. Consequentemente, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto revogou o despacho recorrido, tendo determinado o prosseguimento dos autos para conhecimento dos pedidos mencionados em B) e C) (referentes à ação de preferência).</font><br>
</p><p><font>Tal decisão, por versar sobre uma questão processual, fez, pois, caso julgado formal no âmbito dos autos principais.</font><br>
</p><p><font>Ora, é verdade que a autonomia formal entre a providência cautelar e o processo principal poderia determinar a conclusão, </font><i><font>precipitada</font></i><font>, de que a decisão proferida em 13/01/2020, por versar sobre matéria estritamente processual, tem apenas força dentro do processo principal, não se impondo ao procedimento cautelar.</font><br>
</p><p><font>Se assim fosse, não haveria sequer que aquilatar da eventual violação de caso julgado. </font><br>
</p><p><font>Contudo, a indiscutível conexão entre ambos os processos, principal e cautelar, poderá determinar, </font><i><font>em tese</font></i><font>, a projeção do</font><i><font> caso julgado formal</font></i><font> constituído nos autos principais sobre os presentes autos, tornando, ainda assim, necessária a análise da invocada violação de caso julgado.</font><br>
</p><p><font>Dito isto, e analisando as decisões em confronto, não se vê em que medida a decisão de extinção da instância </font><i><font>cautelar </font></i><font>por | [0 0 0 ... 0 0 0] |
8jFdu4YBgYBz1XKvzvtT | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font> </font><br>
<font> </font><div><br>
<font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font></div><br>
<br>
<font> </font><br>
<p><font> </font><br>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>I. Relatório</font></b>
</p><p>
</p><p><b><font>1.</font></b><font> </font><b><font> AA</font></b><font> e </font><b><font>BB</font></b><font> intentaram a presente ação declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra:</font>
</p><p><font>a) </font><b><font> CC</font></b><font>; e</font>
</p><p><font>b) </font><b><font>“Jotavio - Transportes, Lda.”,</font></b><font> </font>
</p><p><font>formulando os seguintes </font><b><font>pedidos</font></b><font>:</font>
</p><p><font>a) Ser declarado que o A. marido é o único dono e legítimo proprietário do prédio rústico, denominado “...”, sito no lugar e freguesia ..., concelho ..., confronta a Norte e Nascente com caminho, a Sul com a Ré, e a Poente com DD, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº...36 da dita freguesia ..., inscrito na respetiva matriz sob o art. ...57 da secção ... da União de freguesias ... e ... com a área de 1063 m2; e, em consequência,</font>
</p><p><font>b) Serem os RR. condenados a reconhecerem ao A. marido o seu direito de propriedade sobre o descrito prédio, e absterem-se de quaisquer atos lesivos ou condicionantes do mesmo;</font>
</p><p><font>c) Ser a Ré sociedade condenada a devolver ao A. marido a parte de terreno situada a Norte do prédio do R. CC e a Sul do prédio do A. marido, que ocupou ilegitimamente num total de 160 m2, livre de quaisquer obras e limpa, com todos os encargos da restituição a seu cargo; e</font>
</p><p><font>d) Serem os RR. condenados a desimpedirem imediatamente a passagem do prédio do A. marido, a Nascente, para a via pública, com a largura de 4 m, abstendo-se de quaisquer atos que a impeçam ou obstruam;</font>
</p><p><font>Subsidiariamente, caso se considere que a Ré sociedade ocupa legitimamente os identificados 160 m2, deve ser reconhecido, por usucapião, o direito de passagem a pé e de carro do prédio do A., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº...36 da dita freguesia ..., inscrito na respetiva matriz sob o art. ...57 da secção .. da União de freguesias ... e ..., sobre o prédio do R., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...15 da freguesia ..., inscrito na respetiva matriz sob os arts. ...35 e ...13 da União de freguesias ... e ..., com uma largura de 4 m, desde o limite a Sul/Nascente do prédio do A. até à estrada, e condenados os RR. no seu reconhecimento e na abstenção de comportamentos que a obstruam, limitem ou dificultem.</font>
</p><p><font>De qualquer forma,</font>
</p><p><font>Devem os RR. serem condenados a pagar ao A. marido, a título de compensação porcada dia de atraso na entrega do terreno limpo e desimpedido, e/ou na limpeza e desobstrução da passagem a Sul/Nascente do prédio deste para a via pública, valor não inferior a € 50,00/dia, a contar do primeiro dia após o trânsito em julgado da sentença.</font>
</p><p><font>Alegam, em síntese, que:</font>
</p><p><font>- o Autor marido é dono do prédio rústico que identificam; </font>
</p><p><font>- o Réu é dono do prédio urbano, confinante, igualmente identificado; </font>
</p><p><font>- no verão de 2017, o Autor verificou que os Réus erigiram construção que, em parte, abrange o prédio do Autor; </font>
</p><p><font>- para além de, com essa construção, ocupar a saída do Autor para o caminho a nascente; </font>
</p><p><font>- sem que exista outra passagem para a via pública;</font>
</p><p><font>- sem qualquer legitimidade para tanto; </font>
</p><p><font>- sendo certo que o Autor ou pessoas com a sua autorização sempre utilizaram aquela entrada há mais de 40 anos.</font>
</p><p>
</p><p><b><font>2</font></b><font>. Os Réus vieram (com a intervenção espontânea da mulher do Réu, CC, </font><b><font>EE</font></b><font>) contestar.</font>
</p><p><font>Alegam, em síntese, que:</font>
</p><p><font>- não estão a construir a sua habitação numa parte do prédio dos Autores, mas, na sua propriedade, dado que esta tem a área total de 1 000 m2;</font>
</p><p><font>- encontrando-se a informação matricial em conformidade com a registal; </font>
</p><p><font>- conforme levantamento topográfico, antes da construção que agora está a ser feita, existia uma moradia, uma garagem e uma arrecadação, na extrema da sua propriedade, sendo, o remanescente, área descoberta; </font>
</p><p><font>- além do que o prédio de que o Réu é proprietário foi adquirido por doação estando na posse do 1º Réu há 17 anos e, antes, na posse dos seus avós;</font>
</p><p><font>- a abertura a que os Autores se referem só era utilizada para entrar a pé e de motocultivador, dado que não tinha mais de 1, 5 m;</font>
</p><p><font>- sendo, contudo, certo que se trata de um prédio encravado;</font>
</p><p><font>- quando essa abertura teve largura maior, foi porque o ora Autor pediu expressamente ao Réu, que o autorizou, a partir o muro que aí se encontrava, para poder passar e sob condição de o reconstruir; o que o Autor nunca fez, para agora vir propor esta ação; </font>
</p><p><font>- a confrontação do prédio do Réu, a Norte, também, com serventia, é meramente indiciária, porque não existe qualquer serventia.</font>
</p><p><font>Os Réus deduzem, ainda, pedido reconvencional (já em sede de aperfeiçoamento do pedido reconvencional) </font><b><font>pedindo</font></b><font>:</font>
</p><p><font>A - Serem os AA. Reconvindos obrigados reconhecer que o 1.º Réu/ Reconvinte é proprietário do prédio urbano sito no ..., Rua ... com a área total de 1000 m2 conforme se encontra descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...15 e inscrito na matriz predial urbana sob o artigos ...35 e ...13 da freguesia ... tendo de área coberta 205 m2 e descoberta 795 m2 ora reduzida a 476,50 m2, composto de um pavimento para habitação com 75 m2 e logradouro com 795 m2 ora reduzida a 476,50 m2 e de uma casa de um piso destinado a garagem e arrecadação com 130 m2, onde estão incluídos os reivindicados 160 m2, conforme consta dos títulos, beneficiando da presunção legal estabelecido no art. 7.º do Código do Registo Predial;</font>
</p><p><font>B - Devem os AA. Reconvindos reconhecer que o 1.º R. Reconvinte é proprietário do prédio urbano supra descrito desde 28/12/2000 e de forma ininterrupta, pelo que para além da resultante do título, o mesmo também o adquiriu por usucapião, tal como já o eram os seus ante possuidores, os seus avós paternos FF e mulher GG há mais de 60 anos com as configurações e áreas referidas, que o adquiriram por usucapião conforme consta do Registo Predial;</font>
</p><p><font>C - Devem o AA. Reconvindos reconhecer que o prédio urbano que está a ser construído pelos RR./ Reconvintes, enquanto proprietários e a 2ª R. enquanto sociedade construtora, está devidamente licenciado e a ser construído no interior do prédio urbano propriedade do R., no qual estão incluídos os 160 m2, abstendo-se o mesmo de praticar todos e quaisquer atos que impeçam ou limitem tal construção;</font>
</p><p><font>D - Finalmente deve ser considerado procedente, por provado, o pedido reconvencional no respeitante ao prédio dos AA. Reconvindos considerar-se encravado de forma natural e atento o disposto no art. 1551.º do Código Civil, e em virtude de tal, pretendem os RR. Reconvintes subtrair-se ao encargo de ceder passagem, adquirindo o prédio pelo seu justo valor, conforme decorre do disposto no art. 1551.º do C.C..</font>
</p><p><font>Fundam as suas pretensões, em suma:</font>
</p><p><font>- no facto de o 1.º Réu ser proprietário de prédio com a área de 1 000 m2;</font>
</p><p><font>- termos em que a construção em causa se cinge à área do seu prédio;</font>
</p><p><font>- prédio que, se não tivesse sido adquirido, com essa área, por essa via, sempre teria sido adquirido por usucapião, com inclusão da posse dos antecessores/doadores; </font>
</p><p><font>-e, por outro lado, alegando que o prédio dos Autores se trata de um prédio encravado, mas, que os Reconvintes pretendem subtrair-se ao encargo de ceder passagem, adquirindo tal prédio encravado.</font>
</p><p>
</p><p><b><font>3</font></b><font>. Realizada a audiência de julgamento foi proferida sentença, cujo dispositivo é do seguinte teor:</font><br>
</p><p><b><font>“</font></b><i><font>a) Declara-se que o Autor marido é o único proprietário do prédio rústico, denominado “...”, sito no lugar e freguesia ..., concelho ..., confronta a Norte e Nascente com caminho, a Sul com a Ré, e a Poente com DD, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº...36 da dita freguesia ..., inscrito na respetiva matriz sob o art. ...57 da secção ... da União de freguesias ... e ... com a área de 1063 m2; e, em consequência,</font></i><br>
</p><p><i><font>b) Condenam-se os Réus a reconhecerem ao Autor marido o seu direito de propriedade sobre o descrito prédio, e absterem-se de quaisquer atos lesivos ou condicionantes do mesmo;</font></i><br>
</p><p><i><font>c) Condenando-se a Ré sociedade a devolver ao Autor marido a parte de terreno situada a Norte do prédio do Réu CC e a Sul do prédio do Autor marido, num total de 130 m2, livre de quaisquer obras e limpa, com todos os encargos da restituição a seu cargo; e</font></i><br>
</p><p><i><font>d) Condenam-se os Réus a desimpedirem a passagem do prédio do Autor marido, a Nascente, para a via pública, com a largura de 4 metros, abstendo-se de quaisquer atos que a impeçam ou obstruam;</font></i><br>
</p><p><i><font>absolvendo-se os Réus do demais concretamente peticionado contra estes. </font></i><br>
</p><p><i><font>Mais se decide julgar improcedentes os pedidos reconvencionais.”.</font></i><br>
</p><p><b><font>4. </font></b><font>Inconformados com esta decisão, os Réus e a interveniente interpuseram recurso de apelação para o Tribunal da Relação ....</font><br>
</p><p><b><font>5.</font></b><font> O Tribunal da Relação ... veio a julgar parcialmente procedente a apelação e, em consequência, decidiu:</font><br>
</p><p><font>“</font><i><font>1 - revoga-se a sentença recorrida na parte em que condenou a R. sociedade a devolver ao A. AA a faixa de terreno de 130 m2;</font></i><br>
</p><p><i><font>2 - reconhece-se a constituição, por usucapião, da servidão de passagem sobre o prédio identificado no ponto 2 da matéria de facto provada, a favor do prédio identificado no ponto 1 da matéria de facto provada, passagem essa a pé e de carro, com 2 metros de</font></i><font> </font><i><font>largura, desde a abertura mencionada no ponto 8 da matéria de facto provada até ao caminho a nascente;</font></i><br>
</p><p><i><font>3 - altera-se a condenação dos RR. a desimpedirem a passagem e a absterem-se de quaisquer atos que a impeçam ou obstruam de forma que a passagem a considerar seja a definida no ponto supra;</font></i><br>
</p><p><i><font>4 - revoga-se a sentença recorrida na parte em que julgou improcedente o pedido reconvencional de reconhecimento do direito de propriedade e, em sua substituição, condenam-se os AA. a reconhecer que a faixa de terreno identificada no ponto 29 da matéria de facto provada pertence ao R. CC; e</font></i><br>
</p><p><i><font>5 - mantem-se no mais a sentença recorrida</font></i><font>.”.</font><br>
</p><p><b><font>6.</font></b><font> Inconformado com tal decisão, vieram os Autores interpor o presente recurso de revista, formulando as seguintes (transcritas) conclusões:</font><br>
</p><p><font>A. Ao longo do Douto Acórdão, surgem contradições entre os fundamentos e a decisão, que importam a nulidade dessa decisão, nos termos do disposto no art. 615º nº.1 als. c) e d) ex vi art. 666º, ambos do CPC.</font><br>
</p><p><font>B. Em primeiro lugar, o Douto Acórdão conclui que os RR. “não especificaram os concretos pontos de facto considerados incorrectamente julgados”.</font><br>
</p><p><font>C. O que implicaria “a rejeição do recurso na parte referente à impugnação da decisão sobre a matéria de facto.”</font><br>
</p><p><font>D. Acrescenta mesmo: “Contudo, nem no requerimento de interposição de recurso, nem nas alegações, nem nas conclusões recursivas, os recorrentes declararam expressamente que impugnavam a decisão sobre a matéria de facto” (negrito nosso).</font><br>
</p><p><font>E. Face a esta conclusão, e atento o seu próprio fundamento, não lhe restava alternativa senão rejeitar o recurso por extemporâneo.</font><br>
</p><p><font>F. Os RR. foram notificados da Douta Sentença da 1ª instância em 16 de Agosto de 2021.</font><br>
</p><p><font>G. Como não impugnaram a matéria de facto, tinham o prazo de 30 dias para recorrer, prazo esse que terminou em 30 de Setembro de 2021, uma quinta-feira.</font><br>
</p><p><font>H. Ora, o recurso apresentado pelos RR. deu entrada via Citius em 4 de Outubro de 2021, uma segunda-feira, às 15:05:51 h.</font><br>
</p><p><font>I. Neste sentido, v., entre outros, in </font><a><u><font>https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2020/11/onus_-impugnacao_materia_facto-.pdf</font></u></a><font>, “Ónus de Impugnação da Matéria de Facto, Jurisprudência do STJ”.</font><br>
</p><p><font>J. Trata-se de um prazo peremptório, pelo que é de conhecimento oficioso, e o Venerando Tribunal da Relação deveria do mesmo ter conhecido, e não o fez, padece o Acórdão de nulidade nos termos do disposto no art. 615º nº.1 al. d) do CPC ex vi art. 666º nº.1 do mesmo Diploma Legal.</font><br>
</p><p><font>K. Se entendermos que se pronunciou e aceitou o recurso, o Acórdão padece de nulidade uma vez que existe oposição entre os fundamentos e essa decisão, nos termos do disposto no disposto no art. 615º nº.1 al. c) ex vi art. 666º, já citados.</font><br>
</p><p><font>L. Deve, em conformidade, revogar-se o Acórdão recorrido, e manter-se a decisão proferida em 1ª Instância, uma vez que não tendo os RR. recorrido da matéria de facto, o seu recurso não deveria ter sido aceite porque extemporâneo.</font><br>
</p><p><font>M. Por outro lado, e caso se considere que o recurso foi tempestivo, deparamo-nos com mais uma contradição, que nos conduz igualmente à nulidade do Acórdão:</font><br>
</p><p><font>N. Apesar de ter dito que não deve ser o Tribunal a substituir-se às partes, atento o princípio do dispositivo, veio o Douto Acórdão fazê-lo, substituindo-se aos RR., então Recorrentes, e, tomando mão do disposto no art. 662º nº. 2 al. c) do CPC, para apreciar a prova, e alterar oficiosamente a matéria de facto.</font><br>
</p><p><font>O. Ao contrário do que dispõe o art. 663º nº. 6 do CPC, o Douto Acórdão não se limitou a remeter para os termos da decisão da 1ª instância.</font><br>
</p><p><font>P. Salvo o devido respeito, o disposto na al. c) do nº. 2 do art. 662º do CPC apenas é aplicável quando os Recorrentes impugnam a matéria de facto.</font><br>
</p><p><font>Q. Não tendo existido impugnação da matéria de facto pelos RR., não deve a Relação alterar a matéria de facto, sob pena de esvaziar de sentido o princípio dispositivo, e o disposto nos arts. 640º e 663º nº.6 do CPC.</font><br>
</p><p><font>R. Salvo o devido respeito, também neste ponto está o Douto Acórdão ferido de nulidade, uma vez que não tirou as consequências do seu juízo sobre a não impugnação da matéria de facto pelos RR. então Recorrentes.</font><br>
</p><p><font>S. Em consequência, deve ser mantida a decisão proferida em 1ª instância.</font><br>
</p><p><font>T. No entanto, e caso assim se não considere, o que por mera hipótese se coloca, ainda há uma contradição entre os fundamentos e a decisão, quanto à largura da servidão de passagem, o que importa a nulidade do Acórdão nessa parte.</font><br>
</p><p><font>U. O Acórdão recorrido reconheceu a constituição por usucapião de servidão de passagem sobre o prédio identificado no ponto 2 da matéria de facto provada, a favor do prédio identificado no ponto 1 da matéria de facto provada, “passagem essa a pé e de carro, com 2 metros de largura” (negrito nosso).</font><br>
</p><p><font>V. Esta conclusão quanto à largura da passagem está claramente em contradição com o fundamento, e a prova em que se baseia.</font><br>
</p><p><font>W. O Douto Acórdão refere que do anexo 8 junto com os esclarecimentos prestados pelo perito HH a 9 de Julho de 2020, consta a anotação manuscrita “2 metros entrada da serventia”.</font><br>
</p><p><font>X. Contudo, a largura da “entrada da serventia” não constava como quesito, e o Senhor Perito, quando visitou os prédios, em Dezembro de 2019, já os RR. tinham a obra avançada e tinham reduzido ainda mais a entrada para o prédio do A. </font><br>
</p><p><font>Y. À data da entrada da presente acção em 22.12.2017, como se vê na fotografia junta em 22.12.2017 com a p.i. como doc. 11 (ref. ...78), essa entrada, apesar de já estar a decorrer a obra, é bem maior que a verificada nas fotografias juntas como docs. 1 e 2 como requerimento de 30.05.2019, com a ref. ...69.</font><br>
</p><p><font>Z. O Senhor Perito nunca viu os prédios originalmente, antes da obra, pois quando se deslocou ao local, já a obra estava concluída, um muro divisório construído, uma pequena abertura feita, uma vez que os RR. nunca pararam a construção apesar da entrada da acção.</font><br>
</p><p><font>AA. Quando, nos esclarecimentos que prestou na Audiência final, disse ter visto murete separador e entrada para o artigo rústico, só pode estar a referir-se ao murete já construído pelos RR. depois da entrada da presente acção.</font><br>
</p><p><font>BB. Porque diz que viu, e não pode ter visto a situação anterior,a que constava antes da obra, porque não foi lá antes.</font><br>
</p><p><font>CC. A fotografia junta como doc.11 com a Contestação, em 17.02.2018, com a ref. ...37, e que é referida no Douto Acórdão, também não reflecte a realidade que o Senhor Perito viu em Dezembro de 2019, nem o murete é o mesmo.</font><br>
</p><p><font>DD. Por outro lado, o Douto Acórdão refere que a visualização das fotografias juntas como docs. 5 e 6 com o requerimento que deu entrada em 23.03.2018 (fls. 92 v. e 93 v.) (ref. ...09).</font><br>
</p><p><font>EE. Ora, na fotografia junta como doc.5 vê-se claramente a situação antes da obra erigida pelos RR., em que há uma faixa ampla, que vai da Rua ... até à rede, com muito mais de 2 m de largura!</font><br>
</p><p><font>FF. Quer a1ª instância, quer a Relação, não colocam em causa a prova testemunhal, e as testemunhas referem que em diversas ocasiões entraram, à vontade, no prédio do A. por aquela passagem, com tractores, camião, máquina giratória, todos com mais de 2 m de largura. E que hoje não o conseguiriam fazer por causa da obra realizada pelos RR.</font><br>
</p><p><font>GG. Se o Douto Acórdão decide pelo reconhecimento da propriedade da faixa de terreno a favor do R., por usucapião, e da servidão de passagem a pé e de carro a favor do prédio do A., face a toda a prova produzida em que se fundamenta, terá forçosamente de concluir que a largura da servidão de passagem, desde, inclusive, a abertura existente no muro dos RR., e que dá acesso de entrada ao prédio do A., até à Rua ..., tem de ser de, pelo menos, 4 m, e não apenas 2 m.</font><br>
</p><p><font>HH. Os veículos têm mais de 2 m de largura, mesmo os ligeiros, mas sobretudo as alfaias agrícolas, e os tractores agrícolas.</font><br>
</p><p><font>II. Como se vê das fotografias juntas como docs. 1 e 2 com o requerimento de 30.05.2019, com a ref. ...69, e que foi a situação vista pelo perito, os RR. reduziram não apenas a entrada para o prédio do A., mas toda a faixa que vai da Rua ... até essa entrada.</font><br>
</p><p><font>JJ. Deriva da experiência comum que um veículo, mesmo ligeiro, e apenas com 2 m de largura, não poderá passar pela faixa de terreno que constitui o leito da servidão de passagem, nem entrar no prédio pela abertura que lhe acede.</font><br>
</p><p><font>KK. E, mesmo que esse veículo tenha largura inferior a 2 m, a verdade é que, com uma passagem e entrada de 2 m de largura, não terá espaço para fazer a perpendicular, ou seja, manobrar e entrar no prédio do A.</font><br>
</p><p><font>LL. Uma vez que o Douto Acórdão reconheceu a constituição de servidão de passagem a pé e de carro, a favor do prédio do A. sobre o prédio dos RR., por usucapião, para que esta decisão tenha utilidade, deve reconhecer que a servidão tem largura não inferior a 4 m, desde a entrada para o prédio do A. inclusive, até à Rua ..., uma vez que era essa largura que tinha a entrada antes da realização da obra pelos RR., e que permite entrar e sair com os veículos que deu como provado terem circulado na e pela mesma</font><br>
</p><p><font>MM. Assim, em conformidade com os fundamentos referidos pelo Douto Acórdão, o ponto 8 dos factos provados, deve ter a seguinte redacção:</font><br>
</p><p><font>“8. O Autor marido sempre utilizou, para entrar e sair do seu prédio, a abertura com a largura de 4 metros existente junto ao limite norte da faixa de terreno em questão nestes autos e a serventia de acesso ao caminho existente a nascente, assim como todas as pessoas que ao longo do tempo tiveram que entrar e sair do prédio do Autor marido, pelo menos, desde há 30 anos; até porque não existe outra entrada que permita o acesso de tratores ou outros veículos.”</font><br>
</p><p><font>NN. E, em consequência, o ponto 2 da decisão deve reconhecer “a constituição, por usucapião, da servidão de passagem sobre o prédio identificado no ponto 2 da matéria de facto provada, a favor do prédio identificado no ponto 1 da matéria de facto provada, passagem essa a pé e de carro, com 4 metros de largura, desde a abertura mencionada no ponto 8 da matéria de facto provada inclusive até ao caminho a nascente;”</font><br>
</p><p><font>E concluem “o presente Recurso de Revista ser admitido e, consequentemente, ser revogado o Douto Acórdão recorrido, mantendo-se a Decisão de Primeira Instância; ou, se assim se não considerar, deve declarar-se nulo o Douto Acórdão quanto à largura da servidão de passagem, que deve ser de 4 m em toda a sua extensão (desde a entrada inclusive, até ao caminho público)”.</font><br>
</p><p><b><font>7.</font></b><font> Os Réus contra-alegaram, pugnando pelo infundado da revista, formulando as seguintes (transcritas) conclusões:</font><br>
</p><p><font>A) O Recurso apresentado pelos RR. sobre a decisão de 1º Instância foi tempestivo.</font><br>
</p><p><font>B) Tanto porque apresentaram impugnação sobre matéria de facto e isso logo expressaram no seu requerimento, como efetivamente alegaram matéria de impugnação de factos e nesse caso o seu prazo de Recurso é de 40 dias.</font><br>
</p><p><font>C) Como porque mesmo face ao prazo de 30 dias do Recurso, os RR. teriam apresentado no 2º dia útil após os 30 dias (normais de recurso), o que lavaria à sua admissibilidade face ao disposto no artigo 139º CPC.</font><br>
</p><p><font>D) Os RR. não concordam com o douto Acórdão aqui recorrido quando refere que os mesmos não alegaram impugnação de matéria de facto, mas,</font><br>
</p><p><font>E) Em qualquer dos casos a decisão foi proferida com fundamento na alínea c) do nº 2 do artigo 662º do CPC,</font><br>
</p><p><font>F) Isto é a decisão foi proferida com base no conhecimento oficioso que o Tribunal </font><i><font>“a</font></i><font> </font><i><font>quo”</font></i><font> tem da sentença de 1ª Instância,</font><br>
</p><p><font>G) E essas decisões dos Tribunais da Relação não admitem Recurso para o STJ, conforme previsto no nº 4 do artigo 662º do CPC.</font><br>
</p><p><font>H) Devendo ser proferida decisão sumária de rejeição do Recurso interposto pelos AA., conforme artigo 656º do CPC.</font><br>
</p><p><font>I) Embora nem sequer seja admissível a revisão de matéria de facto no Recurso de Revista para o STJ, a verdade é que os AA., aqui recorrentes apenas tentam ilidir quem julga omitindo factos dos testemunhos que realçam.</font><br>
</p><p><font>E concluem “deve o Recurso de Revista ser rejeitado face à sua inadmissibilidade ou caso assim não se entenda deve o mesmo ser improcedente mantendo-se a decisão do Acórdão recorrido”.</font><br>
</p><p><b><font>8.</font></b><font> Cumpre apreciar e decidir.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>II. Delimitação do objeto do recurso</font></b><br>
</p><p><font>Como é jurisprudência sedimentada, e em conformidade com o disposto nos artigos 635º, nº 4, e 639º, nºs 1 e 2, ambos do Código de Processo Civil, o objeto do recurso é delimitado em função das conclusões formuladas pelo recorrente, pelo que, dentro dos preditos parâmetros, da leitura das conclusões recursórias formuladas pelos A.A. / ora Recorrentes decorre que o objeto do presente recurso está circunscrito às seguintes questões: </font><br>
</p><p><font>- Da nulidade do Acórdão recorrido por contradição entre os fundamentos e a decisão (artigo 615.º, n.º 1, alíneas. c) e d) do Código de Processo Civil);</font><br>
</p><p><font>- Da nulidade do acórdão por omissão de pronúncia (artigo 615.º, n.º 1, al. d) do Código de Processo Civil);</font><br>
</p><p><font>- Do erro de julgamento do acórdão recorrido quanto à alteração feita ao ponto 8. dos factos dados como provados relativamente à largura da passagem existente sobre o prédio em causa nos autos.</font><br>
</p><p><b><font>III. Fundamentação</font></b><br>
</p><p><b><font>1. As instâncias deram como provados os seguintes factos:</font></b><br>
</p><p><b><font>1.1. </font></b><font>O prédio rústico denominado “...”, sito no lugar e freguesia ..., concelho ..., a confrontar a Norte e Nascente com caminho, a Sul, com II e a Poente com DD, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº 736/19..., da freguesia ..., mostra-se aí inscrito em nome de AA, conforme Ap. ...5 de 1984/07/26, por ter sido adquirido por doação de JJ; mostrando-se, tal prédio, inscrito na respetiva matriz sob o art. ...57 da secção ... da União de freguesias ... e ....</font><br>
</p><p><b><font>1.2.</font></b><font> O prédio urbano, sito na Rua ..., lugar de ..., a confrontar, a Norte, com AA e serventia; a Sul, com caminho; a Nascente, com caminho; e a Poente, com DD; descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº 515/19..., da freguesia ..., mostra-se aí inscrito em nome de CC, conforme Ap. ...1 de 2000/12/28, por ter sido adquirido por doação de FF e GG; mostrando- -se, tal prédio, inscrito na respetiva matriz sob os arts. ...35 e ...13 da União de freguesias ... e ....</font><br>
</p><p><b><font>1.3.</font></b><font> A ora Ré sociedade constava do alvará de construção exposto no local no início da obra, sendo ela a dona da obra, e em nome de quem o projeto de construção está licenciado junto da Câmara Municipal ....</font><br>
</p><p><b><font>1.4.</font></b><font> O ora Réu CC é titular de metade das quotas da sociedade Ré.</font><br>
</p><p><b><font>1.5.</font></b><font> No verão de 2017, a R. sociedade encontrava-se a construir obra no sobredito prédio do Réu. – </font><i><u><font>facto alterado pelo Tribunal da Relação</font></u></i><br>
</p><p><b><font>1.6.</font></b><font> A R. sociedade encontra-se a ocupar, com a construção que está a realizar, a fração de terreno em questão nos presentes autos, sem o conhecimento ou autorização do A. marido. - </font><i><u><font>facto alterado pelo Tribunal da Relação</font></u></i><br>
</p><p><b><font>1.7. </font></b><font>(eliminado pelo Tribunal da Relação)</font><br>
</p><p><font>1.8. O Autor marido sempre utilizou, para entrar e sair do seu prédio, a abertura com a largura de 2 metros existente junto ao limite norte da faixa de terreno em questão nestes autos e a serventia de acesso ao caminho existente a nascente, assim como todas as pessoas que ao longo do tempo tiveram que entrar e sair do prédio do Autor marido, pelo menos, desde há 30 anos; até porque não existe outra entrada que permita o acesso de tratores ou outros veículos. - </font><i><u><font>facto alterado pelo Tribunal da Relação</font></u></i><br>
</p><p><b><font>1.9.</font></b><font> E isso sempre sucedeu a vista de toda a gente, de boa fé, de forma pacífica, pública, sem oposição de ninguém. - </font><i><u><font>facto alterado pelo Tribunal da Relação</font></u></i><br>
</p><p><b><font>1.10.</font></b><font> Há poucos anos, o Autor marido fez entrar no seu prédio um camião para colocar um contentor, utilizando a serventia.</font><i><font> -</font></i><i><u><font> facto alterado pelo Tribunal da Relação</font></u></i><br>
</p><p><b><font>1.11.</font></b><font> A Ré sociedade, ao ocupar a serventia, impede a entrada e saída dos Autores do prédio.</font><i><font> -</font></i><i><u><font> facto alterado pelo Tribunal da Relação</font></u></i><br>
</p><p><b><font>1.12.</font></b><font> Fruto da execução da obra, pela Ré, esta teve vedação em rede e tijolos e areia na faixa de terreno em causa, sempre sem o consentimento e contra a vontade dos Autores.</font><br>
</p><p><b><font>1.13.</font></b><font> Quando o Autor marido necessitou de reforçar a parede a Poente do seu terreno, teve de entrar um camião de grandes dimensões com blocos de pedra, assim como, a necessária máquina giratória, tendo sido utilizada a serventia.</font><i><font> -</font></i><i><u><font> facto alterado pelo Tribunal da Relação</font></u></i><br>
</p><p><b><font>1.14.</font></b><font> Atualmente, o sobredito prédio do Réu, confronta a Norte, com o ora Autor (“e serventia”).</font><br>
</p><p><b><font>1.15.</font></b><font> O sobredito prédio do Réu mostra-se descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº 515/19..., da freguesia ..., com a área total de 1 000 m2; sendo, 205 m2, de área coberta e 795 m2, de área descoberta; e com a seguinte composição: A) Casa de um pavimento para habitação com 75 m2 e logradouro com 795 m2; e B) Casa de um piso destinada a garagem e arrecadação com 130 m2.</font><br>
</p><p><b><font>1.16.</font></b><font> O sobredito artigo matricial urbano, nº ...35, teve origem no artigo urbano, nº ...66, sendo o ano de inscrição na matriz, 1977.</font><br>
</p><p><b><font>1.17.</font></b><font> O sobredito artigo matricial urbano, nº ...13, teve origem no artigo urbano, nº ...77, sendo o ano de inscrição na matriz, 1998.</font><br>
</p><p><b><font>1.18.</font></b><font> Antes da construção que está agora a ser feita pela Ré, existia uma moradia com 75 m2, uma garagem com 77 m2 e arrecadação com 53 m2 sendo o remanescente de área descoberta</font><br>
</p><p><b><font>1.19.</font></b><font> As pessoas que doaram este prédio ao R. CC, antes da doação, desde, pelo menos, 1970, utilizavam o prédio em que estas três construções se mostravam erigidas, ocupando o mesmo, limpando, cuidando, à vista de toda a gente, sem qualquer interrupção temporal, sem oposição de ninguém e sem violência, certos de que atuavam como proprietários do dito prédio inscrito na matriz sob o art. ...66º; e o ora Réu aí permanecia com seus avós, os doadores.</font><i><font> -</font></i><i><u><font> facto alterado pelo Tribunal da Relação</font></u></i><br>
</p><p><b><font>1.20. </font></b><font>No ano de 2010, FF pagou o Imposto Municipal sobre Imóveis, referente ao art. ...66; e no ano de 2017, o ora Réu pagou o Imposto Municipal sobre Imóveis, referente aos arts. ...35 e ...13.</font><br>
</p><p><b><font>1.21.</font></b><font> O pai do Réu teve, pelo menos, durante cerca de 2 anos, cavalos na arrecadação tendo esta sido utilizada como estrebaria.</font><br>
</p><p><b><font>1.22.</font></b><font> As pessoas que doaram este prédio ao ora Réu, ali construíram a sua habitação, bem como, a garagem e a arrecadação, cuidando dessas edificações.</font><br>
</p><p><b><font>1.23.</font></b><font> Os ora Autores residem na cidade ....</font><br>
</p><p><b><font>1.24.</font></b><font> O prédio dos Autores apresenta valor patrimonial não inferior a 68 875,00 euros, mas, que poderá ascender a 83 350,00 euros.</font><br>
</p><p><b><font>1.25.</font></b><font> A obra que se mostra a ser executada pela Ré sociedade (dona da obra) consiste na construção de casa de habitação.</font><br>
</p><p><b><font>1.26.</font></b><font> No dia 24 de agosto de 1994, em sede de escritura de “Justificação” outorgada no Cartório Notarial ..., os aí outorgantes FF e mulher, GG disseram que eram donos e legítimos possuidores, com exclusão de outrem, de um prédio urbano situado no lugar e freguesia ..., concelho ..., composto de casa para habitação de um locatário, com a superfície coberta de 75 m2 e logradouro com a área de 925 m2, a confrontar do norte, com AA e serventia, do sul e nascente com caminho e do poente com DD, inscrito na respetiva matriz, em nome do justificante marido sob o art. . | [0 0 0 ... 0 0 0] |
8jFgu4YBgYBz1XKv8f2C | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font> </font><br>
<font> </font><div><br>
<font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: </font></div><br>
<br>
<font> </font><br>
<p><font> </font>
</p><p><b><font>I. Relatório</font></b><br>
</p><p><b><font>1.</font></b><font> </font><b><font>QSV - Sociedade Agrícola, S.A.</font></b><font> instaurou ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra </font><b><font>AA</font></b><font> e marido, </font><b><font>BB</font></b><font> [ambos falecidos na pendência da causa e representados pelos seus sucessores, devidamente habilitados, CC, DD, EE e FF], pedindo a condenação dos Réus a pagarem-lhe a quantia de €137 649,00, acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde 20/12/13 até integral reembolso.</font><br>
</p><p><font>Alega, em síntese, que:</font><br>
</p><p><font>- Em 30/11/11, celebrou com os réus, por escrito, contrato de arrendamento rural, mediante o pagamento da renda anual de € 11 000,00, do prédio rústico denominado Quinta..., situado em ..., ..., incluindo a adega aí existente e todos os equipamentos e utensílios existentes no locado, com vista à produção vitivinícola;</font><br>
</p><p><font>- Dedica-se à atividade vitivinícola com o escopo lucrativo, apenas tendo celebrado o referido contrato porque as condições contratadas lhe permitiam a obtenção de lucro;</font><br>
</p><p><font>- Os terrenos e as vinhas dadas de arrendamento encontravam-se em mau estado de tratamento e conservação fitossanitária, o que exigiu à Autora, logo após a outorga do contrato, investimento e despesa diversos, com o objetivo de, no futuro, recuperar o investimento feito;</font><br>
</p><p><font>- Por imperativo legal, o contrato tinha o prazo mínimo de duração de 7 anos; </font><br>
</p><p><font>- Os Réus receberam e fizeram seus os subsídios/apoios públicos à exploração do prédio que se destinavam à Autora, permitiram ameaças à integridade física do legal representante da Autora e dos empregados desta, impediram o acesso da Autora ao locado, e não lhe entregaram a chave da adega, o que a impediu de produzir vinho, assim sofrendo significativa perda de rendimento;</font><br>
</p><p><font>- Os Réus permitiram que terceiro utilizasse os equipamentos e utensílios existentes no locado, assim causando prejuízos à Autora;</font><br>
</p><p><font>- Por carta de 2/07/13, os Réus comunicaram à Autora a resolução do contrato, e passaram a impedir a sua utilização pela Autora, resolução que não cumpriu os formalismos legalmente impostos;</font><br>
</p><p><font>- Não obstante, os Réus foram continuando a receber a renda contratualmente acordada, acabando por, por cartas de 1/08/13 e 8/11/13 comunicar à Autora a denúncia do contrato, que pretendiam eficaz a 30/11/13, a qual é ineficaz por não respeitar o prazo de 7 anos nem o pré-aviso de 1 ano e por a obrigatoriedade de restituição apenas operar no fim do ano agrícola em curso;</font><br>
</p><p><font>- A partir desse momento, a Autora foi totalmente impedida de utilizar o locado;</font><br>
</p><p><font>- Tendo notificado os Réus para o cumprimento do contratado, e face à manutenção da posição destes, foi a Autora a comunicar a resolução do negócio, exigindo o pagamento de indemnização por danos causados;</font><br>
</p><p><font>- A Autora executou tarefas no locado, suportou despesas e realizou investimentos – que discriminou e quantificou – com vista à obtenção da melhor produção possível, investimentos cujo retorno previa que ocorrer nos anos subsequentes, tendo dele sido privado pela conduta dos Réus.</font><br>
</p><p><font>- Os Réus formularam pedido de arresto sem qualquer fundamento, com o que causaram prejuízos à autora, “que terão de ser liquidados em execução de sentença”.</font><br>
</p><p><b><font>2</font></b><font>. Citados os Réus, vieram contestar, impugnando os factos alegados pela Autora, designadamente, alegando, em síntese:</font><br>
</p><p><font>- As partes tiveram a intenção de celebrar um arrendamento de campanha, pelo prazo de 1 ano, renovável por períodos idênticos;</font><br>
</p><p><font>- Em finais de 2013, tomaram conhecimento que o locado se encontrava em mau estado de conservação e limpeza, designadamente não tinham sido executados diversos trabalhos – que descrevem –, o que prejudicou a capacidade agrícola do arrendado e as colheiras futuras;</font><br>
</p><p><font>- No momento da entrega do locado, este encontrava-se em bom estado de conservação, tendo recentemente sido realizada a integral replantação e enxertia do americano;</font><br>
</p><p><font>- Por carta de 11/04/13, e ao longo do mês de maio de 2013, os Réus interpelaram a autora no sentido do cumprimento das suas obrigações contratuais, mas a autora não alterou a sua conduta;</font><br>
</p><p><font>- Comunicaram a denúncia do contrato após a comunicação da resolução, por mera cautela, respeitando o pré-aviso contratualmente fixado;</font><br>
</p><p><font>- A 8/12/13, interpelaram a Autora para pagar o prejuízo causado pela sua conduta, o que aquela recusou;</font><br>
</p><p><font>- Em outubro de 2013, a Autora realizou a vindima do arrendado, fazendo seu o respetivo produto e abandonando o locado, deixando este mal tratado e com sinais evidentes de falta de manutenção, danos para cuja reparação os Réus se viram obrigados a suportar diversos custos, e que se irão refletir nos próximos anos de colheita.</font><br>
</p><p><font>Deduziram ainda reconvenção, pedindo a condenação da Autora e de GG – que interveio no contrato na qualidade de fiador da Autora e cuja intervenção principal pediram – a pagar-lhes a quantia de €10 625,00, acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde a citação até integral reembolso.</font><br>
</p><p><font>Como fundamento do pedido reconvencional, reafirmaram que a Autora recebeu o locado, em 2011, em bom estado de conservação e o restituiu, em 2013, degradado e mal tratado, alegando que tal originou um decréscimo de produção de 25%, lesando a capacidade produtiva do locado; alegaram, ainda que executaram diversos trabalhos de manutenção, em substituição da Autora.</font><br>
</p><p><b><font>3. </font></b><font>A Autora apresentou réplica, pugnando pela improcedência da reconvenção.</font><br>
</p><p><b><font>4.</font></b><font> Foi admitida a intervenção principal provocada de GG.</font>
</p><p><font>O interveniente apresentou articulado próprio, invocando a inadmissibilidade legal da intervenção e a sua ilegitimidade, alegando que a fiança foi dada apenas quanto à obrigação de pagamento da renda e declarando fazer seus os articulados da autora.</font>
</p><p><b><font>5.</font></b><font> Os Réus pronunciaram-se sobre as exceções suscitadas pelo interveniente. </font>
</p><p><b><font>6.</font></b><font> A reconvenção foi admitida e foi fixado à ação o valor de € 148 274,00.</font>
</p><p><b><font>7.</font></b><font> No despacho saneador, foram julgadas improcedentes as exceções dilatórias de inadmissibilidade da intervenção e de ilegitimidade processual do interveniente.</font>
</p><p><b><font>8.</font></b><font> Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença que:</font>
</p><p><font>I - Julgou a ação parcialmente procedente, e, em consequência, condenou os Réus a pagarem à Autora os custos por esta suportados com a exploração dos terrenos da “Quinta...” que não tenham sido necessários às colheitas dos anos de 2012 e 2013, com o limite de € 53 703,71, quantia a liquidar em decisão ulterior;</font>
</p><p><font>II - Julgou a ação improcedente na parte restante;</font>
</p><p><font>III - Julgou a reconvenção totalmente improcedente, absolvendo na íntegra os reconvindos do pedido contra si formulado pelos reconvintes.</font><br>
</p><p><b><font>9. </font></b><font>Inconformada com esta decisão, a Autora interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação ....</font><br>
</p><p><b><font>10.</font></b><font> O Tribunal da Relação ... veio a proferir Acórdão, com o seguinte dispositivo:</font><br>
</p><p><font>“</font><i><font>Pelo exposto, acorda-se em julgar a apelação parcialmente procedente, revogando-se, em parte, a sentença recorrida e, em consequência: - Condenam-se os réus a pagarem à autora a quantia a liquidar, correspondente ao lucro líquido que aufeririam de 01.01.14 a 30.11.18, proveniente da exploração dos terrenos da “Quinta...”, com o limite de € 96.500,00 (noventa e seis mil e quinhentos euros); - Mantém-se o mais que foi decidido</font></i><font>.”</font><br>
</p><p><b><font>11.</font></b><font> Inconformados com tal decisão, vieram os Réus interpor o presente recurso de revista, formulando as seguintes (transcritas) conclusões:</font><br>
</p><p><font>A) Afirma o acórdão recorrido que a sentença recorrida transitou em julgado na parte em que concluiu pela aplicação ao contrato de arrendamento rural celebrado entre a autora e os réus do prazo contratual mínimo de 7 anos imposto por lei, pelo que o contrato manter-se-ia em vigor até 30.11.18, período durante o qual a autora exploraria os terrenos da “Quinta...”, vendendo as colheitas de uva e daí retirando o respectivo lucro, com fez em 2012 e 2013.</font><br>
</p><p><font>B) O Acórdão recorrido desconsidera ter resultado provado que “</font><i><font>No</font></i><font> </font><i><font>acordo</font></i><font> </font><i><font>referido</font></i><font> </font><i><font>em</font></i><font> </font><i><font>1-</font></i><font> </font><i><font>expressamente</font></i><font> </font><i><font>consta</font></i><font> </font><i><font>que</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>natureza</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>contrato</font></i><font> </font><i><font>é</font></i><font> </font><i><font>o</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>campanha,</font></i><font> </font><i><font>sendo</font></i><font> </font><i><font>indicado</font></i><font> </font><i><font>1</font></i><font> </font><i><font>ano</font></i><font> </font><i><font>como</font></i><font> </font><i><font>prazo</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>contrato,</font></i><font> </font><i><font>o</font></i><font> </font><i><font>que</font></i><font> </font><i><font>correspondia</font></i><font> </font><i><font>à</font></i><font> </font><i><font>vontade</font></i><font> </font><i><font>das</font></i><font> </font><i><font>partes</font></i><font>.” (facto 5) e que </font><i><font>A</font></i><font> </font><i><font>autora,</font></i><font> </font><i><font>antes</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>assinar</font></i><font> </font><i><font>o</font></i><font> </font><i><font>contrato</font></i><font> </font><i><font>referido</font></i><font> </font><i><font>em</font></i><font> </font><i><font>1-,</font></i><font> </font><i><font>sabia</font></i><font> </font><i><font>que</font></i><font> </font><i><font>os</font></i><font> </font><i><font>réus</font></i><font> </font><i><font>não</font></i><font> </font><i><font>pretendiam</font></i><font> </font><i><font>dar de arrendamento</font></i><font> </font><i><font>os</font></i><font> </font><i><font>terrenos</font></i><font> </font><i><font>da</font></i><font> </font><i><font>“Quinta...”</font></i><font> </font><i><font>por</font></i><font> </font><i><font>prazo</font></i><font> </font><i><font>superior</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>1</font></i><font> </font><i><font>ano.</font></i><br>
</p><p><font>C) Do que antecede em B e sendo a Recorrida uma sociedade Agrícola, a sua expectiva era a de poder explorar os terrenos da “Quinta...” pelo prazo de um ano, renovável, tal como era essa a expectativa dos pais dos Recorrentes primitivos Réus.</font><br>
</p><p><font>D) O facto deste tipo de contrato de arrendamento - cultura perenes - ter prazo imperativo de 7 anos não muda que a expectativa de negócio da Recorrida, porque é muito claro o que as partes negociaram e quiseram e que foi condição da celebração deste contrato.</font><br>
</p><p><font>E) Percorridos os autos resulta muito claro que a Recorrida só se lembrou de invocar a imperatividade da lei – contra o que expressamente havia negociado – quando se desentendeu com os pais dos Recorrentes e resolveu o contrato.</font><br>
</p><p><font>F) Provada que era esta a expectativa de duração do negócio (1 ano), a decisão recorrida não tem fundamento para afirmar que à recorrida assiste o direito à indemnização por lucros cessantes até ao limite dos 7 anos previstos na lei.</font><br>
</p><p><font>G) Em consonância com a real expectativa da Recorrida quanto ao prazo de duração do contrato, resulta clara dos factos provado sob os números 26 a 34 cotejados com as obrigações assumidas na cláusula 6 do contrato de arrendamento, o fraco investimento que a Recorrida fez na Quinta... ao longo dos 2 anos de duração do contrato (2012 e 2013). O que estava ao nível da expectativa anual que negociara e contratara.</font><br>
</p><p><font>H) Não podendo por isso a Recorrida, beneficiar da tutela pelo interesse contratual positivo.</font><br>
</p><p><font>I) Sem prescindir, se no caso concreto, for sufragado o entendimento da possibilidade de condenação no pagamento de lucros cessantes então o novo limite absoluto será de 96.500,00€ e não de 96.500,00€ a título de lucros cessantes, mais o limite de 53.703,71€ a título de reintegração das despesas de investimento (que não tenham sido necessárias à obtenção da produção de 2012 e 2013).</font><br>
</p><p><font>J) Pela decisão da primeira instância Réus terão de reintegrar a Autora pelos custos incorridos que extravasem os necessários à exploração de 2012 e 2013, ditos de investimento; pelo Acórdão os Réus, terão também de indemnizar pelo montante “</font><i><font>que</font></i><font> </font><i><font>deve</font></i><font> </font><i><font>corresponder</font></i><font> </font><i><font>ao</font></i><font> </font><i><font>lucro</font></i><font> </font><i><font>líquido</font></i><font> </font><i><font>que</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>autora</font></i><font> </font><i><font>auferiria</font></i><font> </font><i><font>durante</font></i><font> </font><i><font>período</font></i><font> </font><i><font>temporal</font></i><font> </font><i><font>acima</font></i><font> </font><i><font>definido,</font></i><font> </font><i><font>ou</font></i><font> </font><i><font>seja,</font></i><font> </font><i><font>ao</font></i><font> </font><i><font>valor</font></i><font> </font><i><font>obtido</font></i><font> </font><i><font>com</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>venda</font></i><font> </font><i><font>da</font></i><font> </font><i><font>produção</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>uva</font></i><font> </font><i><font>deduzida</font></i><font> </font><i><font>das</font></i><font> </font><i><font>despesas</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>encargos</font></i><font> </font><i><font>tidos</font></i><font> </font><i><font>com</font></i><font> </font><i><font>essa</font></i><font> </font><i><font>produção,</font></i><font> </font><i><font>até</font></i><font> </font><i><font>ao</font></i><font> </font><i><font>limite</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>€</font></i><font> </font><i><font>96.500,00,</font></i><font> </font><i><font>...”.</font></i><br>
</p><p><font>K) Ou bem que a Recorrida recebe o </font><u><font>lucro cessante líquido absoluto,</font></u><font> ie, [Proveitos – (custos correntes + custos de investimento)] de 01.0.2014 a 30.11.2018; Ou bem que é reintegrada pelas despesas efectivamente realizadas que não possam ser consideradas necessárias para a obtenção da produção nos dois anos que o contrato efectivamente durou.</font><br>
</p><p><font>L) No caso concreto ocorre impossibilidade cumulação da indemnização pelo interesse contratual negativo e positivo, pois tal redundaria em enriquecimento da Recorrida.</font><br>
</p><p><font>M) Deve por isso ficar claro que o Acórdão recorrido deve ser entendida como obrigação de pagamento </font><u><font>Apenas do</font></u><font> </font><u><font>lucro líquido absoluto</font></u><font> = [proveitos – (custos correntes + custos de investimento)] de 01.0.2014 a 30.11.2018.</font><br>
</p><p><font>N) Embora o Acórdão afirme decidir pela admissibilidade de cumulação dos interesses contratuais negativo e positivo, materialmente a opção tomada foi a de obrigar os Recorrentes a indemnizar apenas pelo interesse contratual positivo. O que deve ser declarado.</font><br>
</p><p><font>O) A obrigação de pagamento dos custos suportados pela Recorrida com a exploração que não tenham sido necessários às colheitas dos anos de 2012 e 2013, com o limite de € 53.703,71, </font><u><font>acrescida</font></u><font> do lucro líquido = (proveitos – custos correntes), redundando em enriquecimento ilegítimo da Recorrida, permitindo-lhe ser reintegrada pelas despesas de investimento a que se comprometeu pelo contrato e que eram as necessárias para que a vinha mantivesse a capacidade produtiva que tinha no início do contrato.</font><br>
</p><p><b><font>12.</font></b><font> A Autora contra-alegou, pugnando pelo infundado da revista, formulando as seguintes (transcritas) conclusões:</font><br>
</p><p><font>1.ª A decisão de primeira instância já transitou em julgado no que concerne à natureza e ao prazo de 7 anos do contrato;</font><br>
</p><p><font>2.ª E também já transitou em julgado o entendimento de que o contrato foi válida e eficazmente resolvido pela Autora/Recorrida, face ao incumprimento definitivo e doloso praticado pelos Réus/Recorridos;</font><br>
</p><p><font>3.ª Tal entendimento conduziu à condenação dos Réus/Recorrentes, em primeira instância, no pagamento à Autora/Recorrida dos custos suportados no locado, em referência aos cinco anos remanescentes do contrato em que não pôde usufruir desses mesmos gastos, face ao incumprimento contratual;</font><br>
</p><p><font>4.ª E, dessa decisão, os Réus/Recorrentes não interpuseram recurso;</font><br>
</p><p><font>5.ª Portanto, os Réus/Recorrentes admitem danos emergentes da Autora/Recorrida relativamente aos cinco anos remanescentes da duração do contrato, mas, apenas porque aqui lhes convém, já não concebem que, se a Autora/Recorrida investiu no locado tendo em vista esse período, teria como expectativa a obtenção de lucros para o mesmo período;</font><br>
</p><p><font>6.ª Entendimento que é, no mínimo, incoerente, para não dizer oportunista;</font><br>
</p><p><font>7.ª E, se está assente a celebração de um contrato de arrendamento rural pelo período de 7 anos, tem a Autora/Recorrida direito a uma indemnização que a cautele os danos emergentes e os lucros cessantes, única via de garantir equilíbrio contratual, perante o incumprimento contratual doloso levado a cabo pelos Réus/Recorrentes;</font><br>
</p><p><font>8.ª A indemnização pelo interesse contratual negativo, ou seja, indemnização que abarque os danos emergentes, não é sequer objecto de recurso nem de discussão entre as partes</font><br>
</p><p><font>9.ª Os Recorrentes, em boa verdade até demonstram concordar com a decisão da Recorrida ser ressarcida pelo interesse contratual positivo, relativa aos lucros cessantes;</font><br>
</p><p><font>10.ª O legislador não impede a indemnização em caso de resolução do contrato pelo interesse contratual positivo;</font><br>
</p><p><font>11.ª E só mediante o direito a essa compensação é que tem a credora (Autora/Recorrida) a real possibilidade de resolver o contrato face ao incumprimento imputável aos devedores (Réus/Recorrentes), sem que tal signifique uma renúncia aos lucros frustrados pelo não cumprimento;</font><br>
</p><p><font>12.ª Tendo as partes celebrado um contrato de arrendamento rural pelo período de 7 anos, e tendo a Autora/Recorrida gasto uma determinada importância em despesas tidas por necessárias para todo esse período temporal, em vista à obtenção de um certo lucro pelo mesmo período, não se vislumbra motivo para apenas poder pedir o quantitativo dessas despesas, e não também o lucro cessante positivo;</font><br>
</p><p><font>13.ª Só mediante a cumulação do interesse contratual negativo e do interesse contratual positivo na indemnização a atribuir à Autora/Recorrida é que é possível aquela ver-se integralmente ressarcida dos danos sofridos, ponderado o equilíbrio contratual e o princípio da boa fé;</font><br>
</p><p><font>14.ª Pois que, em contrário, estariam então os Réus/Recorrentes a obter um benefício injustificado, podendo mesmo dizer-se que o incumprimento contratual lhes compensou;</font><br>
</p><p><font>15.ª E não se admite o entendimento desmedido invocado pelos Réus/Recorrentes quando alegam que a condenação, por um lado, nos gastos já investidos no locado (danos emergentes) e, por outro, naquilo que a Autora/Recorrida deixou de auferir pela impossibilidade de manutenção do contrato (lucros cessantes), geraria um enriquecimento ilegítimo à Autora/Recorrida;</font><br>
</p><p><font>16.ª A Autora/Recorrida, consequência do incumprimento contratual imputável aos Réus/Recorrentes, viu frustrados os gastos investidos no locado pelo período remanescente de duração do contrato (cinco anos). A tutela do interesse contratual negativo abrange, assim, os danos emergentes, e justifica-se na medida em que tem a Autora/Recorrida o direito (e os Réus/Recorrentes o dever) a ser restituída das quantias despendidas e às quais não pôde dar qualquer utilidade, cfr. artigos 801º, 433º e 289º do Código Civil;</font><br>
</p><p><font>17.ª Por seu turno, não fosse o incumprimento contratual dos Réus/Recorrentes que resultou numa cessação do contrato celebrado, pela exploração do locado, a Autora/Recorrida iria obter respetivos lucros nos cinco anos que faltavam para o termo do contrato, o que não logrou por ação dolosa praticada pelos Réus/Recorrentes. Neste panorama, a tutela contratual positiva engloba lucros cessantes e justifica-se no sentido de colocar a Autora/Recorrida em situação idêntica à que se encontraria se o contrato tivesse sido pontualmente cumprido pelos Réus/Recorrentes, cfr. artigos 562º e 564º do Código Civil;</font><br>
</p><p><font>18.ª A perfilhar-se o entendimento dos Recorrentes, os infractores (os agora Recorrentes) são beneficiados, em comparação com a lesada, gerando uma situação de que o crime compensa.</font><br>
</p><p><font>19.ª A vencer essa posição, na prática de ora em diante, a imperatividade de duração do contrato de arrendamento rural, passa a ser uma miragem, na medida em que, a segurança que o arrendatário necessita para investir e trabalhar numa actividade duradoura pode a todo o tempo terminar, porquanto, o senhorio pode a todo o tempo pôr ilicitamente fim ao contrato, uma vez que, na pior das hipóteses só tem de pagar as despesas de investimento que o arrendatário fez. </font><br>
</p><p><font>E, nesse caso, se o Senhorio (aqui recorrentes) só tem de ressarcir as despesas de investimento, então, na verdade, incumpre mas não tem qualquer sanção, uma vez que as despesas de investimento que terá de pagar, estão e fazem parte integrante do locado e o Senhorio vai delas beneficiar nos anos vindouros.</font><br>
</p><p><font>Este, entendimento, tem assim o condão de esvaziar a segurança jurídica da imperatividade dos 7 anos de duração do contrato de arrendamento agrícola, protege o infractor em detrimento do lesado e gera uma situação de enriquecimento sem causa dos Recorrentes.</font><br>
</p><p><font>20.ª Na prática, tal entendimento, reconduz as consequências da violação e resolução de um contrato vinculado a 7 anos de duração a um mero contrato de prestação de serviços.</font><br>
</p><p><font>21.ª Da tese dos Recorrentes resulta que, se os mesmos tivessem contratado a terceiros a prestação dos mesmos serviços que a Recorrida efectuou na “Quinta...” iria pagar o mesmo ou mais dinheiro do que a indemnização que tem de pagar à Recorrida por ter incumprido com o contrato. Isto porque,na realidade essa posição limita (a nosso ver errada e ilicitamente) o ressarcimento dos danos da Recorrida às despesas de investimento que a mesma teve no locado.</font><br>
</p><p><font>21.ª Na prática se os Recorrentes durante dois anos tivessem explorado diretamente a propriedade tinham que pagar as mesmíssimas despesas e de que beneficiam hoje e nos anos vindouros.</font><br>
</p><p><font>22.ªOqueseriageradordeumenormedesequilíbrioemfavordolesanteeemprejuízodolesado</font><br>
</p><p><font>23.ª Essa posição coloca injustificadamente o credor aqui Recorrida, que com fundamento no contrato (no caso um contrato de arrendamento vinculado por 7 anos) pensava ter assegurado o lucro que resultaria do cumprimento e que foi frustrado pelo inadimplemento dos Recorrentes, perante uma alternativa limitativa, injusta, desproporcional e até contrária à boa-fé e à segurança jurídica (que contradiz a liberdade de vinculação e a fidelidade contratual).</font><br>
</p><p><font>24.ª É exactamente a possibilidade da Recorrida ser ressarcida também pelos lucros cessantes, que evita um desequilíbrio do vínculo contratual em resultado do incumprimento dos Recorrentes e, não a posição seguida pelos Recorrentes.</font><br>
</p><p><font>25.ª A Autora tem, assim, direito a danos emergentes e a lucros cessantes, figuras totalmente distintas e a liquidar autonomamente;</font><br>
</p><p><font>26.ª Não é sequer decifrável o facto de os Réus/Recorrentes conceberem a cumulação da indemnização pelo interesse contratual positivo e negativo, mas, nesse caso, peticionarem um resultado prático mais lesivo à Autora/Recorrida e mais vantajoso aos Réus/Recorrentes do que aquele que lograriam em caso de condenação exclusiva pelo interesse contratual negativo;</font><br>
</p><p><font>27.ª Se a lógica dos Réus/Recorrentes fosse percorrida pelo tribunal ad quem, tal significaria que a Autora/Recorrida nem iria ser sequer ressarcida pelo interesse contratual negativo;</font><br>
</p><p><font>28.ª É patente, pois, que a tese dos Recorrentes conduziria a um empobrecimento ilegítimo da Recorrida, em detrimento de um enriquecimento ilegítimo dos Recorrentes.</font><br>
</p><p><font>29.ª Ao contrário do que alegam os Recorrentes, a Recorrida, não só pode, como deve ser acautelada, também, pelo interesse contratual positivo, devendo os Recorrentes ser condenados no pagamento das quantias que se vierem a liquidar, autonomamente, em relação aos danos emergentes, por um lado, e aos lucros cessantes, por outro, só assim se assegurando equilíbrio contratual e inteira justiça, face ao incumprimento definitivo e culposo dos Recorrentes quanto ao contrato de arrendamento rural que, por imperativo legal, deveria ter tido a duração de, pelo menos, sete anos!</font><br>
</p><p><font>30.ª Por conseguinte, não merece qualquer crítica a decisão recorrida, sendo a mesma sã jurisprudência, e, na qual nos louvamos.</font><br>
</p><p><font>E conclui pela improcedência do recurso</font><b><font>.</font></b><br>
</p><p><b><font>13.</font></b><font> Cumpre apreciar e decidir.</font><br>
</p><p><b><font>II. Delimitação do objeto do recurso</font></b><br>
</p><p><font>Como é jurisprudência sedimentada, e em conformidade com o disposto nos artigos 635º, nº 4, e 639º, nºs 1 e 2, ambos do Código de Processo Civil, o objeto do recurso é delimitado em função das conclusões formuladas pelo recorrente, pelo que, dentro dos preditos parâmetros, da leitura das conclusões recursórias formuladas pelos Réus / ora Recorrentes decorre que o objeto do presente recurso está circunscrito à questão:</font><br>
</p><p><font>- Do direito de indemnização da Recorrida pelos lucros cessantes integrantes do interesse contratual positivo.</font><br>
</p><p><b><font> </font></b><br>
</p><p><b><font>III. Fundamentação</font></b><br>
</p><p><b><font>1. As instâncias deram como provados os seguintes factos:</font></b><br>
</p><p><b><font>1.1.</font></b><font> Por escrito datado de 30.11.11, a autora, a ré AA, e o falecido BB, celebraram contrato de arrendamento rural pelo qual os segundos deram de arrendamento à autora, mediante o pagamento da renda anual de € 11.000,00, o prédio rústico denominado “Quinta...”, situado na ..., ..., incluindo a adega e todos os equipamentos e utensílios que se encontravam no arrendado. [artigos 1.º, 2.º, 4.º e 5.º da petição inicial; matéria expressamente aceite nos artigos 9.º a 14.º, 22.º, 23.º, 24.º, 27.º, 28.º, 29.º, 71.º e 74.º da contestação]</font><br>
</p><p><b><font>1.2.</font></b><font> A “Quinta...” tem vinhas, e o acordo referido em 1- destinou-se ao exercício pela autora da actividade de produção vitivinícola, incluindo o respectivo cultivo e colheita. [artigos 3.º e 17.º da petição inicial; matéria expressamente aceite nos artigos 29.º e 128.º da contestação]</font><br>
</p><p><b><font>1.3.</font></b><font> A autora pagou todas as rendas devidas no âmbito do contrato referido em 1-. [artigos 6.º e 69.º da petição inicial; matéria expressamente aceite nos artigos 30.º e 128.º da contestação]</font><br>
</p><p><b><font>1.4.</font></b><font> A autora decidiu outorgar o contrato referido em 1- porque pretendia exercer a actividade (a que a autora se dedica) de produção vitivinícola na “Quinta...” por forma a gerar lucro, com livre acesso aos terrenos agrícolas dos senhorios destinados à actividade de viticultura, e o uso e fruição exclusivo das máquinas agrícolas descritas no contrato. [artigos 7.º a 9.º da petição inicial; matéria parcialmente aceite no artigo 129.º e parcialmente impugnada no artigo 136.º, ambos da contestação] </font><br>
</p><p><b><font>1.5.</font></b><font> No acordo referido em 1- expressamente consta que a natureza do contrato é o de campanha, sendo indicado 1 ano como prazo do contrato, o que correspondia à vontade das partes. [artigo 16.º da petição inicial; artigos 15.º a 18.º e 143.º a 160.º da contestação] </font><br>
</p><p><b><font>1.6.</font></b><font> Nas culturas perenes, como é o caso da vinha, o plantio faz-se e aguarda-se que a planta atinja a maturidade e produção, o que não acontece antes dos 4 anos, até lá sendo necessário realizar um conjunto de trabalhos agrícolas, cujo integral retorno apenas ocorre ao fim de anos. [artigo 20.º da petição inicial; matéria impugnada no artigo 137.º da contestação]</font><br>
</p><p><b><font>1.7.</font></b><font> Em meados de 2013 o filho dos senhorios comunicou à autora que havia um interessado na aquisição do imóvel arrendado, mas a existência de um contrato de arrendamento rural poderia inviabilizar a venda. [artigo 26º da petição inicial; matéria impugnada no artigo 137.º da contestação] </font><br>
</p><p><b><font>1.8.</font></b><font> Em meados de 2013 o acesso à “Quinta...”, e aos terrenos objecto do acordo referido em 1-, foi por mais de uma vez encerrado (nomeadamente com correntes), com o objectivo de impedir a entrada da autora. [artigos 33.º e 34.º da petição inicial; matéria impugnada no artigo 137.º da contestação] </font><br>
</p><p><b><font>1.9.</font></b><font> Designadamente, a 15.07.13, porque estava a ser impedida de aceder ao locado, e com receio pelo estado de exaltação que então apresentava o caseiro dos autores, HH, a autora chamou a GNR ao local. [artigo 34.º da petição inicial; matéria impugnada no artigo 137.º da contestação] </font><br>
</p><p><b><font>1.10.</font></b><font> Nas alturas referidas em 8- e 9- a autor teve custos com a sua deslocação, e com a deslocação de trabalhadores, ao local. [artigo 36.º da petição inicial; matéria impugnada no artigo 137.º da contestação]</font><br>
</p><p><b><font>1.11. </font></b><font>Apesar de a autora ter informado os representantes dos senhorios (designadamente o filho destes DD) do referido em 8- e 9-, estes nada fizeram. [artigos 38.º e 39.º da petição inicial; matéria impugnada no artigo 137.º da contestação] </font><br>
</p><p><b><font>1.12.</font></b><font> A autora jamais teve acesso à adega do locado, espaço que a autora não pode utilizar para armazenar, transformar e/ou comercializar produtos. [artigos 40.º, 41.º e 52.º da petição inicial; matéria impugnada no artigo 137.º da contestação] </font><br>
</p><p><b><font>1.13. </font></b><font>O caseiro dos réus, HH, em diversas ocasiões utilizou os equipamentos existentes no locado. [artigos 45.º e 46.º da petição inicial; matéria impugnada nos artigos 137.º e 212.º da contestação] </font><br>
</p><p><b><font>1.14.</font></b><font> Por carta datada de 02.07.13, os réus comunicaram à autora a resolução do contrato referido em 1-, com efeito i | [0 0 0 ... 0 0 0] |
8jJzu4YBgYBz1XKvvgr9 | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>
<p><font>Revista excecional n° 13603/16.2T8SNT.L1.S1</font>
</p><p>
</p><p><font>I</font>
</p><p><b><font>Relatório</font></b>
</p><p><b><font>1."Decisões e Soluções - Intermediários de Crédito Lda</font></b><font>", e "</font><b><font>Decisões e Soluções -Mediação Imobiliária Lda</font></b><font>" intentaram ação contra "</font><b><font>Menezes e Castro Rosa - Mediação Imobiliária e Consultoria Lda</font></b><font>", </font><b><font>AA</font></b><font> e </font><b><font>BB</font></b><font>, pedindo a condenação destes a pagar as quantias de € 30.000 e de € 140.000, respetivamente, às 1.</font><sup><font>a</font></sup><font> e 2.</font><sup><font>a</font></sup><font> AA., com fundamento no incumprimento pelos RR. de várias das obrigações decorrentes do contrato de agência que com eles haviam celebrado e na violação, já depois de resolvido o contrato, da obrigação de não concorrência a que se tinham vinculado. </font>
</p><p><br>
<b><font>2. </font></b><font>Foi proferida sentença, condenando os RR. a pagar, solidariamente, as quantias de € 29.910,12 e de € 137.777,98 (acrescidas de juros) às 1.</font><sup><font>a</font></sup><font> e 2.</font><sup><font>a</font></sup><font> AA., respetivamente.</font><br>
<br>
<b><font>3. </font></b><font>A Relação manteve o decidido em 1</font><sup><font>a</font></sup><font> instância, unanimemente e com fundamentação essencialmente coincidente.</font><br>
<font>O respetivo Acórdão foi sumariado da seguinte forma:</font><br>
<font>«1. Celebrado um contrato de agência, o incumprimento por parte do agente das obrigações emergentes do contrato não motiva per se a resolução do contrato (com justa causa) pelo principal; exige-se ainda que a ilicitude do comportamento do agente assuma gravidade tal que não seja exigível a subsistência do vínculo contratual (art. 30° do Dec. Lei 178/86 de 3 de julho, com as alterações introduzidas pelo Dec. lei 118/93 de 13-04), mostrando-se comprometido o fim que subjaz a esse contrato de cooperação;</font><br>
<font>2. A caducidade do direito de resolução com justa causa do contrato de agência (art. 31° do mesmo diploma), porque não versa sobre direitos indisponíveis, não é de conhecimento oficioso, devendo ser deduzida na contestação (princípio da concentração da defesa);</font><br>
<font>3. Tendo ocorrido violação grave do contrato pelo agente, dando assim causa à cessação do contrato, fica excluído o direito à indemnização de clientela (art. 33.°, n.° 3 do mesmo diploma);</font><br>
<font>4. É válido o pacto de não concorrência quando estipulado de acordo com a conformação estabelecida pelo legislador no art. 9° do referido Dec. Lei 178/86; esta regulação obedece a parâmetros constitucionalmente consagrados (arts. 47°, n° 1, 58°, n°l e 61°, n°l da CRP);</font><br>
<font>5. Quando o devedor invoca a excessiva onerosidade da cláusula penal — tratando-se de exceção que não é de conhecimento oficioso —, incumbe-lhe o ónus de alegar e provar os factos suscetíveis de fundamentar o juízo de desproporcionalidade, tendo por base o que a esse propósito dispõe o art. 812° do Cód. Civil, assumindo a intervenção do tribunal com vista à redução caráter excepcional».</font><br>
<br>
<br>
<b><font>4.</font></b><font>Os RR. interpuseram recurso de revista, ao abrigo do art. 672 n.° 1, a), do CPC, justificando a sua admissibilidade com a </font><i><font>relevância jurídica </font></i><font>da apreciação pelo Supremo Tribunal da questão da invalidade/nulidade do pacto de não concorrência constante do contrato de agência celebrado entre as partes, sob duas vertentes:</font><br>
<font>(i) a cláusula seria nula, uma vez que a vulnerabilidade que o agente ostenta em face do principal é equiparável à do trabalhador em face do empregador e a obrigação de não concorrência, com efeitos </font><i><font>post contractum finitum, </font></i><font>não foi condicionada à fixação de uma compensação aos RR., o que implica que a resolução invocada não tem justa causa; (ii) sendo manifestamente abusiva, à referida cláusula penal deveria aplicar-se, analogicamente, o regime da invalidade previsto no art. 1146 do CC e não o da sua redução, de acordo com a equidade, ao abrigo do art. 812 do mesmo código.</font><br>
<br>
<b><font>5.</font></b><font> Apreciada a possibilidade de recurso excecional, a Formação consideraria </font><b><font>improceder</font></b><font> a pretensão dos requerentes quanto à admissibilidade do recurso para reponderação pelo Supremo Tribunal do juízo sobre a ausência de elementos que permitissem ter por manifestamente excessivo o montante da cláusula penal em causa, desde logo porque essa consideração, de qualquer modo, sempre teria de assentar em critérios de equidade, que consideraria subtraídos, por princípio, à cognoscibilidade deste Tribunal.</font><br>
<br>
<b><font>6</font></b><font>.Já quanto à questão da </font><b><font>invalidade do pacto de não concorrência</font></b><font>, na primeira das vertentes articuladas pelos requerentes, consideraria a Formação mostrar-se suficientemente justificado que, através do mecanismo da revista excecional, este Supremo Tribunal se possa pronunciar sobre a matéria, considerando as especificidades dos fundamentos da solução para ela obtida no acórdão recorrido.</font><br>
<font>Não corroborando, inteiramente, o invocado ineditismo do tema, considerou a Formação que, na jurisprudência publicitada, não se deteta qualquer pronúncia deste Tribunal sobre o mesmo.</font><br>
<font>E consequentemente, dado que a temática imposta pela questão suscitada pelos requerentes, na sua primeira vertente, não atingiu o necessário patamar de segurança interpretativa, considerou a necessidade de admissão do recurso pela via sugerida, de molde a propiciar </font><i><font>a excecional intervenção clarificadora deste Supremo Tribunal</font></i><font>.</font><br>
<font>Nos termos expostos, admitiu excecionalmente a revista.</font><br>
<br>
<b><font>7.</font></b><font>Eram as seguintes as Conclusões do Recurso para este Supremo Tribunal:</font><br>
<font>“1) Interpõem os Recorrentes recurso de revista excepcional para o Colendo Supremo Tribunal de Justiça de um aresto do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, para entender revestir-se de interesse jurídico e portanto melhor apreciada a validade dos pactos de não concorrência insertos em contratos de agência - ao abrigo do artigo 9.º da denominada Lei da Agência - quando lhes não corresponda qualquer compensação como preconiza o artigo 13.º, g) do mesmo Diploma Legal; bem como quanto a cláusulas penais objectiva e manifestamente abusivas.</font><br>
<font>2) Para a cláusula contratual de OBRIGAÇÃO DE NÃO CONCORRÊNCIA não é válida, por desconformidade com a Lei da Agência sempre que não for respeitado o direito conexo dos Recorrentes, vertido no artigo 13.º, alínea g) da designada “Lei da Agência” e que se consubstancia no direito ao recebimento de uma compensação, pela obrigação de não concorrência após a cessação do contrato.</font><br>
<font>3) E isto considerando a razão de ser de tal direito com consagração legal: por um lado, assegurar as condições mínimas de subsistir com dignidade, a que todo e qualquer cidadão tem direito - porquanto outra interpretação do artigo 13.º, alínea g) da Lei da Agência viola a Lei Fundamental e os Tratados internacionais - e por outro garantir a observância das regras comunitárias sobre a concorrência.</font><br>
<font>4) No mesmo sentido tem entendido a supra mencionada Jurisprudência do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa.</font><br>
<font>5) Mais se sustenta que tal norma é imperativa, tal qual o é o artigo 136.º do CT, o qual deve ser aplicado analogicamente à Lei da Agência, de acordo com as boas regras da hermenêutica jurídica.</font><br>
<font>6) A vulnerabilidade do trabalhador em face da entidade patronal não é maior que a do Agente em face do Principal (no que o caso dos autos é paradigmático), e até estamos em crer que é maior atendendo ao investimento efectuado pelo Agente para entrar e pertencer à rede do Agente.</font><br>
<font>7) No âmbito do direito laboral os pactos de não concorrência, insertos nos contratos de trabalho, é inquestionável que representam restrições à liberdade de trabalho, com dignidade constitucional.</font><br>
<font>8) E a lei regulamenta, de forma rigorosa, as limitações convencionais ao exercício da actividade profissional por parte do trabalhador impondo, para tanto, o preenchimento cumulativo de determinados requisitos de validade, entre os quais pontua o da compensação.</font><br>
<font>9) E só quando declarado expressamente - pela mesma forma exigida para o contrato de agência - que este direito é afastado é que a autonomia da vontade pode funcionar para a legitimidade do Principal para o não pagamento da compensação a que alude o artigo 13.º alínea g) da Lei da Agência.</font><br>
<font>10) Não só no contrato de trabalho a compensação é requisito de validade de cláusula que consagre obrigação de não concorrência, mas direito em geral.</font><br>
<font>11) Não vislumbrados lugar paralelo em que aos pactos de não concorrência o legislador faz sempre corresponder o dever de pagar uma compensação.</font><br>
<font>12) Estas normas encerram uma limitação verdadeira e efetiva à livre concorrência, quer nos mercados nacionais, quer nos comunitários No mesmo sentido, L. Miguel Pestana de Vasconcelos, O Contrato de Franquia (Franchising),</font><br>
<font>Almedina, Coimbra 2000, p. 125.</font><br>
<font>.</font><br>
<font>13) Devendo atentar-se que esta é uma Liberdade dos Tratados, com génese no Tratado de Roma - vide artigo 81.º - e que não pode ser posta em crise.</font><br>
<font>14) Convirá igualmente não se perder de vista que o Direito comunitário não deixa de ser direito interno para os Estados Membros, posto que são normas directamente aplicáveis que produzem efeito imediato na esfera jurídica individual e habilitam todos os interessados, titulares dos direitos que desse artigo para eles resultem, a invoca-las perante jurisdição nacional competente.</font><br>
<font>15) Revertendo ao caso dos autos, outra interpretação que não esta, salvo o devido respeito, do artigo 9.º da Lei da Agência sempre violaria os artigos artigo 61.º da Lei Fundamental e o artigo 3.º do Tratado da União Europeia (TUE), por força do qual os Estados membros estão obrigados a prosseguir um escopo de promoção de uma “economia social de mercado altamente competitiva que tenha como meta o pleno emprego e o progresso social (…)”.</font><br>
<font>16) Já o Tratado de Roma preconizou foi que ficasse salvaguardada uma concorrência efectiva e eficaz entre agentes económicos sendo este um dos instrumentos, por excelência, de prossecução do escopo do Tratado.</font><br>
<font>17) Outra interpretação contende com o equilíbrio do sinalagma funcional do contrato, não devendo ser lícito ao Principal pretender prevalecer-se de um Pacto de não concorrência sem reconhecer ao Agente o direito a uma compensação.</font><br>
<font>18) É o que para os Recorrentes resulta da letra e do espírito do artigo 13.º, alínea g) da Lei da Agência.</font><br>
<font>19) Portanto, o pagamento de compensação pelo Principal ao Agente - tal qual sucede no caso do trabalhador ao empregador - apresenta-se como uma condição essencial do pacto de não concorrência, pelo que a OMISSÃO DESTE PAGAMENTO DETERMINARÁ A NULIDADE DO ACORDO CELEBRADO ENTRE AS PARTES, NÃO VINCULANDO O AGENTE À OBRIGAÇÃO DE NÃO CONCORRÊNCIA.</font><br>
<font>20) Este raciocínio não pode deixar de se aplicar ao contrato de agência, pelas razões que pontuam esta imperatividade no direito laboral e que são da mesma natureza das que norteiam a razão de ser da norma do artigo 13.º, alínea g), do Decreto-Lei 178/86 de 3 de Julho (Com as alterações introduzidas por DL n.º118/93 de 13/04), para que seja válida a OBRIGAÇÃO DE NÃO CONCORRÊNCIA COM EFEITOS POST CONTRACTUM FINITUM.</font><br>
<font>21) Daí os Recorrentes não poderem acompanhar o entendimento do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, no Aresto recorrido, por verdadeiramente e com o máximo respeito não ter aquilatado com acerto, verdadeiramente, qual o âmago da questão.</font><br>
<font>22) Nesta conformidade, esta questão reveste-se de novidade e é claramente imperioso que se aprecie esta questão para uma melhor aplicação do direito: d) Quer porque os interesses a proteger são exactamente os mesmo que o artigo 136.º do CT visa acautelar;</font><br>
<font>e) Quer porque a vulnerabilidade do Agente em face do Principal é absolutamente equiparável à do trabalhador em face do empregador (se não maior pela realização de um investimento considerável no negócio, as mais das vezes);</font><br>
<font>f) Quer porque preconizar solução diversa configura uma distorção - com um desequilíbrio deveras inconcebível em termos de locupletamento do Agente - no sinalagma funcional do contrato, que o argumento da autonomia da vontade não poderá nunca acomodar, até pela predita vulnerabilidade do Agente.</font><br>
<font>23) O que ganha relevo jurídico acentuado se tivermos em consideração que, efectivamente, a jurisprudência produzida a respeito, quer pelos Venerandos Tribunais da Relação, quer pelo Colendo Supremo Tribunal de Justiça não conferem a este respeito, ao cidadão comum a certeza e segurança interpretativas, que são pressupostos de uma melhor aplicação do Direito, salvo o devido respeito.</font><br>
<font>24) Temos, assim, que: A questão que se pretende ver apreciada, está, pois, dotada de franco ineditismo e reveste-se de verdadeira complexidade, até pelo próprio impacto que tal pode ter na vida de muitos cidadãos e cidadãs, pois a ser como os Recorrentes sustentam a resolução invocada não tem justa causa por não se acharem preenchidos os respectivos pressupostos, logo estar-se-á perante uma resolução ilícita, a qual, apesar de determinar a cessação do vínculo mas, em princípio, sempre gerará a obrigação de indemnizar os prejuízos causados à outra parte.</font><br>
<font>25) E os Recorrentes defendem o mesmo raciocínio para as CLÁUSULAS PENAIS OJBECTIVAMENTE DESPROPORCIONAIS, pois nesse caso sempre há que ter em conta o valor dos danos a ressarcir e a pena contratualmente fixada, que vale como indemnização pré-determinada, de modo a estabelecer-se uma certa equivalência entre ambos os valores, devendo mesmo aplicar-se de forma analógica o artigo 1146.º do Código Civil, sob a epígrafe Usura.</font><br>
<font>26) Com a relevância prática de se evitar que as cláusulas penais possam funcionar como mecanismos de enriquecimento injustificado de um contraente à custa do outro, pois não é esse o seu desiderato.</font><br>
<font>27) E no limite, até por recurso às máximas da experiência comum, sempre se justifica a redução da cláusula penal, de acordo com a equidade, nos termos do disposto no artigo 812.º do Código Civil quando se conclui em função de diversos factores, quer atinentes ao negócio, quer atinentes às partes - que a sua aplicação gera um evidente e inaceitável desequilíbrio de prestações, o que no caso dos autos era fácil de aferir em virtude do cálculo apresentado nos autos para efeitos de indemnização de clientela.</font><br>
<font>28) E também esta questão que se pretende ver apreciada, está pois dotada de ineditismo patente, revestindo-se de verdadeira complexidade, até pelo próprio impacto que tal pode ter na vida de muitos cidadãos e cidadãs e diversos agentes económicos.</font><br>
<font>29) O que ganha relevo jurídico acentuado se tivermos em consideração que, também neste conspecto, efectivamente, a jurisprudência produzida a respeito, quer pelos Venerandos Tribunais da Relação, quer pelo Colendo Supremo Tribunal de Justiça não conferem a este respeito, ao cidadão comum a certeza e segurança interpretativas, que são pressuposto de uma melhor aplicação do Direito, salvo o devido respeito.</font><br>
<font>30) Da perspectiva, dos Recorrentes e considerando o antedito preceito é preciso dar um salto qualitativo para a declaração da invalidade das cláusulas penais, na salvaguarda de uma sociedade empreendedora e com iniciativa económica.</font><br>
<font>31) Nunca sendo demais deixar expresso que incumbe às Instância fazer uma interpretação do direito que sirva fins de justiça”.</font>
</p><p><i><font>Cumpre apreciar e decidir</font></i><br>
<br>
<br>
<font>II</font><br>
<b><font>Fundamentação</font></b><br>
<br>
<b><font>1</font></b><font>.Uma vez que o objeto do Recurso é definido pelas conclusões contidas nas alegações do mesmo Recurso (normalmente figurando na sua parte final), impõe-se conhecer das questões aí especificamente colocadas pelos Recorrentes (sem prejuízo do conhecimento ainda das que forem de conhecimento oficioso, assim como daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras — arts. 635 e 639 CPC). </font><br>
<br>
<b><font>2</font></b><font>.Sublinhe-se, contudo, que o Tribunal não se encontra vinculado à apreciação de cada um dos argumentos apresentados pelas partes para desenvolver ou tentar provar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre (</font><i><font>hoc sensu</font></i><font>) na interpretação e aplicação do Direito — art. 5.º, n.° 3 do CPC. Deve, evidentemente, obediência à Lei e à Justiça, e está vinculado a regras de lógica e de inteligível formulação dos seus juízos, </font><i><font>inter alia. </font></i><font>Contudo, pode decidir da </font><i><font>dispositio</font></i><font> do seu discurso, não estando obrigado a seguir uma ordem de temas, nem uma linha de raciocínio determinadas previamente. Apenas devem uma e outra ser votadas à dilucidação da questão concreta </font><i><font>sub judice.</font></i><br>
<br>
<b><font>3</font></b><font>.No caso vertente, a questão única é a recortada pela Formação das conclusões da Recorrente. Porque com base nela apenas foi admitida a revista excecional. </font><br>
<br>
<b><font>4.</font></b><font>A dado passo, o respetivo Acórdão explicita o que está em causa e provoca perplexidade:</font><br>
<br>
<i><font>Não é pacífica a questão de saber se da interpretação do complexo normativo resultante de tais preceitos se extrai, ao invés do que assumiu o acórdão impugnando, que a validade do pacto de não concorrência, no contrato de agência, depende da fixação de uma compensação pelas inerentes compressões à liberdade de trabalho e à livre concorrência, com vista a preservar a autêntica autonomia da vontade privada, até porque é uma matéria que convoca, simultaneamente, os aludidos princípios fundamentais, com que quaisquer restrições se terão de harmonizar, consagrados tanto constitucionalmente (arts. 47, 58, 81 e 99), como em tratados internacionais aplicáveis na ordem jurídica interna (Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e Tratado de Funcionamento da União Europeia).</font></i><br>
<br>
<br>
<b><font>5.</font></b><font>Devem ser coordenadas hermenêuticamente as normas do DL 178/86 de 3-07, nomeadamente:</font><br>
<i><font>«Deve constar de documento escrito o acordo pelo qual se estabelece a obrigação de o agente não exercer, após a cessação do contrato, atividades que estejam em concorrência com</font></i><font> </font><i><font>as da outra parte» </font></i><font>e «o </font><i><font>agente tem direito, designadamente </font></i><font>(...) a uma </font><i><font>compensação, pela obrigação de não concorrência após a cessação do contrato» </font></i><font>[arts. 9</font><sup><font>o</font></sup><font> e 13°, g) do DL 178/86 de 3-07]. </font><br>
<font>Apesar da complexidade de que se reveste a interpretação (como foi salientado no Acórdão da Formação), não sendo ao julgador permitido o </font><i><font>non liquet</font></i><font>, entende-se que a interpretação normal, básica, vai em dois sentidos: por um lado, a obrigação de não concorrência depois de cessado o contrato terá que ser vertida em documento escrito; por outro, e complementarmente, o agente tem direito, designadamente, a uma compensação pela observância dessa obrigação de não concorrência após a cessação do contrato.</font><br>
<font>A falta desta compensação poderá interpretar-se (ainda que ocorrendo de forma inconsciente, involuntária, mas com substrato real) em pelo menos certa desconsideração da própria importância do cumprimento. E assim, também, em princípio (salvo se lesão enormíssima decorresse para a contraparte a par de vantagem descomunal para a que não cumprisse), não poderá prevalecer-se do incumprimento da obrigação de não concorrência a parte afetada pelo mesmo se não curou de prover a necessária compensação. Poderia mesmo uma tal atitude configurar abuso do direito, se não fora já igualmente incumprimento do direito a que estava adstrita.</font>
</p><p><br>
<b><font>6.</font></b><font>A RP, no seu acórdão de 7-12-2018 (p. 2521/16.4T8STS.P1), seguiu uma orientação oposta à do Acórdão recorrido. Tal como afirma o sumário do dito aresto:</font><br>
<i><font>«I - O subagente é o agente do agente, por ser contratado pelo agente, no âmbito da autonomia (elemento definidor do contrato de agência) que este dispõe nomeadamente no que se refere à organização da sua atividade.</font></i><br>
<i><font>II - A liberdade de trabalho, enquanto um direito fundamental do cidadão, implica que a sua compressão esteja sujeita a condicionantes legais, justificativas dessa limitação da liberdade de trabalhar.</font></i><br>
<i><font>III - O pacto de não concorrência, caracterizado como um acordo oneroso e<br>
sinalagmático, na medida em que restringe a liberdade de trabalhar, após a cessação do contrato, deve, como condição de validade, conter a fixação ex ante de uma compensação económica do agente, sob pena de nulidade.</font></i><br>
<i><font>IV - Não tendo sido estipulado no contrato de agência, celebrado entre as autoras e a ré, qualquer contrapartida pecuniária pela obrigação de não concorrência, não assiste ao principal o direito, em caso de violação do pacto de não concorrência, de exigir do agente a indemnização previamente fixada no contrato, para hipótese de incumprimento dessa cláusula.»</font></i>
</p><p>
</p><p><b><font>7.</font></b><font>Num enquadramento e horizonte hermenêuticos não pautados por um sistematismo dogmático, antes tendo em apreço uma perspetivação tópico-problemática, que não pretende decidir de uma vez por todas (e muito menos substituir-se ao legislador, como aquele juiz que, sobre as leis, teria dito “made some myself”) mas com justiça e no respeito pelo direito constituído resolver as questões concretamente levadas ao Tribunal, reconhecendo, naturalmente, a importância de alguma uniformização de julgados, entende-se que a contribuição para essa mesma uniformização e melhor solução dos casos, em geral, se deverá fazer através da sedimentação de vários processos, dos quais, em devido tempo, poderão resultar as sínteses iluminadoras que servirão de farol interpretativo no futuro. Só a acumulação de casos concretos poderá vir a propiciar uma panóplia de </font><i><font>data</font></i><font> que permita fazer ulteriormente um enquadramento geral e uma teorização válida para casos diversos. Procurar fazer doutrina pela concreta jurisprudência, no momento, afigurar-se-nos-ia temerário, porque ainda prematuro.</font>
</p><p><font>Assim, não se procurará uma teorização geral da questão, mas a simples aplicação ao caso concreto. Entende-se, aliás, como já foi sendo ventilado </font><i><font>supra</font></i><font>, que haverá que ter em consideração concreta os interesses e valores de cada caso.</font>
</p><p><b><font>8.</font></b><font>No caso vertente, não subsistem no nosso entendimento dúvidas de que a ponderação de valores, direitos e interesses em presença faz pesar a balança para o Recorrente. Não pode ele, a troco de nada, ficar amarrado a um compromisso sem limite.</font>
</p><p><font>Seria situação semelhante a uma pena (ou a uma corveia, no mínimo) sem fim, ou a uma nova espécie de servidão da gleba. </font>
</p><p>
</p><p><b><font>9.</font></b><font>Não é que os tempos hodiernos e os seus ventos de reforçada livre iniciativa e afins possam tudo justificar em nome de uma liberdade económica </font><i><font>à outrance</font></i><font> que se sabe bem ser polémica e envolver muitas questões ideológicas. E desde logo não pode ser ultrapassado, em nome do </font><i><font>laissez faire,</font></i><font> um completo olvido do </font><i><font>pacta sunt servanda</font></i><font>. Não será tanto pela ideia de absoluto livre mercado (com sua desregulação, por vezes) que se crê que o Recorrente tem razão na questão controversa assinalada pela Formação.</font>
</p><p><font>É que tem que haver um equilíbrio de prestações e compromissos. Não podendo quem celebre um contrato deste tipo vir depois a encontrar-se com “uma mão cheia de nada e outra de coisa nenhuma”, enquanto a contraparte se prevalece da sua palavra. Especificamente o contrato de agência é definido, por Mário Frota, como “acordo através do qual certa pessoa assume, com caráter permanente, a obrigação de promover, em nome e por conta de outrem, e mediante remuneração, a conclusão de contratos em certa zona (</font><i><font>Contrato de Trabalho</font></i><font>, Coimbra, Coimbra Editora, 1978, p. 117). O caráter oneroso é patente. E o não cumprimento de uma remuneração como contrapartida da não concorrência após a cessação do contrato contradiz o sentido de todo o contrato. </font>
</p><p><font>É a própria ideia de sinalagma (que funda o contrato em geral) que obriga a um equilíbrio e ajustamento. Ajuste de interesses é o contrato, diz Galvão Teles, acordo vinculativo com declarações de vontade harmonizáveis entre si, afirma-o Antunes Varela, vontades distintas mas ajustadas reciprocamente, observa Almeida Costa. A doutrina não encontra certamente opiniões discordantes desta necessidade dir-se-ia “simbólica” (em sentido etimológico): em que a uma parte corresponde necessariamente uma outra.</font>
</p><p>
</p><p><b><font>10.</font></b><font>Nomeadamente procedendo, assim, os argumentos não apenas da similitude do seu contrato com o contrato de trabalho, tendo a condição da Recorrente semelhanças com as do normal trabalhador, como ainda se adequando ao caso a última conclusão do sumário do Acórdão citado supra, cuja clareza é cristalina:</font><br>
<i><font>Não tendo sido estipulado no contrato de agência, celebrado entre as autoras e a<br>
ré, qualquer contrapartida pecuniária pela obrigação de não concorrência, não assiste ao principal o direito, em caso de violação do pacto de não concorrência, de exigir do agente a indemnização previamente fixada no contrato, para hipótese de incumprimento dessa cláusula.</font></i>
</p><p><font>III</font>
</p><p><b><font>Dispositivo</font></b><br>
<br>
<font>Termos em que se deve considerar o Recurso procedente na parte indicada pela Formação, e, nessa mesma parte, revogado parcialmente o Acórdão do Tribunal da Relação, absolvendo-se os RR do pagamento da indemnização pela violação do pacto de não concorrência à segunda autora. </font><font>No mais, mantém-se o Acórdão recorrido.</font>
</p><p><font>Custas da revista inteiramente a cargo da Recorrida, e as das instâncias na proporção do decaimento resultante do ora decidido. </font>
</p><p>
</p></font><p><font><font>Supremo Tribunal de Justiça, 5 de maio de 2020.</font><br>
<br>
<br>
<i><font>Paulo Ferreira da Cunha </font></i><font>(RELATOR)</font><br>
<br>
<br>
<i><font>Maria Clara Sottomayor</font></i><br>
<br>
<br>
<i><font>Alexandre Reis</font></i><br>
<br>
<br>
<br>
<br>
<br>
</font></p> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
JDJxu4YBgYBz1XKvDwnh | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><i><font> </font></i>
<p><i><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça</font></i>
</p><p><i><font> </font></i>
</p><p><font>I</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>1</font></b><font>.Os Autores, AA, “MEDIOSPITAL - EQUIPAMENTOS E PRODUTOS HOSPITALARES, LDA” E BB, no âmbito de um processo especial de prestação de contas, interpõem recurso de revista, que tem como objeto um Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, o qual julgou totalmente improcedentes as apelações </font><u><font>de ambas as partes</font></u><font>, confirmando integralmente a decisão recorrida.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>2</font></b><font>.A decisão de 1.ª Instância, retificada por despacho proferido em 06-02-2018, decidira o seguinte:</font>
</p><p><font>“a) julgou extinto em 19.01.2001, o contrato de mandato de 28.09.1996, entre os AA. Mediospital – Equipamentos e Produtos Hospitalares, Lda., e BB, e terceiros intervenientes como mandantes, e a Ré M2PR – Promoção Auto-Construção Imobiliária, Lda., como mandatária, referente ao Empreendimento do Lote B3 ao ..., com o teor do doc 5 junto ao requerimento inicial, fls 76/79;</font>
</p><p><font>b) julgou extinto em 27.07.2004, o contrato de mandato de 15.04.1998, entre a A. Mediospital – Equipamentos e Produtos Hospitalares, Lda., e terceiros intervenientes como mandantes, e a Ré M2PR – Promoção Auto-Construção Imobiliária, Lda., como mandatária, referente ao Empreendimento do Lote D1 ao ..., com o teor do doc 22 junto ao requerimento inicial, fls 275/279;</font>
</p><p><font>c) julgou extinto em 24.05.2006, o contrato de mandato de 27.05.2000, entre o A. AA e terceiros intervenientes como mandantes, e a Ré M2PR – Promoção Auto-Construção Imobiliária, Lda., como mandatária, referente ao Empreendimento em ..., com o teor do doc 33 junto ao requerimento inicial, fls 418/420;</font>
</p><p><font>d) julgou prescrito o direito dos AA. Mediospital, Lda e BB exigirem à Ré M2PR, Lda., a prestação de contas referente ao Empreendimento do Lote B3 ao ..., pedido de que absolveu a Ré;</font>
</p><p><font>f) julgou prescrito o direito da A. Mediospital, Lda., de exigir à Ré M2PR,Lda, a prestação de contas referente ao Empreendimento do lote D1 ao ..., do período anterior a 31.12.2003, e condenou a dita M2PR, Lda., na obrigação de prestação de contas referente ao mesmo Empreendimento, do período de 01.01.2004 a 27.07.2004;</font>
</p><p><font>h) julgou prescrito o direito do A. AA de exigir à Ré M2PR, Lda, a prestação de contas referente ao Empreendimento em ..., do período anterior a 31.12.2003, e condenou a dita M2PR, Lda., na obrigação de prestação de contas referente ao mesmo Empreendimento, do período de 01.01.2004 a 24.05.2006;</font>
</p><p><font>j) ordenou a notificação da Ré para em 20 dias apresentar as contas em que foi condenada, advertindo-a nos termos do artigo 942.º, n.º 5, do C. P.Civil.”</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>3</font></b><font>.Os autores vieram interpor recurso do Acórdão recorrido, na parte em que este julgou improcedente o recurso de apelação interposto por esses autores, confirmando a decisão de 1.ª Instância, na parte em que esta julgou prescrito o direito dos autores de exigirem à Requerida M2PR – Promoção Auto-Construção, Lda., a prestação de contas. </font>
</p><p><font>Tal é o dispositivo do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de que os autores vieram interpor recurso de revista:</font>
</p><p><i><font>“5. Pelo exposto e em conclusão, com os fundamentos enunciados no ponto 4. do presente acórdão, julgam-se improcedentes as conclusões das alegações de ambos os recursos intentados pelos apelantes e, consequentemente, confirma-se integralmente a decisão recorrida.</font></i>
</p><p><i><font>Custas de cada uma das apelações pelos respectivos recorrentes.”.</font></i>
</p><p><font>Dá-se por reproduzido (louvando-nos também no princípio da parcimónia), </font><i><font>brevitatis causa</font></i><font>, o douto, erudito, extenso e documentado ponto 4 do referido Acórdão. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>4</font></b><font>.Tendo ocorrido, quanto à decisão da Relação, uma declaração de voto (de vencido em alguns aspetos), que poderia eventualmente não afetar o núcleo decisório essencial, apreciada a questão preliminarmente, foram notificadas as partes para se pronunciarem sobre a questão da existência ou não da dupla conformidade. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>5</font></b><font>.AA, “MEDIOSPITAL - EQUIPAMENTOS E PRODUTOS HOSPITALARES, LDA” e BB pronunciaram-se, começando por esclarecer não conseguirem alcançar com segurança a questão colocada pelo relator do processo, e concluindo, depois de considerações sobre o voto de vencido, pela tese da inexistência de dupla conformidade fundada na sua existência.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>6</font></b><font>.Em contrapartida, a contraparte pronunciou-se favoravelmente à declaração da dupla conformidade.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>II</font>
</p><p><b><font>Fundamentação</font></b>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>1</font></b><font>.O objeto do recurso de revista, limitado pelas respetivas conclusões, restringe-se à questão da exceção de prescrição julgada parcialmente verificada pela 1.ª Instância em termos que foram confirmados pela Relação.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>2</font></b><font>.Alegam os recorrentes que o acórdão recorrido confirmou a decisão proferida na 1.ª Instância, mas com declaração de voto de vencido, o que torna admissível a revista. Reiteraram a tese da inexistência da dupla conformidade, depois de interpelados a pronunciarem-se, por despacho do relator (como se disse </font><i><font>supra</font></i><font>).</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>3</font></b><font>.Poderia, com efeito, pensar-se que não lhes assiste razão. E daí ter-se formulado a questão, para que ambas as partes se pronunciassem, em tempo, tendo antes de mais presente o disposto no n.º 3 do art. 671 do CPC.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>4</font></b><font>.Como se entendeu no Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 15-03-2018 (Revista n.º 473/09.6TCGMR.G2.S1, Relatora: Cons.ª Fernanda Isabel Pereira), não obsta à verificação de dupla conforme e, como tal, à verificação da previsão do n.º 3 do art. 671 do CPC, a existência de um voto de vencido na Relação limitado a uma questão processual que não colide com a questão de mérito que é objeto do recurso de revista.</font>
</p><p><font> No mesmo sentido se pronunciou o Acórdão da Formação de 10-12-2009 (Revista excecional n.º 725/08.2TVLSB.L1.S1, Relator: Cons.º Sebastião Póvoas, incluído no Boletim anual de 2009 elaborado pela Assessoria Cível, disponível em </font><font><a>https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2017/10/revistaexcepcional2009.pdf</a></font><font>). Nesse aresto, pode ler-se que “a dupla conforme verifica-se se a Relação confirma sem voto de vencido o julgado na 1.ª instância, sendo que este conceito de voto de vencido é tomado em sentido estrito – desacordo com o segmento decisório – não abrangendo a mera discordância, dos fundamentos vertidos em declaração apendiculada ao aresto.”</font>
</p><p><font> Veja-se também o Acórdão da Formação de 29-09-2009 (Revista excecional n.º 419/08.9TBPTG.E1.S1, indicado no mesmo Boletim Anual suprarreferido), no qual também se entendeu que não integra o conceito de “voto de vencido” previsto no n.º 3 do art. 671 do CPC, uma mera declaração de voto que vem a traduzir-se, a final, em concordância conclusiva.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>5.</font></b><font>Na doutrina, o Conselheiro Abrantes Geraldes (in </font><i><font>Recursos no Novo Código de Processo Civil</font></i><font>, 5.ª ed., Coimbra, Almedina, 2018, p. 371), defende que:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> “(…) desde que o valor do processo e o da sucumbência o permita, nos termos do art. 629, n.º 1, para que se mantenha aberta a porta da revista normal, sem necessidade de procurar por outras vias a superação da “trincheira” colocada no acesso normal ao Supremo, basta a existência de voto de vencido quanto à decisão ou a algum dos fundamentos essenciais. </font><i><font>Já será insuficiente a existência de declaração na qual o adjunto expresse tão só as razões por que votou o acórdão ou a sua posição quanto a algum aspecto que não colida nem com os fundamentos essenciais, nem com o resultado.”(</font></i><font>sublinhado nosso).</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font><b><font>6</font></b><font>.No presente caso, um dos Juízes Desembargadores Adjuntos subscritores do acórdão declarou que ficou “vencido conforme declaração que segue junta”. Em anexo ao acórdão, consta uma “declaração de voto”.</font>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font>7</font></b><font>.Assim sendo, embora eventualmente </font><i><font>prima facie</font></i><font> possa afigurar-se que a declaração de voto não colide com o essencial da decisão, tal não é, a final, a conclusão a que se chega.</font>
</p><p><font>Importa </font><i><font>interpretar</font></i><font> e </font><i><font>aplicar</font></i><font> (e fazê-lo em termos hábeis, </font><i><font>cum grano salis</font></i><font>, não valendo a tese </font><i><font>in claris</font></i><font>... porque nada é, realmente, à partida “claro” para efeitos hermenêuticos – cf., </font><i><font>v.g</font></i><font>., Glauco Barreira Magalhães Filho, </font><i><font>Hermenêutica Jurídica Clássica</font></i><font>, 3a ed., Florianópolis, Conceito, 2009, máx. p. 21 ss.) a referida norma (condensada ou incorporada no art. 671, n.º 3), especificamente na parte em que na mesma se alude à inexistência de “voto de vencido” e apreciar se, no caso concreto, foi emitido um voto de vencido que realmente seja apto a obstar à verificação de dupla conforme. </font><i><font>Quamvis sit manifestissimum edictum praetoris, attamen non est negligenda interpretativo eius </font></i><font>(D. 25, 4, 1, 11). Cf. ainda, </font><i><font>v.g</font></i><font>., Savigny, </font><i><font>Tr. Dt. Romano</font></i><font>, 32 e 50). </font>
</p><p><font>Ora, na verdade, o presente voto de vencido manifestado e junto ao Acórdão recorrido é realmente apto a obstar à verificação da dupla conformidade. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>8</font></b><font>.Colocando a questão objetiva e sinteticamente: </font>
</p><p><font>É na verdade insuficiente (e permitiria a declaração de dupla conformidade) a existência de uma declaração de voto em que o Juiz adjunto expressasse tão só as razões por que votou o acórdão, com alguma desinência lateral na sua posição, ou o seu entendimento discordante quanto a algum aspeto que não colidisse nem com os fundamentos essenciais, nem com o resultado que o Acórdão encerra.</font>
</p><p><font>Porém, o Desembargador signatário da referida declaração votou vencido, não apenas quanto à admissibilidade do recurso da Recorrente, mas também quanto à extinção do mandato, por entender que este subsistiu após a consecução da sua finalidade - a constituição da propriedade horizontal - «</font><i><font>no que toca a um conjunto de aspectos acessórios</font></i><font>». </font>
</p><p><font>Ora, se para o início do prazo de prescrição relevar, como parece, o termo do mandato, a posição do vencido quanto a esse aspeto colidirá frontalmente com o resultado do acórdão e os seus fundamentos essenciais.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>9</font></b><font>.Nesse sentido, nada obsta ao conhecimento por este Supremo Tribunal, do </font><i><font>thema decidendum, </font></i><font>pois</font><i><font> </font></i><font>não se verifica dupla conforme.</font>
</p><p><font>O recurso é admissível nos termos do disposto no art. 671, n.º 1, tendo este Supremo Tribunal de Justiça decidido em Acórdão proferido em 13-11-2003 (Revista n.º 2826/03 - 2.ª Secção, Relator: Conselheiro Santos Bernardino, publicado em </font><a><u><font>www.dgsi.pt</font></u></a><font>) que o art. 1014-A, n.º 4, do anterior CPC, ao qual corresponde, sem alterações relevantes, ao atual artigo 942, n.º 4, do atual CPC, não pode interpretar-se no sentido de que da decisão proferida em processo especial de prestação de contas, sobre a existência ou inexistência da obrigação de prestar contas, apenas cabe recurso de apelação, mas sim com o sentido de que de tal decisão cabe sempre, independentemente do valor da causa, recurso de apelação. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>10</font></b><font>.Atentas as conclusões do recurso de revista, importa apreciar a interpretação do teor dos contratos de mandato celebrados pelas partes, no sentido de apurar se foi convencionado que a obrigação de prestação de contas a cargo do mandatário era periódica e anual, sendo-lhe por isso aplicável o prazo de prescrição mais curto previsto no art. 310, al. g) do CC, ou se o conteúdo dos contratos não afastou a regra prevista no art. 1161, al. d) do CC, que prevê a obrigação de prestar contas no fim do mandato ou quando o mandante as exigir, aplicando-se, por isso, o prazo de prescrição ordinário de 20 anos, como entendem os Recorrentes.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>11</font></b><font>.Sobre a questão especifica em causa nesta ação, não abundará a jurisprudência. Sobre o carácter supletivo da norma contida na alínea d) do art. 1161 do Código Civil, existe, e acessível. Admitindo-se que as partes possam convencionar que a obrigação de prestação de contas a cargo do mandatário possa ser periódica e anual. Nesse sentido, foi proferido o seguinte acórdão, tendo igualmente relevância a doutrina nele citada sobre a matéria em apreço:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><i><font>A norma constante </font></i><a></a><i><font>da alínea d) do art. 1161.º do Código Civil que estipula a obrigação do mandatário prestar contas do mandato ao mandante pode ser afastada por convenção entre as partes, não tendo, assim, natureza imperativa. </font></i>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Revista n.º 1465/07 - 6.ª Secção, 05-07-2007. Relator: Conselheiro João Camilo – cf. </font>
</p><p><a><u><font>http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/bb9b96ef460f3df98025730f0050a71d?OpenDocument</font></u></a>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Para além do contrato de mandato, no sentido de existir liberdade contratual em outros contratos no que respeita à obrigação de prestação de contas, relembre-se o seguinte acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, a propósito da associação em participação:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><i><font>I - A norma do art.º 31 do DL n.º 231/81, de 28 de Julho (que regula os contratos de consórcio e de associação em participação), não pode ser vista como algo que contem um comando imperativo que não pode ser alterado ou eliminado por acordo das partes. </font></i>
</p><p><i><font>II - Na verdade, estamos perante a esfera meramente contratual onde o princípio da liberdade negocial tem a sua mais vasta aplicação (art.º 405 do CC), a menos que estejam em causa princípios conformadores de interesse e ordem pública; vale isto por dizer que é perfeitamente possível às partes contratantes acordarem - quanto ao aspecto específico de um dever contratual de prestação de contas - que esse dever seja cumprido por uma delas ou pela outra já que são elas quem melhor conhece o condicionalismo negocial que melhor permite a execução do contrato. </font></i>
</p><p><i><font>III - Por “assento” de 02-02-84, o STJ fixou jurisprudência quanto a norma inserta no CCom no sentido de que "no contrato de conta em participação o associante é obrigado a prestar contas ao associado, salvo havendo convenção em contrário" (DR, l.ª série, de 15-03-88); tal “assento” tem como pressuposto basilar o funcionamento da regra da liberdade contratual, ou seja, as partes podem alterar por convenção o ditame legal porque não há norma imperativa que impeça o acordo das partes. </font></i>
</p><p><i><font>IV - Se estas podem isentar o contraente obrigado a deixar de prestar contas, por maioria podem os contraentes acordar no sentido de que esse dever seja prestado por outro que não por aquele que supletivamente a lei nomina. </font></i>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Revista n.º 2602/05 - 2.ª Secção - 26-01-2006. Relator: Conselheiro Noronha do Nascimento (Relator). (Não se encontra publicado na dgsi).</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>E o Assento n.º 5/88 de 2-02-88 fixou a seguinte jurisprudência:</font>
</p><p><i><font>“No contrato de conta em participação, regulado pelos artigos 224.º a 229.º do Código Comercial, o associante (sócio ostensivo) é obrigado a prestar contas ao associado (sócio oculto), salvo havendo convenção em contrário.”</font></i>
</p><p><font>(Relator: Conselheiro Meneres Pimentel. Publicado no DR, Série I de 15-02-1988, tendo sido parcialmente republicado, a partir do ponto n.º 8, no DR, Série I de 1988-07-13, não tendo havido, contudo, qualquer alteração do indicado texto do Assento. </font>
</p><p><font>Texto Integral </font><i><font>online</font></i><font>:</font>
</p><p><a><u><font>http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/3964c1cd70af42c8802568fc00393d61?OpenDocument&Highlight=0,072377</font></u></a><font>).</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Ainda sobre a obrigação de prestação de contas, refira-se a doutrina do seguinte acórdão:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><i><font>I - A prestação de contas não está dependente da declaração judicial de nulidade da sociedade irregular. </font></i>
</p><p><i><font>II - Se uma sociedade é nula por vício de forma, por não se ter constituído por escritura pública, a própria nulidade do ente social faz deflagrar a obrigação de prestar contas sem ter que haver a chancela prévia da declaração judicial daquela nulidade. </font></i>
</p><p><i><font>III - A obrigação de prestar contas nunca está dependente do termo da administração de bens ou negócios alheios, sob pena de o credor poder ficar à mercê de quem a deve; a obrigação de prestar contas é exigível durante o período em que a gestão de negócios de outrem é feita. </font></i>
</p><p><i><font>IV - Neste particular o sistema legal é claro: o credor pode exigir em qualquer momento a prestação de contas, a menos que a lei imponha prazos ciclicamente renováveis em que elas possam ser exigidas; é, aliás, o que se passa no contrato de mandato (art.º 1161 al. d), do CC). </font></i>
</p><p><i><font>V - Na administração da herança as contas podem ser exigidas (devem ser prestadas) anualmente (art.º 2093 do mesmo código) independentemente da partilha daquela, sistema que é perfeitamente lógico: se a partilha ocorrer vinte anos depois, não faz sentido que o cabeça-de-casal fique indefinidamente desonerado de uma obrigação que, à data da partilha, poderá originar problemas sérios de cumprimento. </font></i>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Revista n.º 494/99 - 2.ª Secção - 07-10-1999. Relator: Noronha Nascimento. (Texto integral: </font><a><u><font>http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/0c76643bce2c20bf80256c0800537c71?OpenDocument</font></u></a><font>).</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>12</font></b><font>.Sublinhe-se, portanto, desde logo, que, como consta do Sumário de citado aresto: </font>
</p><p><i><font>IV - Neste particular o sistema legal é claro: o credor pode exigir em qualquer momento a prestação de contas, a menos que a lei imponha prazos ciclicamente renováveis em que elas possam ser exigidas; é, aliás, o que se passa no contrato de mandato (art.º 1161 al. d), do CC). </font></i>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Por uma simples interpretação</font><i><font> literal, declarativa, </font></i><font>se diria que no caso específico do contrato de mandato valeria a regra geral da exigibilidade da prestação de contas a qualquer momento. </font><i><font> </font></i><font>Não se necessitando sequer de acordo entre as partes. Pelo art. 1161, al. d):</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>“O mandatário é obrigado:<br>
(...)</font>
</p><p><font>d) A prestar contas, findo o mandato ou quando o mandante as exigir;”</font>
</p><p><i><font> </font></i>
</p><p><b><font>13</font></b><font>.Porém, há que proceder a uma interpretação desde logo integrada no conjunto das fontes, nomeadamente jurisprudenciais, que esclarecem e iluminam as legais – designadamente à luz dos desafios dos casos concretos: ao ponto de haver uma tradição britânica, relatada designadamente pelo comparatista Eric Agostini, segundo a qual uma lei nessa ordem jurídica só seria “verdadeiramente lei” depois de aplicada por um tribunal. Aliás, coisa semelhante afirma o Juiz do Supremo Tribunal dos EUA Benjamin N. Cardozo (</font><i><font>The Nature of Judicial Process</font></i><font>, Londres, Yale Univ. Press, 1960, trad. port. de Silvana Vieira, </font><i><font>A natureza do processo judicial,</font></i><font> São Paulo, Martins Fontes, 2004, p. 93): “O Direito nunca </font><i><font>é</font></i><font>; está sempre prestes a ser. Só se torna real quando encarnado numa decisão judicial (...)”.</font>
</p><p><font>Assim, o douto Acórdão da Relação, de forma que também deseja sintética (o princípio da parcimónia tem aqui pleno cabimento), recorda o Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça (Revista n.º 1465/07 - 6.ª Secção, 05-07-2007. Relator: Conselheiro João Camilo, já citado </font><i><font>supra</font></i><font>) que considera que </font>
</p><p><font>“A norma constante da alínea d) do art. 1161.º do Código Civil que estipula a obrigação do mandatário prestar contas do mandato ao mandante pode ser afastada por convenção entre as partes, não tendo, assim, natureza imperativa.”.</font>
</p><p><i><font> </font></i>
</p><p><font>É que o magno princípio da liberdade de celebração e de estipulação de contratos (ou seja, o princípio da liberdade negocial) prevalece sobre as normas pontuais de natureza supletiva, ou, em geral, que podem ser afastadas pelo explícito exercício desse princípio. Há, na verdade, mesmo que se não remeta para a pirâmide normativa do positivismo lógico de Hans Kelsen (na sua </font><i><font>Reine Rechtslehre</font></i><font>, trad. port. de João Baptista Machado, </font><i><font>Teoria Pura do Direito</font></i><font>, 4.ª ed., Coimbra, Arménio Amado, 1976), uma evidente prevalência de princípios sobre normas, e em especial sobre normas que têm apenas como </font><i><font>ratio</font></i><font> o não deixar o regime de uma dada situação social no vazio. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>14</font></b><font>. Importa ainda sublinhar que a Relação no fundo adere à fundamentação da 1.ª Instância a qual, por sua vez, quanto ao início do prazo da prescrição, parece assentar na demonstração que as partes haviam convencionado: ou seja, (1) a obrigação de prestar contas anualmente – daí a aplicabilidade do art. 310 alínea g) do CC – e (2) que a execução do mandato conferido à R. se extinguiria (por cumprimento) quando fossem celebradas as escrituras de constituição de propriedade horizontal e fosse realizada a divisão das frações com atribuição das mesmas aos (a partir daí) condóminos.</font>
</p><p><font>Nesta pressuposição, remete-se, igualmente em atenção aos princípios da parcimónia e da economia processual, para a fundamentação da decisão da 1ª Instância, designadamente quanto às datas nela referenciadas como sendo as do aludido cumprimento.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>15</font></b><font>.Finalizando: como resulta dos autos, o dever de prestação da Ré, por auto vinculação, era de natureza anual. O que faz cair a situação prescricional sob a alçada da alínea g) do art. 310 do Código Civil. Sendo a prescrição de cinco anos, nessa consequência. É aliás o que o Tribunal da Relação considera, subscrevendo e confirmando a decisão da 1.ª Instância, nomeadamente quando diz:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>“E porque assim é e tendo em conta a factualidade que se encontra provada na acção inscrita na decisão recorrida, impõe-se forçosamente sufragar, sustentar e manter neste acórdão a posição assumida em 1ª instância quanto à natureza anual do dever de prestação de contas a que a Ré estava contratualmente auto-vinculada, tornando assim aplicável ao caso (e à resolução do litígio) o disposto no art.º 310º g) do Código Civil, e, consequentemente, justificando que se entenda que o prazo de prescrição a considerar relativamente à situação material controvertida que deu origem à presente acção é o de 5 (cinco) anos.</font>
</p><p><font>Em suma, com estes exactos fundamentos e sem que, novamente por aplicação do supra referenciado “Princípio da Parcimónia”, haja necessidade de apresentar qualquer outra motivação justificativa, impõe-se julgar igualmente improcedente a apelação apresentada pelos Autores e confirmar também esse segmento da decisão recorrida criticado por esses intervenientes processuais.”</font>
</p><p><font> </font><i><font> </font></i>
</p><p><font>III</font>
</p><p><b><font>Dispositivo</font></b>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Termos em que, em conferência, a 1.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça confirma o Acórdão da Relação de Lisboa na sua integralidade.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Custas pelos recorrentes.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Supremo Tribunal de Justiça, 21 de outubro de 2020</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>_____________________________</font>
</p><p><i><font>Paulo Ferreira da Cunha</font></i><font> (Relator)</font>
</p><p><i><font> </font></i>
</p><p><font>(Atesto o voto de conformidade da Ex.ma Sr.ª Juíza Conselheira Dr.ª Maria Clara Sottomayor – art.º 15º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020 de 13 de março na redação dada </font>
</p><p><font>pelo DL n.º 20/2020 de 1/05 aplicável </font><i><font>ex vi</font></i><font> do art.º 4.º do CPP)</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>___________________________</font>
</p><p><i><font>Maria Clara Sottomayor</font></i>
</p><p><i><font> </font></i>
</p><p><font>(Atesto o voto de conformidade do Ex.mo Sr.ª Juiz Conselheiro Dr. António Alexandre Reis – art.º 15º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020 de 13 de março na redação dada </font>
</p><p><font>pelo DL n.º 20/2020 de 1/05 aplicável </font><i><font>ex vi</font></i><font> do art.º 4.º do CPP)</font>
</p><p>
</p><p><font>____________________________</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><i><font>Alexandre Reis</font></i>
</p></font><p><font><font> </font></font></p> | [0 0 0 ... 0 0 0] |